Temas 2 e 4
Crenças arreigadas, mas falsas e potencialmente letais,
sobre o Estado e sobre os grandes incêndios em meio rural
Em 29 de Junho passado, publiquei aqui um texto com o título Piroverões, a tragédia de Pedrogão Grande e o luto
histriónico de uma certa direita (v.
arquivo do blogue, Junho 2017) que terminava assim:
(1) Num país que, desgraçadamente, arde todos os anos como tem ardido, algum dia iria chegar uma muito terrível catástrofe. Foi agora. (2) E, não nos enganemos, continuamos inteiramente à mercê doutra. [os algarismos
foram acrescentados por mim, para facilitar as remissões que farei a este
enunciado ao longo deste artigo]
1. Um veredicto e um prognóstico
certeiros
O veredicto expresso em (1)
foi, entretanto, corroborado por vários relatórios independentes, que serão
mencionados na segunda parte deste
artigo. Mais importante do que isso é o facto de não terem sido precisos,
infelizmente, mais do que quatro meses para que se realizasse o sombrio prognóstico
(2) que o acompanhava — desta vez, sob a forma dos numerosos, devastadores
e trágicos incêndios rurais (florestais e não florestais) que ocorreram em
dezenas de concelhos espalhados pelos distritos de Viana do Castelo, Porto, Aveiro,
Viseu, Guarda, Coimbra, Leiria e Castelo Branco no passado dia 15 de Outubro e
se prolongaram nos dias seguintes.
15 de Outubro. Incêndio junto à cidade de Braga. Foto de Gonçalo Delgado. Global Imagens |
Foram registados nesse dia
fatídico, segundo o primeiro ministro, António Costa, 523 ocorrências (= ignições), que se
transformaram em 440 incêndios, dos quais 30 de grande dimensão, que provocaram
a morte de 45 pessoas, fizeram 70 feridos (mais de uma dezena em estado grave),
levaram à destruição total ou parcial de cerca de 800 (?) casas, à afectação (por
vezes total) da actividade produtiva em 350 empresas e a uma área ardida de
443.000 hectares de mato e floresta (incluindo 80% do pinhal de Leiria).
Convém lembrar que os incêndios
de Junho 2017 (Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere,
Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e
Sertã) provocaram a morte de 64 pessoas, fizeram 254 feridos (alguns graves), causaram
prejuízos em 491 casas e afectaram a actividade produtiva de 48 empresas.
O Sistema Europeu de Informações
sobre Incêndios Florestais noticiou que já arderam este ano, até 31 de Outubro,
520.000 hectares de mato e floresta. O ICNF (Instituto de Conservação da
Natureza e das Florestas) aponta para um número mais baixo: 442.418 hectares de
área ardida de espaços florestais, entre povoamentos (264.951ha) e matos
(177.467ha), em resultado de 16.981 ocorrências de incêndios de biomassa
vegetal (3.653 incêndios florestais e 13.328 fogachos).
Em qualquer dos casos, 2017 ficará
assim para a história, em Portugal, com o 6º valor mais elevado da última
década em ocorrências de incêndios de biomassa vegetal em meio rural (incêndios
florestais e não florestais) e com os valores mais elevados de sempre em área
ardida e em número de mortos desde que existem registos fiáveis. Só 2003 e 2005
comparam com ele, mas com menor gravidade em quase todos os parâmetros de
desgraça.
2. A tese da “ausência/falhanço/falência/colapso
do Estado”
O veredicto (1) e o prognóstico (2) que tornei a citar na abertura deste
artigo, exprimem perfeitamente o que penso, respectivamente, sobre os grandes incêndios
rurais de 17 de Junho e 15 de Outubro últimos. Revelaram-se ambos certeiros,
não por um mero acaso, mas pelas razões que indiquei logo na primeira secção
do artigo Piroverões,
a tragédia de Pedrogão Grande e o luto histriónico de uma certa direita, já citado.
No entanto, convém informar os leitores que não tenham lido esse artigo, que
os termos exactos em que esse veredicto e esse prognóstico foram enunciados, com
rara felicidade de expressão, não são da minha autoria, como tive também
ocasião de assinalar nesse artigo. O seu autor é José Ribeiro e Castro, um
ex-dirigente do CDS.
O ponto interessante a sublinhar a este propósito é o seguinte. Salvo
melhor informação, José Ribeiro e Castro é o único político da direita
portuguesa a ter expressado esta opinião. Com efeito, a esmagadora maioria dos políticos
e jornalistas da direita portuguesa insistiu reiteradamente na tese, diametralmente
oposta, da ausência/falhanço/falência/colapso
do Estado como explicação para o elevado número de vítimas mortais e para os
grandes prejuízos materiais resultantes dos grandes incêndios rurais de 17 de Junho e 15
de Outubro passado. As únicas divergências que se manifestaram no seio da
direita portuguesa confinaram-se a dois pontos relativamente secundários: (a) a
escolha do substantivo (ausência ou falhanço ou falência ou colapso) que
melhor poderia traduzir o que teria acontecido ao Estado nessas circunstâncias e
(b) a decisão de assacar por inteiro (ou não) ao governo actual a alegada ausência/falhanço/ falência/colapso do
Estado.
A moção de
censura ao governo apresentada pelo CDS na Assembleia da República em Outubro foi
inteiramente construída, no que respeita ao seu conteúdo manifesto (o seu
subtexto, como veremos, é mais subtil) com base na versão maximalista das
premissas (a) e (b), apresentadas ambas como evidentes, a saber: “sim, o Estado
colapsou por ocasião dos incêndios de 17 de Junho e 15 de Outubro”; “sim, o
governo actual é o único responsável por esse colapso, razão pela qual deve ser derrubado”.
Como se sabe,
a moção de censura teve os votos a favor do CDS e do PSD e os votos contra dos outros partidos parlamentares, os quais, sendo em número superior, levaram à sua
rejeição. A moção de censura ficou assim resolvida, mas não a questão da
validade da tese que serviu para justificar a sua apresentação.
Durante o
debate da moção de censura do CDS, não ouvi da parte de nenhum dos partidos que
rejeitaram essa moção (PS, BE, PCP, PEV, PAN) qualquer argumento que refutasse
o cerne da tese da (ou do) ausência/ falhanço/falência/colapso do Estado
por ocasião dos grandes incêndios rurais de 17 de Junho e 15 de Outubro.
O remanescente
da primeira parte deste artigo (a segunda parte será publicada separadamente
para facilitar a sua leitura) será, por isso, dedicado a avaliar a validade
dessa tese nas suas diversas facetas. Terei ocasião de mostrar
pormenorizadamente que a sua validade é nula. Mas uma coisa de cada vez. Para
começar, temos de nos perguntar: do que
é que falamos quando falamos do Estado?
3. Do que é que falamos quando falamos do
Estado?
Segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU), existem actualmente 193 «Estados» (ou
«países» ou «nações independentes»), que, por isso, são membros de pleno
direito dessa organização — ou seja, 193 comunidades políticas ‘soberanas’,
territorialmente independentes.
Podemos criticar
a incoerência da ONU, cujos critérios variam ao sabor das conveniências de alguns
dos seus países membros. Por exemplo, o Reino
Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, constituído por quatro países (Inglaterra, País de Gales, Escócia
e Irlanda do Norte) é considerado como uma entidade única pela ONU, enquanto os
Países Baixos (vulgo, a Holanda), um
dos quatro países constituintes do Reino
dos Países Baixos (Países Baixos, Aruba, Curaçau e São Martinho), é o único
com assento na ONU, que o considera separadamente e acima dos outros, cuja
existência é ignorada. Por outro lado, a ONU não reconhece de todo certos «Estados»
ou «países». É o caso da República da China
(vulgo, Taiwan), cujo território abrange a ilha Formosa e as ilhas Pescadores e alberga
24 milhões de habitantes. A outros «Estados», a ONU só reconhece um estatuto de
mero “observador”. É o caso do Estado da
Cidade do Vaticano (vulgo, o Vaticano), que é o anfitrião da Santa Sé, a
sede episcopal de 1.500 milhões de crentes da Igreja católica apostólica romana
em todo mundo, e o local de residência do seu chefe máximo, o Papa. O Vaticano tem uma população de pouco mais de 800 habitantes e cobre um
território de 44 hectares (0,44 km²).
Seja como for,
uma coisa é certa: em todos os países que são membros plenos da ONU, assim como
nos países que não são membros plenos da ONU, como o Vaticano, ou que não são
sequer membros da ONU, como Taiwan, existe, embora com feições diversas e em
graus diversos, uma relação de dominação em que o poder de uma parte da
população sobre a outra se apoia no monopólio do uso legítimo (i.e. considerado
legítimo) da violência (i.e. da força armada).
No seu ensaio A política como
vocação (1919), o sociólogo Max Weber
(1864-1920) chamou Estado a esta
relação de dominação que existe numa comunidade política territorialmente delimitada
(o ensaio referido está incluído em From Max Weber:
Essays in Sociology, London:
Routledge, 1991, pp.77-128). Não foi o primeiro a fazê-lo. Em 1884, o seu
compatriota Friedrich Engels (1820-1895) tinha já publicado um cuidadoso estudo
sobre A origem da
família, da propriedade privada e do Estado, em que são examinadas
em pormenor três formas através das quais, na Antiguidade Clássica — concretamente,
na península Ática, na península Itálica e no seio dos povos germânicos que
venceram o império romano — o Estado emergiu dos antagonismos de classes socioeconómicas
que despedaçaram a organização gentílica da sociedade que vigorava até então.
Sintetizando as conclusões do seu estudo Engels escreve:
O Estado não é, pois, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro.
Tão-pouco é «a realidade da ideia moral», nem a «imagem e realidade da razão» como
pretende Hegel. É, antes, um produto da sociedade num determinado estado do seu
desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se enredou numa
contradição insolúvel consigo mesma, por se ter cindido em oposições
inconciliáveis que se mostra impotente para conjurar. Mas para que os
antagonistas, as classes com interesses económicos opostos, não se consumam,
elas próprias e com elas a sociedade, numa luta estéril, foi necessário surgir um
poder que, situando-se aparentemente acima da sociedade, conseguisse amortecer
o conflito, mantendo-o dentro dos limites da “ordem”. Esse poder, nascido da
sociedade, mas que assume a supremacia sobre a sociedade e que dela se divorcia
cada vez mais, é o Estado. (…)
Portanto, o Estado não existe desde sempre. Houve sociedades que se
organizaram sem ele, que não tinham nenhuma ideia de Estado e do poder de
Estado (capítulo 9 de A origem da família, da propriedade privada
e do Estado. No seguimento das investigações de Lewis H. Morgan) [minha tradução, a partir da tradução inglesa e da tradução francesa da obra
mencionada]
É interessante
notar que a insistência de Max Weber no ‘território’ (Essays in Sociology, p.78) como uma das
características fundamentais do Estado, foi bem sublinhada por Lewis Henry Morgan
(1818-1881), 47 anos antes:
A cidade, ou o aglomerado [populacional], circunscrita por limites no interior dos quais
se encontram propriedades, constitui o fundamento ou unidade do Estado e conduz
à sociedade política. Esta está organizada numa base territorial, e tanto as
relações de propriedade como as relações pessoais assentam em relações
territoriais (A Sociedade Primitiva. Vol.
1. Portugal: Editorial Presença; Brasil: Livraria Martins Fontes. 3ªedição.
1980, p.17).
|
Lewis H. Morgan
tinha descoberto e analisado na sua obra principal (Ancient Society, 1877) a
universalidade da Gens como
fundamento das formas de auto-instituição política anteriores ao surgimento do
Estado. Treze anos mais tarde, seguindo a trilha de Morgan, Engels escrevia:
Em contraste com a antiga organização
gentílica, o Estado caracteriza-se, em primeiro lugar, pelo agrupamento dos
seus súbditos numa base territorial. Como
tivemos ocasião de ver, as antigas associações gentílicas, formadas e mantidas
por laços de parentesco, tinham-se tornado insuficientes em grande medida, porque
supunham que os seus membros estivessem vinculados a um território determinado,
o que tinha deixado de acontecer há muito tempo. O território permanecera, mas
as pessoas tinham-se tornado móveis. Tomada a divisão territorial como ponto de
partida, deixou-se os cidadãos exercerem os seus direitos e deveres públicos lá
onde se tivessem estabelecido, independentemente da Gens e da tribo. Esta organização dos súbditos do Estado segundo a
sua pertença territorial é comum a todos os Estados. Por isso, parece-nos
natural, mas vimos em capítulos anteriores que foram precisos longos e renhidos combates
para que ela pudesse suplantar, em Atenas e Roma, a antiga organização baseada
nos laços de sangue (op.cit., pp. 207-208 da tradução inglesa de 1908, minha tradução).
Do mesmo modo,
a insistência de Max Weber no monopólio do uso da força armada como outra das
características fundamentais do Estado, foi também bem sublinhada por Friedrich
Engels na mesma obra:
O segundo traço característico do Estado é a instituição
de uma força pública de coerção que já não se
identifica directamente com a população auto-organizada e armada como existia antes. A
necessidade dessa força especial de coerção fez-se sentir a partir do momento em
que a sociedade se cindiu em classes, o que impossibilita qualquer organização
armada autónoma da população. (…). Esta força pública de coerção existe em
todo e qualquer Estado. Ela não se compõe apenas de homens armados, mas também
de acessórios materiais, prisões e estabelecimentos penitenciários de todo o
género, completamente desconhecidos da sociedade gentílica. Essa força pública de coerção pode ser muito pequena [é o caso do Corpo della Gendarmeria dello Stato della
Città del Vaticano, o corpo
de polícia responsável pela segurança, ordem pública, controlo fronteiriço,
controlo de tráfego, investigação criminal e outras funções policiais naquele
Estado minúsculo. Os seus efectivos não excedem 130 indivíduos, NE], quase inexistente nas
sociedades onde os antagonismos de classes ainda não estão desenvolvidos [como a República da Costa Rica, que aboliu as suas forças
armadas há 69 anos e substituiu as suas bases militares por escolas, NE] e em certas regiões longínquas,
como aconteceu em certas épocas e em certos lugares dos Estados Unidos da
América [Engels talvez tivesse aqui em mente, entre outros
exemplos, o período que se sucedeu ao fim da guerra de independência dos EUA (1775–1783)
travada contra a Grã-Bretanha. O exército continental dos EUA chefiado por Georges
Washington foi então reduzido, passando de um efectivo de 17.000 homens, no
auge da guerra, para um efectivo de apenas 600 homens, em 1784, NE]. Mas fortalece-se à
medida que se acentuam as contradições entre classes dentro dos Estados e que os
Estados vizinhos se tornam maiores e mais populosos. Basta-nos observar a Europa
actual [i.e. a Europa no ano de 1884, NE], onde a luta das classes e as guerras de conquista [territorial e colonial, NE] fizeram crescer a força
pública de coerção a tal ponto que ela ameaça engolir a sociedade inteira e o próprio
Estado (op. cit., p.208). [as notas
editoriais (NE) entre parênteses rectos são da minha lavra]
Friedrich Engels (1820-1895) |
Portanto, o
contributo original de Max Weber não reside na sua chamada de atenção para a
base territorial do Estado, nem para o seu carácter de força armada especial,
como requisitos essenciais da relação de dominação de uma parte da população (relativamente
pequena por via de regra) sobre a outra (a grande maioria por via de regra) que
o mesmo Estado corporiza. O contributo original de Weber reside, antes, na sua
insistência no facto de uma tal relação se fortalecer tanto mais quanto os
poderes politicamente dominantes forem capazes de conseguir monopolizar com
êxito o uso legítimo — entenda-se, considerado legítimo — da força armada
como meio de dominação num certo território (From Max Weber: Essays
in Sociology, pp.77-79). Este aspecto não foi teorizado por Morgan
nem por Engels nem, que eu saiba, por nenhum outro investigador anterior a
Weber. (A única excepção é David Hume [1711-1776] que apenas o aflorou no seu Of the First Principles of Government). Merece por isso que nos demoremos um pouco nele.
Nas palavras
de Max Weber, «para o Estado existir, os dominados
devem obedecer à autoridade reclamada pelos poderes que existem» (op.cit.,
p.78, minha tradução) Por isso, os poderes
dominantes têm de se esforçar por conseguir duas coisas: (i) justificar a sua autoridade,
a sua capacidade para se fazerem obedecer docilmente (ou seja, encontrar legitimações convincentes para a sua
dominação de modo a que ela seja não apenas acatada mas também consentida) e (ii) monopolizar nas suas
mãos o uso da força armada, como ultima
ratio (último recurso ou último instrumento a ser usado) para punir os
desobedientes por condutas castigáveis. Combinar com êxito (i) com (ii) é fazer
com que a única fonte do “direito” de usar a violência armada seja atribuída a
certas instituições e estruturas de poder político. É este o sentido do
enunciado «[o Estado moderno] tem sido bem sucedido
ao procurar monopolizar o uso legítimo da força física [leia-se, força armada, N.E] como um meio de dominação dentro de um
território» que Weber (op.cit., pp.82-83, minha tradução) utilizou para resumir a relação íntima entre o Estado e a violência armada.
Max Weber (1864-1920) |
Com isto, dou
por encerrada a indagação relativa à pergunta: do que é que falamos quando falamos do
Estado?
Falamos de um sistema de poder político separado do grosso da população e
apoiado num aparelho especial de coerção constituído por forças policiais e forças
militares. Esse aparelho é especial no sentido em que detém o monopólio do uso legítimo
(i.e. considerado legítimo) de armas de todos os tipos para manter “a lei e a
ordem” num determinado território contra os seus prevaricadores. No caso português, o aparelho especial de coacção do
Estado abrange a GNR (uma força que é simultaneamente policial e militar), as
forças policiais (PSP, PJ, Polícia Marítima, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras,
Corpo de Guardas Prisionais, Polícias Municipais, ASAE) e as forças militares
(Exército, Marinha e Força Aérea), assim como os seus acessórios materiais
(esquadras, quartéis, bases militares, paióis, estabelecimentos prisionais, viaturas,
etc.).
Resta-nos examinar a questão das relações entre o poder político e o
Estado, por um lado, e a questão das relações entre o povo e o poder político,
por outro. Estas questões estão envoltas em grandes e duradouras confusões que
é necessário dissipar antes de entrarmos no assunto dos incêndios em meio
rural.
4. Estado e poder político
É preciso sublinhar, em primeiro lugar, que há uma confusão, cientemente cultivada
por muitos autores, entre Estado e poder político (vulgo, sistema de governo).
Não há sociedade sem poder político — sem poder explícito, colectivo e
público — sem sistema de governo. Haverá sempre conflitos e litígios a dirimir,
sanções a aplicar, recompensas e castigos a atribuir, decisões de todo o género
a tomar que ultrapassam a esfera privada, que afectam a totalidade dos membros
da sociedade quanto ao que deve e não deve ser feito; decisões que não podem
ser deixados ao livre arbítrio de cada indivíduo. A lista dos exemplos é
infindável. Por isso contentar-me-ei com um só, directamente relacionado com o
assunto deste artigo: que medidas devemos
tomar para prevenir e combater incêndios em meio rural?
A auto-instituição da sociedade (isto é, a organização da sociedade pelos
seus membros, pelos sócios) implica a autolimitação do poder político — i.e. a
capacidade de estabelecer leis e de governar dentro de certos limites, de
decidir que há transgressão da lei social em tal ou tal caso, mas não em tal ou
tal outro; de agir com celeridade e firmeza neste e naquele caso, e de abster-se
de o fazer noutros casos.
Por outras palavras, dado o que conhecemos da psique humana, das questões
que suscita a maturação e a socialização dessa psique, das questões que suscita
o relacionamento multifacetado dos seres humanos uns com os outros, com a biosfera
e com a cosmosfera, haverá sempre necessidade de estabelecer leis e normas
reguladoras, de determinar limitações colectivamente decididas para a acção
humana, de aplicar sanções a transgressões qualificadas dessas leis e normas reguladoras.
Muitas delas podem, sem dúvida, ser interiorizadas pelos indivíduos no decurso
do seu processo de maturação e socialização (p.ex. não tratar os outros
animais, incluindo os animais selvagens, com crueldade; não troçar das pessoas
com óbices motores ou sensoriais) mas não podem nunca ser integralmente interiorizadas
ao ponto de se tornarem intransgressíveis, porque se assim acontecesse não
teríamos uma sociedade de indivíduos autónomos, mas uma sociedade de autómatos.
Por conseguinte, haverá sempre um sistema de governo, um poder político.
Mas poder político não quer dizer Estado.
Houve, e ainda há (em certas zonas relativamente isoladas do planeta, como,
por exemplo, a floresta amazónica e as terras altas da Papua-Nova Guiné),
sociedades gentílicas, sem Estado. O Estado é uma criação histórica que podemos
datar e localizar: Mesopotâmia, Antigo Egipto, Antiga China, Roma Antiga, Mesoamérica
pré-colombiana, etc. O Estado é, como vimos anteriormente, um sistema de
governo separado do colectivo dos cidadãos e apoiado num aparelho de coacção
formado por corpos profissionais detentores do monopólio do uso legítimo da
força armada.
Uma sociedade democrática civilizada e tecnologicamente avançada pode
perfeitamente prescindir do aparelho de Estado. Na verdade, uma coisa acarreta
a outra: a existência de uma sociedade democrática acarreta a extinção do
Estado. Numa sociedade democrática, aquelas funções indispensáveis que o aparelho
de Estado actualmente desempenha podem e devem ser restituídas ao colectivo dos
cidadãos através das suas instituições políticas. Mas do que é que falamos
quando falamos de sociedade democrática?
5. Democracia
Os políticos profissionais, os jornalistas, os comentadores políticos e
também a grande maioria dos politólogos, tanto de direita como de esquerda,
chamam democracia ou democracia liberal ao tipo de regime
político que vigora em países como, por exemplo, Portugal, França, Alemanha, Itália, EUA. Ao empregarem essa palavra desse modo, parecem convencidos de que a estão
a usar correctamente.
Mas os atenienses dos séculos V e IV a.C. ficariam estupefactos (e
provavelmente indignados) com o uso que hoje se faz de uma palavra inventada
por eles e que lhes era tão cara. É que, para eles, a democracia significava algo
de completamente diferente do regime político que vigora em Portugal, na
França, na Alemanha, na Itália, nos EUA, e diferente também de qualquer outro tipo de
regime actualmente existente no nosso planeta.
Qual era então o entendimento que tinham da democracia e o que é que
podemos aprender com eles a esse respeito?
A palavra democracia é
inequívoca. Significa “o poder do povo”, “a soberania do conjunto dos cidadãos”, ou ainda, segundo Josiah Ober (2006), “a capacidade do povo de decidir e agir na esfera pública” (do grego antigo δημοκρατία, /dɛː.mo.kra.tí.a/, palavra constituída por dois
morfossemas: dêmo[s], “povo”, e kratia, sufixo relacionado com kratos, “poder”, “supremacia”, “capacidade de decidi e agir”; o poder ou a supremacia ou a capacidade de decidir e agir do povo), ou “o
governo do povo, pelo povo e para o povo”— se optarmos pela definição, duas
vezes redundante, de Abraham Lincoln (1809-1865), o 16º presidente dos EUA.
No seu tratado Política, Aristóteles
(384 a.C-322 a.C.) distingue três ramos do poder: o poder deliberativo (que na democracia
ateniense combinava os poderes que hoje designaríamos por poder legislativo e
poder “executivo”); o poder administrativo (a que hoje chamaríamos “executivo”
e que identificamos com o governo, mas que, na democracia ateniense, abrangia também
grande parte do que hoje designamos por administração pública), e o poder jurisdicional
(v. Política, livro IV, fim da secção
1295a e secção 1295b na paginação Bekker).
Aristóteles (384 a.C-322 a.C.)
No mesmo tratado, Aristóteles caracteriza o cidadão de uma democracia como
alguém que participa plenamente no poder político, através do exercício de
todas as magistraturas, ou seja, de todas as funções de um magistrado, em
sentido lato (v. Política, livro III,
secção 1275a e secção 1275b na paginação Bekker). Essas funções eram não só (i) as deliberativas
(debater, legislar e deliberar na Assembleia
do Povo e no Conselho dos Quinhentos
sobre todos os assuntos de interesse geral), mas também (ii) as jurisdicionais
e (iii) as administrativas — ou seja, todas aquelas que identificamos hoje como
sendo apanágio exclusivo respectivamente, (i) dos deputados do parlamento, (ii)
dos tribunais e do ministério público, (iii) do governo e dos escalões
superiores da administração pública. Em resumo, o cidadão de uma democracia é alguém
que é “governante e governado” ao mesmo tempo (v. Política, livro III, secção 1283b na paginação Bekker).
Não há nenhum exagero nestas palavras de Aristóteles. No regime ateniense da
sua época e do século anterior ao da sua época, a que ele (em sintonia com os demais gregos dessas épocas) dá o nome de democracia, não havia assembleias de
deputados eleitos pelo povo como seus putativos representantes, como sucede na
República Portuguesa. Todos os cidadãos atenienses se “representavam” a si
próprios na assembleia geral e soberana do povo (a Ecclesia), em que todos participavam em pé de igualdade.
Na democracia ateniense não havia magistrados judiciais vitalícios e
inamovíveis, como são os juízes dos tribunais da República Portuguesa actual.
Os tribunais atenienses (diskatêria),
que formavam um conjunto integrado, o Tribunal
do Povo, eram constituídos por colégios de magistrados (jurados) seleccionados
por tiragem à sorte entre todos os cidadãos atenienses maiores de 30 anos, a
partir de uma lista, previamente publicitada, de 6000 candidatos declarados. Os
jurados seleccionados cumpriam mandatos com a duração máxima de um ano, e não
podiam ser seleccionados duas vezes consecutivas para o mesmo cargo. À selecção
anual dos jurados, juntava-se a sua selecção diária (também feita por sorteio)
em função do tribunal e do processo em que eram chamados a intervir.
Na democracia ateniense não havia ministros escolhidos por cooptação pelo primeiro
ministro e chefe do partido maioritário na Assembleia de deputados, como
acontece na República Portuguesa.
Na verdade, não havia ministros
propriamente ditos na democracia ateniense. A única coisa que encontramos nela de
vagamente semelhante aos ministros dos dias de hoje, eram os magistrados que
eram seleccionados por sorteio anual entre todos os cidadãos candidatos para
integrarem um órgão colectivo denominado Conselho
dos Quinhentos (Boulé). O Conselho dos Quinhentos (assim chamado
por ser constituído por 500 conselheiros) tinha um leque de competências muito
diverso e vasto. Cabia-lhe, em primeiro lugar, (i) preparar a ordem dos
trabalhos da Assembleia do Povo e
examinar todos os assuntos a submeter à Assembleia, (ii) velar pela execução
dos seus decretos-lei e das suas decisões e (iii) preparar o trabalho dos nomótetas (os magistrados, também
seleccionados por sorteio, que estavam encarregados de dar a forma final aos
projectos de lei propostos pelos cidadãos, ou aos projectos de revisão de leis
já em vigor, depois de terem sido acolhidos pela Assembleia do Povo). Além dessas funções deliberativas e
legislativas, o Conselho dos Quinhentos
tinha também importantes funções jurisdicionais (p.ex. a de abrir inquéritos e fazer sindicâncias às actividades de todos os magistrados, colégios de magistrados e funcionários, incluindo os seus próprios membros, que fossem alvo
de queixas fundamentadas dos cidadãos), administrativas (cabia-lhe a supervisão da
administração pública, com especial destaque para as funções que hoje, na
República Portuguesa, incumbem ao ministério das finanças) e políticas
(desempenhando as funções que hoje, na República Portuguesa, estão atribuídas
ao ministério dos negócios estrangeiros).
Além disso, um mundo de diferenças separava um conselheiro ateniense de um
ministro dos nossos dias. Qualquer cidadão ateniense maior de 30 anos podia ser
conselheiro, mas só o podia ser duas vezes na vida, não consecutivas, cada uma
das quais com a duração apenas de um ano. E a função de conselheiro adquiria-se
graças a um sorteio entre todos os cidadãos que se tivessem previamente candidatado,
e não, como sucede com os ministros, por escolha discricionária de um primeiro
ministro.
Na democracia ateniense não havia polícia profissional nem forças militares
profissionais. Todos os cidadãos podiam ser chamados a desempenhar, durante um ano,
funções policiais — como, por exemplo, a de guarda dos arsenais (phrouroi) — se fossem seleccionados por
sorteio para esse efeito. A única força semelhante (em parte) a uma polícia profissional
dos nossos dias era uma milícia de 300 archeiros citas que estava à disposição
de vários colégios de magistrados. Paradoxalmente (um paradoxo cuja elucidação
não pode ser feita aqui), os membros desta milícia não eram cidadãos, nem
sequer mercenários (estrangeiros, mas livres). Eram escravos públicos que tinham autorização para o porte e uso de
armas letais (arco e flechas) e não letais (chicotes). Eram eles que asseguravam
a ordem pública na Ecclesia e no Tribunal do Povo e que assistiam os
magistrados encarregados de implementar ou supervisionar outras tarefas policiais.
Todos os cidadãos cumpriam serviço militar (aquilo a que chamaríamos hoje
serviço militar obrigatório) dos 18 aos 20 anos e todos podiam ser mobilizados
até aos 58 anos, em caso de guerra. Esse serviço não era encarado como uma
obrigação penosa, mas, antes, como uma honra e um dever que era cumprido de bom
grado. Era através do cumprimento do serviço militar que os jovens atenienses
adquiriam, aos 20 anos, o estatuto de cidadãos. Os comandantes militares, desde
os estrategos (generais) até aos
oficiais de patente inferior, eram eleitos anualmente pela Ecclesia (= Assembleia do Povo) e por ela avaliados no fim do seu mandato. Em contraste
com todos os outros magistrados tirados à sorte, os comandantes militares eram reconduzíveis no seu cargo (reelegíveis) em
anos consecutivos. Em contraste com os conselheiros (os únicos magistrados que só podiam ser seleccionados por sorteio duas vezes na vida em anos não consecutivos), os estrategos e os demais comandantes militares de patente inferior podiam ser eleitos sem qualquer limite de número de mandatos. Mas não recebiam
nenhum vencimento pago pelo erário público pelas funções que desempenhavam. Os
únicos assalariados permanentes ligados às forças militares eram os remadores
da frota ateniense, que recebiam um salário durante oito meses por ano. Mas os
remadores não eram guerreiros profissionais, nem sequer milicianos combatentes. Tinham uma função demasiado absorvente (remar)
para poderem também combater.
É verdade que o regime político ateniense que vigorou no século V a.C. e na
maior parte do século IV a.C. era um regime político em que as mulheres estavam
excluídas da cidadania e em que as leis e os costumes não proibiam nem
condenavam a escravatura, que era considerada um estatuto jurídico banal,
exclusivamente ditado pelos infortúnios da guerra. «Um povo vencedor de uma
guerra» — pensavam os atenienses dessa época (e estavam longe de ser os únicos
a pensar desse modo) — «tem a prerrogativa de matar ou escravizar os vencidos».
Nesse sentido o regime político ateniense era um regime de dominação de uma
parte da população sobre a outra, um Estado como muitos outros.
Mas não era um regime político em que governantes e governados constituem
dois grupos distintos em tudo, em que um pequeno grupo de cidadãos assume e
exerce todos os poderes republicanos, relegando a massa dos cidadãos para o
papel de espectadores mais ou menos interessados, ou completamente
desinteressados, da sua acção. Bem pelo contrário, era um regime em que todos
os cidadãos (leia-se: todos os atenienses de gema, do sexo masculino e maiores de 20 anos)
eram, sem solução de continuidade, “governantes e governados”, ou seja, em que todos os cidadãos,
além de pertencerem por inerência à Assembleia
do Povo, exerciam rotativamente todos os demais poderes republicanos. Nesse sentido era uma democracia,
não um Estado.
Com o benefício do recuo histórico, podemos afirmar que o regime ateniense
dos séculos de Péricles (495 a.C-429 a.C.) e de Demóstenes (384 a.C-322 a.C.) foi
a prefiguração mais inovadora, o germe mais desenvolvido da democracia que a humanidade conseguiu instituir desde
que entrou na era das sociedades pós-gentílicas. O ponto a sublinhar aqui,
relativamente ao assunto indicado no título deste artigo, é que a democracia e o
Estado são duas realidades antagónicas. Para uma florescer, a outra tem de
desaparecer.
6. Oligarquia liberal
Compreender-se-á agora por que razão os atenienses dessa época longínqua
teriam provavelmente repudiado com indignação que se chamasse democracia a um tipo de regime político
em que o povo elege de dois em dois anos, ou de quatro em quatro anos, ou de
cinco em cinco anos, uns milhares de indivíduos para legislarem, administrarem e governarem
em seu nome (como sucede, por exemplo, em Portugal nas eleições para o parlamento e para as autarquias locais), e em que os magistrados judiciais e do ministério público são,
regra geral, nomeados vitaliciamente (como sucede, por exemplo, em Portugal). É que esta seria uma outra maneira de dizer a esses atenienses: «sim, têm razão. Empregamos a vossa palavra democracia para designar um tipo de regime onde o povo abdicou da sua soberania e a cedeu a uns poucos. Compreendemos a vossa estupefacção e a vossa indignação.»
À luz dos critérios expostos por Aristóteles na sua Política e na sua A Constituição
dos Atenienses, esse tipo de regime seria, para os atenienses dessa época, uma
oligarquia moderada. Podemos dar-lhe
um nome mais moderno e adequado, sugerido pelo filósofo grego/francês Cornelius
Castoriadis (1922-1997): oligarquia
liberal. “Oligarquia” porque uma pequena parte da população tem o monopólio
do poder político: o poder legislativo, “executivo” e jurisdicional. “Liberal”, porque
essa minoria dirigente — frequentemente muito entrosada e sintonizada com os interesses,
privilégios e projectos dos potentados da finança, da indústria, da
agricultura, da pecuária, do comércio e da comunicação social — coexiste com
direitos, liberdades, garantias jurisdicionais e instituições sociais que a
maioria da população conquistou em lutas emancipatórias multisseculares e que
lhe servem de escudo protector nos seus embates diários com as oligarquias.
Cornelius Castoriadis (1922-1997) |
7. O impropriamente chamado “Estado” Social
Entre essas instituições sociais estão serviços públicos de saúde
(hospitais, centros de saúde, unidades fixas e equipas domiciliárias de
cuidados paliativos; unidades de internamento, unidades de ambulatório e
equipas domiciliárias de cuidados continuados; farmácias hospitalares,
laboratórios, controlo da qualidade dos medicamentos, medicamentos comparticipados, etc.), serviços públicos de educação, ensino e ciência (creches, jardins de
infância, escolas, universidades, politécnicos, laboratórios, observatórios, centros
de investigação), serviços públicos de segurança social (protecção monetária contra o desemprego, a
doença e a invalidez; pensões de aposentação, etc.), serviços públicos de protecção civil
(corpos de bombeiros, rede de telecomunicações de emergência, infra-estruturas
críticas, etc.), colectiva e comummente designados por Estado Social ou Estado-Providência. Ambas as designações são enganadoras porque estas instituições nada têm que ver
com o Estado, tal como foi definido mais acima. Seria muito útil e apropriado designar esse
complexo de instituições de outra maneira, como, por exemplo, serviços
públicos de bem-estar e inclusão social. Essa será a designação que adoptarei
doravante, à falta de melhor.
Estamos agora em condições de retomar a questão central da primeira parte
deste artigo: as mortes, os feridos e as
destruições materiais resultantes dos grandes incêndios rurais de Junho e
Outubro passados são uma prova da ausência ou do falhanço ou da falência ou do colapso
do Estado?
Um exame dos factos mostra que a resposta só pode ser negativa.
8. O Estado esteve presente e bem presente nos
grandes incêndios florestais de Junho, Agosto e Outubro
É falso afirmar que o Estado esteve ausente nos grandes incêndios de 17 de
Junho e 15 Outubro deste ano. Então vejamos.
ABRIL de 2017. É anunciada a
programação da intervenção do Estado na época de incêndios que se avizinhava.
1.320 militares do Exército e 60 fuzileiros vão este ano
ajudar a combater os incêndios em Portugal, sobretudo na fase de rescaldo. Uma
garantia deixada esta quinta-feira no Parlamento, pela ministra da
Administração Interna, que admite ter de contratar mais meios aéreos para a
época de incêndios (SIC Notícias, 13 de Abril de 2017).
Este anúncio foi confirmado por todos acontecimentos ulteriores. Senão
vejamos.
JUNHO de 2017. Nos grandes
incêndios de 17 Junho e dias seguintes, o Estado esteve maciçamente presente no
terreno, nos concelhos sinistrados.
“Até ao momento, o Exército já empenhou 641 militares e
149 viaturas no dispositivo de apoio ao combate aos incêndios, nos concelhos de
Vila Real, Viseu, Góis e Pedrógão Grande”, indica um balanço hoje divulgado
pelo ramo. Actualmente no terreno estão 14 pelotões, num total de 308 militares
e 49 viaturas, um grupo de comando para a coordenação dos meios, com 3
militares e uma viatura, cinco destacamentos de Engenharia, com 20 militares e
20 viaturas, das quais cinco máquinas de rasto. Cinco equipas ligeiras de
vigilância e contacto, com oito militares e cinco viaturas, que colaboram
também na distribuição de bens e apoio às necessidades básicas, e duas equipas
de psicólogos, integram ainda o conjunto de meios disponibilizados, adianta o
comunicado.
Quanto à Marinha, estiveram empenhados nas últimas 72
horas 249 militares. O reconhecimento das áreas sensíveis, resgate de cidadãos,
rescaldo de focos de incêndio e distribuição de alimentos e águas são algumas
das tarefas desempenhadas pelos fuzileiros. Os fuzileiros têm realizado tarefas
de reconhecimento de áreas sensíveis, resgate de cidadãos, rescaldo de focos de
incêndio e sensibilização da população para eventuais reacendimentos, bem como
distribuição de águas. A equipa de abastecimento da força de Marinha continua a
garantir a alimentação aos operacionais no terreno, tendo até ao momento servido 6700 refeições, adianta um
comunicado do ramo (Diário de Notícias, 22 de Junho de 2017).
JULHO de 2017. Em fins de
Julho, a comunicação social noticiava:
Em termos de balanço do apoio prestado à Autoridade
Nacional de Protecção Civil (ANPC) e às autarquias, o Exército adiantou ter
empenhado aproximadamente “2600 militares, 532 viaturas e 23 máquinas de rasto
em 22 teatros de operações e nove áreas de patrulhamento dissuasor em 10
distritos e 45 concelhos”. Destacados de 36 unidades do ramo, os militares
formaram equipas de psicólogos, sanitárias, vigilância e detecção de vítimas,
recuperação de viaturas, engenharia militar, patrulhas de dissuasão, grupos de
comando, pelotões para rescaldo e acções de vigilância pós-incêndio (Diário de Notícias, 26 de Julho
de 2017).
AGOSTO de 2017. No dia 12 de
Agosto foram enviados cerca de 100 militares da Marinha para ajudar no combate
aos incêndios em Alvaiázere, no distrito de Leiria, e em Nelas, distrito de
Viseu.
A Marinha enviou para o concelho de Alvaiázere, distrito
de Leiria, um pelotão de Fuzileiros e respectivo apoio de serviços, que incluem
uma cozinha de campanha e apoio médico”, refere a Marinha, em comunicado,
acrescentando que “seguiu mais um pelotão para Nelas”. “Estas duas forças da
Marinha tiveram como missão principal apoiar a população e as forças no local
no combate aos incêndios nestas áreas, em estreita colaboração com as
corporações de bombeiros e a Protecção Civil no local”, lê-se no comunicado (CentroNotícias.pt, 13 de Agosto de 2013).
Agosto de 2017. Militares auxiliam no combate aos incêndios com uma máquina de rasto. Foto de Fernando Gomes.Global Imagens.
No mesmo dia, podia ler-se na imprensa:
De acordo com uma nota do gabinete do Chefe de
Estado-Maior do Exército, estão este sábado a ajudar no combate aos incêndios
590 militares, 116 viaturas e quatro máquinas de rasto. De um total de 50
patrulhas no terreno, 30 colaboram em reposta a pedidos da Autoridade Nacional
de Protecção Civil (ANPC), 10 com o Instituto da Conservação da Natureza e das
Florestas (ICNF) e as restantes 10 com diversos municípios (Jornal de Notícias, 12 de
Agosto de 2017).
15 de Outubro de 2017 às 17 horas. Espessas nuvens de fumo e labaredas gigantes junto a Vieira de Leiria. Foto de Hélder Madeira, bombeiro da unidade especial dos Canarinhos, em Vieira de Leiria. |
OUTUBRO de 2017. No dia 8 de
Outubro lavravam oito grandes incêndios em vários pontos do país — em Pombal, no
distrito de Leiria, em Pampilhosa da Serra e Arganil, no distrito de Coimbra,
em Mortágua e Vila Nova de Paiva, no distrito de Viseu, em Alvaiázere, no
distrito de Leiria, em Veigas, no concelho de Bragança, em Ribeira de Pena, no
distrito de Vila Real. Relativamente a esses incêndios,
o Estado esteve presente no terreno com 212 militares do
Exército, quatro máquinas de rasto e 51 viaturas a apoiar o combate aos
incêndios que lavram no país, foi hoje anunciado. Em comunicado, o Exército
explica que os meios estão divididos em três equipas de ligação, quatro
destacamentos de engenharia, sete pelotões de Vigilância e Rescaldo
Pós-Incêndio e 12 Patrulhas de Vigilância e Dissuasão (Lusa/Diário de Notícias, 8 de
Outubro de 2017).
OUTUBRO de 2017. Em 16 de Outubro,
no dia seguinte ao início de uma nova série de incêndios, o Estado esteve no
terreno, nos concelhos sinistrados (Vieira do Minho, Sabugal, Rio Maior,
Paredes de Coura, Mafra, Vagos, Arganil, Alcobaça, Marinha Grande, Mortágua e
Seia), com 337 militares do Exército (13 pelotões), apoiados por 60 viaturas.
Além disso, o Regimento de Infantaria n.º 14, Viseu, e o Regimento de
Artilharia n.º 4, Leiria, prestaram apoio às populações, com dois módulos de
alojamento e alimentação.
Os militares estão divididos em acções de vigilância e
rescaldo (13 pelotões), operações de retirada de vítimas dos locais afectados pelos incêndios (quatro pelotões) e patrulhamento e vigilância (Lusa, 16 de Outubro de 2017).
Em resumo, são falsas as afirmações, insistentemente repetidas pelos
dirigentes do CDS e do PSD, e pelos jornalistas e comentadores que comungam das
suas ideias centrais, segundo as quais o Estado teria brilhado pela ausência no
terreno durante os grandes incêndios florestais deste Verão. Pelo contrário, como se verifica, o
Estado esteve maciçamente presente, através de forças militares do exército, da
marinha e da GNR.
9. Os incêndios não se combatem com violência
armada
Passemos à segunda tese da direita parlamentar e dos seus parceiros na
comunicação social, segundo a qual o Estado teria falhado/falido/colapsado (há
particípios para todos os gostos) por ocasião dos grandes incêndios florestais
deste Verão.
Esta tese não vale mais do que a da alegada ausência do Estado. É pura
estultícia “acusar” o Estado de ter falhado, de ter falido, de ter colapsado
nos grandes incêndios de 17 de Junho e de 15 de Outubro, porque o Estado não
foi feito nem existe para prevenir e limitar (tanto quanto possível) os danos
resultantes de riscos naturais — ciclones, sismos, erupções vulcânicas, chuvas torrenciais, cheias, incêndios florestais, ondas de calor, vagas de
frio, secas, etc. O Estado foi feito e existe para intimidar, afrontar,
subjugar, aprisionar, punir e, no limite, matar pessoas, através do monopólio do uso (considerado
legítimo) da violência armada. Não admira, pois, que a sua capacidade para prevenir
e combater os grandes incêndios florestais seja muito fraca ou nula.
Os incêndios em meio rural, em especial os grandes incêndios florestais,
não se previnem nem se combatem por meio do aparelho de Estado (forças
policiais e forças armadas). Não se pode detectar um incêndio florestal por
meio de rusgas, montar uma emboscada para o encurralar, amedrontá-lo com
ameaças de uso da força armada, imobilizá-lo com bastonadas e coronhadas,
prendê-lo com algemas e incarcerá-lo, ou matá-lo com uma rajada de metralhadora ou com um
míssil. O fogo incendiário é indiferente ao Estado. O fogo incendiário
escarnece do Estado, faz gato-sapato do Estado, em particular em Portugal
(voltarei a este assunto na segunda parte deste artigo).
Quando o Estado esteve presente no terreno este Verão, no combate contra os
incêndios florestais, teve de se comportar, como vimos, como se não fosse Estado para ter algum préstimo. Porque as tarefas
úteis que os militares do exército, da marinha e da GNR realizaram — operações
de vigilância e reconhecimento de áreas sensíveis, resgate de cidadãos, rescaldo
de focos de incêndio, sensibilização da população para eventuais reacendimentos,
distribuição de refeições, distribuição de águas, operações com máquinas de
rasto, apoio psicológico às vítimas dos incêndios — não são operações militares contra um exército inimigo ou um grupo
terrorista apostado em matar pacatos cidadãos indefesos, destruir casas e
empresas e ocupar o território nacional. São, isso sim, operações de protecção civil contra um risco natural como
são os incêndios florestais.
Militares com pás de valar e ancinhos/enxadas (não com armas!) aprendem como se combate contra os incêndios rurais. Foto do Jornal do Fundão. |
Para organizar com eficácia a protecção civil da população no caso específico
do combate aos incêndios rurais, não
é preciso, nem é curial, recorrer a profissionais especializados na violência armada. O que é
preciso para combater os incêndios em meio rural é uma estrutura civil
altamente qualificada constituída por técnicos de análise e uso do fogo,
sapadores florestais, bombeiros sapadores especializados em incêndios
florestais — como, por exemplo, a Força Especial de Bombeiros Canarinhos — e
bombeiros urbanos, como os nossos bombeiros voluntários (estes últimos não para
combater os incêndios no espaço florestal, mas para proteger a população, as
suas habitações e os seus bens em áreas rurais ou urbanas, quando um incêndio
florestal as põe em risco). E para combater os incêndios florestais não são necessárias armas letais de nenhum género, mas ferramentas manuais e motomanuais adequadas (pás de valar de bordo cortante, ancinhos/enxadas, enxadas, foições, batedores em lona, motoroçadouras, motosserras, etc.), máquinas de rasto, camiões-cisterna, aviões-bombeiro e técnicas adequadas, incluindo o contra-fogo.
Para prevenir e combater eficazmente os incêndios florestais é preciso uma estrutura civil altamente qualificada e ainda mais vasta e diversificada do que a que acaba de ser descrita (voltaremos a este assunto na segunda parte deste artigo).
Para prevenir e combater eficazmente os incêndios florestais é preciso uma estrutura civil altamente qualificada e ainda mais vasta e diversificada do que a que acaba de ser descrita (voltaremos a este assunto na segunda parte deste artigo).
Força Especial de Bombeiros Canarinhos. |
10. A moção de censura do CDS
Nenhuma destas estruturas de protecção civil tem a ver com Estado, mas com
os serviços públicos de bem-estar e inclusão social, de que são uma componente. A direita
neoliberal, que em Portugal se acolhe principalmente no CDS e no PSD, designa estes serviços
por “gorduras do Estado”, querendo com isto dizer que não fazem falta nenhuma
ao Estado. A sua linguagem é deliberadamente confusionista, porque não se trata aqui nem de gorduras nem de Estado, mas a ideia que lhe está subjacente
traduz perfeitamente o seu credo político: “os serviços públicos de bem-estar e inclusão social são uma despesa colectiva supérflua. Mas não desesperemos porque,
felizmente, poderemos acabar com eles, se conseguirmos privatizá-los através de
parcerias público-privadas. Outra coisa é a despesa colectiva com o Estado, que
é absolutamente necessária, porque não podemos viver sem o Estado e porque, infelizmente,
o Estado não pode ser privatizado.”
Por isso, quando a direita fala de “ausência/falhanço/falência/colapso do Estado” a propósito
dos incêndios florestais deste Verão, talvez pretenda apenas dizer, afinal, que
o governo actual deve ser severamente censurado por ter levado o Estado (ainda
que inadvertidamente) a mostrar-se completamente impotente para salvar da morte
119 vidas, vítimas do fogo, e para impedir a destruição pelo fogo de centenas
de casas e empresas.
Se assim for, a moção de censura do CDS e do PSD ao governo do PS, cujos
efeitos práticos foram, à primeira vista, nulos, adquire um sentido propagandístico e
doutrinário muito preciso: procurar mostrar que não se pode confiar na “geringonça” (o
governo e os seus aliados no parlamento) para defender o Estado. O seu subtexto pode ser resumido assim: “o governo
deveria ter demitido a ministra da Administração Interna e os dirigentes
principais da Autoridade Nacional da Protecção Civil, responsabilizando-os por
todas as desgraças resultantes dos incêndios de Junho e Outubro. Era o mínimo
que se lhe exigia para salvar a face. Em vez disso, deixou que se instalasse a
ideia que o Estado é impotente para salvar vidas e bens perante as investidas
de um inimigo antigo, poderoso e bem conhecido de todos, mas não invencível: o
fogo. Resultado: a confiança dos portugueses no Estado foi gravemente abalada e
enfraquecida. Ora, sem um Estado forte é impossível governar. Por isso dizemos:
o governo deve demitir-se”.
Trata-se, como vimos, de uma argumentação sem fundamento, que joga a fundo com a ignorância do público, a desinformação e a confusão de conceitos. Mas não devemos subestimá-la. A direita parlamentar portuguesa conseguiu a proeza de convencer uma parte muito considerável do eleitorado a votar nela em 2015 (obteve 2.086.165 votos [38,57%] num total de 5.408.805 votantes [55,86% dos inscritos]) depois de quatro anos de ataques constantes e intensos do seu governo aos salários, pensões e direitos da maioria dos portugueses. E conseguiu-o com uma história da carochinha («Vivemos acima das nossas possibilidades. Agora temos de pagar pelos nossos desvarios») muito mais tosca do que a que inventou para "explicar" os grandes incêndios florestais.
José Manuel Catarino Soares
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Trata-se, como vimos, de uma argumentação sem fundamento, que joga a fundo com a ignorância do público, a desinformação e a confusão de conceitos. Mas não devemos subestimá-la. A direita parlamentar portuguesa conseguiu a proeza de convencer uma parte muito considerável do eleitorado a votar nela em 2015 (obteve 2.086.165 votos [38,57%] num total de 5.408.805 votantes [55,86% dos inscritos]) depois de quatro anos de ataques constantes e intensos do seu governo aos salários, pensões e direitos da maioria dos portugueses. E conseguiu-o com uma história da carochinha («Vivemos acima das nossas possibilidades. Agora temos de pagar pelos nossos desvarios») muito mais tosca do que a que inventou para "explicar" os grandes incêndios florestais.
José Manuel Catarino Soares
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Continuação
Aqui termina a primeira parte deste artigo. Na segunda parte, a publicar oportunamente, examinaremos as
crenças mais arreigadas — mas falsas e potencialmente letais — sobre os
incêndios em meio rural. Não podemos negligenciá-las nem minimizá-las, porque,
como veremos, elas impedem que os factos relativos aos incêndios rurais de
Junho e Outubro passado sejam compreendidos e que a população assimile as lições
a tirar dessas catástrofes.
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Notas bibliográficas
1.
A colectânea From
Max Weber: Essays in Sociology (London: Routledge. 1991) que mencionei no texto principal foi publicada pela primeira vez em 1948. Foi traduzida no Brasil com o título Max Weber. Ensaios de Sociologia.
Rio de Janeiro: LTC — Livros Técnicos e Científicos. 1982. O ensaio A política como
vocação, que citei no texto principal, é um dos últimos que Weber escreveu (1919). Ocupa na
colectânea brasileira as páginas 97-153. O mesmo ensaio pode ser encontrado no
livro Max Weber.
O Político e o Cientista. Lisboa:
Editorial Presença. 1973, pp. 47-139.
2. A obra de Lewis Henry Morgan citada no texto principal intitula-se Ancient Society — or
Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to
Civilization [A Sociedade
Antiga — ou Investigações Sobre as Linhas do Progresso Humano Desde a Selvageria,
Através da Barbárie, Até à Civilização], New York: Henry Holt and Company, 1877. Esta obra foi
publicada em Portugal, em 1973, em dois volumes, na Editorial Presença (Lisboa)
com o título A Sociedade
Primitiva [?!]. O
subtítulo ficou no tinteiro. A tradução é de Maria Helena Barreiro Alves.
3. A obra de Friedrich Engels citada no texto principal intitula-se Der Ursprung der Familie, des
Privateigenthums und des Staats. Im Anschluss an Lewis H. Morgan’s Forschungen (1884). Utilizei a tradução inglesa de Ernest Untermann,
The origin of the family, private property
and the State (Chicago: Charles H. Kerr & Company. 1908).
Utilizei também, para confronto, a tradução francesa de Jeanne Stern desta obra, L’origine de la famille, de la propriété privée et de l’État (Paris : Éditions Sociales, 1975. Nouvelle édition revue et corrigée, produzida em versão digitalizada por Jean-Marie Tremblay, professor de sociologia no Cégep de Chicoutimi (jmt_sociologue@ videotron.ca), no quadro da colecção “Les classiques des sciences sociales” da Bibliothèque Paul-Émile-Boulet de l'Université du Québec à Chicoutimi, sediada em [http://www. uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/ index. html].
Existe uma edição brasileira deste livro, A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trabalho relacionado com as investigações de L.H. Morgan. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A. 9ª edição, 1984, tradução de Leandro Konder. Existe também uma edição portuguesa na Editorial Avante (1986) que não conheço.
4. O significado do termo democracia na Grécia clássica foi objecto de um reexame recente por parte do historiador Josiah Ober. Com base em provas filológicas, Ober não deixa qualquer dúvida que o termo democracia, em grego clássico, significa «o poder do povo», não no sentido fraco de «a supremacia da maioria sobre a minoria», mas, antes (como foi dito no texto principal), no sentido forte de «a capacidade do povo de decidir e agir na esfera pública». Ver The original meaning of “democracy”: Capacity to do things, not majority rule, comunicação apresentada no encontro anual da American Political Science Association, em Filadélfia, em 31 de Agosto de 2006, disponível em http://www.allacademic.com/meta/p150545_index. html, p.4.
Utilizei também, para confronto, a tradução francesa de Jeanne Stern desta obra, L’origine de la famille, de la propriété privée et de l’État (Paris : Éditions Sociales, 1975. Nouvelle édition revue et corrigée, produzida em versão digitalizada por Jean-Marie Tremblay, professor de sociologia no Cégep de Chicoutimi (jmt_sociologue@ videotron.ca), no quadro da colecção “Les classiques des sciences sociales” da Bibliothèque Paul-Émile-Boulet de l'Université du Québec à Chicoutimi, sediada em [http://www. uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/ index. html].
Existe uma edição brasileira deste livro, A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trabalho relacionado com as investigações de L.H. Morgan. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A. 9ª edição, 1984, tradução de Leandro Konder. Existe também uma edição portuguesa na Editorial Avante (1986) que não conheço.
4. O significado do termo democracia na Grécia clássica foi objecto de um reexame recente por parte do historiador Josiah Ober. Com base em provas filológicas, Ober não deixa qualquer dúvida que o termo democracia, em grego clássico, significa «o poder do povo», não no sentido fraco de «a supremacia da maioria sobre a minoria», mas, antes (como foi dito no texto principal), no sentido forte de «a capacidade do povo de decidir e agir na esfera pública». Ver The original meaning of “democracy”: Capacity to do things, not majority rule, comunicação apresentada no encontro anual da American Political Science Association, em Filadélfia, em 31 de Agosto de 2006, disponível em http://www.allacademic.com/meta/p150545_index. html, p.4.
5. A obra de Aristóteles citada
no texto principal intitula-se Política. Servi-me
da sua versão inglesa, na tradução de C.D.C Reeve (Politics. Indianopolis/Cambridge:
Hackett Publishing Company.1998) e na tradução de H. Rackham (Politics. Cambridge, MA: Harvard University Press;
London, William Heinemann Ltd. 1944. Esta última tradução pode ser consultada no acervo Perseus
Collection Greek and Roman Materials, disponível em http://www.perseus.tufts.edu/). Existe uma tradução portuguesa
de M. de Campos desta obra de Aristóteles, mas a obra foi muito truncada: Tratado de Política. Mem Martins: Edições Europa-América. 1977.
6. A outra obra de Aristóteles mencionada no texto principal intitula-se A Constituição dos Atenienses (em grego antigo, Ἀθηναίων πολιτεία, translit. Athēnaion politeia) e não A Constituição de Atenas, como é, por vezes, erradamente traduzida. Existem pelo menos quatro traduções desta obra: (i) de Delfim Ferreira Leão, Constituição dos Atenienses. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003; (ii) de Francisco Murari Pires, A Constituição dos Atenienses. São Paulo: Hucitec, 1995; (iii) de Edson Bini, Constituição de Atenas. São Paulo: Edipro, 2012; e (iv) de A.S. Costa, A Constituição de Atenas. Rio de Janeiro. Editora Casa Mandarino, 2006, disponível em http://www.consciencia.org/aristoteles_constituicao_de_atenas.shtml.
6. A outra obra de Aristóteles mencionada no texto principal intitula-se A Constituição dos Atenienses (em grego antigo, Ἀθηναίων πολιτεία, translit. Athēnaion politeia) e não A Constituição de Atenas, como é, por vezes, erradamente traduzida. Existem pelo menos quatro traduções desta obra: (i) de Delfim Ferreira Leão, Constituição dos Atenienses. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003; (ii) de Francisco Murari Pires, A Constituição dos Atenienses. São Paulo: Hucitec, 1995; (iii) de Edson Bini, Constituição de Atenas. São Paulo: Edipro, 2012; e (iv) de A.S. Costa, A Constituição de Atenas. Rio de Janeiro. Editora Casa Mandarino, 2006, disponível em http://www.consciencia.org/aristoteles_constituicao_de_atenas.shtml.