Tema 2
Ficção vs. “factos alternativos”
Ursula Kroeber Le Guin é uma das
minhas/um dos meus romancistas favoritos. Recordo aqui, entre outros romances da sua lavra, os inolvidáveis volumes da série The Earthsea Cycle — O Ciclo de Terramar, que inclui: A Wizard of Earthsea, 1968 (“O Feiticeiro de Terramar”, na editora Livros do Brasil, em 1980, ou “O Feiticeiro e a Sombra”, na Editorial Presença, em 2001) ; The Tombs of Atuan, 1971 (“Os Túmulos de Atuan”); The Farthest Shore, 1972 (“A Praia Mais Longínqua”); seguidos, quase duas décadas depois, de Tehanu, 1990 (“Tehanu, o Nome da Estrela”) e The Other Wind, 2001 (“Num Vento Diferente”) — dois volumes que não estão, em minha opinião, no mesmo elevadíssimo patamar dos três primeiros — assim como The
Dispossessed: An Ambiguous Utopia (“Os Despojados: Uma Utopia Ambígua”, nas Edições Europa-América, em 1974, e na Editora Saída de Emergência, em 2017), 1974, e The Left Hand of Darkness (“A Mão
Esquerda das Trevas”),1969; todos traduzidos em Português, com os títulos que foram indicados mais acima entre parênteses, os quais, salvo indicação em contrário, são os que correspondem às edições da Editorial Presença.
Ursula K. Le Guin. Foto de Eileen Gunn
Ursula K. Le Guin está agora com 87
anos e com muito mais rugas do que na fotografia acima, tirada, creio, aos 70 anos. Mas continua bem viva, activa e atenta ao que se passa por esse mundo fora. É seu o pequeno e acutilante texto
sobre a actualidade política que se publica mais abaixo (a tradução
é minha, J.M.C.S, assim como o são as palavras entre parênteses rectos) — uma carta que escreveu recentemente para um jornal da cidade onde vive: Portland, no Oregon (E.U.A).
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«Uma carta recente no The Oregonian compara a pretensão de um
político [Donald Trump] de apresentar “factos
alternativos” com as invenções da ficção científica. A comparação não tem
pernas para andar. Nós, escritores de ficção, fantasiamos coisas. Algumas delas
são claramente impossíveis, outras são realísticas, mas nenhuma é real — são
todas inventadas, imaginadas — e nós apelidamo-las de ficção porque não são
factos. Poderíamos chamá-las “história alternativa” ou “um universo
alternativo”, mas sem nunca pretender que as nossas ficções são “factos
alternativos”.
Os factos não são de
modo nenhum fáceis de destrinçar. Cientistas e jornalistas honestos, entre
outros, passam muito tempo a tentar fazê-lo. O teste de um facto é simplesmente
de que um facto é como é — não tem alternativa. O sol levanta-se a leste. Alegar que o
sol se pode levantar a oeste é uma ficção, afirmar essa ficção como se fosse um
facto (ou um “facto alternativo”) é uma mentira.
Uma mentira é um
não-facto deliberadamente contado como se fosse um facto. Quem conta uma
mentira fá-lo para se tranquilizar a si próprio, ou para enganar, assustar ou manipular outras pessoas. O Pai Natal é uma ficção. O Pai
Natal é inofensivo. As mentiras raramente são inofensivas, e frequentemente são
muito perigosas. Na maioria das épocas, na maioria dos lugares, as mentiras são
consideradas com desprezo pela maioria das pessoas.»
Ursula K. Le Guin. Fiction vs. "Alternative Facts". Letter to the Editor of The Oregonian. 1 February 2017.