Neste blogue discutiremos 5 temas: 1. A segurança social. 2. A linguagem enganosa. 3. As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 4. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 5. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

21 março, 2019

Temas 2 e 5

Segredos de Polichinelo


José Manuel Catarino Soares


A política portuguesa fornece abundantes temas para a Commedia d’Ell Arte, um género teatral muito antigo e popular, mas com escassíssimos cultores em Portugal. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa durante a sua recente visita a Angola são um desses temas (v. “Marcelo avalia cenário político para decidir recandidatura a Belém”, https://www.cmjornal.pt/multimedia/videos/detalhe/marcelo-avalia-cenario-politico-para-decidir-recandidatura-a-belem, Correio da Manhã, 10-03-2019). O que se segue dá uma ideia (ainda que pálida) desse manancial. 

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     Pantaleão, traje e máscara de 1550                        Doutor, traje e máscara de 1653                       

   

Doutor: «Esquerda significa hoje, em Portugal, para a grande maioria da população, PS+BE+PCP+PEV+ (vá lá) PAN, mais coisa menos coisa. Direita significa hoje, em Portugal, para a grande maioria da população, PSD+CDS, mais coisa menos coisa. Tenho a certeza que qualquer sondagem bem feita confirmaria esta descrição.»

Pantaleão: «E que significado tem a eleição do  Capitão Mata-Mouros para Comandante Supremo das Forças Armadas, logo à primeira volta, com 52% dos votos e vencendo em todos os distritos?» 

                                              Capitão Mata-Mouros, traje de 1677

Doutor: «Nesse ponto, curiosamente, as opiniões dividem-se. Pessoas que se dizem de direita afirmam, umas que o Capitão Mata-Mouros é a apólice de seguro da esquerda, outras que ele é a apólice de seguro da direita. Pessoas que se dizem de esquerda afirmam, umas que ele é um “condottiere” de direita eleito com os votos de uma parte da esquerda, outras afirmam que ele é um “condottiere” de esquerda, eleito com uma parte dos votos da direita. Outras ainda afirmam que o Capitão Mata-Mouros não é nem de direita nem de esquerda, nem “condottiere”, mas o provedor dos afectos — o que faz todo o sentido, porque os afectos não são de “direita” nem de “esquerda.” Fica-se com a cabeça à roda, sem saber o que pensar ao certo...»

Briguela: «Não há razão para isso, meu caro doutor. Nada melhor do que consultar o próprio Capitão Mata-Mouros para tirar dúvidas. Ele explicou, há dias, na exacta data em que se completaram três anos sobre a sua tomada de posse como Comandante Supremo das Forças Armadas, que se candidatou a esse cargo em 2016 por «entender na altura [que estava perante] um País dividido entre direita e esquerda (Colombina: «Que horror!») e que era preciso fazer a ponte (Colombina: «Que ponte?»). E esta devia ser feita a partir da direita e não da esquerda, porque [caso contrário] seria esquerda a mais.» Cito ipsis verbis o que ele afirmou nesse dia e que os jornais da nossa terra reproduziram amplamente, como de costume.


          Colombina, traje de 1683                      Polichileno, traje e máscara de 1650


Pantaleão: «Fico esclarecidíssimo.»

Arlequim (muito irritado): «Custa-me a acreditar que o nosso capitão tenha feito essas declarações! O Polichinelo tinha-me dito que tudo isso era um segredo bem guardado!»

Briguela: «Pois, um segredo de Polichinelo... Aposto que veremos o Capitão Mata-Mourosdaqui a um ano, revelar que se recanditará ao cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas em 2021 para continuar a fazer a tal ponte (Colombina: «Que ponte?»), se continuar a haver (como é provável que haja) “esquerda a mais”.»

Pantaleão: «E direita a menos...»

Arlequim (voltando-se para Polichinelo) : «Mau! Mas não foste tu que me garantiste que guardarias segredo sobre as intenções do nosso Capitão Mata-Mouros?»

Briguela (escarninho): «Claro que guardou e continua a guardar…Os segredos do Polichinelo são à prova de roubo, de água, de fogo e de bala!»


Arlequim, traje e máscara de 1671
Briguela, traje e máscara de 1570