Segredos de Polichinelo
José Manuel Catarino Soares
A política portuguesa fornece abundantes temas para a Commedia d’Ell
Arte, um género teatral muito antigo e popular, mas com escassíssimos
cultores em Portugal. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa durante a sua
recente visita a Angola são um desses temas (v. “Marcelo
avalia cenário político para decidir recandidatura a Belém”, https://www.cmjornal.pt/multimedia/videos/detalhe/marcelo-avalia-cenario-politico-para-decidir-recandidatura-a-belem, Correio da Manhã, 10-03-2019). O que se segue dá uma ideia (ainda que pálida) desse
manancial.
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Pantaleão, traje e máscara de 1550 Doutor, traje e máscara de 1653
Doutor: «Esquerda significa hoje, em
Portugal, para a grande maioria da população, PS+BE+PCP+PEV+ (vá lá) PAN, mais
coisa menos coisa. Direita significa hoje, em Portugal, para
a grande maioria da população, PSD+CDS, mais coisa menos coisa. Tenho a certeza
que qualquer sondagem bem feita confirmaria esta descrição.»
Pantaleão: «E que significado
tem a eleição do Capitão
Mata-Mouros para Comandante Supremo das Forças Armadas, logo à primeira
volta, com 52% dos votos e vencendo em todos os distritos?»
Capitão Mata-Mouros, traje de 1677
Doutor: «Nesse
ponto, curiosamente, as opiniões dividem-se. Pessoas que se dizem de direita afirmam,
umas que o Capitão Mata-Mouros é a apólice de seguro da esquerda, outras que ele é a
apólice de seguro da direita. Pessoas que se dizem de esquerda afirmam, umas
que ele é um “condottiere” de direita eleito com os votos de uma parte da
esquerda, outras afirmam que ele é um “condottiere” de esquerda, eleito com uma
parte dos votos da direita. Outras ainda afirmam que o Capitão Mata-Mouros não é nem de direita nem de esquerda, nem “condottiere”, mas
o provedor dos afectos — o que faz todo o sentido, porque os afectos não são de
“direita” nem de “esquerda.” Fica-se com a cabeça à roda, sem saber o que
pensar ao certo...»
Briguela: «Não há razão para
isso, meu caro doutor. Nada melhor do que consultar o próprio Capitão Mata-Mouros para tirar
dúvidas. Ele explicou, há dias, na exacta data em que se
completaram três anos sobre a sua tomada de posse como Comandante Supremo das
Forças Armadas, que se candidatou a esse cargo em 2016 por «entender na altura [que estava perante] um País dividido entre direita e esquerda (Colombina: «Que
horror!») e que era preciso fazer a ponte (Colombina: «Que ponte?»). E esta devia ser
feita a partir da direita e não da esquerda, porque [caso contrário] seria esquerda a mais.» Cito ipsis verbis o que ele afirmou
nesse dia e que os jornais da nossa terra reproduziram amplamente, como de costume.
Colombina, traje de 1683 Polichileno, traje e máscara de 1650
Pantaleão: «Fico esclarecidíssimo.»
Arlequim (muito irritado): «Custa-me a acreditar que o nosso capitão tenha feito essas declarações! O Polichinelo tinha-me dito que tudo isso era um segredo bem guardado!»
Arlequim (muito irritado): «Custa-me a acreditar que o nosso capitão tenha feito essas declarações! O Polichinelo tinha-me dito que tudo isso era um segredo bem guardado!»
Briguela: «Pois, um segredo
de Polichinelo... Aposto que
veremos o Capitão Mata-Mouros, daqui a um ano,
revelar que se recanditará ao cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas
em 2021 para continuar a fazer a tal ponte (Colombina: «Que ponte?»), se continuar a haver (como é
provável que haja) “esquerda a mais”.»
Pantaleão: «E direita a menos...»
Pantaleão: «E direita a menos...»
Arlequim (voltando-se
para Polichinelo) : «Mau!
Mas não foste tu que me garantiste que guardarias segredo sobre as
intenções do nosso Capitão
Mata-Mouros?»
Briguela (escarninho): «Claro
que guardou e continua a guardar…Os segredos do Polichinelo são à prova de roubo, de água, de fogo e de bala!»
Arlequim, traje e máscara de 1671 |