Fantasias
macabras
na
ementa variada da desinformação
José Catarino Soares
O major-general João Vieira Borges ⎼ coordenador do Observatório de Segurança e Defesa da
SEDES, comentador habitual da RTP3 e, ao que me dizem, presença frequente
na SIC Notícias (que deixei de ver há anos) ⎼ afirmou que as
tropas da Rússia sofreram, até à data, 650 mil baixas no teatro de guerra
europeu: 150 mil militares mortos e 500 mil militares feridos (RTP3, Programa
360, 14 de Janeiro de 2025). E acrescentou, sarcasticamente: «Deve ter sido a primeira operação militar especial na
história da humanidade com estas perdas...».
Veremos, nas secções seguintes deste artigo, que nenhuma
destas afirmações é factualmente verdadeira [1].
Major-general João Vieira Borges. Foto: Wikipedia |
1.
Fontes idóneas? Para quê?
O major-general Vieira Borges não achou necessário indicar
quantas foram, até à data, as baixas sofridas pelas tropas ucranianas, para
podermos compará-las com as baixas russas e avaliar o sentido do seu comentário
sarcástico.
Também não achou necessário indicar (a supor que existem)
as fontes dos números que divulgou sobre as baixas russas, para que pudéssemos
avaliar a sua idoneidade e verificar a exactidão dos seus dados.
Presumivelmente, o major-general Vieira Borges acha que o
simples facto de ser ele a dizê-los lhes confere uma chancela de garantia acima
de toda a suspeita. Não lhe passa pela cabeça que nós, os espectadores, possamos
suspeitar que inventou, “martelou” ou colheu esses números em fontes espúrias,
como, por exemplo, o Institute for the Study of War (ISW) de Washington
ou o Ministério da Defesa do Reino Unido.
Em suma, aparentemente já se esqueceu ou nunca fez caso
do apotegma de Ésquilo (525 a.C.‒ 456 a.C.): “Na
guerra, a primeira vítima é a verdade”.
2.
Na guerra, a primeira vítima é a verdade
Eis três exemplos, entre muitos outros.
Há dois meses,
exactamente em 19 de Novembro de 2024, no milésimo dia de guerra, André Bird, o
chefe do Serviço de Informações de Defesa (Ingl. “Defense Intelligence”)
do Reino Unido (RU), anunciou 700 mil baixas nas forças armadas russas (“Russia
hits 700,000 casualties in Ukraine says Britain”, UK Defense Journal, November
19, 2024) — mais 50 mil baixas do que as anunciadas agora pelo major-general
Vieira Borges.
André Bird, chefe dos Serviço de Informações de Defesa do Reino Unido. Foto: GOV.UK |
Em 8 de Dezembro de 2024, Volodymyr Zelensky, declarou
que as tropas russas tinham sofrido 748 mil baixas (198 mil mortos
+ 550 mil feridos) (“Kyiv reveals total
Ukraine casualties in Putin’s war for first time”. Politico. December 8,
2024) — mais 98 mil baixas (48 mil mortos e 50 mil feridos) do que as anunciadas
agora pelo major-general Vieira Borges.
Em 19 de Dezembro, Luke Pollard, Secretário de Estado para
as Forças Armadas do Ministério da Defesa do RU, declarou que as tropas russas tinham
sofrido 750 mil baixas (“Oral statement to Parliament. Minister for the
Armed Forces statement on Ukraine 19 December 2024”. www.gov.uk) — mais 50 mil baixas do que as anunciadas agora pelo major-general Vieira Borges.
Luke Pollard. Secretário de Estado para as Forças Armadas do Ministério da Defesa do Reino Unido. Foto: Wikipedia |
Em quem devemos, então, acreditar? Em André Bird, em Volodymyr
Zelensky, em Luke Pollard ou em João Vieira Borges?
Em nenhum deles. A verdade é que ninguém, no comum
dos mortais, conhece o número exacto nem das baixas russas nem das baixas ucranianas
As únicas excepções são, bem entendido, os dirigentes máximos dos Estados-Maiores
das forças armadas e dos governos da Rússia e da Ucrânia, assim como, no caso
da Ucrânia, alguns altos dignitários do Pentágono, da CIA, da OTAN (/NATO) e da União
Europeia (UE). Mas esses (como, por exemplo, V. Zelensky, A. Bird e L. Pollard)
não o revelarão ao público. É um segredo de Estado bem guardado, que só será
revelado muitos anos depois do fim desta guerra, quando os arquivos secretos
dos dois Estados forem abertos aos historiadores [2].
A menos que algum desses altos dignitários se descaia e
tenha um deslize revelador, ou que dê, propositadamente, com a língua nos dentes. Foi o que sucedeu, no primeiro caso, em 30 de Novembro de 2022, quando
a senhora Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anunciou, num
discurso em vídeo, que 100 mil soldados ucranianos já tinham sido mortos
desde 24 de Fevereiro de 2022. O discurso foi pouco depois apagado da rede
social Twitter [hoje X], mas, sorte madrasta, era já tarde demais
[3].
A verdade inconveniente sobre os soldados ucranianos mortos tinha-se escapulido
de uma das suas prisões domiciliárias.
Se, em apenas 10 meses e há mais de dois anos, já tinham
perecido 100 mil soldados ucranianos, quantos mais não terão perecido desde
então? Donald Trump, que goza da fama merecida de ser desbocado, respondeu a esta pergunta. Segundo afirmou na rede social Truth Social, foram 300
mil, pois o número total de mortos seria, em 8 de Dezembro de 2024, 400 mil.
Zelensky não o desmentiu, mas apressou-se imediatamente a
declarar, no mesmo dia e pela primeira vez, que as forças armadas da Ucrânia tinham sofrido, até a
essa data, 413 mil baixas — mais 13 mil, portanto, das que foram
indicadas por Trump (“Kyiv
reveals total Ukraine casualties in Putin’s war for first time.” Politico. December
8, 2024). Todavia, acrescentou, esse número seria a soma de duas parcelas muito
desiguais: 43 mil mortos + 370 mil feridos.
Só que Zelensky (ao contrário de Trump) tem todos os
motivos para esconder o verdadeiro número de soldados ucranianos mortos (e
feridos). Acresce que o número de militares mortos que anunciou não bate certo
com o número que Ursula von der Leyen revelou inadvertidamente e, muito menos, com
o número que Trump divulgou deliberadamente.
Se os números de militares mortos ucranianos divulgados
por Leyen e Trump forem verdadeiros, a distância entre os números de Zelensky e
a realidade é abissal: 57 mil mortos a menos (apesar do número de Leyen se
reportar a uma data dois anos anterior à de Zelensky) e 357 mil mortos a menos,
respectivamente.
Se os números divulgados por Leyen e Trump forem falsos,
não temos nenhum meio de saber qual é distância que separa os números de Zelensky
da realidade. E não será certamente o major-general João Vieira Borges quem nos
dirá isso, ainda que o soubesse (cf. nota 2). Para ele, esse é, manifestamente, um assunto
tabu.
Isso não impede que se tentem fazer estimativas
verossímeis. Mas, para tal, é preciso afastar liminarmente os números divulgados
pelos serviços de informações de segurança (militares ou civis) dos dois
beligerantes (Rússia e Ucrânia), que não são confiáveis, pela boa e simples
razão de que nenhum dos beligerantes tem qualquer vantagem em informar o seu
inimigo da verdadeira extensão dos danos que ele lhe infligiu, em particular no
que respeita ao mais valioso recurso de que dispõe: os seus combatentes.
Quanto às baixas que cada beligerante alega ter infligido
ao seu inimigo ‒ embora possam ser, por vezes, mais fidedignas quando um dos
beligerantes está claramente em vantagem sobre o outro ‒, também não são confiáveis.
A razão para isso é que podem ser (e são amiúde) inflacionadas por qualquer dos
beligerantes para ludibriar e desmoralizar a opinião pública no campo do seu inimigo
e ludibriar e moralizar a opinião pública no seu próprio campo.
O mesmo se aplica, pelas mesmas razões, aos Estados que instigaram
o governo da Ucrânia a anular e repudiar o Acordo de Paz que este tinha
feito com o governo da Rússia em Istambul, em fim de Março/princípio de Abril de
2022: EUA, Reino Unido, Alemanha, França. Estes Estados deixaram bem claro
nessa ocasião (e em muitas outras subsequentes) que tudo farão para enfraquecer
e desestabilizar a Rússia, nem que, para isso, tenham de combatê-la até ao
último soldado ucraniano [4].
No entanto, esta precaução elementar relativamente à idoneidade
das fontes de informações militares tem sido deliberadamente ignorada pelas
agências noticiosas globais do Ocidente (AP, APF, Reuters, EFE, DPA) que
reproduzem acriticamente as informações sobre o decurso da guerra fornecidas
pelo Ministério da Defesa da Ucrânia e pelos seus congéneres nos
Estados-membros mais importante da OTAN (e.g., Pentágono, Ministério da Defesa
do RU).
3.
A idoneidade depende da metodologia
Salvo melhor informação, só existe uma única fonte cujas
estimativas das baixas russas merecem consideração, em virtude da metodologia
com que são elaboradas. São as estimativas elaboradas pela Mediazona, em
colaboração com a BBC e com a Meduza.
A BBC dispensa apresentações, mas não a Mediazona
e a Meduza. São dois órgãos mediáticos de comunicação social russos que
se autodefinem como acérrimos opositores do presidente Vladimir Putin [5].
Isso explica que estejam interessados em conhecer e divulgar as baixas da
Rússia na guerra em curso em Lugansk, Donetsk, Zaporíjia, Querson e Kursk (para
atacarem Putin, que encaram como a força maligna responsável por essas baixas e
por todos os males que afligem a Rússia), mas não as baixas da Ucrânia nesse teatro
de operações (porque não se prestam para o mesmo propósito anti-Putin).
As sólidas credenciais anti-Putinistas da Mediazona
e Meduza são uma garantia de que as suas estimativas não são elaboradas
para falsificarem por defeito o número de baixas russas. Todavia, e ao
contrário do que se poderia esperar de órgãos mediáticos de comunicação social tão marcadamente sectários, a sua metodologia de recolha e tratamento da
informação atinente às baixas russas é a garantia de que as suas estimativas não
são elaboradas para falsificarem por excesso o número de baixas russas.
A Mediazona tem, de facto, uma metodologia
destinada a assegurar a autenticidade e a completude das informações que
compila para elaborar as estimativas
que faz sobre as baixas russas [6]. É por isso que a podemos considerar uma
fonte de informação idónea neste particular (e só neste).
4.
As estimativas da Mediazona
Ora, a estimativa mais recente da Mediazona (Janeiro
de 2025) é a seguinte: de 24 de Fevereiro de 2022 a
17 de Dezembro de 2024, morreram, pelo menos, 84.761 militares russos.
É um número impressionante, que fala por si sobre
o grau de violência macabra da guerra em curso. Mas é também um número que
desmente as fantasias ainda mais macabras que o coordenador do Observatório
de Segurança e Defesa da SEDES (João Vieira Borges), o chefe do Serviço
de Informações de Defesa do Reino Unido (André Bird), o secretário de
Estado para as Forças Armadas do Reino Unido (Luke Pollard) e o putativo
(o seu mandato expirou em 20 de Maio de 2024) Presidente da República da
Ucrânia (Volodymyr Zelensky), nos querem impingir sobre o número de militares
russos mortos e feridos na guerra em curso. Vejamos como e porquê.
5.
O rácio feridos/mortos em combate
A estimativa da Mediazona do número de soldados russos
mortos levanta a questão: que relação existe, numa guerra (por exemplo, a guerra
em curso entre a Rússia e Ucrânia) entre o número de mortos e o número de
feridos no cômputo das baixas? Esta pergunta só pode ser respondida de um ponto
de vista histórica e geopoliticamente muito abrangente.
Assim sendo, convém saber que, historicamente, na época
moderna, os rácios feridos/mortos das unidades em combate tendem a variar entre
dois feridos por cada militar morto e quatro (ou cinco) feridos por cada militar
morto.
O quadro seguinte (que lista 8 guerras em que os EUA
estiveram envolvidos com tropas no terreno) ilustra esta afirmação. A 1.ª
coluna regista o rácio dos feridos do Exército dos EUA em relação aos mortos em
combate. A 2.ª coluna regista o rácio dos feridos que sobreviveram
relativamente aos mortos em combate e aos mortos por ferimentos.
Antes de prosseguirmos convém clarificar a terminologia. Uma
“baixa” é qualquer militar que tenha sido morto
em combate, ferido, capturado-e-feito prisioneiro de guerra pelo inimigo ou que
esteja desaparecido.
«Os feridos incluem o subgrupo “mortos por
ferimentos”; trata-se de pessoas que estavam feridas e ainda vivas quando
chegaram ao hospital, mas que posteriormente morreram enquanto estavam sob
cuidados médicos. As unidades [em combate] costumam registá-los separadamente dos “mortos em combate”
(os que morreram antes de chegarem a um hospital)» (Christopher
Lawrence, op. cit.).
Posto isto, apliquemos então os rácios 2:1, 3:1, 4:1 e
5:1 de feridos relativamente aos mortos em combate, à estimativa de militares
russos mortos fornecidos pela Mediazona, para calcularmos o número de
feridos em cada caso. Obtemos os seguintes resultados: 169.522 feridos, 254.283
feridos, 339.044 feridos, 423.805 feridos, respectivamente.
Comparemos estas estimativas com o número de feridos russos
avançados por Zelensky (550 mil feridos) e Vieira Borges (500 mil). Estão muito
acima do rácio mais elevado registado historicamente (5 feridos por cada morto
em combate).
São números mirabolantes, fantasias macabras destinadas a
alimentar as ilusões de um público crédulo e ignorante das coisas da guerra em
geral e desta guerra em particular.
Por isso, convém salientar o que os profissionais da
desinformação procuram ocultar: que os números das baixas russas alegados por André
Bird, Volodymyr Zelensky, Luke Pollard e João Vieira Borges, e também das
baixas ucranianas (no caso de Zelensky), estão em contradição flagrante não só com
a correlação de forças e com as posições ocupadas pelos beligerantes no campo
de batalha (com a Rússia em clara vantagem neste particular), mas também com as
suas respectivas capacidades operacionais (com a Rússia também em clara
vantagem neste particular) [7].
6.
Rácio feridos/mortos da 2.ª guerra na Ucrânia
Nada mais se pode dizer, por falta de informação
fidedigna suficiente, sobre o número de baixas da Rússia e da Ucrânia e os respectivos
rácios feridos/mortos em combate — a não ser que as diferenças entre os dois países
serão certamente grandes, em detrimento da Ucrânia, neste particular, como em
tudo o mais, pelas razões expostas mais acima.
Porém, se pusermos de parte essas diferenças, o que é que se pode concluir, globalmente, sobre o rácio feridos/mortos em combate na guerra em curso na Ucrânia? Julgo que, por enquanto, pouco mais se poderá dizer para além do que já disse o historiador militar Christopher A. Lawrence que tenho vindo a citar:
«De um ponto de vista prático,
não sei qual será o rácio entre feridos e mortos nos combates na Ucrânia. Julgo
que seja superior a 3 para 1. Este é o velho número da Segunda Guerra Mundial e
os cuidados médicos melhoraram desde então e muitas pessoas estão agora a usar
coletes à prova de bala. Os coletes à prova de bala aumentam certamente a
capacidade de sobrevivência aos ferimentos causados por explosões e
fragmentações, que constituem a maioria dos ferimentos na maior parte dos
campos de batalha» (Christopher A. Lawrence, “Wounded-to-killed ratios
in Ukraine in 2022”, June 6, 2022 The Dupuy Institute).
7. Os principais responsáveis pela
mortandade desta guerra
Seja como for, uma coisa é certa. Os principais responsáveis pelas
centenas de milhares de mortos e feridos causados até à data por esta guerra nas
fileiras dos dois beligerantes em liça, assim como por todas as desgraças, tormentos e contratempos associados (fuga para o estrangeiro de milhões de civis ucranianos;
deslocação interna de milhões de outros; enormes destruições materiais na
Rússia e, sobretudo, na Ucrânia; milhares de sanções económicas contra a Rússia, recessão na Alemanha, etc.) têm nome, cara e morada conhecida.
São os presidentes da Ucrânia Oleksandr Turchynov (24 de Fevereiro de 2014 ‒7 de Junho de
2014), Petro Poroshenko (7 de Junho de 2014 ‒20 de Maio de 2019) e Volodymyr
Zelensky (21 de Maio de 2019 ‒21 de Maio de 2024), e os presidentes dos EUA,
Barak Obama (20 de Janeiro de 2009‒20 de
Janeiro de 2017), Donald Trump (20 de
Janeiro de 2017‒20 de Janeiro de 2021) e Joe Biden (20 de Janeiro de 2021‒20 de
Janeiro de 2025), coadjuvados por Angela Merkel e Olaf Scholz, chanceleres da
Alemanha; por François Hollande e Emmanuel Macron, presidentes da França; por Boris
Johnson, Rishi Sunak e Keir Starmer,
primeiros ministros do Reino Unido.
Turchynov, Poroshenko e Zelensky são os herdeiros do
golpe de Estado sangrento de Maidan, em Quieve (22 de Fevereiro de 2014) que derrubou
inconstitucionalmente o presidente Viktor Yanukovitch livremente eleito.
― Foram eles que desencadearam e prosseguiram a primeira
guerra na Ucrânia (2 de Maio de 2014 ‒ 24 de Fevereiro de 2022): a guerra civil
contra as populações russas, russófonas e russófilas da República Popular de
Lugansk (RPL) e da República Popular de Donetsk (RPD) na Donbass.
― Foram eles que desrespeitaram durante 8 anos consecutivos
o Acordo de Minsk-I (5 de Setembro de 2014) e o Acordo de Minsk-II (12
de Fevereiro de 2015), com o apoio directo da Alemanha e da França, seus mediadores e avalistas por parte da Ucrânia, e com a conivência dos EUA e do Reino Unido que
votaram a favor da Resolução 2202 (que integrou ipsis verbis o Acordo
de Minsk-II) adoptada pelo Conselho de Segurança da ONU na sua 7384.ª sessão,
em 17 Fevereiro de 2015.
― Foram eles que provocaram a 2.ª guerra na Ucrânia (24 de Fevereiro 2022), ao
anunciarem a sua intenção (i) de renunciarem
ao estatuto de neutralidade militar a que a Ucrânia se vinculara ao subscrever
o Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança (1994); (ii)
de se dotarem de armas nucleares de fabrico próprio ou alheio (5 de Abril de
2021; 19 de Fevereiro de 2022); de (iii) invadirem, conquistarem e
reanexarem a Crimeia (24 de Março de
2021), uma República autónoma da Federação Russa por vontade própria livremente
expressa dos seus habitantes em dois referendos (20 de Janeiro de 1991; 16 de
Março de 2014); e (iv) de impedirem o funcionamento do gasoduto russo conhecido
(em Inglês) por Nord Stream 2 (1 de Setembro de 2021), entre várias
outras provocações da mesma índole.
― Foram eles que desencadearam as hostilidades
conducentes ao início da invasão da Rússia em 24 de Fevereiro de 2022, ao multiplicarem
por 10 e por 20 o número de bombardeamentos da RPD e RPL nos dias 16 e 17 de Fevereiro,
de 2022, respectivamente, e que, na preparação de uma ofensiva em grande escala contra essas repúblicas, elevaram esse número em crescendo nos dias
seguintes que precederam a entrada das tropas russas em território ucraniano.
Obama, Trump e Biden são os herdeiros e continuadores da política
de expansão da OTAN (/NATO) iniciada por Bill Clinton, que levou esta aliança
militar e política até às fronteiras da Rússia, espezinhando assim as garantias
dadas a Mikhail Gorbatchev (em representação da União Soviética, da qual a
Rússia herdou todos os compromissos internacionais) pelos EUA, Reino Unido e
França (as três outras potências ocupantes da Alemanha), de que a OTAN não «avançaria nem um centímetro em direcção ao leste da Europa».
― Foram eles que apoiaram directamente o golpe de Estado
sangrento de Maidan, em Fevereiro de 2014, com a conivência da Alemanha, da
França, da Polónia e da Comissão Europeia, e que seleccionaram o
primeiro-ministro do governo saído do golpe, Arseniy Yatsenyuk.
― Foram eles que armaram a Ucrânia até aos dentes e que treinaram
as suas forças armadas à razão de 10 mil soldados por ano durante oito anos, ajudando-as
na guerra que travavam na Donbass e preparando-as para uma guerra contra a
Rússia.
― Foi um deles, Joe Biden, que recusou liminarmente a Proposta
de Tratado entre os Estados Unidos da América e a Federação Russa sobre as garantias
de Segurança (17 de Dezembro de 2021) que Putin lhe enviou e que propunha,
entre outras medidas, que os EUA se comprometessem a «impedir
uma maior expansão para leste da OTAN e a negar aos Estados da ex-União Soviética
[como, por exemplo, a Ucrânia e a Geórgia] a adesão à
OTAN».
― Foi também Joe Biden, coadjuvado por Boris Johnson
(Reino Unido), Olaf Scholz (Alemanha) e Emmanuel Macron (França), que, em 8 de
Abril de 2022, pressionou com êxito Zelensky a anular e repudiar o Acordo de
Paz que a Ucrânia tinha negociado com a Rússia em fim de Março-princípio de
Abril de 2022,em Istambul, impedindo assim que guerra terminasse na segunda
semana de Abril de 2022, com um número de baixas, danos materiais e tormentos
de toda a espécie muitíssimo menor do que os que se verificam actualmente.
― São eles, enfim, que tudo têm feito, coadjuvados pela
UE e pela OTAN, para alimentar essa
guerra até à data e a ilusão de uma vitória da Ucrânia, fornecendo-lhe um fluxo
enorme e constante de armas de guerra de todo o tipo, munições, instrutores e
conselheiros militares, apoio logístico, informação estratégica militar, assim
como um fluxo, também enorme e constante, de ajuda económica e financeira que
mantêm artificialmente as condições de funcionamento do Estado e da sociedade
ucraniana, mas cuja única contrapartida é a diminuição drástica, a exaustão e o
depauperamento da sua população[8].
Os comentários televisivos do major-general João Vieira Borges e
de tantos outros comentadores da mesma índole caracterizam-se por ocultar e obscurecer
estes factos aos olhos, ouvidos e cérebros do público que os vê e escuta.
……………………………………………………………………………….
Notas
e referências
[1] Verdade factual = correspondência de um enunciado declarativo
com o(s) facto(s) a que ele se refere. Por exemplo, o enunciado declarativo “Está a chover” é verdadeiro se e só se estiver realmente
(efectivamente, factualmente) a cair água do céu.
[2] Não sei se deva incluir o major-general João Vieira Borges no grupo
dos guardiões desse segredo de Estado ou no grupo dos cidadãos a quem ele está
vedado (e que são a esmagadora maioria). Em qualquer dos casos, os números que
declarou não merecem qualquer crédito pelas razões apontadas no corpo principal
deste artigo.
[3] “Von der Leyen comete gafe ao
avançar baixas no exército ucraniano”. Eco, 30 Novembro 2022.
[4] Acresce que este
pequeno conjunto de Estados ‒ que agrupa o peso superpesado (EUA) e os
pesos-pesados (Reino Unido, França, Alemanha) da OTAN(/NATO) ‒ é secundado, ora
com fingido entusiasmo, ora com fingida unção, por quase todos os outros
Estados-membros desta aliança militar e política, desde os meios-pesados
(Itália, Espanha, Canadá) até aos pesos-mosca (Luxemburgo, Estónia, Letónia,
Lituânia), passando pelos pesos-médios e pesos-leves (Suécia, Portugal, Grécia,
Países Baixos, Bélgica, Chéquia, etc.).
[5] Tentei saber quem são os
financiadores destes órgãos mediáticos de comunicação social. Mas todas as
tentativas que fiz se frustraram.
[6] Eis a descrição dessa metodologia pelos seus
próprios promotores: «A Mediazona, juntamente
com uma equipa de voluntários, estuda meticulosamente as publicações nas redes
sociais, as reportagens nos meios de comunicação social regionais e as
publicações nos sítios Web governamentais. O nosso critério para confirmar as
mortes é rigoroso: requer uma publicação oficial ou uma publicação nas redes
sociais de um familiar com os pormenores correspondentes, acompanhados de
fotografias ou datas de funerais de grupos de mensagens locais ou fotografias
de cemitérios. Não contabilizamos as perdas militares das autoproclamadas
repúblicas RPD [República Popular de Donetsk] e
RPL [República Popular de Lugansk]. No entanto,
se um cidadão russo foi voluntariamente para a guerra e se alistou nos
exércitos destas repúblicas (ou foi enviado para lá depois de mobilizado),
contamo-lo. Determinámos os ramos de serviço com base em relatórios sobre o
local onde o falecido serviu, ou por insígnias e uniformes, e não pela sua
especialidade militar. Por exemplo, se um soldado operava uma unidade de
artilharia autopropulsada numa unidade das Forças Aerotransportadas
classificámo-lo como Aerotransportado e não como soldado de Artilharia».
[7] Dispondo de supremacia no espaço aéreo da guerra com a
Ucrânia através dos meios tradicionais (aviões e helicópteros de combate); de
uma produção de mísseis (incluindo o míssil hipersónico Oreschnik e uma
panóplia de outros mísseis hipersónicos
de vários tipos que é a única potência nuclear a possuir) dez vezes superior ⎼ segundo declarou Putin, sem que tenha sido desmentido ⎼ à do conjunto dos Estados-membros da OTAN(/NATO); tendo
consigo fazer, durante o decurso do próprio conflito armado com a Ucrânia, grandes avanços na capacidade de defesa aérea e na guerra electrónica (um
elemento decisivo no uso militar dos drones), e de desenvolver uma
capacidade sem rival de produção de bocas de fogo (morteiros, canhões e obuses)
e munições de todo o tipo (tão
importantes numa guerra de atrição), a Rússia alcançou uma vantagem tecnológica
e uma maleabilidade operacional que lhe conferem simultaneamente a capacidade (i) de se defender eficazmente contra qualquer
ataque inimigo, (ii) de evitar o uso de armamento nuclear, como ultima
ratio regum [o último argumento do rei] e (iii) de cancelar efectivamente (pelo menos durante os anos mais próximos) a sentença de morte
que o uso desse armamento representaria para a humanidade no seu conjunto.
[8] Estas não são afirmações infundadas. Desenvolvi-as com grande sortido de dados e argumentos num livro (Dissipando a Névoa Artificial da Guerra. Um roteiro para o
fim das guerras na Ucrânia, a paz na Europa e o desarmamento nuclear
universal. Editora Primeiro Capítulo. Agosto 2023) e em numerosos artigos
publicados neste e noutros blogues. Para eles remeto os leitores interessados.