Neste blogue discutiremos 4 temas: 1. A linguagem enganosa. 2 As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 3. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 4. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

09 dezembro, 2025

 TEMAS 1 e 2

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2026:  

EM QUEM VOTAR?

José Catarino Soares

 

«O povo, num país que não é uma democracia (e a França não o poderia ser), só pode falar e agir [politicamente] através dos seus representantes» (Emmanuel Joseph Sieyès [*], discurso de 7 de Setembro de 1789)

 

1. Os protocandidatos presidenciais

As eleições para Presidente da República portuguesa estão marcadas para o dia 18 de Janeiro de 2026. O prazo para a entrega das 7.500 assinaturas válidas de eleitores necessárias para a formalização de cada uma das candidaturas junto do Tribunal Constitucional (TC) termina em 18 de Dezembro de 2025.

À data em que escrevo (8 de Dezembro de 2025) os candidatos que já entregaram as assinaturas e formalizaram a sua candidatura são: João Cotrim de Figueiredo, Manuel João Vieira, António Filipe e Humberto Correia.

É expectável que outros candidatos formalizem as suas candidaturas antes do prazo final de 18 de Dezembro. Os mais conhecidos são Luís Marques Mendes, André Ventura, Henrique Gouveia e Melo, António José Seguro, Catarina Martins, Jorge Pinto.

O número total de candidatos só será definitivo após a verificação e validação de todas as candidaturas e assinaturas pelo Tribunal Constitucional, até ao dia 24 de Dezembro. Não sabemos quantos protocandidatos passarão no crivo do TC. Mas, para efeitos de argumentação e para os pôr todos em plano de igualdade, vou dar de barato que todos passarão nesse crivo.

2. O juramento presidencial

O Presidente da República Portuguesa está obrigado a fazer um juramento solene cujo teor está pré-estabelecido na Constituição da República Portuguesa (CRP), no n.º 3 do seu Artigo 127.º O texto integral do juramento, proferido no acto de posse perante a Assembleia da República, é o seguinte:

«Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa

Defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição é um compromisso de honra, adaptado às suas funções específicas, que muitos outros titulares de cargos de poder político estão também obrigados a fazer na sua tomada de posse. É o caso do Presidente da Assembleia da República (que presta juramento e toma posse perante a Assembleia da República), do Primeiro-Ministro, Ministros e Secretários de Estado (que prestam juramento perante o Presidente da República) e dos Juízes e Magistrados do Ministério Público.

Por exemplo, a fórmula de juramento dos magistrados do Ministério Público é a seguinte: 

«Juro por minha honra cumprir a Constituição da República Portuguesa e as leis e desempenhar fielmente as funções do meu cargo».

Marcelo Rebelo de Sousa (com a mão sobre um exemplar da Constituição), proclamado eleito Presidente da República na sequência do acto eleitoral de 24 de Janeiro de 2021, em que obteve 60,67% dos votos, faz o juramento solene, em cumprimento do n.º 3 do artigo 127.º da Constituição da República Portuguesa, na sua tomada de posse perante a Assembleia da República.

 

Por conseguinte, a parte relevante do juramento do Presidente da República, a que verdadeiramente individualiza o seu cargo político, é a seguinte:

«Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido».

3.As funções presidenciais e a sua hierarquização

A Constituição da República Portuguesa em vigor [1], estabelece, no seu artigo 120.º, que o Presidente da República desempenha cinco funções fundamentais e exclusivas. Essas funções encontram-se enunciadas, no texto constitucional, por esta ordem:

a. Representar o Estado, b. Garantir a independência nacional. c. Garantir a unidade do Estado. d. Garantir o regular funcionamento das instituições democráticas. e. Exercer, por inerência, a função de Comandante Supremo das Forças Armadas.

É óbvio que há uma hierarquia entre estas 5 funções. Essa hierarquização não corresponde à ordem (arbitrária) pela qual elas estão enunciadas no texto constitucional. O número 1.º do artigo 3.º da Constituição da República portuguesa estabelece que «a soberania reside no povo» e o número 1.º do artigo 7.º estabelece que a independência nacional é um corolário da soberania.

Por conseguinte, garantir a independência nacional é a função presidencial mais importante de todas e a que condiciona todas as demais.  

Sem “independência nacional(b), as funções presidenciais degradam-se. 

A  função presidencial (a) de “representar o Estado” passa a ser, necessariamente, a de representar um Estado vassalo.

A função presidencial (e) de Comandante Supremo das Forças Armadas passa a ser, necessariamente, a de Comandante Supremo das Forças Armadas de um Estado vassalo.

A função presidencial (c) de garantir a unidade do Estado” passa a ser, necessariamente, a de garantir a unidade  de um Estado vassalo.

A função presidencial (d) de garantir o regular funcionamento das instituições democráticas passa a ser a de garantir o regular funcionamento das instituições não-democráticas, como são, necessariamente, as instituições de um Estado vassalo.  

Os artigos 133.º-138.º da Constituição especificam, em termos de “competências”, os poderes presidenciais relativamente às 5 funções supramencionadas, mas sem ter em conta a sua hierarquização.

Daí resulta, por conseguinte, que o teor desses artigos propicia uma discussão interminável ‒ e muitas vezes especiosa ‒ sobre os poderes presidenciais.

Não vou, por isso, embarcar nessa discussão. Deixemo-la para os chamados constitucionalistas (especialistas em direito constitucional), que nela se especializam e comprazem por interesse e dever de ofício.

Parece-me bem mais útil e pertinente, enquanto eleitor e activista [2], pôr a questão noutros termos.

4. A regra do jogo eleitoral

Temos de ter em conta, antes de mais:

(i) que o povo, num país que não é uma democracia (e Portugal não o é), só pode falar e agir politicamente através dos seus representantes eleitos (como disse muito bem o abade Sieyès há mais de 200 anos)  

(ii) e que os ditos representantes, antes de ser eleitos, são candidatos que precisam dos votos dos eleitores para serem eleitos para esses cargos electivos.

Daí se segue que, se me pedem o voto como eleitor, preciso de saber a quem o dar, se o der. E se o der, é preciso que quem o receba seja alguém que o mereça.


Emmanuel-Joseph Sieyès, conhecido como “o abade Sieyès”, aos 69 anos. 

Este retrato a óleo de Jacques-Louis David está nos Harvard Art Museums. Fonte: Wikipedia

 


5. Os critérios de avaliação dos candidatos presidenciais

No caso dos protocandidatos e dos candidatos à eleição para presidente da República portuguesa em Janeiro de 2026, os critérios principais de avaliação desse merecimento são, para mim, na conjuntura actual, a posição dos protocandidatos e candidatos presidenciais (A) sobre a OTAN (/NATO), (B) sobre as guerras na Ucrânia, (C) sobre as relações com a Rússia, (D) sobre as relações com Israel e a Palestina., (E) sobre a União Europeia e o Euro.

É a posição dos candidatos presidenciais sobre estas 5 questões que nos permitem avaliar se está ou não disposto a “garantir a independência nacional”, indissociável da soberania do povo. A soberania do povo ‒ afirmada nos artigos 2.º e 3º. da Constituição ‒ só pode ser exercida plenamente num Estado que seja, ele próprio, soberano e independente perante poderes externos.

Pela minha parte, só estou disposto a votar num candidato presidencial que defenda:

 (A) a saída de Portugal da OTAN,

(B) o fim de qualquer ajuda militar à Ucrânia e o apoio a negociações com vista a um Acordo de paz que inclua

(b.1) a neutralidade militar da Ucrânia e a concomitante renúncia formal da sua intenção de entrar na OTAN;

(b.2) o direito de autodeterminação das populações do Leste e Sul da Ucrânia que se sentem mais russas do que ucranianas e que expressaram (ou expressarem) livremente a sua vontade através de referendos;

 (b.3) garantias de segurança mútua para a Ucrânia e a Rússia sem a intromissão de tropas e/ou a instalação de bases militares estrangeiras no solo desses países;

(C) o repúdio e o fim da russofobia sob todas as suas formas, incluindo

(c.1) o congelamento e a confiscação dos activos soberanos do Banco Central da Rússia [3];

(c.2) as sanções económicas, comerciais e culturais contra a Rússia;

(c.3) o aumento anual em 5% do PIB até 2035 das despesas militares no Orçamento de Estado para satisfazer os interesses do complexo militar-industrial americano (CMIA) e do complexo militar-industrial europeu (CMIE) [4];

(c.4) a corrida aos armamentos nos países da União Europeia (800 mil milhões de euros até 2030) — ambos (c.3 e c.4) sob o falso pretexto de uma fantasiosa ameaça de invasão e conquista de países da UE pela Rússia;

D) O corte de relações com Israel, que inclua, nomeadamente:

(d.1) declarar o embaixador de Israel em Portugal persona non grata ao abrigo do artigo 9.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas;

(d.2) retirar o embaixador de Portugal em Israel (na gíria diplomática, “chamar o embaixador para consultas, sem prazo para retorno”), à semelhança do que fez o Brasil e a República da África de Sul;

(d.3) apoiar o processo judicial que a República da África de Sul moveu contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça em 28 de Dezembro de 2023, com base na declarada intenção genocida dos titulares do Estado de Israel contra o povo palestino em Gaza;

(d.4) suspender sine die todos os acordos culturais e de cooperação financeira, económica, industrial, teenológica-científica e de turismo entre Portugal e Israel [5];

(d.5) apoiar a constituição na Palestina de uma República una, democrática, laica, palestina: [6]

(E) a necessidade de rever a Constituição, revogando os números 5, 6 e 7 do seu artigo 7.º  

6. Elucidação dos critérios de avaliação

6.1. A OTAN sem máscara

 A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é, como é bem sabido, uma organização criada, patrocinada, chefiada e maioritariamente financiada pelos EUA.

Cimeira da OTAN em 25 de Junho de 2025, em Haia (Terras Baixas). Fonte: Ministerie van Buitenlandse Zaken / Bart Maat


Esta organização foi inicialmente apresentada como uma aliança militar defensiva em relação à União Soviética. No entanto, o seu propósito nunca se restringiu exclusivamente ao contexto da União Soviética e o alegado carácter defensivo da organização foi sempre um elemento de “comunicação estratégica[7] — entenda-se: de propaganda e desinformação do seu patrono: os EUA.

Comecemos pelo propósito da constituição da OTAN em 1949. O general Hastings Ismay, primeiro secretário-geral da OTAN (1952-1957), formulou-o de um modo lapidar: «Manter a União Soviética fora [da Europa Ocidental], os Americanos dentro e os Alemães na mó de baixo» [8].

Quanto ao alegado carácter defensivo da OTAN, foi sempre uma descarada mentira, mesmo na época (1949-1960) em que ela estava mais escondida do olhos do público. Essa mentira foi completamente refutada em 1987 por dois físicos americanos, Michio Kaku e Daniel Axelrod, no seu livro To Win a Nuclear War: The Pentagon’s Secret War Plans. No seu livro [9], Kaku e Axelrod trabalharam com base numa enorme massa de documentos do Pentágono que tinham sido classificados com a menção Máximo Segredo (Top Secret) e que foram, entretanto, desclassificados ao abrigo do Freedom of Information Act.


Michio Kaku é professor de física teórica no City College of New York (CCNY)
e no CUNY Graduate Center (EUA)


 

Daniel Axelrod é Professor Emérito de Física, Investigador Científico Emérito de Biofísica,

 Professor Emérito em Serviço de Farmacologia na Universidade de Michigan (EUA)


Eis uma súmula dos seus achados relativamente ao período de 1949-1960, quando a OTAN ainda gozava, aos olhos do público ocidental, de uma reputação virginal (totalmente pré-fabricada) de aliança militar “defensiva”.

«Um ano após a morte de Franklin D. Roosevelt [isto é, em 1946, n.e.] Harry Truman ameaçou a União Soviética com um ataque atómico se ela não se retirasse do Irão em 48 horas. Mais tarde, John Foster Dulles [ministro dos Negócios Estrangeiros do Presidente Eisenhower, n.e.ofereceu duas bombas atómicas aos franceses para aliviar o cerco de Dien Bien Phu. Foram feitos planos pormenorizados para usar armas nucleares contra as forças coreanas concentradas em torno de Kaesong, mas foram adiados quando mentes militares mais sóbrias observaram a vulnerabilidade muito maior das forças americanas em Pusan e em outros lugares. Os planeadores americanos da guerra nuclear elaboraram estratégias para paralisar a União Soviética com nomes reveladores como BROILER [frango para grelhar], FROLIC [Folia], SIZZLE [chiar na grelha], SHAKEDOWN [extorsão], DROPSHOT [tiro em queda] e VULTURE [abutre]. O número de alvos soviéticos a serem destruídos [com bombas nucleares] cresceu de 20 cidades em Dezembro de 1945 para 200 cidades em 1949 e para 3261 alvos no total em 1957» [10].

Com a reunificação da Alemanha (1990), a dissolução do Pacto de Varsóvia (Março de 1991) e a dissolução da União Soviética (Dezembro de 1991), desapareceram todos os pretextos oficialmente invocados para justificar a criação (1949) e a manutenção da OTAN durante 40 anos. Por conseguinte, a OTAN deveria ter-se dissolvido. Mas não foi isso que aconteceu. A OTAN continuou a existir, mostrando bem a falsidade da alegação de que a sua única razão de existência era a de combater a União Soviética e corroborando a veracidade da fórmula tripartida do general Hesting Ismay. Para o seu patrono, a oligocracia americana, continuava a ser importante manter-se dentro Europa e a mantê-la sob rédea curta — a principal razão de ser da criação e manutenção da OTAN. 

E foi assim que a OTAN não só se manteve como se expandiu  em 5 ondas sucessivas (1999, 2004, 2009, 2017, 2020) em direcção às fronteiras da Rússia — espezinhando as garantias dadas a Mikhail Gorbachev e Eduard Shevardnadze, em representação da União Soviética, pelos EUA, Reino Unido e França (as três outras potências ocupantes da Alemanha), de que a OTAN não avançaria «nem um centímetro em direcção ao Leste da Europa» (James Baker III, ministro dos Negócios Estrangeiros dos EUA no governo de George H.W. Bush, 1990) [11].

A OTAN tem hoje o dobro (!!) de Estados-membros (32) do que tinha em 1991 (16). E para que não restassem qualquer dúvida sobre as suas intenções, Jens Stoltenberg, à data secretário-geral da OTAN, declarou: «Mantemos a porta aberta [à adesão de outros países da Europa, n.e.] e se o objectivo do Kremlin é ter menos OTAN nas fronteiras da Rússia, só terá mais» (19 de Fevereiro de 2022).

É também a partir dos anos 1990 que a OTAN deixa cair completamente a máscara benevolente de uma aliança militar defensiva. Qualquer pessoa intelectualmente honesta não pode deixar de constatar que a OTAN é uma aliança militar ofensiva e extremamente letal, como mostra o seu extenso e variado cadastro de agressões militares a países, dentro e fora da Europa ‒ República Federal da Jugoslávia, Bósnia-e-Herzegovina, Sérvia (1992-1995, 1999); Afeganistão (2001-2014, 2015-2021); Líbia (2011) ‒ que nunca declararam guerra nem atacaram qualquer dos seus Estado-membros de forma a que pudessem invocar o seu famoso artigo 5.º

A sua intervenção contra a Rússia, por interposta Ucrânia, a partir de 2022, é a última das suas proezas bélicas. Com esta novidade arrepiante: desta vez o país (a Rússia) contra o qual combate tanto às claras como furtivamente [12] não só nunca declarou guerra a, nem atacou, qualquer dos seus Estados-membros, como tem a capacidade de aniquilar nuclearmente qualquer deles se se sentir acossado. Mas isso não impediu de modo nenhum a OTAN, sob a chefia de um presidente senil (Joe Biden), de prosseguir durante três anos, por interposta Ucrânia, uma escalada militar que poderia ter-nos arrastado todos para um holocausto nuclear.

6.2. Fundamentos da medida A (saída de Portugal da OTAN)

A saída de Portugal da OTAN é, pois, uma exigência política e moral que o/a presidente da República deve assumir perante os eleitores portugueses e perante o poder legislativo para poder cumprir a sua tarefa de “garantir a independência nacional”.

Mas é também um imperativo constitucional que o presidente da República tem de cumprir e fazer cumprir. O texto integral do n.º 2 do Artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa estipula que:

«Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos». [realce a traço grosso acrescentado ao original, n.e.]

6.3.  Fundamento constitucional das medidas B, C, D

O n.º 1 do artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa explicita que «Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade»

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 7 estabelece que «Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão».

Estes princípios constitucionais, que o presidente da República tem de cumprir e fazer cumprir, constituem o fundamento das medidas B, C e D expostas na secção 5 deste artigo.

7. Portugal relativamente à UE e à Zona Euro

O n.º 3 do artigo 5.º da Constituição da República reforça o princípio da independência nacional que rege a actuação de Portugal nas relações internacionais (cf. artigo 7.º) ao estabelecer que o Estado «não aliena qualquer parte do seu território ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce».

Estes princípios constitucionais são incompatíveis com a pertença de Portugal à UE e à Zona Euro. Isto porque, ao aderir à UE (1986) e ao Euro (2002), Portugal abdicou do exercício de certas competências soberanas em favor das instituições da UE e da Zona Euro num quadro dito de “soberania partilhada”. De facto, essas competências não foram compartilhadas mas transferidas para órgãos supranacionais: Comissão Europeia, Conselho Europeu, Conselho da União Europeia e Parlamento Europeu, no caso da UE; Banco Central Europeu e Eurosistema, no caso da Zona Euro.

As principais áreas em que o exercício de competências soberanas foi transferido para esses órgãos supranacionais incluem:

― Política Comercial Externa: A competência para negociar acordos comerciais com países terceiros passou a ser exclusiva da UE (união aduaneira e mercado único).

― Política Monetária (com a adopção do Euro): Portugal transferiu a sua soberania monetária e cambial para o Banco Central Europeu (BCE) e para o Eurosistema.

― Política Agrícola e de Pescas: Estas áreas passaram a ser regidas por Políticas Comuns (PAC e PCP), com a gestão de quotas e fundos a nível europeu.

― Política de Concorrência e Mercado Interno: Regras harmonizadas garantem a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, limitando a capacidade do Estado português definir políticas que restrinjam essa circulação.

― Parte da Política Orçamental: Com a adesão ao euro, Portugal comprometeu-se a respeitar regras de coordenação das políticas económicas e orçamentais (como os limites ao défice e dívida públicos).

― Justiça e Assuntos Internos (em certas áreas): Algumas competências em matéria de cooperação judiciária e policial foram partilhadas para permitir a criação do espaço de circulação, e de cooperação policial e judiciária,  conhecido como Espaço Schengen.

8. Impotência programada do Presidente da República

No entanto, o/a presidente da República que for eleito em Janeiro de 2026, seja ele/ela quem for, está interdito de invocar os princípios da independência nacional e da não-alienação de direitos soberanos para defender a saída de Portugal da UE e da Zona Euro. Porquê?   

Porque o artigo 7.º da Constituição foi alterado, e em grande medida neutralizado, com o acrescento de três novos números (5, 6 e 7) em duas revisões constitucionais.

5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da união europeia.

7. Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma.

O número 5 foi acrescentado ao artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) através da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho. Esta revisão foi a segunda alteração da Constituição desde a sua aprovação original em 1976.

O n.º 6 foi aditado pela Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de Novembro. Esta revisão foi essencial para a ratificação do Tratado de Maastricht.  O n.º 5 também foi alterado na mesma revisão de 1992, com o aditamento da expressão “da democracia”.

O n.º 7 foi aditado posteriormente, na 6.ª Revisão Constitucional, aprovada em 2004, com o objectivo de clarificar normas referentes às relações internacionais e ao direito internacional, como a vigência na ordem jurídica interna dos tratados e normas da União Europeia.

Estes três artigos tornam qualquer presidente da República impotente para garantir a independência nacional e cumprir cabalmente as outras suas 4 funções fundamentais relativamente à União Europeia e à Zona Euro.

9. Resumo e conclusões

Resumindo e concluindo:

1. Nenhum protocandidato ou candidato presidencial tem a possibilidade material de cumprir cabalmente as cinco funções fundamentais que a Constituição da República portuguesa lhe confere no seu artigo 120.º

A prova disso é que, como vimos, o texto constitucional foi revisto de modo a neutralizar qualquer iniciativa presidencial no sentido de mostrar a incompatibilidade dos princípios indissociáveis da independência nacional e da soberania popular com a pertença de Portugal à União Europeia e à Zona Euro, onde esses princípios se esvaiem.

2. No entanto, o texto constitucional confere a possibilidade material ao presidente da República de cumprir as suas 5 funções fundamentais no sentido de promover, através da sua “magistratura de influência”, a adopção pelo governo, pela Assembleia da República e pelos eleitores e activistas portugueses das medidas A, B, C e D enunciadas na secção 5 deste artigo.

3. Acresce que nada o impede também (proposta E) de assinalar e explicar aos eleitores e activistas portugueses que os números 5, 6, e 7 do artigo 7.º (aprovados para permitir a adesão de Portugal à UE e à zona Euro) contradizem os números 1, 2, 3 e 4 do mesmo artigo (aprovados para garantir a prevalência dos princípios da independência nacional e da soberania popular), limitando muito a capacidade de o presidente da República cumprir cabalmente as suas funções exclusivas.

4. Uma coisa é certa. Nenhum dos protocandidatos presidenciais se apresentou com um programa que acolha as medidas A, B, C, D e a proposta E que enunciei na secção 5 deste artigo. Por conseguinte, não votarei em nenhum deles na primeira volta. Votarei em branco. 

5. A segunda volta das eleições (se houver uma), levanta o problema de saber qual dos dois candidatos mais votados ‒ embora sejam ambos igualmente ineptos (segundo o critério de avaliação exposto na secção 5 deste artigo) para o cargo que pretendem exercer ‒ constitui a menor ameaça para a defesa e preservação dos direitos, liberdades e garantias pessoais, políticas, laborais, sociais e culturais consagrados no texto da Constituição em vigor. Da avaliação a fazer na altura poderá resultar, da minha parte, um voto no candidato que represente, em minha opinião, o menor dos males.  


 

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Notas e Referências

[*] Emmanuel Joseph Sieyès, abade, constitucionalista, presidente da Assembleia Nacional Constituinte que escreveu e aprovou a Constituição Francesa de 1791.

[1] Embora não seja o tema central deste artigo, nem afecte a validade dos seus argumentos, convém que o leitor tenha conhecimento de dois pressupostos do seu autor que ajudam a entender a sua linha de raciocínio. 1.º A Constituição da República Portuguesa em vigor, não é a constituição de uma democracia, de uma República democrática. É, isso sim, a constituição de uma oligocracia, ou, mais especificamente, de uma oligocracia electiva e liberal, ou, se se preferir, de um Estado de direito oligárquico ou seja, um Estado em que o poder da oligarquias (económica e politica) está limitado pelo duplo reconhecimento (também ele limitado) da soberania popular e dos direitos, liberdades e garantis fundamentais. 2.º Não existem actualmente, em parte nenhuma do planeta, países que sejam, constitucionalmente, democracias, Repúblicas democráticas. O país que mais se assemelha a uma democracia, a uma República democrática ‒ por comportar, constitucionalmente, disposições e instituições de índole democrática ‒ é a Federação Helvética (vulgo, Suíça). Na impossibilidade de fundamentar aqui estas proposições, remeto os leitores interessados sobre o assunto para quatro referências, para começar: Cornelius Castoriadis, «Quelle démocratie?», in Les Carrefours du Labyrinthe. Paris: Éditions du Seuil. 1999. Vol.6); Jacques Rancière, La Haine de la démocratie, La Fabrique Éditions, 2005; Étienne Chouard, La centralité du tirage au sort en démocratie, sem data [https://lhed.fr/files/PDF/Articles%20et%20Textes%20Choisis/La%20 d%C3%A9mocratie/Comparaison_entre_tirage_au_sort_et_election_E_Chouard.pdf], e, do mesmo autor, Notre cause commune: Instituer nous-mêmes la puissance politique qui nous manque, Éditions Max Milo, 2019 (tradução inglesa, Our common cause: Establishing the political power we lack, Max Milo, 2023).

[2] Só podemos ser plenamente cidadãos numa democracia, porque só numa democracia podemos, entre outras coisas, participar, em pé de igualdade, na elaboração e aprovação das leis que nos governam. Nos regimes de oligocracia electiva e liberal, a qualidade de cidadão reduz-se à de eleitor e activista.

[3] A União Europeia (UE) congelou e quer agora confiscar 210 mil milhões de euros de activos em reservas soberanas do Banco Central da Rússia que estavam depositados em bancos e outros depositários sediados em países da UE. A UE congelou e pretende também confiscar 25 mil milhões de euros em activos russos (incluindo dinheiro, investimentos e bens como iates e propriedades), pertencentes a empresas russas e a multimilionários russos apodados de “oligarcas” (como se os multimilionários europeus e americanos não fossem, também eles, oligarcas). O confisco dos activos do Banco Central da Rússia levanta implicações legais complexas e controversas sob o direito internacional, principalmente devido ao princípio da imunidade soberana dos Estados. O direito internacional consuetudinário protege os bens de um Estado soberano, incluindo as reservas do seu banco central, de processos judiciais em tribunais estrangeiros. A confiscação permanente desses activos seria uma violação flagrante deste princípio fundamental e uma medida de pirataria sem precedentes na história moderna, que exigiria uma justificação legal inédita, como, por exemplo, a aprovação de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (o que é impossível devido ao poder de veto da Rússia) ou a criação de um novo mecanismo legal internacional, que nunca seria aceite pelos BRICS e outros países não incluídos no dito “Ocidente alargado”.

[4] O complexo militar-industrial europeu (CMIE) é dominado por grandes empresas multinacionais e nacionais sediadas principalmente na França, Alemanha, Reino Unido e Itália, que estão entre os maiores exportadores e produtores de armas do mundo. É o caso, por exemplo, da BAE Systems (Reino Unido), Airbus SE (Terras Baixas, vulgo Holanda), Leonardo SpA (Itália), Thales Group (França), Rheinmetall (Alemanha), Safran (França), Dassault Aviation (França), Naval Group (França), KNDS (França-Alemanha), ThyssenKrupp AG (Alemanha),

[5] Dupla Tributação: Uma convenção abrangente para prevenir a dupla tributação e a evasão fiscal em relação aos impostos sobre o rendimento foi assinada em 2006 e entrou em vigor em 2007.

― Cooperação Económica, Industrial e Científico-Tecnológica: Acordos assinados em 1992 e posteriormente, com um enfoque em:

― P&D Industrial (Pesquisa e Desenvolvimento: Um acordo específico nesta área foi estabelecido em 1995.

―Pesquisa Marinha: Um acordo de investigação científica nos domínios dos mares e oceanos foi assinado em 2018.

―Turismo: Um acordo de cooperação entre o Ministério do Turismo de Portugal e a empresa israelita Innovate Israel.

― Acordos Culturais e Educacionais: Um quadro abrangente para a cooperação em cultura, educação, academia, desporto e juventude foi estabelecido em 2017.

― Coproduções Cinematográficas: Um acordo específico para coproduções na área do cinema.

― Isenção de Vistos: Cidadãos de ambos os países estão isentos de vistos para visitas de curta duração desde 1994.

[5] Uma República (i) una, porque garantiria a unidade do seu território, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo, sem descontinuidades, enclaves e colonatos; (ii) democrática, porque garantiria a igualdade de direitos, de deveres e de representação de todos os seus cidadãos (árabes, sabras, beduínos, drusos, circassianos); (iii) laica, porque garantiria a separação entre as instituições públicas e as confissões religiosas, a  liberdade de culto a todos os seus cidadãos (muçulmanos, judeus, cristãos, etc.) e estaria isenta de discriminações de base religiosa, étnica ou outra; (iv) e palestina, porque garantiria o direito de retorno dos refugiados palestinos, poria um fim definitivo ao apartheid,  à purga étnica e ao genocídio que o Estado de  Israel tem organizado e mantido contra o povo palestino há mais de 60 anos e  restauraria a sociedade palestina multiétnica, tal como era antes de Israel: «um belo mosaico de vida». Ver https://onestatecampaign.org/en/

[7] Por “comunicação estratégica”, no âmbito geopolítico e geoeconómico, deve entender-se, segundo os seus praticantes, «os esforços concentrados do governo dos Estados Unidos para compreender e envolver audiências-chave para criar, reforçar ou preservar condições favoráveis ao avanço dos interesses, políticas e objectivos do governo dos Estados Unidos através da utilização de programas coordenados, planos, temas, mensagens e produtos sincronizados com as acções de todos os instrumentos do poder nacional» (Joint Publication 1-02, Department of Defense Dictionary of Military and Associated TermsWashington D.C., 8 November 2010 [as amended through 15 February 2016]).

[8] To keep the Russians out, the Americans in and the Germans down” (citado por Sophia Besch, Ian Bond. “Internal strife: NATO’s greatest enemy is itself as it turns 70”. Centre For European Reform, 5 April 2019)

[9] Editado pela South End Press, Boston, 1987.

[10] Ramsay Clark, Foreword, To Win a Nuclear War, p.VI.

[11] O alargamento da OTAN: O que foi dito a Gorbachev (I, II, III, IV), tradução de Fernando Oliveira, in Tertúlia Orwelliana. Parte I, 5 de Setembro de 2025 [https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2025/09/nota-editorial-introdutoria-ao-arquivo.html]; Parte II, 20 de Setembro de 2025 [https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2025/09/alargamento-da-otan-o-que-foi-dito.html]; Parte III, 3 de Outubro de 2025 [https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2025/10/alargamento-da-otan-o-que-foi-dito.html]; Parte IV: 20 de Outubro de 2025 [https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2025/10/o-alargamento-da-otan-o-que-foi-dito.html]

[12] Ver, a este propósito, de Adam Entous, A Parceria: A história secreta da guerra na Ucrânia, tradução de Fernando Oliveira, in Tertúlia Orwelliana, 16 de Abril de 2025 [https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2025/04/preambulo-traducao-do-artigo-parceria.html] e de Larisa Brown, A história desconhecida do papel crucial das chefias militares inglesas na Ucrânia, tradução de Fernando Oliveira,  in Tertúlia Orwelliana, 13 de Maio de 2025 [https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2025/05/preambulo-traducao-do-artigo-historia.html]