TEMAS 1 e 2
«Avós,
Pais e Netos»
Carta
aberta a Henrique Raposo
Senhor
(talvez) futuro avô
Já é a segunda vez que, nas suas
crónicas, o senhor trata — quanto a mim destrata, mas já lá iremos — o
assunto dos aposentados e dos reformados (presumo que quando, fala destes, está
também a pensar naqueles, entre os quais me incluo). E, como não há duas sem
três, presumo também que, um dia destes, voltará ao assunto. E isso faz-me
ranger os dentes. Explico-me.
O senhor tem um leitorado cativo, de
milhares de pessoas (cem mil ?), tantas quantas comprarão o «Expresso», e é
pago para exprimir as suas opiniões. É, em suma, um sortudo. Não posso, por
isso, competir consigo nesse terreno, mesmo que esta minha carta aberta venha a
ser publicada no blogue da Associação APRe! Digo, mais concretamente, não tenho
os meios necessários para fazer conhecer
ao leitores do «Expresso» a minha opinião sobre as ideias que o senhor expendeu
em duas das suas crónicas. Mas posso fazer uma coisa: garantir-lhe que, por
mim, escusa de voltar ao assunto para repetir o que já disse por duas vezes.
Aquilo a que aludiu na sua crónica
«Contrato entre avós, pais e netos» (Expresso. 18.05.13) e numa outra anterior versando o mesmo assunto, que não
guardei e cujo título já esqueci, não tem qualquer sustentação factual. Vou
explicar-lhe, pro bono, as razões e
espero que me leia até ao fim, como eu o leio a si todas as semanas.
1. «Nós temos de criar filhos, pagar a sua
pensão [isto é, a minha. JMCS] e poupar à parte para a nossa reforma».
Contesto a parte sublinhada, por mim,
desta sua afirmação. Fique a saber o seguinte:
1.1. O senhor NÃO
tem o dever (legal ou moral) de contribuir para pagar, mesmo que seja em parte
infinitesimal, a minha pensão de aposentação. A minha pensão de aposentação foi
paga por mim, ao longo de 36 anos,
com os descontos mensais que fiz para esse efeito como funcionário público, de
acordo com as leis em vigor (trabalhei mais 2 anos em França, antes do 25 de
Abril de 1974, mas, nessa altura, era demasiado jovem e ignorante para me
preocupar com os descontos efectuados e
que lá ficaram). Dito de outra forma: a minha pensão de aposentação é a parte
do meu salário que anuí colocar, todos os meses, à disposição da Caixa Geral de
Aposentações (um organismo do Estado português) com a condição de que me fosse
restituída quando me aposentasse, também em prestações mensais. E, como
descontei 14 meses durante 36 anos, são 14 as pensões a que anualmente tenho
direito (artigo 17º do decreto-lei nº 496/80, artigo 8º da lei nº30-C/92 e artigo 70º, nº3, da lei nº12-A/2008). Tecnicamente,
isto chama-se «salário diferido».
1.2. Sempre que
falar em pensões de aposentação ou de reforma, tenha, pois, em mente que estas
pensões (as dos chamados regimes contributivos) são um dos membros de uma equação
fácil de memorizar: montante de uma
pensão de aposentação ou de reforma = montante do salário diferido durante N
anos de vida activa e contributiva do aposentado ou reformado.
1.3. A minha
anuência a este contrato foi conseguida mediante solenes garantias e contratos
legais (é assim que as coisas se fazem num Estado de direito democrático em que
há cidadãos, não súbditos), entre outros o decreto-lei e as leis a que fiz
menção no ponto anterior e, de uma forma mais geral, a lei de bases da segurança social, lei nº4/2007, de 16 de Janeiro. Recomendo-lhe a sua leitura atenta, se quiser
continuar a opinar em público sobre o contrato entre avós, pais e netos. O
senhor não teria de ler esta carta se o tivesse feito devidamente. No artigo
23º da lei 4/2007 (composição do sistema)
lê-se:
O sistema
de segurança social abrange o sistema de protecção social de cidadania, o
sistema previdencial e o sistema complementar.
Leia
agora o artigo 54º (princípio da contributividade)
da mesma lei que diz respeito, em
exclusivo, ao sistema previdencial, a componente que paga, nomeadamente, as
pensões de aposentação e de reforma e os subsídios de desemprego e doença aos
trabalhadores.
O sistema
previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma
relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito
às prestações.
1.4.
«Autofinanciado» quer dizer, obviamente, que o sistema previdencial é
financiado APENAS pelas quotizações dos trabalhadores por conta de outrem e dos
trabalhadores independentes, assim como pelas contribuições das entidades
empregadoras. Essas quotizações e contribuições são fixadas actuarialmente, em função do custo de
protecção das eventualidades previstas (artigo 57º, ponto 3, da lei nº4/2007), e têm por única fonte o salário ou vencimento do
trabalhador, mesmo naquela parte que é paga pela entidade empregadora. Não caem do céu, nem vêm do FMI, da Comissão Europeia ou
do Banco Central Europeu. Também não vêm do dinheiro dos impostos (IRS, IVA,
IMI, etc) que os cidadãos portugueses (incluindo os aposentados e reformados)
pagam. É por isso que o artigo 90º(2) (formas
de financiamento) reitera o que diz o artigo 54º: todas as prestações do
regime previdencial (pensões de aposentação ou de reforma, subsídios de
desemprego e de doença, acções de formação profissional, etc) são pagas pelas
quotizações dos trabalhadores e pelas contribuições das entidades empregadoras
(privadas ou públicas).
«Relação sinalagmática» não tem um
sentido óbvio, porque o segundo termo foi pedido de empréstimo ao grego (sunallagmatikós). Mas qualquer
bom dicionário informará quem quiser ser informado que significa uma relação
contratual que liga, mutuamente, dois contraentes, neste caso o Estado e o trabalhador
inscrito no sistema previdencial. Essa relação sinalagmática é regida por
princípios jurídicos claramente enunciados no artigo 5º (princípios gerais).
Constituem
princípios gerais do sistema o princípio
da universalidade, da igualdade, da solidariedade,
da equidade social, da diferenciação positiva, da subsidiariedade, da inserção
social, da coesão intergeracional, do
primado da responsabilidade pública, da complementaridade, da unidade, da
descentralização, da participação, da eficácia, da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação, da garantia
judiciária e da informação. [os
sublinhados a itálico são meus]
1.5. A minha pensão
de aposentação NÃO é, pois, uma benesse que os governos pretéritos, ou o actual
governo, tenham decidido conceder à minha pessoa e à pessoa de todos quantos
estão em situação semelhante à minha. É um direito legalmente adquirido pelo (meu/nosso)
trabalho e respectivos descontos.
1.6. Ficamos, pois,
entendidos: o senhor NÃO paga a minha pensão de aposentação nem a pensão de
aposentação ou de reforma de todos os demais aposentados e reformados. Se o
senhor continuar a afirmar o contrário em crónicas futuras, estará conscientemente a propalar uma falsidade, ou seja, em
bom português, a mentir com quantos dentes tem na boca. Espero que isso não
aconteça, pois presumo que o senhor seja uma pessoa honesta, embora muito mal
informada. Mas se tal acontecer é porque o meu pressuposto estava errado.
Tratarei, nessa eventualidade, de denunciar tal falsidade, pese embora os
parcos meios ao meu dispor.
1.7. Quer isto,
então, dizer que o senhor está isento de qualquer responsabilidade pecuniária para com as
pessoas mais velhas que já não trabalham? Não. Pelas leis em vigor, incluindo a
lei 4/2007, o sistema de segurança social tem outra importante componente: o
subsistema de protecção social de cidadania. Este sistema é financiado pelas
receitas fiscais consignadas no Orçamento de Estado. Quer isto dizer que é com
o dinheiro dos impostos — os impostos
que o senhor paga, que eu pago (porque todos os aposentados e reformados em
situação semelhante à minha continuam a pagar IRS, como saberá) e todos quantos
tenham rendimentos suficientes — que são pagas, entre outras coisas, pensões de velhice e de invalidez e o complemento solidário de idosos a muitas pessoas que delas carecem para sobreviver, embora nunca tenham
contribuído, ou com pouco o tenham feito, com descontos dos seus rendimentos para
esse efeito específico. Dou-lhe um exemplo, para fixar as ideias. A minha sogra
era uma dessas pessoas. Perdeu tudo o que tinha em Angola para onde emigrara na
sua juventude com o meu sogro e onde fizeram toda a sua vida activa como
comerciantes por conta própria. Nos últimos anos da sua vida recebeu uma pensão
de 240 euros, salvo erro. Morreu num estado avançado da doença de Parkinson em
que não já não conseguia sequer andar.
Esse é o ÚNICO dever (legal) de
solidariedade entre gerações que o senhor e todos aqueles que estão no activo
têm para com os chamados pensionistas. Não para com todos os pensionistas, longe disso, mas apenas para com aqueles que
são beneficiários de pensões dos chamados
regimes não contributivos ou, como diz a lei 4/2007, do sistema de
protecção social de cidadania. É o preço (módico) que temos de pagar se
quisermos viver num país civilizado e não num parecido, por exemplo, com o
Bangladesh de hoje. Mas, relembro-lhe, esse dever de solidariedade para com essa
camada de pensionistas não é um exclusivo das pessoas actualmente no activo,
nem, por conseguinte, um dever exclusivamente intergeracional. É também um dever de solidariedade intrageracional.
A prova disso é o IRS que pago sobre a minha pensão de aposentação.
2. «Meu caro reformado, julgo que já deve ter
percebido que precisamos de um novo contrato entre gerações, porque aquele que
está em vigor não é bem um contrato, é uma galé de condenados. E o seu neto até
está sentado na cadeira mais funda do porão, o seu neto é o condenadíssimo».
Estou de acordo consigo. É uma das duas
coisas em que concordamos — a outra será
mencionada no ponto 5.2.B. Precisamos de um novo contrato entre gerações, mas
não é com certeza pelas razões que alega. Os seus netos não estão condenados às
galés, a não ser que acreditem em si. Pagarão, sim, para a aposentação deles
próprios e, quando muito (e se assim for, acho bem que o façam), para uma pensão de invalidez do seu avô, se o
senhor tiver a má sorte de sofrer um acidente ou de uma doença degenerativa
grave que o incapacite prematuramente de trabalhar. Para mim, o novo contrato a
estabelecer entre as gerações só valerá a pena se puser o sistema previdencial
sob o escrutínio e a fiscalização directa dos seus únicos financiadores — os
trabalhadores, que são a maioria, e as suas entidades empregadoras, que são a
minoria — e o autonomize para o colocar ao abrigo das razias de governos de
aventureiros sem escrúpulos (veremos adiante, concretamente, alguns exemplos
dessas razias).
3. «“Mas
o dinheiro que recebo é meu, eu descontei, não preciso do vosso dinheiro”, diz
o meu caro amigo numa resposta típica. Lamento, mas não é assim».
Bem, este seu «caro amigo» não lamenta
repeti-lo, se servir para alguma coisa: “Sim. O dinheiro da minha pensão de
aposentação é meu. Foi acumulado com o meu suor, não com o seu. Guarde o seu
óbolo e as suas palmadinhas no ombro
para as patuscadas com os seus amigos do clube das repúblicas mortas”. Releia
os pontos anteriores, se os não entendeu à primeira, e leia os pontos
seguintes. Ficará a saber por que razão obtém esta resposta típica às suas
alegações. Entretanto, posso garantir-lhe que a única coisa em que o senhor
contribuiu, até agora, para a minha vida de aposentado foi impor-me o dever de
ter de escrever, a contragosto, esta carta, em prejuízo de tantas coisas
interessantes que tenho para fazer.
4. «Na ausência de pirâmide demográfica, o meu
caro amigo não pode ignorar que só existem 4,6 milhões de trabalhadores para
suportar 3 milhões de reformados».
4.1. Não e não. As suas estatísticas estão erradas e a relação que
estabelece entre elas é falsa. Mas comecemos pelo primeiro «não».
Existiam, no fim de 2012, 5,5 milhões de trabalhadores, dos quais 930.000
estavam desempregados. E, como já não trabalham, deixaram de receber salários.
Lamentável, insustentável ? Não para alguns. Segundo a opinião do sr. António
Borges (ex-director da Goldman Sachs, ex-director do FMI, actual conselheiro do
governo para a área das privatizações, das parcerias público-privadas e das
empresas públicas): “diminuir salários não é uma
política é uma urgência, uma emergência” (Jornal de Notícias. 01-06.12). E que
mais radical diminuição de salário (cujo valor médio é de 806 euros) haverá que
a do “salário zero”, a nova invenção do secretário de Estado Helder Rosalino para
os trabalhadores da função pública que não forem recolocados ao fim de 18 meses
de “mobilidade especial”? Infelizmente,
o salário que o conselheiro Borges recebe é segredo de Estado. O governo não
divulga essa informação. Mas podemos
deitar-nos a adivinhar: se o senhor Borges ganhou, em 2011, 306.000 dólares
livres de impostos (Correio da Manhã. 3-07-12), não haverá segredo nenhum.
Haverá, sim, modéstia: o sr. Borges não quer que se saiba que fez um preço
especial ao Estado português, alguns cêntimos abaixo do que costuma cobrar
pelos seus conselhos.
Voltemos pois, mais descansados,
aos 930.000 desempregados que, entretanto, já passaram a mais de 952.000 (1º
trimestre de 2013). Como não trabalham, deixaram de
descontar para a Segurança Social e mais de metade deles não recebe subsídio de
desemprego. Lamentável? Horrível? Não para alguns. Na opinião do sr. Daniel
Bessa (economista, ex-ministro, administrador e consultor de várias empresas,
presidente da associação empresarial COTEC), entre
todas as funções do Estado, "o problema maior de todos é o da Segurança
Social" que "está prisioneira de pagar aos velhos aquilo que lhe for
levado pelos novos". "Essa é a situação mais difícil de todas",
sustentou, para quem Portugal estará "desgraçado" se
"transportar para dentro do Orçamento de Estado este problema" (Lusa.
21-05-13). Depois de ter lido estas declarações, fui ver que idade tinha este
homem. Tem 65 anos (pt. wikipedia.org). Faz parte, tecnicamente, daqueles a
quem chama carcereiros e parasitas dos “novos”. Tentei esquecer estas
declarações. Mas uma noite destas tive um pesadelo.
“Veja só o que aconteceria
— dizia o sr. Daniel Bessa ao sr. Passos Coelho — “se o Orçamento de Estado
tivesse agora de arcar com as despesas de subsídio de desemprego de quase 1
milhão de desempregados. Todo o seu esforço para se apoderar dos fundos de pensões
dos velhos, seria em vão!” “Tem toda a razão, meu caro Bessa — respondia Passos
Coelho — É por isso
que eu não me canso de dizer que de nada serve a indignação fácil, de que não
têm culpa, que querem trabalhar. Se foram despedidos, é porque viviam acima das
suas possibilidades, ou acima das possibilidades dos seus ex-empregadores. Se
querem trabalhar, emigrem!”. E Bessa a retorquir, aquiescente: “ Bem dito. Se se esforçarem, poderão até voltar
milionários um dia destes e investir as suas poupanças no terrunho natal. Quem
sabe mesmo se algum não virá a ser membro da COTEC”. Foi nesta parte que
acordei, com suores frios.
Registo que as opiniões de
Daniel Bessa e as de Mira Amaral (que citarei mais adiante) são coincidentes
com a sua. Assim sendo, julgo perceber a razão pela qual o senhor trata com
tanta aparente displicência as estatísticas. O senhor parece acreditar que a derrocada
da Segurança Social será causada por milhões de velhos com reformas «exorbitantes»
(voltarei a este assunto no ponto 5.3.1 e seguintes), não pela política de
terra queimada de demagogos e aventureiros sem escrúpulos.
4.2. Vamos ao segundo «não». De novo, os seus números estão errados. Existiam, em 2012, 3,5 milhões (e não, como diz, 3
milhões) de pensões (e não, como
diz, de “reformados”). Para termos 3,5 milhões de reformados teríamos de ter
militares e polícias com efectivos semelhantes aos dos Estados Unidos. Reformados é o nome que a lei reserva
aos militares e equiparados (polícias, GNR) que deixaram de estar no activo (ou
na reserva) por terem acumulado um certo número de anos de serviço e uma certa
idade. Aposentados é o nome que a lei
reserva aos trabalhadores civis cumpridas essas duas condições. Ver aditamento no fim do texto.
4.3. Estas pessoas,
aposentados e reformados, não são “suportadas” pelos trabalhadores no activo.
Isto nada tem a ver com a demografia (voltarei a este ponto mais adiante). Tem
tudo a ver, isso sim, com a origem e a formação das pensões que estas pessoas
auferem. As pensões dos aposentados e reformados têm uma base contributiva assente
na idade, no período contributivo e no valor das remunerações que serviram de
base aos descontos que efectuaram durante a sua vida activa.
4.4. Não estou a
falar, note bem, nas subvenções
vitalícias mensais dos políticos
(ex-Presidentes da República, ex-Presidentes da Assembleia da República,
ex-primeiros ministros, ex-membros do governo, ex-deputados, ex-juízes do
Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira) que não têm base contributiva. Estas
subvenções são cumuláveis com a pensão de
aposentação ou de reforma a que eventualmente tenham direito, o que na prática
lhes dá direito a duas pensões, uma das quais paga, integralmente, com o
dinheiro dos impostos de todos os contribuintes. Estas subvenções vitalícias
eram tão escandalosas que a lei que as concedia (datada de 1985) foi revogada em 2005. Mas continuam a
auferi-las os que as adquiriram antes dessa data (mais de 400 pessoas). A
despesa da Caixa Geral de Aposentações com estas subvenções era de 8,8 milhões
de euros anuais, em 2010 (Correio da Manhã, 12-02-10). Por exemplo, a actual
presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, aufere uma subvenção
vitalícia de 7.225 euros mensais por 10 anos de trabalho no Tribunal Constitucional,
onde entrou com 32 anos e saíu com 42. Para se avaliar o que isto significa,
importa saber que esta senhora optou por manter este estipêndio em vez do
salário que corresponde às suas actuais funções: 5.219 euros. Manteve «apenas»
as ajudas de custo que lhe estão adstritas: 2.133 euros (Sol, 20-11-11)
4.5. Também não
estou a falar do regime especial de
aposentação para os autarcas que lhes permitia contarem a dobrar os anos de
serviço para efeitos de aposentação, a partir do sexto ano de mandato, e também
aposentarem-se com 30 anos de descontos, independentemente da idade. Este
regime, também foi revogado em 2005, pelas mesmas razões, mas isso não incomoda
muitos dos autarcas que já estavam em tal situação, nessa data. Em 2005, foram 12 os ex-presidentes
de Câmara que correram a “reformar-se” ao abrigo deste regime, entre os quais
os mais conhecidos são Pedro Santana Lopes, na altura com 49 anos (3.178 euros
de pensão) — que também recebe uma subvenção vitalícia como ex-deputado
(Correio da Manhã, 10-02-10) — e Narciso Miranda, na altura com 56 anos (3.273
euros) (http://aeda.blogs.sapo.pt). E este ano já
se “reformaram” mais dois nas mesmas condições: a presidente da Câmara de
Palmela, com 47 anos de idade, e o presidente da câmara de Loulé, com 58 anos
(Lusa, 11-01-13).
4.6. Também não
estou a falar das “pensões douradas” dos admnistradores do Banco de Portugal,
da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e de outras instituições financeiras como o
Banif (banco intervencionado pelo Estado) e de instituições comunitárias. Estas
“pensões” nada tem a ver com pensões de velhice, aposentação ou reforma. São
prémios vitalícios que os seus beneficiários a si próprios se atribuíram para
garantirem continuar a receber proventos avultados, a partir do dia em que
decidem abandonar essas instituições. É o caso, por exemplo, do sr. Armando
Vara (ex-deputado, ex-ministro, ex-admnistrador da CGD), da sra. Celeste
Cardona (idem aspas aspas), do sr. Miguel Beleza
(ex-governador do Banco de Portugal, ex-ministro), do sr. Luís Campos e Cunha
(ex-vice-governador do Banco de Portugal, ex-ministro). Este último, por
exemplo, tem uma pensão de 8.000 euros mensais pelos 6 anos que passou no Banco
de Portugal (Correio da Manhã, 25-01-06).
4.7. Também não
estou a falar das pensões de aposentação que são pagas a pessoas, no activo,
com ordenados principescos. Muito gostaria eu de saber (e não serei o único)
que descontos fez, por exemplo, o senhor
Eduardo Catroga (ex-gestor, ex-ministro, ex-representante plenipotenciário de
Passos Coelho na negociação do memorando da troika, actual Presidente do
Conselho Geral da EDP) para poder receber, desde 2007, uma pensão de 9.693
euros mensais da Caixa Geral de Aposentações, quando, segundo declarou, tem uma
carreira de 40 anos como funcionário privado e, em paralelo, uma carreira de 20
anos como funcionário público (Correio da Manhã, 20-05-07). Como se explica que
seja a Caixa Geral de Aposentações (de que são beneficiários apenas
os trabalhadores da função pública) para onde terá descontado 20 anos, a
pagar-lhe uma «pensão unificada» desse valor, se descontou o dobro desse tempo
para a Caixa Nacional de Pensões (de que são beneficiários apenas os
trabalhadores do sector privado) ? Mistérios, pelo menos para mim. Uma coisa é
certa: este senhor, autor não apócrifo do memorando que comanda a actual
política governamental de «austeridade», não sofre os efeitos da política que
ajudou a gizar. Além da pensão já referida, aufere também um salário mensal de
45.000 euros como presidente da EDP, agora propriedade da República Popular da
China, e usufrui de um Plano Poupança Reforma correspondente a 10% da sua
remuneração (Dinheiro Vivo,10-01-12).
4.8. Também não
estou a falar, evidentemente, das pensões sociais. Essas pensões, aliás muito
baixas (v. ponto 5.3.4), inserem-se no sistema de protecção social de cidadania
a que já me referi no ponto 1.7.
4.9. Não sei quantificar com exactidão
as situações 4.4, 4.5, 4.6 e 4.7 por falta de dados estatísticos fidedignos.
Por exemplo, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, cujo presidente é
eleito pelos deputados, considera que a subvenção vitalícia mensal "não é uma informação
pública”. Quanto às demais situações mencionadas (4.3 e 4.8), parto do
princípio, com base nos dados disponíveis, que a situação actual é a seguinte:
Nº de pensões da Segurança Social:
2.981.635 em 2012, assim repartidas: A) Regime não contributivo. Complemento
solidário de idosos: 244.997 (valor médio: 109 euros). B) Regime contributivo.
(B.1) Pensões de sobrevivência: 713.340 (valor médio: 216 euros). (B.2) Pensões de invalidez: 277.113.
C) Regime contributivo. Pensões de velhice: 1.746.194 (Segurança social). Pensões
de aposentação (Caixa Geral de Aposentações:ex-funcionários públicos civis,
ex-militares e equiparados): 603.267 em 2012.
Como vê, a sua afirmação é um borrão,
não um retrato da situação sobre a qual pretendeu opinar. E, com isto, chego
aos seus argumentos mais engenhosos, aqueles em que singelas verdades vivem
paredes meias com troglodíticas falsidades. Classificarei tais argumentos com
letras maiúsculas: A, B, C e D, para facilitar as referências que lhes farei no
que se segue.
5. A) «Os seus descontos não ficaram lá à espera numa conta individual. Deviam
ter ficado, mas não ficaram»; B) «porque
os reformados também foram enganados»; C) Assim, «em teoria, o dinheiro dado à segurança social é um boomerang: ele vai mas
volta. Porém, meu caro amigo, a teoria do boomerang só vai funcionar no seu
caso. A minha geração não tem um boomerang, tem um conjunto de balas perdidas, vamos despejar uma metralhadora e
não vamos reencontrar uma única bala». D) Por isso, «os cortes nas reformas são mais do que necessários, são a única forma
de repor a justiça».
5.1. A) As contas individuais já existem na
segurança social. Chamam-se «certificados de reforma» e inserem-se no chamado
sistema complementar, a terceira componente do modelo actual de Segurança
Social. É a componente que deveria ser, quanto a mim, suprimida, visto ser um
negócio bancário como outro qualquer, nada tendo a ver com os princípios da
solidariedade e da universalidade. Mas é ingenuidade sua supor que a conta
individual lhe garantiria a sua pensão de aposentação. Nada menos certo.
Ficaria mais vulnerável, porque sozinho, à frente do seu gestor de conta. As
contas individuais de reforma formam gigantescos fundos privados que investem
muitas vezes nas águas turvas em que navegam os Robert Freeman, os Rajat Gupta,
os Fabrice Tourre e outros Goldman Sachs [e Ricardo Salgado*] deste mundo. Uma derrocada como a do
“subprime”, seguida pela falência em série de N bancos, e lá se vão as suas
poupanças, “com uma grande pedido de desculpas” do seu gestor de conta. Mas não
pretendo convencê-lo. Se acredita mais na mão invisível do mercado do que na mão
(mais visível, apesar de tudo) do Estado, pois entregue-lhe as suas poupanças e
reze para que ela se torne visível quatro décadas depois.
5.1.2. Não dê, porém,
por ponto assente que o nosso sistema previdencial é um sistema de repartição pura. Não é
verdade. É um sistema misto, de repartição
e de capitalização (artigo 8º, alínea C, da lei nº4/2007), não de
capitalização individual como os certificados de reforma, mas de capitalização
colectiva. Sim, ao contrário do que julga, ou do que nos quer fazer acreditar,
o dinheiro das quotizações que paga todos os meses (e que eu paguei durante 36
anos), para a sua pensão de aposentação,
não entra por um lado para sair logo a seguir por outro, sob a forma de
uma pensão a quem já está aposentado. Não é assim que as coisas se passam. Uma
parte importante das quotizações fica a render em depósitos a prazo e outra,
não menos importante, é investida em aplicações financeiras (títulos do
tesouro, por exemplo), para criar uma almofada financeira que permita acautelar
o pagamento de pensões por um período mínimo de dois anos. É essa a missão do
Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). Este fundo é
gerido pelo Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social
(IGFCSS) — capitalização, repare
bem.
5.1.3. O senhor ignora,
mas fica agora a saber, o seguinte: o IGFCSS contava, no final de 2011, com 8.872,4
milhões de euros de activos — sim, leu bem, são esses milhões todos, o
equivalente a 5,2% do PIB. Este dinheiro pertence aos actuais e futuros
aposentados e reformados. Pois bem, para diminuir o rácio da dívida pública
(127,3% do PIB em Março deste ano,
correspondente a 210.000 milhões de euros), o sr. Vítor Gaspar, ministro
das finanças, e o sr. Mota Soares, ministro da Segurança Social, preparam-se
para obrigar este Instituto a vender os títulos de dívida pública de outros
Estados que o FEFSS detém (27% do total de
activos do Fundo, cerca 3000 milhões de euros) para comprar títulos da dívida
pública portuguesa. A ideia é obrigar o FEFSS a investir até 90% do total dos
seus activos em títulos de dívida pública portuguesa (actualmente essa
percentagem é de 57%). (Diário Económico,21-05-13; Público, 30-05-13). O
governo pretende, assim, transferir uma parte da dívida pública para os
aposentados e reformados. Amanhã, se for preciso, declarará que não tem meios para remunerar esses títulos, «dada a grave
situação do país» que ele próprio criou com a sua política de recessão e de
empobrecimento da população trabalhadora. (Lembro-lhe que a dívida pública não
tem parado de aumentar desde que este governo entrou em funções. Era de 94% do
PIB em Março de 2011, 120,3% do PIB em Setembro de 2012, passou a 123,6% em Dezembro
de 2012 e, desde então, aumentou mais de 3.800 milhões de euros, 127,3% do
PIB). São dezenas as pessoas que, como o
senhor, opinam regularmente nos jornais. Quantas irão fazer soar o alarme sobre esta perigosa
manobra em preparação?
5.1.4. E fique,
também, a saber o seguinte. Mesmo com um crescimento económico anémico e com a
dívida do Estado (11,7 mil milhões de euros) ao sistema previdencial
(porque o Estado é um empregador que se tem furtado a entregar as suas contribuições à Caixa Geral de Aposentações), a Segurança Social apresentava saldos
positivos elevados até 2009. O que está a pôr em perigo o sistema previdencial
— um perigo muito grave, agora acrescido com a manobra, em preparação, que
descrevi — não é a demografia, mas o aumento do desemprego, que arrasta consigo
a quebra brutal nas quotizações e o aumento enorme nas despesas com subsídios
de desemprego. E o principal factor, para o aumento galopante do desemprego, é
a política recessiva do governo e da troika que o governa. Bem gerido, sob o
controlo apertado dos seus financiadores e beneficiários e com uma política governamental que favoreça o crescimento do
emprego, em vez da sua destruição, o sistema previdencial nunca pode entrar em
falência, mesmo com uma demografia desfavorável como a actual (que também não é
uma fatalidade; pode ser revertida com políticas de apoio à natalidade).
5.1.5. Talvez, agora,
perceba a razão pela qual um sistema previdencial deste tipo, misto, não é
apenas, socialmente, mais justo e solidário do que o sistema complementar das
contas individuais, mas é, também, um sistema que comporta menos riscos e é
mais protector dos direitos individuais. A razão reside no facto de o Estado
(não os governos que são transitórios e podem ser constituídos por embusteiros
e hunos engravatados) assumir, como lhe compete, a tutela dos direitos
adquiridos (como os meus) e dos direitos em formação (como os seus).
5.1.6. Sim, eu sei: o
sr. Mira Amaral (ex-deputado, ex-ministro, actual presidente do banco BIP) tem
uma ideia diferente: «"As novas gerações deviam deixar de pagar para a Segurança Social. Isto é uma
aldrabice". Por isso, apelidou o sistema de contribuição para a Segurança
Social de "esquema Ponzi", dizendo que é idêntico às manobras usadas
pela Dona Branca e pelo investidor norte-americano Madoff, que prometiam um
determinado retorno e, depois, falhavam aos
investidores» (Lusa,
15-11-2012). Mas não nos esqueçamos: este Catão doméstico é o mesmo homem que,
desde 2005 (tinha então 59 anos), recebe uma pensão de “reforma” de 18.000
euros mensais da Caixa Geral de Aposentações por ter sido administrador da Caixa Geral de Depósitos durante 18 meses (TSF, 28-10-04).
5.2.
B)
Os deputados, ministros e secretários de Estado dos partidos actualmente no
governo são, é verdade, mentirosos profissionais (excluo, naturalmente, desta
classificação os membros “independentes” do governo que não se apresentaram a
eleições e que, por conseguinte, não tiveram de mentir para chegarem às
posições que ocupam; bastou-lhes serem cooptados pelos mentirosos). O meu vídeo
favorito no Youtube é uma compilação
das promessas de Passos Coelho, durante a campanha eleitoral, garantindo que
não aumentaria os impostos sobre o trabalho nem o IVA e que não cortaria
salários e pensões nem “subsídios” de férias e de Natal. A uma garota que o
interpela sobre este último ponto, chega mesmo a dizer, com um ar compungido:
«Isso é um disparate, está bem?» e repete, «um disparate!». (Se não conhece
este vídeo, posso enviar-lhe as coordenadas).
Dêmos, pois, de barato que lhes foi
possível, com estas falinhas mansas, enganar gente suficiente para conseguirem
chegar ao governo, incluindo no rol muitos aposentados e reformados. Mas não se
consegue enganar toda a gente todo o tempo (pelo menos em democracia). Levou
menos de um ano (lembra-se da manifestação contra a transferência da TSU dos
empresários para os trabalhadores?) para que os enganados ficassem a conhecer a
extraordinária desfaçatez e o verdadeiro rosto dos embusteiros.
5.3.
C)
A «teoria do boomerang» não é uma teoria do sr. A ou B. É uma lei da Assembleia
da República, a lei de bases da segurança social que já citei no ponto 1.3.
É 3,5 milhões de vezes mais temível que a sua metralhadora. Pode
derrubar governos (o ministro Paulo Portas sabe disso) e derrubará, se for
preciso, porque é uma lei justa. Releia o artigo 5º dessa lei que citei no
ponto 1.3 desta carta, sobretudo as partes que sublinhei: o primado da responsabilidade
pública, a tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação. Não são
palavras ao vento: são os princípios que
protegem o direito que tenho de receber a minha pensão de aposentação e o
direito que o senhor tem de receber a sua, quando chegar a sua hora. Sim, a sua
geração tem mais do que um boomerang, tem uma panóplia de boomerangs que a
minha geração construiu. Chama-se Estado de direito democrático. Tem muitos
defeitos e carece de ser aperfeiçoado para que os cidadãos possam estar mais
protegidos de políticos embusteiros, mas, mesmo assim, é o que nos diferencia
da Angola do sr. Mira Amaral e da China do sr. Catroga onde o partido no poder
pode tudo.
5.3.1. Que o senhor não reconheça as
propriedades desses boomerangs ou que
não tenha coragem para os manejar, é triste, mas é um facto que as pessoas da
minha geração não têm outra opção senão aceitar. Faça, então, os seus
certificados de reforma e que lhe façam bom proveito. Mas, por favor, pare de
dizer barbaridades como «os cortes nas reformas são mais do que
necessários, são a única forma de repor a justiça». Olhe para os quadros seguintes, relativos a
2012.
Segurança Social (1.698.989 pensões)
<50 euros
|
51-150
euros
|
151-250
euros
|
251-500
euros
|
501-1000
euros
|
1001-2500
euros
|
2501-5000
euros
|
>5000
euros
|
9.334
|
42.808
|
435.319
|
842.887
|
263.125
|
92.628
|
11.941
|
947
|
Caixa Geral de
Aposentações (462.446 pensões)
Até 250
euros
|
250-500
euros
|
500-750
euros
|
750-1000
euros
|
1000-1500
euros
|
1500-2000
euros
|
2000-2500
euros
|
2500-3000 euros
|
3000-4000
euros
|
>4000
euros
|
57.910
|
39.142
|
70.864
|
61.364
|
80.282
|
45.794
|
53.600
|
37.358
|
10.586
|
5.556
|
O
primeiro quadro é o das pensõe de velhice do regime contributivo da
Segurança Social (SS). O segundo quadro é o das pensões dos seus pares na Caixa Geral de
Aposentações (CGA), os aposentados e reformados. Doravante, para poupar
palavras, designarei todos, independentemente do seu vínculo, SS ou CGA, por aposentados e as pensões que recebem por
pensões de aposentação.
5.3.2. Os valores das pensões da CGA são, em geral, superiores aos da SS. Isso é, geralmente, explicado pelos
detractores do sistema previdencial como um resultado da fórmula de cálculo de
pensões que seria mais favorável no caso daqueles do que destes. Mas essa
explicação só colhe parcialmente. Desde 1993 (decreto-lei nº 286/93), portanto
há 20 anos, o cálculo das pensões de aposentação dos beneficiários da CGA,
inscritos depois dessa data, é igual e encontra-se equiparado ao dos
beneficiários da Caixa Nacional de Pensões (SS).
As
razões de fundo são outras. As pensões
dos aposentados da CGA são mais elevadas porque: 1) estes descontam mais anos
do que os seus pares da SS (em média mais 6); 2) são calculadas sobre salários
mais elevados. E os salários são mais elevados porque os trabalhadores da
função pública têm um nível médio de escolaridade muito superior aos do sector
privado (p.ex. 56% dos trabalhadores na Administração Central — professores,
médicos, enfermeiros, juízes, etc — são diplomados do ensino superior, enquanto
no sector privado essa percentagem é inferior a 16%); 3) no sector privado, há
frequentemente subdeclaração dos rendimentos, ou mesmo fuga aos descontos, o
que baixa também o valor da pensão de aposentação.
5.3.4. Pelos quadros se pode ver o seguinte:A
— Segurança
Social
Num total de 1.698.989 pensões, 28,6 % eram pensões inferiores a 250 euros/mês, 49,6 % pensões entre
250 e 500 euros/mês, 15,4% pensões entre 500 e 1000 euros/mês e 5,4 % pensões entre 1000 e 2500 euros/mês. Só 0,7% pensões entre
2500 e 4000 euros/mês e só 0,3 % pensões superiores a 4000 euros/mês.
— CGA
Num total de 462.446 pensões, 12,5% eram pensões inferiores a 250 euros/mês, 8,4% pensões entre 250 e 500
euros/mês, 15,3% pensões entre 500 e 750 euros/mês, 13,2% pensões
entre 750 e 1000 euros/mês, 17,3% pensões entre 1000 e 1500 euros, 9,9% pensões entre 1500 e 2000 euros/mês, 11,5% pensões entre 2000 e
2500 euros/mês, 8% pensões entre 2500 e 3000 euros. Só 2,2% das pensões tinham valores entre 3000 e 4000 euros/mês e só 1,2% das pensões eram superiores a 4000
euros.
A estes números, deve ser acrescentado
um outro: a pensões de velhice e
invalidez da Segurança Social inferiores ao salário mínimo
(487 euros), são 1.494.185 (79% do total deste grupo).
5.3.5. Estes valores
são valores brutos. Não têm em linha de conta as duas pensões que o governo
confiscou aos aposentados em 2012, apesar do Tribunal Constitucional (TC) as
ter considerado inconstitucionais, mas sem o ter obrigado a restituí-las. Este
ano o governo, atrevidamente, tentou confiscar 90% de uma pensão, contando com
igual complacência do TC. Mas enganou-se. Desta vez a medida não passou. Mas
passaram outras. A taxa de IRS aumentou muito este ano com a redução do número
de escalões e com a sobretaxa de 4% que o governo introduziu neste imposto. Por
exemplo, um aposentado com uma pensão de 1000 euros brutos ficará este ano com
654 euros líquidos depois de pagar o IRS (menos 34,6%); um aposentado com uma
pensão bruta de 1400 euros ficará com 880 euros (menos 37,1 %); um aposentado
com uma pensão bruta de 2250 euros ficará com 1291 euros (Correio da Manhã.
01-11-12). Estas contas valem, igualmente, para os assalariados. Mas os
aposentados têm ainda de pagar a chamada Contribuição Extraordinária de
Solidariedade (CES) que varia entre 3,5% e 10%, para as pensões entre 1350 euros e 3750 euros, e
pode ir até 40% para a pequena minoria que aufere pensões superiores a 3750
euros.
5.3.6. As pensões,
note bem, são a única categoria de rendimentos que suporta a CES, o que viola o
princípio da igualdade. O Tribunal Constitucional (TC) deixou passar esta
violação clamorosa da Constituição. O juíz presidente do TC afirmou que a CES
não foi declarada inconstitucional, «embora reconhecendo que essa medida tem
algo de anómalo, porque as contribuições para o sistema são feitas pelas
contribuições no activo». “Algo de anómalo” é favor. A medida é totalmente
anómala, além de iníqua. Prossegue o presidente do TC: «Há aqui uma sobrecarga,
que recai sobre os reformados e aposentados». Então qual a justificação para a deixar
passar? «Numa situação de emergência e de cariz excepcional foi entendido que,
apesar de tudo e no limite, ainda era uma solução [comportável]» (Público,
06-03-13). Mas o governo desconhece o que é um limite, constitucional ou outro.
O seu único limite é o céu — o céu da troika — que ninguém sabe onde termina,
talvez seja no inferno. «Que se lixem as eleições!» (disse Passos Coelho). «Não
fui eleito coisíssima nenhuma» (disse Vítor Gaspar). Por uma vez, disseram o
que lhes vai nas entranhas. Por isso, o governo pretende agora tornar
permanente a dita CES, cortar 11% no valor bruto das pensões da CGA e aumentar
para o dobro (2,25% a partir de Julho e 2,5% a partir de 2014) os descontos
para o sistema de saúde dos pensionistas da CGA com pensões acima de 485 euros
mensais — um verdadeiro assalto à mão armada à camada mais vulnerável da sociedade,
tanto em termos de procura de fontes alternativas de rendimento como de saúde.
5.3.7. E o senhor o
que faz ? Vem a público aplaudir: «Bravo! Muito justo!».
Talvez seja, apenas, o resultado de
ignorância, de desinformação e de uma boa dose de petulância.
Se, porém, depois de ter lido esta
carta, ainda continuar a achar justas «as sevícias orçamentais de Gaspar e dos
seus ajudantes contra o direito de propriedade, que, no fundo, constituem as
pensões [dos aposentados e reformados]» (Bagão Félix, Público. 04-05-13), então
terei de concluir que o senhor está no país errado. O Bangladesh, por exemplo,
convinha-lhe mais. Lá, o regime que impera em matéria de Segurança Social é o
que preconizam os Bessas e Miras do Amaral que nos couberam em sorte. Mas, se
não decidir ir para lá viver, pare pelo menos de nos dar palmadinhas nas costas,
pare de nos provocar.
Lisboa, 23-30 de Maio de 2013
José Manuel
Catarino Soares
(Professor coordenador aposentado do ensino
superior politécnico)
PS1.
Os números citados no ponto 4.9 e nos pontos 5.3.1 e seguintes foram extraídos
da PORDATA,
www.pordata.pt. Nem sempre coincidem porque as
realidades contabilizadas pela Pordata podem incluir ou excluir certos tipos de pensões, conforme o caso em apreço.
PS2.
Eu suspeitava que não haveria duas sem três. Não me enganei. Não julgava é que
fosse tão cedo. Na sua crónica «Passos, o Desesperançoso» (Expresso. 25-05-13),
o senhor escreve: «Os cortes [nas pensões de aposentação] não são apenas necessários, são
acima de tudo um ato de justiça, porque é necessário aliviar o esforço das
gerações mais novas».
PS3.
Já depois de ter escrito os dois PS anteriores, descobri que o senhor tem um
blogue, «o clube das repúblicas mortas», onde opina sobre tudo e mais alguma
coisa. (Modifiquei o início do ponto 3 desta carta de modo a incluir essa
informação). E tem uma coluna no
«Expresso on line» onde, também, opina abundantemente. Estive a ler alguns dos
seus escritos relacionados com o tema das pensões de aposentação, que são
muitos. Seria preciso ter um blogue de um tamanho igual ao seu e a paciência de
um santo para ir rebatendo, taco a taco, tudo o que reputo de falso no que vai
dizendo sobre este assunto. E não faria mais nada, mesmo que tivesse uma coisa
e outra. Por isso, resisti à tentação de aumentar esta carta, já bem
longa, ou de a reescrever. Convém acrescentar, no entanto, que a escrevi no
pressuposto (errado) de que senhor desconhecia totalmente a natureza do nosso sistema previdencial. Mas, afinal, o
senhor sabe, pelo menos, que é um sistema misto, de repartição e capitalização,
o que, desde logo, deita por terra a boa fé da sua argumentação. A prova é o
que escreveu em 26 de Maio de 2011, há exactamente dois anos portanto, no
«Expresso on line»:
«Em Março, vários órgãos de comunicação
social afirmaram que o Fundo de Estabilização da Segurança Social estava a comprar
dívida pública portuguesa — quando já ninguém queria participar nesse teatrinho
de Sócrates. O governo, claro, desmentiu. Agora,
é publicado o despacho que confirma este facto. O governo
mentiu (não é novidade). O governo mexeu de forma irresponsável nas nossas
reformas (a novidade). Sócrates e Teixeira dos Santos sabiam que comprar
dívida portuguesa (ou grega, ou irlandesa) é um acto de altíssimo risco, mas,
mesmo assim, não hesitaram em colocar em risco as reformas futuras. Se a dívida
portuguesa entrar em reestruturação, nós, portugueses, vamos perder muito
dinheiro. Reestruturar a dívida significa não pagar parte da
dívida aos credores (20%? 50%?). Ou seja, os credores ficam a arder.
Ora, neste cenário, quem fica a arder olimpicamente
são os portugueses, são as pensões de reformas dos portugueses. Se isto não
é trair o povo, então o que é trair o povo? Para manter o seu teatrinho suicida
("ai, ai, Portugal não precisa de ajuda, eu não coloquei Portugal na
bancarrota"), Sócrates arrombou as nossas futuras reformas. Numa
irresponsável fuga para a frente, o primeiro-ministro usou o dinheiro da nossa
segurança social para financiar uma estratégia sem sentido, que visava apenas
salvar a sua face. Isto é a destruição objectiva do tal Estado
Social»».
Vamos
vê-lo agora denunciar, com o mesmo vocabulário, Passos Coelho e Vitor Gaspar nas páginas
do «Expresso» com base na notícia que eu referi no ponto 5.1.3 desta carta
? Pago para ver.
------------------------------------------------------------------------------
Aditamento aos PS (1 de Junho de 2015)
Como era de esperar, Henrique Raposo nunca denunciou as malfeitorias referidas no ponto 5.1.3 desta carta aberta, como o desafiei a fazer no PS3
* acrescentado em 1 de Junho de 2015
Aditamento ao texto (1 de Junho de 2015)
Há estatísticas de grande importância que a CGA e a CNP (SS) não publica. Uma delas é o número de aposentados e reformados. Os quadros referidos nos quadros deste texto referem-se ao número de pensões de aposentação e de reforma, não ao número de pensionistas. Não é a mesma coisa. Há muitos pensionistas que recebem duas pensões. Assim, contam por dois no número total de pensões. Por exemplo, uma viúva ou um viúvo, além da sua pensão de direito próprio, pode ainda receber uma pensão de sobrevivência a partir do falecimento do seu cônjugue. Outros pensionistas recebem uma pensão da CGA e outra da CNP (SS) porque durante a sua vida activa trabalharam x anos na função pública e y anos no sector privado. E há muitos outros casos de acumulação que me dispenso de inventariar. Henrique Raposo (HR) diz que existem «3 milhões de reformados». Este número é fantasioso e falso, mesmo que se refira a aposentados e reformados, uma distinção que HR ignora. Recentemente a agência de notícias Lusa divulgou a "notícia", reproduzida em muitos jornais, incluindo jornais ditos de referência como o Expresso e o Público, segundo a qual existiriam 3,5 milhões de pensionistas. Este número é fantasioso e, como veremos, falso (É difícil acertar quando se fantasia). Mas então quantos pensionistas há, afinal, em Portugal ? A Comissão Europeia acaba de publicar o relatório The 2015 Ageing Report. A elaboração desse relatório foi feita por um grupo constituído por quadros superiores (dois por país) dos Ministérios das Finanças de todos os países da União Europeia. Na página 363 desse relatório, na ficha correspondente a Portugal, afirma-se que existiam, em 2013, 2,5 milhões de pensionistas, mais precisamente 2 milhões, quinhentos e cinquenta e dois mil pensionistas. Este é o número mais fidedigno actualmente disponível.