TEMAS 1 e 2
OLHOS NOS OLHOS
OLHOS NOS OLHOS
Exma Sra. Dra.Judite de Sousa
O programa Olhos
nos Olhos que foi hoje para o ar (14.10.2013) ficará nos anais da
televisão como um caso de estudo, pelos piores motivos.
Foi o mais execrável exercício de demagogia a que me foi
dado assistir em toda a minha vida num
programa de televisão. O que os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo
disseram acerca das pensões de
aposentação, de reforma e de sobrevivência é um embuste completo, como
demonstrarei mais abaixo. É também um exemplo de uma das dez estratégias
clássicas de manipulação do público através da comunicação social, aquela que
se traduz no preceito: «dirigir-se ao espectador como se fosse uma criança de
menos de 12 anos ou um débil mental».
Mas nada do que os senhores Medina Carreira e Henrique
Raposo dizem ou possam dizer pode apagar os factos. Os factos são teimosos.
Ficam aqui apenas os essenciais, para não me alargar muito:
1. OS FUNDOS DO SISTEMA
PREVIDENCIAL da Segurança Social (Caixa Nacional de Pensões e Caixa
Geral de Aposentações), com os quais são
pagas essas pensões, NÃO PERTENCEM AO
ESTADO (muito menos a este governo, ou
qualquer outro). Não há neles um cêntimo que tenha vindo dos impostos cobrados
aos portugueses (incluindo os aposentados e reformados). PERTENCEM
EXCLUSIVAMENTE AOS SEUS ACTUAIS E FUTUROS BENEFICIÁRIOS, QUE PARA ELES
CONTRIBUÍRAM E CONTRIBUEM DESCONTANDO 11% dos seus salários mensais,
acrescidos de mais 23,75% (também extraídos dos seus salários) que as
entidades empregadoras, privadas e públicas, deveriam igualmente descontar para
esse efeito (o que nem sempre fazem [voltarei a este assunto no ponto 3]).
2. As quotizações devidas
pelos trabalhadores e empregadores a este sistema previdencial, bem como os
benefícios (pensões de aposentação, de reforma e sobrevivência; subsídios de
desemprego, de doença e de parentalidade; formação profissional) que este
sistema deve proporcionar, são fixadas por cálculos
actuariais, uma técnica matemática de que o sr. Medina Carreira manifestamente
não domina e de que o sr. Henrique Raposo manifestamente nunca ouviu falar.
Esses cálculos são feitos tendo em conta,
entre outras variáveis, o custo das despesas do sistema (as que foram acima
discriminadas) cujo montante depende, por sua vez — no caso específico das
pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência — do salário ou
vencimento da pessoa e do número de anos da sua carreira contributiva. O
montante destas pensões é uma
percentagem ponderada desses dois
factores, resultante desses cálculos actuariais.
3. Este sistema em nada
contribuíu para o défice das contas públicas e para a dívida pública. Este
sistema não é insustentável (como disse repetidamente o senhor Raposo). Este
sistema esteve perfeitamente equilibrado e saudável até 2011 (ano de entrada em
funções do actual governo), e exibia grandes excedentes, apesar das "dívidas" das
entidades empregadoras, tanto privadas como públicas (estimadas então em 21.940
milhões de euros), devido à evasão e à fraude contributiva por parte destas
últimas, e às dívidas oficiais das mesmas entidades, que atingiam já, nesse ano, 7.142 milhões de euros. Em 2011, último ano de resultados fechados e auditados pelo Tribunal
de Contas, o sistema previdencial teve como receitas das quotizações 13.757
milhões de euros, pagou de pensões 10.829 milhões de euros e 1.566 milhões de
euros de subsídios de desemprego, doença e parentalidade, mais algumas despesas
de outra índole. O saldo é pois largamente positivo. Mas o sistema previdencial
dispõe também de reservas, para fazer face a imprevistos, que são geridas, em regime de capitalização, por um Instituto
especializado (o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança
Social) do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Ora, este
fundo detinha, no mesmo ano de 2011, 8.872,4 milhões de euros de activos, 5,2%
do PIB da altura.
4. É o aumento brutal do
desemprego (952 mil pessoas no 1º trimestre de 2013), a emigração de centenas
de milhares de jovens e menos jovens, causados ambos pela política recessiva e
de empobrecimento deste governo, a quebra brutal de receitas e o aumento
concomitante das despesas com o subsídio de desemprego que estes factos
acarretam, que estão a pôr em perigo o regime previdencial e a Segurança Social
como um todo, não a demografia, como diz o sr. Henrique Raposo.
5. Em suma, é falso que o
sistema previdencial seja um sistema de repartição, como gosta de repetir o sr.Medina
Carreira. É, isso sim, um sistema misto,
de repartição e capitalização. Está
escrito com todas as letras na lei de bases da segurança social (artigo 8º, alínea C, da
lei nº4/2007), que, pelos vistos, nem ele nem o senhor Henrique Raposo se deram
ao trabalho de ler. É falso que o
sistema previdencial faça parte das “despesas sociais” do Estado (educação e saúde)
que ele (e o governo actual) gostariam de cortar em 20 mil milhões de euros.
Mais especificamente, é falso que os seus benefícios façam parte das “prestações
sociais” que o senhor Medina Carreira gostaria de cortar. Ele confunde deliberadamente dois subsistemas da Segurança Social: o
sistema previdencial (contributivo) e
o sistema de protecção social de cidadania (não
contributivo). É este último sistema (financiado pelos impostos que todos
pagamos) que paga o rendimento social de inserção, as pensões sociais (não confundir com as pensões de
aposentação e de reforma, as quais são pagas pelo sistema previdencial e nada
pesam no Orçamento de Estado), o
complemento solidário de idosos (não
confundir com as pensões de sobrevivência, as quais são pagas pelo sistema
previdencial e nada pesam no Orçamento do Estado), o abono de família, os
apoios às crianças e adultos deficientes e os apoios às IPSS.
6. É falso, por isso, que o sr. Henrique
Raposo (HR) esteja, como ele diz, condenado a não receber a pensão a que terá
direito quando chegar a sua vez, “porque a população está a envelhecer”,
“porque o sistema previdencial actual não pode pode pagar as pensões de
aposentação futuras”, “porque o sistema não é de capitalização”. O 1º ministro
polaco, disse, explicou-lhe como mudar a segurança social portuguesa para os
moldes que ele, HR, deseja para Portugal. Mas HR esqueceu-se de dizer em que
consiste essa mirífica “reforma”: transferir os fundos de pensões privados para
dentro do Estado polaco e com eles compensar um défice das contas públicas,
reduzindo nomeadamente em 1/5 a enorme dívida pública polaca. A mesma receita
que Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas aplicaram em Portugal aos fundos
de pensões privados dos empregados bancários ! (para mais pormenores sobre o
desastre financeiro que se anuncia decorrente desta aventura polaca, ver o
artigo de Sujata Rao da Reuters, «With pension reform, Poland joins the
sell-off», 6 de Setembro de 2013, http://blogs.reuters.com/
globalinvesting/2013/09/06/with-pension-reform-poland-joins-the-sell-off-more-to-come/; e o artigo de Monika
Scislowska da Associated Press, «Poland debates controversial pension reform»,
11 de Outubro de 2013, http://news.yahoo.com/poland-debates-controversial-pension-reform-092206966--finance.html). HR desconhece o que
aconteceu com as falências dos sistemas de capitalização individual em países como,
por exemplo, o Reino Unido. HR desconhece também as perdas de 10, 20, 30, 40 por
cento, e até superiores, que os aforradores americanos tiveram com os fundos privados
que geriam as suas pensões, decorrentes
da derrocada do banco de investimento Lehman Brothers e da crise
financeira subsequente — como relembrou, num livro recente, um jornalista
insuspeito de qualquer simpatia pelos aposentados e reformados. O único inimigo
de HR é a sua ignorância crassa sobre a segurança social.
Os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo, são, em minha
opinião, casos perdidos. Estão intoxicados pelas suas próprias lucubrações, irmanados
no mesmo ódio ao Tribunal Constitucional («onde não há dinheiro, não há
Constituição, não há Tribunal Constitucional, nem coisíssima nenhuma» disse
Medina Carreira no programa «Olhos nos Olhos» de 9 de Setembro último;« O Tribunal
Constitucional quer arrastar-nos para fora do euro» disse Henrique Raposo no
programa de 14 de Outubro de 2013). E logo o Tribunal Constitucional ! — última
e frágil antepara institucional aos desmandos e razias de um governo que não
olha a meios para atingir os seus fins. Estes dois homens tinham forçosamente
que se encontrar um dia, pois estão bem um para o outro: um diz “corta!”, o outro “esfola!”. Pena foi que o encontro
fosse no seu programa, e não no café da esquina.
Mas a senhora é jornalista. Não pode informar sem estar
informada. Tem a obrigação de conhecer, pelo menos, os factos (pontos 1-6) que
acima mencionei. Tem a obrigação de estudar os assuntos de que quer tratar «Olhos
nos Olhos», de não se deixar manipular
pelas declarações dos seus interlocutores. Se não se sentir capaz disso, se
achar que o dr. Medina Carreira é
demasiado matreiro para que lhe possa fazer frente, então demita-se do programa
que anima, no seu próprio interesse. Não caia no descrédito do público que a
vê, não arruíne a sua reputação. Ainda vai a tempo, mas o tempo escasseia.
José
Manuel Catarino Soares
Lisboa 14.10.2013
Este texto foi originalmente publicado no blogue da APRe! (Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados).
ResponderEliminar