A minha colega e amiga, Ana Bela Baptista da Silva, evoca aqui a sua memória comovida
do dia 25
de Abril de 1974 e o importante contributo (largamente desconhecido do
grande público) que o seu marido, José Manuel Baptista
da Silva, deu para o seu êxito. J.C.S.
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Recordar o 25 de Abril
de 1974
Ana Bela Baptista da Silva
Recordo, como se fosse
hoje, o dia 25 de Abril de 1974.Tinha na altura 32 anos, era casada contigo,
querido Zé [1]. Éramos pais de duas meninas, a Ana Beatriz de 9
anos e a Ana Lúcia de 4. A nossa casa, no Laranjeiro, localizava-se perto dos
nossos locais de trabalho. Eu, educadora de infância no Centro de Bem Estar
Infantil da Romeira, e tu, Oficial da Armada, Comandante de Submarino na Base
Naval do Alfeite. Naquela semana, nos dias que antecederam essa quinta-feira de
Abril, chegavas apreensivo a casa e eu temia que algo estivesse para acontecer.
Desde o dia 23 até ao dia
26 de Abril não consegui falar contigo, pois estavas de prevenção na esquadrilha de submarinos.
No dia 25, comecei a
ouvir na rádio notícias algo vagas e contraditórias. A televisão interrompeu a emissão e começou a
dar um filme que fiquei a odiar para sempre.
Tentei, em vão contactar-te. Fechada em casa tentava manter a calma e
brincava com as minhas filhas. Mas sempre atenta às notícias que, com o correr
do dia, me permitiam sentir um mar de emoções que começaram com preocupação,
ansiedade, esperança, alegria, felicidade…
No final do dia 26, tu
chegaste cansado, mas muito emocionado e feliz. Abracei-te a chorar de alegria
e nesse momento contaste-me aquilo que não tinhas podido contar antes.
25 de Abril de 1974. Fonte: revista Visão |
Vários dias antes de 25
de Abril souberas o que se iria passar. Tinhas sido contactado por oficiais do
MFA [Movimento das Forças Armadas] para uma missão que aceitaste, mas que,
graças a Deus, não tinha sido necessária.
E que missão seria essa?
Se a fragata Gago Coutinho que iria sair para o mar, integrada num exercício da
NATO [/OTAN], se preparasse para lançar fogo para o Terreiro do Paço [2],
então o submarino que comandavas iria entrar em combate, protegendo assim as
tropas de terra.
Desde o dia do nosso
reencontro prometemos honrar os ideais de Abril. Mais do que por palavras,
tentei com as minhas acções na educação, na formação, e na família nunca
esquecer esse dia.
Muita coisa aconteceu
comigo e com a minha família após o dia de Verdadeira Liberdade.
Quase cinquenta anos
depois do 25 de Abril de 1974 continuo a sentir-me grata aos seus obreiros e
também a ti, meu querido marido, que durante o teu percurso de vida tanto
lutaste pela justiça, pela democracia e pela felicidade de tantos de nós.
Só me resta dizer hoje e
sempre VIVA
o 25 de ABRIL!
21 de Abril 2022
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Notas
[1] José Manuel
Baptista da Silva (1940-2007). Oficial da Armada de 1962 a 1982, quando passou à reserva, tendo-se reformado em 1998. Foi
promovido a Capitão de Mar-e-Guerra em 1986. Comandou os quatro submarinos da
Armada portuguesa de então (Albacora, Barracuda, Cachalote, Delfim) em diferentes
períodos da sua carreira no activo. Concluiu o curso de Direito em 1980. Como
advogado, na situação de reserva, prestou serviço na Direcção Geral de Marinha, como Assessor Jurídico e também como Vogal da Comissão de Direito Marítimo
Internacional e Comissão Nacional contra a Poluição Marítima Internacional.
[2] Várias razões contraditórias têm sido relatadas sobre
a desobediência à ordem, emitida pelo Estado Maior da Armada, para a fragata
Gago Coutinho disparar sobre o Terreiro do Paço, onde estavam as tropas comandadas pelo capitão Salgueiro Maia (ver notícias em diversos
jornais da época assim como o Livro “Uma Fragata no 25 de Abril” de Noémia
Louçã).