Temas 2, 3 e 4
A Guerra na Ucrânia
(2.ª parte)
OTAN: natureza e
historial, antes e depois de 1991
José Catarino Soares
1.
Introdução
Em 24 de Fevereiro de 2022, as Forças Armadas da Rússia, cumprindo ordens do presidente desse país, Vladimir Putin, invadiram a Ucrânia e desencadearam uma guerra devastadora que já vai, no momento em que escrevo estas linhas (27 de Março), no seu 32.º dia, sem fim à vista.
É corriqueiro dizer que esta guerra é uma guerra “entre a Rússia e a Ucrânia”, ou “uma guerra da Rússia contra a Ucrânia”. São expressões muito acarinhadas pelos governantes e pelos comentadores residentes do sistema mediático dominante de comunicação social — jornais e revistas comerciais de grande tiragem, estações privadas e públicas de rádio e televisão de grande audiência, redes virtuais mundiais de mensagens instantâneas, como o Twitter e o Facebook. Vieram direitinhas dos seminários da geopolítica, onde foram forjadas [1]. São, como a sarna humana, inicialmente inconspícuas e muito contagiosas, porque satisfazem o nosso desejo de compreender o que se passa à nossa volta sem grande dispêndio de tempo e esforço intelectual. Eu próprio, que as abomino, dou comigo a empregá-las. Mas são enganadoras.
A “guerra entre a Rússia e a Ucrânia” ou a “guerra da Rússia contra a Ucrânia” não é uma guerra do povo russo contra o povo ucraniano. Esta guerra não é também, por maioria de razão, uma guerra da classe trabalhadora assalariada russa contra a classe trabalhadora assalariada ucraniana. O povo da Rússia e o povo da Ucrânia não estão em guerra um contra o outro. Os trabalhadores assalariados da Rússia e da Ucrânia que, com as suas famílias, constituem, em ambos os países, a secção mais numerosa dos respectivos povos, não são inimigos uns dos outros e não estão em guerra uns contra os outros.
A guerra em curso na Ucrânia é uma guerra que a elite política dirigente da Rússia, chefiada por Vladimir Putin, desencadeou contra a elite política dirigente da Ucrânia, chefiada por Volodymyr Zelensky [2].
[É
uma guerra totalmente condenável por muitas razões (cuja análise ficará para a
3.ª parte deste ensaio). A razão mais óbvia consiste no facto de Putin, mesmo se quiser
limitar o poder destrutivo das suas tropas às tropas oficiais ucranianas e às
suas infra-estruturas para conseguir alcançar os seus objectivos, não pode
fazê-lo sem arrastar os trabalhadores ucranianos e as suas famílias para o torvelinho
mortífero e para a voragem destrutiva da sua guerra e sem consumir
muitas vidas dos conscritos russos que compõem boa parte das suas tropas
invasoras.
A aldeia de Novoselivka, perto de Chernihiv (Ucrânia), foi fortemente bombardeada. Fonte: UNDP Ukraine-Oleksandr Ratushnia. |
O único papel que Putin reserva para os trabalhadores ucranianos e suas famílias é o de engrossarem o número de vítimas dos “danos colaterais” provocados pelas granadas, foguetes, mísseis e bombas lançadas pelas forças invasoras russas. E o único papel que Putin reserva para os trabalhadores russos conscritos que fazem parte das forças militares invasoras é o de servirem de carne para canhão (como se diz em Portugal) ou bucha de canhão (como se diz no Brasil). Foi, aliás, isso mesmo o que disseram mães de soldados russos envolvidos na invasão da Ucrânia, confrontando o governador da região de Kemerovo, na Sibéria. Pode ver o vídeo desse confronto clicando nesta hiperligação:
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N.B. A minha posição actual já não é a que expus nos parágrafos que destaquei a vermelho e que, entretanto, evoluiu. A razão principal para essa evolução foi o ter superado a ignorância quase total em que me encontrava, na altura, sobre as causas contribuintes e o desenrolar da primeira guerra na Ucrânia ― a guerra entre as tropas ucranianas e as milícias populares de autodefesa da República Popular de Donetsk (RPD) e a República Popular de Luhansk (RPL), iniciada em Maio de 2014 e que tinha escalado para um novo patamar de intensidade na segunda quinzena de Fevereiro de 2023. Essa ignorância está bem patente no próprio título do ensaio, que deveria ter sido As guerras na Ucrânia, e não A Guerra na Ucrânia.
Um outro ponto em que sobressai a minha ignorância (na altura em que escrevi este artigo) sobre muitos aspectos das guerras na Ucrânia, é quando falo nos conscritos nas forças invasoras russas. Conforme pude apurar ulteriormente, não havia conscritos nessas forças, que eram integralmente constituídas por soldados profissionais, denominados “contratados” na Rússia. Destarte, toda esta introdução, até ao próximo parágrafo, teria de ser reescrita para reflectir a minha posição actual e, concomitantemente, repor a verdade com base nos factos. Num livro que se encontra actualmente no prelo, intitulado Dissipando a névoa artificial da guerra: um roteiro para o fim das guerras na Ucrânia, a paz na Europa e o desarmamento nuclear universal, esclareço as coisas que me escaparam nesta primeira abordagem.
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Dito isto, a eclosão da guerra de Putin na Ucrânia não foi um “raio no céu azul”, um acontecimento tão raro quanto imprevisível. Não foi um acto súbito e inesperado de um louco ou de um paranóico, como alguns pretendem fazer crer [3]. Pelo contrário, foi um acontecimento preparado e anunciado com grande antecedência, como vimos na 1.ª parte deste ensaio (cf. A Guerra na Ucrânia. 1.ª parte. Crónica de uma guerra pré-anunciada).
Um dos deflagradores desta guerra, o mais importante de todos, foi a OTAN. Zelinsky (que é presidente da Ucrânia desde 10 de Maio de 2019) tudo fez, a partir de Março de 2021, para o seu país entrar na OTAN o mais rapidamente possível. Putin, antes da invasão da Ucrânia, opôs-se veementemente a esse desiderato do seu homólogo. E essa oposição permanece, agora sob a forma de uma exigência; a primeira das 5 exigências que Putin reclama de Zelinsky como condição para pôr um termo à guerra e retirar as suas tropas:
― um estatuto neutral [entenda-se: fora da OTAN e de qualquer aliança militar] e não nuclear para a Ucrânia.
Não podemos de modo nenhum ignorar ou subestimar a importância que esta exigência tem tanto para Putin como para Zelensky, mas especialmente para Putin, pois foi em seu nome que ele desencadeou uma guerra que já fez (até hoje, 27 de Março) 1.104 vítimas mortais entre os civis ucranianos (entre as quais 96 crianças) e 1.754 feridos na população civil ucraniana (entre os quais 105 crianças), e provocou a fuga de mais de 10 milhões de pessoas, que tiveram de abandonar as suas casas devido à guerra, 6,5 milhões das quais estão deslocadas no interior da Ucrânia e 3,7 milhões procuraram refúgio noutros países [4], além de arrasar cidades inteiras.
Temos de procurar compreender o que faz da OTAN um motivo ou uma causa contribuinte de um conflito bélico com resultados tão medonhos. Temos, portanto, de nos perguntarmos: o que é a OTAN? Qual é a sua razão de ser? Qual foi a sua conduta desde a sua fundação até aos nossos dias? Porque inspira tanta inquietação e tanto temor na elite dirigente russa e tanta reverência e unção na elite dirigente ucraniana?
São estas as perguntas
que este artigo visa responder. A sua resposta é parte integrante do esforço
para entender as causas contribuintes e motivações da guerra na Ucrânia. Não
podemos contribuir para pôr um fim a esta guerra se não tivermos as ideias bem
claras sobre as suas raízes e os seus figurões.
2.
A exclusão da Rússia da OTAN e da UE
A Federação da Rússia
ou Rússia (os dois nomes são constitucionalmente equivalentes pelo
artigo 1.2 da sua Constituição) é reconhecida pelo direito internacional
público e pela ONU como o Estado sucessor da União Soviética. Entre outras
coisas, herdou todo o seu arsenal de armas nucleares e a sua dívida externa
(70.000 milhões de dólares), contraída sobretudo durante o consulado de
Gorbachev.
A Rússia autodefine-se,
desde 12 de Dezembro de 1993, como «um Estado de
direito federal e democrático com uma forma republicana de governo»
(artigo 1.1 da Constituição da Rússia [5]). Na prática, é uma oligarquia electiva iliberal [6] onde o poder
de Estado, na sua vertente política, está concentrado nas mãos do Presidente da
República, eleito por sufrágio universal directo e secreto por mandatos de 6
anos.
Em 31 de dezembro de
1999, o Presidente Boris Ieltsin da Rússia renunciou ao poder, entregando o
posto, interinamente, ao recém-nomeado primeiro-ministro, Vladimir Putin, que
depois ganhou a eleição presidencial de 2000. Putin terminará o seu quarto
mandato presidencial em 2024 e poderá candidatar-se e ser eleito por mais dois
mandatos [7].
Como fez questão em
recordá-lo nas entrevistas filmadas que deu ao realizador Oliver Stone em 2017
e, de novo, no seu discurso de 21 de Fevereiro de 2022, Putin, mal tomou posse
do cargo de presidente da Rússia em 2000, manifestou o desejo de a Rússia
integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e também a União Europeia (UE). Ambos os pedidos foram
recusados por estas duas organizações internacionais [8].
A recusa não pode ter
tido como critério o modo de produção de bens e serviços que vigora na Rússia.
Esse modo é o modo capitalista de produção (MCP doravante) que vigora
também em todos os países da OTAN e da UE.
A recusa não pode ter
tido como critério um atraso acentuado no grau de desenvolvimento económico da
Rússia. No MCP, o desempenho económico de um país é reflectido pelo produto
interno bruto (PIB) — o total de todos os bens e serviços vendidos. O produto
interno bruto mundial em 2020 (antes da pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2)
foi de cerca de 10.915 dólares americanos per capita [= por habitante].
Em contraste, o PIB na Rússia atingiu os 10.295 dólares americanos por
habitante, ou, equivalentemente, 1.483,50 milhões de dólares americanos em todo
o país. A Rússia é, portanto, uma das maiores economias do mundo e encontra-se
actualmente na 11.ª posição. Entre os países que fazem parte simultaneamente da
UE e da OTAN, só encontramos, em melhor posição, a Alemanha (4.º lugar), a
França (7.º lugar) e a Itália (8.º lugar) [9].
Se o PIB for calculado
tendo em conta a paridade do poder de compra, então a Rússia está em 6.º lugar
na classificação mundial (números de 2020, antes da pandemia do SARS-CoV-2), como
mostra o gráfico abaixo; um lugar melhor do que, por exemplo, o da França (um
país da UE e da OTAN) e o do Reino Unido (um país da OTAN e um país da UE até
31 de Janeiro de 2020).
Trilhões no Brasil (onde foi feito este gráfico) são biliões em Portugal |
A recusa não pode ter
tido como critério o regime político que vigora na Rússia. O regime de
oligarquia electiva iliberal que vigora na Rússia vigora também na Hungria de
Viktor Orbán (membro da OTAN e da UE), na Polónia de Andrzej Duda (membro da
OTAN e da UE) e na Turquia de Recep Erdogan (membro da OTAN). E convém não
esquecer que a OTAN não teve qualquer prurido em admitir Portugal como um dos
seus membros fundadores, em 1949, numa altura em que vigorava em Portugal (e
continuaria a vigorar nos 25 anos seguintes) o “Estado
Novo” de Oliveira Salazar, um regime
fascista conservador e clerical [10].
Qual foi então a razão da
recusa?
Para não sobrecarregar a
argumentação vou deixar de lado a UE, onde o processo de decisão é mais
complexo e onde os EUA não têm nem voto nem a influência decisiva que têm na
OTAN. Concentrar-me-ei apenas na OTAN.
Julgo que a resposta mais
plausível é de que os EUA precisavam de um inimigo que justificasse a
manutenção e a expansão da OTAN.
Repare-se: se depois da
queda do muro de Berlim, depois da reunificação da Alemanha, depois da dissolução
do Pacto de Varsóvia e depois da dissolução da União Soviética todos os países
da Europa passaram a ser regidos pelo MCP na sua versão canónica [11],
se todos passaram a ser parceiros comerciais uns dos outros, se todos passaram
a ser amantes da paz ‒ como tantas vezes nos disseram em todos os tons ‒ para
que serviria, então, uma aliança militar como a OTAN? Pois, para nada,
evidentemente. Em bom rigor, a OTAN teria de se auto-extinguir como fez o Pacto
de Varsóvia, ao mesmo tempo ou no dia seguinte.
Mas não foi isso que
aconteceu. Pelo contrário, o que toda a gente viu (a começar por Ieltsin e
Putin naturalmente), foi a OTAN fechar e trancar a porta à adesão da Rússia e
escancará-la aos países da Europa de leste que foram outrora, tal como a União
Soviética (de que a Rússia é herdeira), membros do Pacto de Varsóvia e, desse
modo, aproximar-se paulatinamente de todas as fronteiras europeias da Rússia.
Em 2008, a OTAN foi mesmo ao ponto de convidar duas ex-repúblicas da
União Soviética a aderir, a Ucrânia e a Geórgia. Mas não fez idêntico convite à
Rússia, a maior e a mais importante de todas as repúblicas da União Soviética.
Faço notar que não tenho
a pretensão de conhecer a real razão desta conduta consistente da OTAN nos
últimos 30 anos — que é, em primeiro lugar, uma conduta consistente dos Estados
Unidos da América (EUA), o patrocinador da OTAN, o seu sustentáculo principal e
o seu director executivo. Quando digo que a razão que indiquei, é a mais
plausível faço-o a título de conjectura e por exclusão de partes. Todas as
outras razões que passei em revista não têm pernas para andar.
Admitindo que a razão conjecturada
seja não só a razão mais plausível, mas também a verdadeira, a implicação
imediata é que os EUA e a OTAN tudo fizeram deliberadamente e tudo farão para
entronizar a Rússia como seu inimigo oficial na Europa. Não se pode sequer
dizer que não foram capazes de prever as perigosas consequências negativas
dessa escolha estratégica, porque foram repetidamente advertidos sobre elas
pelo seu próprio pessoal político mais competente, como vimos na 1.ª parte
deste ensaio (secção 4. O grande cisma estratégico na elite dirigente americana).
O que nos obriga a pôr a
questão de fundo: o que é a OTAN?
A OTAN (NATO no
acrónimo inglês) foi fundada em 4 de Abril de 1949 por 12 países (Bélgica,
Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, França, Holanda, Islândia,
Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido), alegadamente para
manter em respeito as alegadas intenções bélicas expansionistas da União
Soviética [12]. No discurso oficial da OTAN e dos seus países
membros, que são hoje 30, a OTAN foi e continua a ser uma aliança puramente
defensiva em que todos os seus membros acorrem em defesa daquele que seja
atacado (o famoso artigo 5.º dos seus estatutos, tantas vezes invocado desde o
início da guerra na Ucrânia).
Mas, como veremos
mais adiante, a “nova” OTAN (1991-2022) não é de modo nenhum uma organização
defensiva, e a “velha” OTAN (1949-1991) faz lembrar o lobo vestido de avozinha
do conto Capuchinho
Vermelho.
Se não vejamos.
Quando a OTAN foi fundada, em 4 de Abril de 1949, a União Soviética não
tinha sequer uma única arma nuclear e os cientistas nucleares e os peritos de
segurança militar dos EUA achavam que ela não conseguiria ter uma tal arma
durante mais 5 ou 10 anos. Entre Setembro de 1945 (fim da 2.ª guerra mundial) e
a fundação da OTAN (Abril de1949), o Pentágono [nome coloquial do Ministério da
Defesa americano] desenvolveu pelo menos nove planos de guerra nuclear
visando a destruição da União Soviética. Esta é uma das principais revelações
do livro To Win a Nuclear War: the Pentagon’s Secret War Plans,
dos físicos estado-unidenses Michio Kaku e Daniel Axelrod. Integralmente baseado
em documentos secretos desclassificados, obtidos através do Freedom of
Information Act, estes investigadores expuseram as estratégias dos
militares americanos para iniciar uma guerra nuclear com a União Soviética.
Os nomes dados a
esses planos (que eram, na prática, sucessivas atualizações do plano-mestre que
visava a destruição da União Soviética como país industrial avançado) retratam
eloquentemente o seu propósito ofensivo: Bushwhacker
[salteador da floresta], Broiler
[grelhador], Sizzle [crepitação], Shakedown [teste de choque], Offtackle [placagem à bruta], Dropshot [bola curta], Trojan
[cavalo de tróia], Pincher [pinça], e Frolic [travessura]. «Os
militares americanos conheciam a natureza ofensiva do trabalho para o qual o
Presidente Truman lhes tinha ordenado que se preparassem e nomearam os seus
planos de guerra em conformidade», observou o economista americano J.W.
Smith [13].
O número de alvos
soviéticos a destruir previsto nesses planos aumentou de 20 cidades em Dezembro
de 1945 para 200 cidades em 1949 e para um total de 3.261 alvos até 1957. Por
exemplo, o plano Dropshot de 1949 previa que
os EUA atacassem a Rússia soviética e lançassem pelo menos 300 bombas nucleares
e 20.000 toneladas de bombas convencionais sobre 200 alvos em 100 áreas
urbanas, incluindo Moscovo e Leninegrado (São Petersburgo). Além disso, os planeadores
ofereceram-se para dar início a uma grande campanha terrestre contra a URSS
para obter uma “vitória completa” sobre a
União Soviética juntamente com os aliados europeus. De acordo com o plano,
Washington iniciaria a guerra em 1 de Janeiro de 1957
[14].
Durante um longo período, o único obstáculo no caminho da ofensiva nuclear maciça dos EUA contra a União Soviética era que o Pentágono não possuía bombas atómicas em número suficiente (em 1948, Washington ostentava um arsenal de 50 bombas atómicas), nem aviões em número suficiente para as transportar e lançar. Por exemplo, em 1948, a Força Aérea dos EUA tinha apenas 32 bombardeiros B-29 modificados para lançar bombas nucleares.
Em Setembro de 1948, o
Presidente Truman dos EUA aprovou um documento do Conselho Nacional de
Segurança (NSC 30) sobre Política de Guerra Atómica, que afirmava que os
Estados Unidos devem estar prontos a «utilizar
pronta e eficazmente todos os meios adequados disponíveis, incluindo armas
atómicas, no interesse da segurança nacional e devem, portanto, planear em
conformidade».
Nesse quadro, o Pentágono
reactivou a linha de montagem para a produção de bombardeiros B-29 para lançar
as suas bombas atómicas, ao mesmo tempo que desenvolvia bombardeiros pesados mais
poderosos, como o B-36 e o B-52. Pouco antes da URSS testar a sua primeira
bomba atómica, o arsenal nuclear dos EUA tinha atingido as 250 bombas e o
Pentágono chegou à conclusão de que uma vitória sobre a União Soviética era
agora “possível”.
A detonação da primeira
bomba nuclear pela União Soviética (uma réplica da bomba que os EUA tinham
lançado em Hiroshima), em 29 de Agosto de 1949, foi um balde de água
fria nos planos belicistas dos estrategas norte-americanos.
O teste da
bomba atómica soviética de 29 de Agosto de 1949 abalou os americanos que
acreditavam que o seu monopólio atómico duraria muito mais tempo, mas não
alterou imediatamente o padrão de planeamento da guerra. A questão-chave
continuava a ser o nível de dano que forçaria uma rendição soviética [15].
Os documentos
desclassificados do Pentágono e os estudos minuciosos que foram feitos com base
neles nos anos 1980 e 1990 [16] vieram mostrar três coisas:
A)
que os planos de guerra nuclear dos EUA, não eram planos de defesa, mas planos
de “primeiro ataque” (Ingl. first strike)
ou de “ataque preemptivo” (Ing. preemptive
strike) destinados a destruir a União Soviética como país industrializado e
a fazê-lo de um modo que evitasse que os EUA sofressem qualquer retaliação por
parte desse Estado;
B)
que a política nuclear dos EUA não se baseia na “dissuasão” e na “defesa”.
Uma leitura atenta destes documentos mostra que apesar das declarações públicas sobre “dissuasão” e “defesa”, a verdadeira política nuclear do Pentágono tem previsto a utilização de armas nucleares para ameaçar, lutar, sobreviver, e mesmo “ganhar” uma guerra nuclear. Grosso modo, o que estes documentos mostram é que a estratégia nuclear dos EUA pode ser decomposta em dois princípios militares pedido de empréstimo à guerra convencional: Escalada de Domínio e Desferir o Primeiro Ataque. Estes documentos secretos demonstram em pormenor que, ao contrário das declarações públicas e da crença popular generalizada, em períodos de crise o Pentágono ameaçou de facto usar armas nucleares contra nações do Terceiro Mundo e considerou seriamente o lançamento de um primeiro ataque à União Soviética [17].
C)
que as ilusões pacifistas baseadas na ignorância ou negligência de A) e B)
eram isso mesmo, ilusões, e pior do que isso, ilusões fatais.
Acima de
tudo, estes documentos obrigam-nos a repensar uma hipótese que se tornou parte
da moeda comum do movimento de paz: a de que, no passado as armas nucleares,
eram mantidas como dissuasoras, para serem utilizadas apenas em retaliação
contra um ataque nuclear anterior; que os planos para “prevalecer” sobre o
inimigo numa guerra nuclear são uma novidade [18].
O que vale para os EUA,
vale também para a OTAN, a sua filha dilecta.
Entre 1954 e 1963 os EUA
instalaram vários tipos de bombas nucleares (incluindo bombas termonucleares)
em oito países da OTAN. Foi o que sucedeu no Reino Unido (em Setembro de 1954),
Alemanha ocidental (em Março de 1955), Itália (em Abril de 1957), França (em
Agosto de 1958), Turquia (em Fevereiro de 1959), Holanda (em Abril de 1960),
Grécia (Outubro de 1960), Bélgica (Outubro de 1963) [19].
O número de bombas
nucleares que os EUA introduziram nos países da OTAN a partir de 1955 foi
sempre aumentando. Em 1960 subiram para 3.000. Em 1965 passaram para o dobro,
6.000. Em 1971 existiam 7.300 bombas atómicas nos países europeus da OTAN. Como
Estado da linha da frente na “Guerra Fria”,
a Alemanha acolheu de longe a maior parte das armas nucleares, tendo 21 tipos
diferentes de ogivas nucleares dos EUA sido implantadas no seu território desde
1955 até 1999. Quando as armas nucleares da OTAN atingiram um pico superior a
7.000, na década de 1970, a Alemanha acolhia, aproximadamente, metade delas [20].
Actualmente, 5 países europeus da OTAN abrigam cerca de 150 bombas gravitárias termonucleares B-61 fornecidas pelos EUA e que o secretário-geral da OTAN garantiu recentemente estarem prontas para o que der e vier [21]. São a Itália (70 bombas), Turquia (50), Bélgica (20), Alemanha (20) e Holanda (20). Estas bombas nucleares estão armazenadas em cada uma das seguintes bases: as bases aéreas de Aviano e Ghedi na Itália, a base aérea Incirlik na Turquia, a base aérea Kleine Brogel na Bélgica, a base aérea Büchel na Alemanha, a base aérea Volkel na Holanda [22]. 100 destas bombas estado-unidenses tinham sido armazenadas na base aérea Lakenheath, em East Anglia, Reino Unido, mas foram removidas em 2008, na sequência de protestos populares persistentes junto desta base aérea. Isto pôs fim a 50 anos de armas nucleares estado-unidenses no Reino Unido. Mas, claro, o Reino Unido e a França são membros da OTAN que fabricam e possuem as suas próprias armas nucleares. A França tem 290 bombas nucleares e o Reino Unido tem 225 bombas nucleares (números de 2021).
Mas nenhum destes factos (e de muitos outros do mesmo teor, alguns do quais serão mencionados mais adiante, nas secções 4 e 5) impede que sejam escritas tiradas como esta, com o maior descaramento:
Nós,
europeus ocidentais, redescobrimos [com a guerra na Ucrânia,
N.E.] que a guerra pode voltar ao continente
que, desde 1944, se tinha na conta de albergue
da “paz perpétua”. Mas ainda não temos plena consciência. /…/ No horizonte não podemos deixar de encarar a possibilidade de
cenários trágicos. Entre eles, a ameaça de uso de armas nucleares, algo de que
já não nos lembrávamos há décadas e décadas /…/ Não se trata apenas da
mudança radical nas relações com a Rússia, mas da própria identidade da Europa.
Ela decidiu deixar de ser a pacífica “potência herbívora” num “mundo
carnívoro”. O desafio é saber se todos os Estados da UE vão manter a promessa
de participar numa Europa capaz de se defender [23].
De facto, como vimos, a
OTAN foi, desde a sua fundação até 1990, uma aliança militar ofensiva,
concebida para se confrontar com a União Soviética e destruí-la. Quando ‒ a
partir do momento em que a União Soviética construiu o seu próprio arsenal
nuclear ⎼ isso se tornou impossível
de conseguir sem que os países da OTAN
(a começar pelo Reino Unido, a França e os EUA, potências nucleares), não
sofressem uma retaliação maciça do mesmo grau de destrutividade e letalidade, a
OTAN mudou a sua tática, sem alterar o seu objectivo estratégico. Passou a
servir de instrumento de “Guerra Fria”
destinado a coagir a União Soviética e os seus países satélites do Pacto de
Varsóvia a envolverem-se numa infindável, dispendiosa e exauriente “corrida aos armamentos”.
Como? Por meio da ameaça
de destruição com armas nucleares, principalmente americanas, com uma potência
destruidora cada vez maior, que estavam (e ainda estão como vimos) instaladas
em países europeus da OTAN, por vezes efectivamente implantadas em mísseis e
disponíveis para carregamento rápido em bombardeiros dos EUA e da OTAN
estacionados em bases aéreas na Europa.
Em Maio de 1955, a União Soviética constituía, com os seus países satélites da Europa de leste (Albânia, Alemanha de leste, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polónia, Roménia) a aliança militar que tomou o nome de Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, comummente conhecido como Pacto de Varsóvia. Era a réplica soviética à aliança militar que os EUA tinham constituído, em 1949, com os seus países satélites e que tomou o nome de Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Mas é necessário lembrar um facto que os entusiastas da OTAN nunca referem. Em 1954 ⎼ um ano depois da morte de Estaline e um ano antes de constituir o Pacto de Varsóvia ⎼ a União Soviética, então sob o consulado de Nikita Khrushchev, pediu a adesão à OTAN. O pedido foi liminarmente rejeitado pela OTAN, com o seguinte argumento: «a natureza irrealista da proposta não merece discussão» [24].
Hoje sabemos que
essa resposta impante foi dada com base num parecer do general britânico Lionel
Hastings Ismay (1.º barão Ismay), o primeiro secretário-geral da OTAN
(1952-1956). Nesse parecer, Lord Ismay escreveu em conclusão:
Vou
dizê-lo de forma muito crua: o pedido soviético de adesão à OTAN é semelhante
ao de um ladrão não arrependido que pedisse para ser admitido na polícia [25].
A resposta de Lord
Ismay era perfeitamente congruente com os objectivos da OTAN no período que vai
da sua fundação (1949) até à dissolução da União Soviética (1991); objectivos
que o mesmo Ismay tinha formulado de maneira igualmente muito crua — ou, se
preferirem, com o característico cinismo dos gentlemen britânicos quando
conversam tranquilamente enquanto tomam o seu scotch whisky nas
poltronas do seu Gentlemen’s club preferido:
A
OTAN foi criada para manter a União Soviética fora [da Europa
ocidental, N.E.], os Americanos dentro e os
Alemães na mó de baixo [26].
Vale a pena notar
a este propósito que esta famosa frase de Lord Ismay fez escola, como fica
patente nesta notícia da Reuters, em 2014, quando já se começava a desenhar a
saída do Reino Unido da UE, que os britânicos apelidaram de Brexit:
ROMA (Reuters) ― O primeiro secretário-geral da OTAN, Lord Ismay, disse uma vez que a aliança de defesa ocidental foi criada “para manter os americanos dentro, os russos fora e os alemães na mó de baixo”. A tarefa que a União Europeia enfrenta agora pode ser descrita como manter os britânicos dentro, os russos fora e os alemães na mó de baixo [27].
4. A “nova” OTAN (1991-2022)
Depois da queda do muro
de Berlim (1989); da reunificação da Alemanha (1990) ⎼ apadrinhada pelos EUA, pela
União Soviética, pelo Reino Unido e pela França ⎼;
da dissolução do Pacto de Varsóvia (25 de Fevereiro de 1991); da dissolução da
União Soviética (26 de Dezembro de 1991); a OTAN perdeu as três razões de ser que
Lord Ismay enunciou como sendo a justificação da sua existência como aliança político-militar.
A OTAN deixou de ser
necessária para enfraquecer e destruir a União Soviética, o principal objectivo
da sua criação. A União Soviética já não existe. A Rússia não é a União
Soviética. O seu sistema económico é o mesmo que vigora no chamado Ocidente. A
única diferença é que os capitalistas e gestores russos são apelidados de “oligarcas” pelos governantes e grandes meios de
comunicação social do “Ocidente” (jornais e revistas de grande circulação,
estações de rádio e televisão de grande audiência), que apelidam os seus
homólogos ocidentais de “empresários”, “homens de negócios” ou directores
executivos (Ingl. Chief Executive
Officers [CEO]).
A OTAN deixou também de
ser necessária para manter a Alemanha na mó de baixo. Já não é lhe possível
dizer que a Alemanha tem de estar dividida e ocupada pelas Forças Armadas de
quatro potências vencedoras da 2.ª guerra mundial para não constituir uma
ameaça militar ao resto da Europa.
Assim sendo, deixou de
haver necessidade de manter os EUA como potência cimentadora e tutelar da OTAN.
A OTAN deveria, por conseguinte, dissolver-se, os EUA deveriam desmantelar as
suas bases militares na Europa e regressarem a penates, levando consigo as suas
bombas nucleares, os seus mísseis balísticos e os seus bombardeiros.
Se é verdadeiramente a
paz e a segurança colectiva que os motivam ⎼
como
afirmam tantas vezes ⎼
os governantes das potências nucleares europeias (França e Reino Unido)
deveriam propor à Rússia, aos EUA e às demais potências nucleares (China, Índia,
Paquistão, Israel e Coreia do Norte) um tratado de redução mútua e mutuamente controlada
das armas nucleares até à sua total erradicação.
Este raciocínio é
inatacável no plano lógico. Mas, evidentemente, a lógica é a última das
preocupações dos sucessores de Lord Ismay no período subsequente à dissolução
do Pacto de Varsóvia e da União Soviética.
A OTAN não só continuou a
existir depois de 1991 como se expandiu continuadamente no leste da Europa,
espezinhando assim, reiteradamente, as garantias que o presidente George Bush
(pai) e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, James Baker, deram ao último
presidente da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, de que a OTAN «não avançaria nem um centímetro na direcção do leste da Europa» [“not one inch
eastward”, na expressão de James Baker] após a reunificação da
Alemanha.
― Em 1999, a OTAN começou
por englobar três países que tinham sido membros Pacto de Varsóvia (entretanto
dissolvido): Polónia, República Checa e Hungria.
2004: George Bush (filho) saúda os sete novos países-membros da OTAN no Leste Europeu: Letónia, Eslovénia, Lituânia, Eslováquia, Roménia, Bulgária e Estónia. Foto: Charles Dharapak/AP photo/picture alliance. |
― Em 2004, a OTAN estende-se para mais sete países: Bulgária, Roménia, Eslováquia (que foram outrora membros do Pacto Varsóvia): Estónia, Letónia, Lituânia (que foram outrora membros da União Soviética); Eslovénia (que foi outrora membro da República Socialista Federal da Jugoslávia — doravante Jugoslávia, para abreviar).
―
Em 2009, a OTAN incorpora a Albânia (que fora um membro do Pacto de Varsóvia
entre 1955 e 1968) e a Croácia (que fora, outrora, um membro da Jugoslávia). Em
2017, é a vez do Montenegro (que fora, outrora, um membro da Jugoslávia) e em
2020 da Macedónia do Norte (que fora, outrora, um membro da Jugoslávia). Em
vinte anos, a OTAN expandiu-se de 16 para 30 países em cinco vagas sucessivas.
Mas
não é tudo.
―
Em 2008, a Ucrânia candidatou-se a ser membro da OTAN e o presidente Bush (filho) declarou-se favorável
à admissão da Ucrânia (e da Geórgia) nessa aliança militar:
Em Bucareste, esta semana, continuarei a deixar clara a posição
da América. Apoiamos o PAA [Plano
de Acção de Adesão à OTAN] para a
Ucrânia e a Geórgia. Ajudar a Ucrânia a avançar para a adesão à OTAN é do
interesse de todos os membros da aliança e ajudará a promover a segurança e a
liberdade nessa região e em todo o mundo.
[Os
demais Estados da OTAN disseram-me que] a Rússia
não terá veto sobre o que acontecer a seguir em Bucareste e eu acredito na
palavra deles. E essa é a política correcta a ter [28].
A
Ucrânia só não foi admitida na OTAN nessa altura porque a chanceler Merkel da
Alemanha e o presidente Sarkozy da França se opuseram, alegando que isso
poderia ser entendido como uma provocação pela Rússia. Todavia, a Cimeira da
OTAN realizada em Bucareste, em 2008, decidiu que «a
Ucrânia e a Geórgia tornar-se-ão membros da OTAN no futuro» (https://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_49212.htm).
―
A partir de 2014, a OTAN intensificou a sua cooperação militar com a Ucrânia,
como se pode ler também no sítio electrónico da OTAN. Eis um excerto:
As relações entre a OTAN e a Ucrânia remontam ao início dos anos 90
e, desde então, têm evoluído para uma das parcerias mais substanciais da OTAN.
Desde 2014, na sequência do conflito Rússia-Ucrânia, a cooperação tem sido
intensificada em áreas críticas.
― O diálogo e a cooperação começaram quando a Ucrânia recentemente
independente aderiu ao Conselho de Cooperação do Atlântico Norte (1991) e ao
programa da “Parceria para a Paz” (1994).
― As relações foram reforçadas com a assinatura da “Carta de 1997
para uma Parceria Distintiva”, que criou a Comissão OTAN-Ucrânia [NUC, no
acrónimo inglês] para levar por diante a cooperação.
― Desde 2009, o NUC tem supervisionado o processo de integração
euro-atlântica da Ucrânia, incluindo reformas no âmbito do Programa Nacional
Anual [ANP,
na sigla inglesa].
― A cooperação tem-se aprofundado ao longo do tempo e é mutuamente
benéfica, com a Ucrânia a contribuir activamente para as operações e missões
chefiadas pela OTAN.
― É dada prioridade ao apoio a uma reforma abrangente no sector da
segurança e defesa, vital para o desenvolvimento democrático da Ucrânia e para
o reforço da sua capacidade de se defender.
― Desde a Cimeira da OTAN em Varsóvia, em Julho de 2016, o apoio
prático da OTAN à Ucrânia está estabelecido no Pacote de Assistência Abrangente
[CAP, no acrónimo inglês] para a Ucrânia.
― Em Junho de 2017, o Parlamento ucraniano adoptou legislação que
reafirma a adesão da Ucrânia à OTAN como um objectivo estratégico de política
externa e de segurança. Em 2019, entrou em vigor um aditamento do mesmo teor à
Constituição da Ucrânia.
― Em Setembro de 2020, o Presidente Volodymyr Zelenskyy aprovou a
nova Estratégia de Segurança Nacional da Ucrânia, que prevê o desenvolvimento
da parceria distintiva com a OTAN, com o objectivo de se tornar membro da OTAN.
[https://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_37750.htm]
― É a própria OTAN que se
encarregou de refutar o que ela considera ser um “mito”:
a asserção, muito generalizada como crença, de que «A
Ucrânia não pode aderir à OTAN». No sítio electrónico da OTAN pode
ler-se:
Na
realidade: Os Aliados saúdam as aspirações da Ucrânia a aderir à OTAN e apoiam
a decisão tomada na Cimeira de Bucareste de 2008 de que a Ucrânia se tornará
membro da Aliança.
As decisões
sobre a adesão à OTAN pertencem a cada um dos países candidatos e aos 30
Estados membros da OTAN e só a eles. A Rússia não tem o direito de intervir e
não pode vetar este processo (https://www.nato.int/cps/en/natohq/115204.htm?selectedLocale=fr).
[minha tradução]
A Cimeira da OTAN de 21
de Junho de 2021, reafirmou esta decisão. No ponto 69 do longo comunicado
final dessa cimeira pode ler-se:
Reiteramos
a decisão da Cimeira de Bucareste de 2008 sobre a Ucrânia, a saber: que este
país se tornará membro da Aliança, com o Plano de Acção para a Adesão (PAA)
como parte integrante do processo, e reafirmamos todos os elementos dessa
decisão, bem como as decisões subsequentes, incluindo a que prevê que cada
parceiro será julgado em função do seu desempenho. Continuamos firmes no nosso
apoio ao direito da Ucrânia de decidir livremente sobre o seu futuro e a
orientação da sua política externa, sem ingerências externas (https://www.nato.int/cps/fr/natohq/news_185000.htm).[minha
tradução]
O ponto 68 do mesmo
comunicado, relativo à adesão da Geórgia à OTAN, diz o mesmo praticamente com
as mesmas palavras.
―A OTAN reconhece actualmente
a Bósnia-e-Herzegovina (que foi, outrora, um membro da Jugoslávia), a Geórgia e
a Ucrânia (que foram, outrora, membros da União Soviética) como países
candidatos a aderir à OTAN.
― Entretanto, os
principais dispositivos de segurança da “Guerra
Fria” que os EUA e a Rússia mantiveram após o desaparecimento da União
Soviética – como o Tratado sobre Forças Nucleares Intermédias (INF) e sobre
armas nucleares de alcance intermédio, assinado em 1987 pelos então presidentes
dos EUA e da União Soviética, Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev,
respectivamente – foram desmantelados. O presidente dos EUA, Donald Trump,
acabou com eles em 2018 [29].
―A desconfiança da elite dirigente russa chefiada por Putin relativamente à OTAN foi exacerbada pela ingerência directa dos EUA (com Barak Obama como presidente da República) e da União Europeia (com Durão Barroso, como presidente da Comissão Europeia), que apoiaram a revolta popular na Ucrânia apelidada de EuroMaidan (21 de Novembro de 2013-21 de Fevereiro de 2014) [30] e o golpe de Estado que a culminou [31]. Esse golpe de Estado destituiu inconstitucionalmente o presidente Viktor Yanukovych, “acusado” de ser pró-russo, cujo mandato, no entanto, ia até 2015 e que tinha sido eleito, em 2010, por sufrágio universal, com 48,95 % dos votos, numa eleição livremente disputada e considerada limpa por milhares de observadores internacionais independentes [32].
― Os Acordos de Minsk de
2015 entre a Rússia e a Ucrânia, mediados pela França e Alemanha, foram uma
tentativa de interromper o ciclo de violência após o golpe de Estado de 2014, a
incorporação da Crimeia e da cidade de Sebastopol na Rússia e os conflitos
armados na região da bacia do rio Donets (Donbass), no leste da Ucrânia, entre o
exército ucraniano e grupos armados das populações russófonas maioritárias nos
distritos de Donetsk e Luhansk dessa região. No entanto, as violações do
cessar-fogo continuaram. A Ucrânia também recusou um diálogo com as suas
regiões russófonas sobre as eleições locais e a futura estrutura do seu
autogoverno (tal como ficara estipulado nos Acordos de Minsk para evitar
o separatismo). Em vez disso, começou paulatinamente a negociar a sua entrada acelerada
na OTAN.
― A desconfiança de Putin
em relação à OTAN e à Ucrânia ⎼ alimentada
pela inscrição da intenção de adesão da Ucrânia à OTAN na própria Constituição
da Ucrânia, em 2019, e pela atribuição, pela OTAN, do estatuto de parceiro de “Novas Oportunidades” à Ucrânia, em 2020 ⎼
atingiu o auge com a promulgação (ainda que de um modo relutante), pelo
presidente Zelensky, da nova Estratégia de Segurança
Nacional da Ucrânia (em Setembro de
2020), cujas orientações foram plasmadas na nova Estratégia
Militar da Ucrânia (promulgada por Zelensky em Março de 2021). Entre
outras coisas, estes documentos consideram a Rússia como o inimigo estratégico
principal da Ucrânia e preconizam a adesão acelerada à OTAN, rompendo assim,
definitivamente, os últimos vínculos que restavam da tradicional posição de
neutralidade que a Ucrânia tinha mantido, com avanços e recuos, desde 1991
(data da sua independência) até 22 de Fevereiro de 2014 (data do golpe de
Estado subsequente à revolta Euromaidan) relativamente aos blocos
militares.
16 de dezembro de 2021: o presidente ucraniano, Volodymir Zelensky (à esquerda) é recebido na OTAN pelo secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberger (à direita). |
― Por último, mas não menos importante, cumpre referir o pedido insistente de Zelensky ao presidente Joe Biden dos EUA para lhe abrir completamente as portas da OTAN em Junho de 2021; a resposta que Biden lhe deu em 9 de Dezembro de 2021: «a adesão da Ucrânia à OTAN está nas mãos da Ucrânia» (entenda-se: «cumpram o que está estipulado no vosso plano de acção para adesão [PAA] à OTAN. Pela parte que me toca, comprometo-me a mexer os cordelinhos dessa organização [de que nós, EUA, somos os patrões e os principais financiadores] para que o vosso pedido de adesão seja deferido quanto antes»); e o discurso de Zelensky de 18 de Fevereiro de 2022, em que este anuncia de forma velada a sua intenção de se dotar de armas nucleares [um tema que retomaremos na terceira parte deste ensaio].
5. Quem tem medo da OTAN?
Perguntar-se-á:
― Mas que
temor poderia a adesão da Ucrânia à OTAN suscitar em Putin e na elite dirigente
da Rússia? Afinal de contas, a OTAN é uma aliança militar puramente defensiva,
respeitadora dos princípios do direito internacional e da carta da Organização
das Nações Unidas (ONU), não é assim?
Essa é efectivamente a
maneira como a OTAN se apresenta ao mundo. Porém, qualquer pessoa
intelectualmente honesta e minimamente informada sabe (ou poderá ficar a saber,
se quiser averiguar) que isso é completamente falso, como vimos nas secções 3 e
4 deste artigo. Dado o extremo secretismo das reais intenções e operações da
OTAN no período de 1949 a 1991, foi-lhe possível esconder durante muitos anos a
sua natureza profundamente agressiva. Porém, depois de 1991, a soberbia que se
apoderou dos governantes dos EUA e dos países seus aliados da OTAN,
profundamente inebriados pelo seu estatuto de “grandes
vencedores da Guerra Fria”, levou-os a tirar a máscara da benevolência
que tinham usado tão cuidadosamente no período da “Guerra
Fria” e a exibirem publicamente a sua natureza predadora. Eis alguns
exemplos:
― Foi a OTAN, “aliança militar puramente defensiva”, que
desencadeou, em 1995, a chamada Operação Força
Deliberada, bombardeando a Bósnia-e-Herzegovina na República Federal da
Jugoslávia que, no entanto, não tinha atacado nenhum dos Estados-membros da
OTAN. Para esta guerra, a OTAN mobilizou 400 aviões, 1 cruzador e 5.000
soldados que efectuaram 3.515 missões aéreas, bombardearam 338 alvos
terrestres, despejando 1.026 bombas e matando 1.156 soldados e 372 civis.
― Foi a OTAN, “aliança militar puramente defensiva”, que desencadeou, em 1999, a chamada Operação Força Aliada, destinada a bombardear a Sérvia (um aliado histórico da Rússia), que, no entanto, não tinha atacado nenhum dos Estados-membros da OTAN. Durante os 38.000 ataques aéreos dessa operação militar foram bombardeados 7.600 alvos terrestres (incluindo estações de televisão, electricidade e abastecimento de água, bem como alvos militares), sobretudo nas cidades de Belgrado e Novi Sad, onde foram despejadas 25.000 bombas em 78 dias. No total, cerca de 500 civis e 1.000 soldados terão sido mortos nessas intervenções militares da OTAN que acabaram por desmembrar a Jugoslávia, destruir a sua economia federal e danificar seriamente as suas infraestruturas. Dessa vez, o ataque da OTAN foi feito sem ter sequer o acordo do Conselho de Segurança da ONU — o organismo que decide se o uso da força armada como ultima ratio regum nos conflitos entre Estados está conforme à Carta das Nações Unidas a fim de o caucionar (se tiver sido em legítima defesa) ou condenar.
― Foi a OTAN, “aliança militar puramente
defensiva”, que impôs, pela força das armas, e contra a resolução
1244 da ONU, que a Sérvia aceitasse a separação e a independência da sua
província do Kosovo — um minúsculo território de 10.887 km² (equivalente a 1/3
da província do Alentejo [31.603 km²] em Portugal;
bem mais pequeno do que o município de São Caetano do Sul [15.331 km²] no Estado de São
Paulo, no Brasil). Para justificar esta guerra, a OTAN, pela voz do Ministro da
Defesa alemão, o social-democrata Rudolfo Scharping, lançou uma operação de
falsificação em grande escala para intoxicar a opinião pública ocidental.
Scharping apresentou os
pormenores de um alegado “plano secreto sérvio”
(o chamado “Plano Ferradura”) que teria sido
elaborado uns meses antes e que estaria «destinado
a expulsar à força os albaneses étnicos de Kosovo». Ao mesmo tempo,
Scharping anunciou que os sérvios estavam a perpetrar um «genocídio» na população albanesa do Kosovo, que «jogam futebol com as suas cabeças cortadas, desmembram
cadáveres e arrancam os fetos das mulheres grávidas para os grelhar». O
sistema mediático dominante de comunicação social rejubilou com estes horrores
e carregou ainda mais nas tintas para descrever os sérvios como monstros
assassinos e sedentos de sangue: «mataram entre
100.000 e 500.000 pessoas» (TF1, 20 de Abril de 1999); incineram
as suas vítimas «em fornos crematórios, do género
daqueles que foram utilizados em Auschwitz» (The Daily Mirror, 7
de Julho de 1999).
Já há muito tempo que sabemos que o “Plano Ferradura” foi uma patranha destinada a vilipendiar os sérvios. Foi forjado, fabricado, pelos serviços secretos búlgaros, que o transmitiram ao Ministério da Defesa alemão. O governo búlgaro quis, dessa forma, mostrar serviço para apressar a sua entrada na OTAN. A revista alemã Der Spiegel revelou a artimanha em 10 de Janeiro de 2000, que foi confirmada doze anos depois pelo ex-ministro dos Negócios Estrangeiros búlgaro [33]. Em 7 de Setembro de 2001, a ONU declarou oficialmente que nunca houve qualquer genocídio no Kosovo, nem dezenas de milhares de mortos.
Sede da OTAN em Bruxelas, Bélgica. |
― Também sabemos, há
muito tempo, quem eram, de facto, os “independentistas” do chamado Exército
de Libertação do Kosovo (ELK) que a OTAN ajudou a instalar no poder pela
força das armas. Em 2010, um relatório do senador suíço Dick Marty, relator
especial do Conselho da Europa, responsabilizou Hashim Thaçi, ex-comandante do
ELK e, à época, primeiro-ministro do Kosovo, por estar envolvido no tráfico de
órgãos de que teriam sido vítimas os prisioneiros do ELK — não apenas
prisioneiros sérvios, mas também prisioneiros ciganos e até albaneses do Kosovo
qualificados de “colaboracionistas” por serem contra a independência desse território
[34].
De resto, já anteriormente tinha sido confirmada a existência desse tráfico de
órgãos humanos organizado pelos ex-membros do ELK [35].
Quanto a Hashim Thaçi, o
relatório de Dick Marty assevera no seu ponto 67:
Da mesma
forma, os analistas dos serviços secretos da OTAN, bem como os analistas de
pelo menos quatro governos estrangeiros independentes apresentaram uma
constatação irrefutável [no mesmo sentido], mediante uma recolha de informações feita sobre o período
imediatamente após o conflito de 1999. Thaçi foi geralmente definido e referido
nos relatórios dos serviços secretos como o mais perigoso dos “padrinhos do
submundo” do ELK [36].
― Mas não é tudo. Em 25
de Junho de 2020, Hashim Thaçi, que Joe Biden apelidou de “o George Washington do Kosovo” e que, entretanto,
tinha sido eleito presidente da República do Kosovo, foi acusado de «crimes contra a Humanidade, de crimes de guerra,
incluindo morte, desaparecimento forçado de pessoas, perseguição e tortura»,
durante a guerra contra a Sérvia, pelo tribunal Especial para o Kosovo, com
sede em Haia, Holanda. Perante esta acusação,Thaçi demitiu-se.
O tribunal também
apresentou as mesmas acusações contra o dirigente do Partido Democrático do
Kosovo (PDK), Kadri Veseli, e contra outros ex-dirigentes do ELK, incluindo o ex-primeiro-ministro
Ramush Haradinaj e o ex-chefe dos serviços de informações do ELK e presidente
do Parlamento cessante, Kadri Veseli [37]. Foi também para instalar no poder
estes criminosos que a OTAN, “aliança militar
puramente defensiva”, utilizou a sua poderosa máquina de guerra na
ex-Jugoslávia.
— Em 20 de Março de 2003,
uma coligação militar multinacional de 45 países, denominada “Coligação de Vontades” e encabeçada por três
países da OTAN (EUA, Reino Unido e Polónia), invadiu o Iraque, que, no
entanto, não tinha atacado nenhum dos Estados-membros da OTAN. Foram
invocadas duas justificações para esta invasão: (i) neutralizar as armas
de destruição maciça que estariam na posse do regime de Sadam Hussein, e (ii)
pôr termo à colaboração de Sadam Hussein com a Al-Qaeda, que abrigaria e
apoiaria esta organização terrorista.
Os EUA e a sua “Coligação de Vontades” conseguiram capturar e
enforcar Sadam (acusando-o de crimes contra a humanidade) e destruir o seu
governo. Mas nunca foi encontrada nenhuma arma de destruição maciça nem
qualquer prova de colaboração de Sadam com a Al-Qaeda. Nem poderiam ter sido
encontradas, porque essas acusações eram falsas e foram cientemente forjadas
pelos governos de Georges Bush (filho) e de Tony Blair no Reino Unido, como se
veio a descobrir muito rapidamente.
― Estima-se que foram
mortos aproximadamente 9.200 soldados iraquianos e 7.299 civis até 30 de Abril
de 2003, o fim da fase de maiores combates. As estimativas sobre o número total
de mortos iraquianos com base em estudos populacionais oscilam entre um mínimo
de 51.000 mortes violentas como consequência da guerra até Junho 2006 (segundo
o “Iraq Family Health Survey”) e um máximo de 1.033.000 mortes violentas como consequência
da guerra (segundo o “2007 Opinion Research Business [ORB] survey”). Por sua
vez, um estudo publicado na revista Lancet [38] sobre
as baixas da Guerra do Iraque estimou a existência de 654.965 mortes de
iraquianos (entre 392.979 e 942 636), entre Março de 2003 e o fim de Junho de
2006. Em 2013 (dois anos depois das tropas americanas terem saído do Iraque),
foi estimado, por um estudo de investigadores da Universidade de Washington, da
Universidade John Hopkins e investigadores iraquianos [39],
que terão morrido cerca de 500.000 iraquianos na guerra do Iraque.
Embora discrepantes entre
si, estas diferentes estimativas dão-nos uma ordem de grandeza da tremenda
perda de vidas humanas, maioritariamente civis, que o Iraque sofreu em
consequência da invasão dos EUA e dos seus aliados (incluindo o governo
português de então) — já para não falar das destruições materiais. Também foi
reportado que morreram nesta guerra 4.804 soldados da Coligação Internacional,
incluindo 4.486 americanos, 179 britânicos e 139 militares de pelo menos vinte
e dois outros países [40]. Mas nem George Bush (filho) nem Tony Blair
foram acusados e julgados por crimes contra a humanidade, apesar de serem
responsáveis pela morte de mais civis em 8 anos de ocupação do Iraque do que
Sadam em toda a sua vida.
― Num livro publicado em
2008, dois economistas, Joseph Stiglitz e Linda Bilmes, calcularam o custo da
guerra do Iraque em 3 biliões de dólares [= 3 trilhões no Brasil], numa
estimativa ultraconservadora, porque não inclui, por exemplo, os juros da
dívida contraída para financiar a guerra, os custos com os cuidados de saúde
com os soldados que estiveram na guerra e o custo de substituição de todo
material degradado e destruído pela guerra. Entrando em linha de conta com
estes e outros custos não considerados na estimativa, o custo da guerra do
Iraque ultrapassaria os 5 biliões de dólares — o que os EUA gastaram com a 2.ª
guerra mundial, depois de se ajustar os preços à inflação ocorrida desde então.
Para se ter uma ideia do que representam estes números astronómicos, Stiglitz e
Bilmes fazem algumas comparações. O orçamento para a investigação do autismo
nos EUA é de 108 milhões de dólares, o mesmo que a força de invasão americana
do Iraque gastava em 4 horas. Com um bilião de dólares poder-se-ia contratar
por ano mais 15 milhões de professores para a escola pública ou dar uma bolsa
de estudos de 4 anos a 43 milhões de estudantes das universidades públicas,
dizem no seu livro [41].
― A 16 de setembro de 2004, Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU, disse sobre a invasão do Iraque: «Indiquei que não foi em conformidade com a Carta das Nações Unidas. Do nosso ponto de vista, do ponto de vista da Carta, [a invasão do Iraque] foi ilegal».
― Em 17 de Março de 2011,
a OTAN, “aliança militar puramente defensiva”,
desencadeou a Operação Protector Unificado para
bombardear a Líbia — que, no entanto, não tinha atacado nenhum dos
Estados-membros da OTAN. Houve quase 7.000 missões aéreas em 7 meses, que
fizeram pelo menos 30.000 mortos, e que reduziram a Líbia a um Estado-pária
onde, até hoje, se digladiam entre si vários senhores da guerra pelas suas
“coutadas” de petróleo.
Tal como tinha
acontecido na Jugoslávia e em particular no Kosovo uma década antes, o ataque
da OTAN foi baseada numa grosseira e mentirosa campanha de propaganda de
guerra. Desta vez, o alvo escolhido foi Mouammar Kadhafi, presidente da
República da Líbia, um tiranete regional, acusado de ordenar bombardeamentos em
grande escala contra a população do seu próprio país em 21 de Fevereiro de
2011. Kadhafi acabou por ser assassinado em 20 de Outubro de 2011.
― Já sabemos há
muito tempo que esses bombardeamentos da aviação de Kadhafi sobre a população
foram uma pura invencionice [42]. Isso foi confirmado pelo testemunho do
general Michael Mullen, chefe do estado-maior das forças armadas americanas, e
do ministro da Defesa dos EUA, Robert Gates, durante uma audiência no Congresso
dos EUA [43].
Em 9 de Setembro
de 2016, uma comissão de inquérito do parlamento britânico chegava à mesma
conclusão: «Kadhafi está inocente do crime de que
foi acusado» — antes de ser assassinado por “rebeldes” apoiados pela
OTAN. O que Kadhafi fez foi retomar a cidade de Benghazi aos rebeldes que o
queriam derrubar, mas sem atacar e matar civis. A comissão parlamentar concluiu
que David Cameron ‒ que, entretanto, se tinha demitido de primeiro-ministro do
Reino Unido em Junho desse ano ‒ desempenhou um «papel
decisivo» na decisão de intervir militarmente na Líbia e que sobre ele
deve recair «a responsabilidade essencial»
por essa intervenção. Cameron, porém, não decidiu sozinho. Compartilha essa
responsabilidade com Bill Clinton e Nicolas Sarkozy, que eram, à época,
presidente dos EUA e presidente da França, respectivamente.
Fica claro,
portanto, por tudo o que ficou dito até aqui ‒ e muito mais poderia ser
acrescentado [44] ‒ que a OTAN não é uma aliança militar puramente
defensiva. A OTAN é, de facto, uma aliança militar ofensiva e
predadora, com um sinistro historial de malfeitorias e atrocidades. Criada em 1949 com o objetivo declarado de conter qualquer veleidade de um
ataque militar da União Soviética a um país da Europa ocidental, a OTAN deveria
ter desaparecido com o desaparecimento da União Soviética, se fosse essa a
razão de ser da sua existência. Na verdade, continuou e expandiu-se ainda mais,
mostrando que a sua razão de ser é bem diferente da que é proclamada.
Fica também
claro que os EUA ‒ o país que fundou a OTAN em 1949, que é o seu principal
financiador e que é também, na prática, o seu patrão ‒ não é, nem nunca foi,
uma potência empenhada em garantir a paz no mundo (a menos que se trate da paz
dos cemitérios) — se excluirmos o caso especial da 2.ª Guerra Mundial, em que o
seu território e os seus interesses de grande potência imperialista foram
directamente agredidos pelo ataque de uma potência imperialista menor (o Japão) à sua Frota do Pacífico, estacionada
no porto de Pearl Harbour (Havai).
Os seus
dirigentes máximos conduzem-se, fora de portas, ora como negociantes cheios de
empáfia, ora como impiedosos senhores da guerra, enquanto, dentro de portas,
mentem descaradamente e trapaceiam os seus concidadãos com a mesma frequência e
desenvoltura com que os Capos di tutti capi da
Mafia siciliana e da Cosa Nostra americana mentem à família mais chegada e
trapaceiam todos os demais.
Julgo ter dado
exemplos suficientes quer do primeiro tipo de conduta (fora de portas), quer do
segundo tipo (dentro de portas). Na terceira parte deste ensaio, veremos mais
alguns exemplos do primeiro tipo de conduta. Mas como o segundo tipo de conduta
é muito mais difícil de documentar, aqui fica mais um exemplo. Segundo o
“Center for Public Integrity” [“Centro para Integridade Pública”], o governo de
George Bush (filho) fez um total de 935 declarações falsas em dois anos
(2011-2013) sobre a ameaça que representaria o Iraque de Sadam Hussein. «Um exame exaustivo dos registos» ‒ dizem os seus
autores ‒ «mostra que as declarações fizeram parte de
uma campanha orquestrada que galvanizou efectivamente a opinião pública e, no
processo, levou a nação para a guerra com base em alegações manifestamente
falsas» [45].
6. A única maneira de evitar o choque fatídico…
Regressemos
agora, para terminar, à pergunta: por que razão a OTAN e os EUA rejeitaram os
pedidos de adesão da Rússia à OTAN que Boris Ieltsin e Vladimir Putin lhes
dirigiram? Se os tivessem aceitado, não é verosímil que Putin tivesse iniciado
a invasão da Ucrânia e a guerra actual nesse país.
Sugeri que a
razão poderá ter sido a intenção dos EUA de entronizarem a Rússia como seu
inimigo oficial na Europa, tal como fizeram outrora com a União Soviética. Essa
é a maneira de (i) continuarem a afirmar não só a necessidade de manter
a OTAN, mas também de expandi-la até às fronteiras da Rússia, e a maneira (ii)
de continuarem a ter um papel preponderante nessa aliança político-militar e,
por conseguinte, um papel preponderante na Europa [46].
Já depois de ter
escrito este artigo, li um ensaio de Sergey Radchenko (um historiador russo,
especialista da Guerra Fria, que é professor na Universidade de Cardiff, Reino
Unido) sobre as relações entre a Rússia, os EUA e a OTAN durante o consulado de
Ieltsin, e um artigo mais resumido do mesmo autor sobre o mesmo assunto. Esses
trabalhos carreiam mais provas corroborantes da conjectura que formulei mais
acima, embora Radchenko tenda a assumir uma atitude salomónica no que respeita
à exclusão da Rússia pela OTAN. Seria uma responsabilidade que caberia em
partes iguais aos EUA e à Rússia. Não é isso, porém, o que os factos que ele
compilou indicam. Seja como for, foram alguns desses factos que me levaram a
acrescentar mais esta secção, em guisa de conclusão deste artigo.
Radchenko recorda
o acordo que Ieltsin e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrei
Kosyrev, propuseram a Clinton e à sua ministra dos Negócios Estrangeiros, Madeleine
Albright.
/…/ É de notar que tanto Ieltsin como o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrei Kozyrev, não se opuseram [à expansão da OTAN aos países do Leste da Europa]. Pelo contrário, eles apoiaram-na, mas com uma condição: a Rússia deveria tornar-se membro da OTAN. Em Janeiro de 1994, Ieltsin disse a Clinton: «A Rússia tem de ser o primeiro país a aderir à OTAN. Depois podem entrar os outros países da Europa Central e Oriental. Deve haver uma espécie de cartel dos EUA, da Rússia, e dos europeus para ajudar a garantir e melhorar a segurança mundial».
Com a formação
desse cartel com os EUA, a Rússia pretendia conservar o estatuto de grande
potência da ex-União Soviética, em pé de igualdade com os EUA. Mas os EUA não
estavam pelos ajustes. Radchenko relata:
Numa
reunião com o seu homólogo alemão em Maio de 1994 [Klaus Kinkel], o ministro [Andrei
Kosyrev] repreendeu o Ocidente pela sua relutância
em integrar a Rússia: «Porque é que a OTAN não quer a Rússia? Haverá censuras
ocultas? Suspeitas? Talvez até inimizade?”.
É
hoje evidente que os pressupostos de Kozyrev estavam correctos. Para além de
estar desconfiada acerca da Rússia, havia algo mais: a OTAN temia que a adesão
da Rússia levasse ao seu próprio colapso. Numa entrevista recente, Malcolm
Rifkind, que foi em 1992-1997 Secretário da Defesa e Secretário dos Negócios
Estrangeiros da Grã-Bretanha, disse-me sem rodeios: «Do
meu ponto de vista, fui mais solidário com a questão [da adesão da Rússia à OTAN] que alguns dos
meus colegas, mas não tinha dúvidas de que a Rússia nunca poderia tornar-se um
membro de pleno direito da OTAN sem destruir todo o objectivo da OTAN» [47].
Expansão da OTAN: antes de 1991 (roxo) e depois de 1991 (cor de laranja). É a partir de 1997 (Bill Clinton) que as novas adesões se multiplicam. |
Esta situação
evoca um verso do poema The Ballad of East and West [A
balada do Oriente e do Ocidente] de Rudyard Kipling:
Oh, East is
East, and West is West, and never the twain shall meet
[Ó, o Oriente é Oriente e o Ocidente é Ocidente, e nunca os dois se irão encontrar] [48]
Neste sentido, é
como se a Rússia tivesse herdado da ex-União Soviética três “maldições”: uma
que aceitou de bom grado (o seu arsenal de armas nucleares), outra que aceitou
a contragosto (a sua dívida externa) e outra que não queria aceitar de modo
nenhum e da qual, em vão, se quis livrar (o seu inimigo de estimação: os EUA).
Tudo isto nos
conduz a uma conclusão: a única maneira de evitar que aconteça, mais dia menos
dia, o choque fatídico (para a humanidade) entre estas duas potências
nucleares, EUA/OTAN e Rússia, é reduzi-las à impotência, destruindo os seus
arsenais nucleares e desmantelando os aparelhos de poder explícito que geraram esses
arsenais, em que eles assentam e que os têm mantido.
O mesmo se aplica, bem entendido, às outras potências nucleares de menor grandeza: China, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte.
Números referentes ao final de 2021 |
…………………………………………………………………………………………………………….
N.B. Este artigo é a segunda parte de um ensaio intitulado A Guerra na Ucrânia, com quatro partes. Foi originalmente publicado na revista/magazine “Passa Palavra”, em 7 de maio de 2022.
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Notas e referências
[1] A geopolítica é o quadro de análise das relações internacionais que
as elites dirigentes das sociedades contemporâneas preferem para racionalizar e
guiar a sua actuação. Convém ter isto sempre presente quando analisamos os seus
planos, as suas iniciativas, condutas e narrativas. Para uma caracterização
sucinta da geopolítica, ver a nota 8 na primeira parte deste ensaio.
[2] Convém notar desde já (regressarei a
este assunto na quarta parte deste ensaio), contra a opinião dominante que
apelida o regime político vigente na Ucrânia de “democracia” e o regime
político vigente na Rússia de “autocracia”, que eles são ambos do mesmo tipo: oligarquias electivas iliberais. Sobre este conceito,
ver a nota 6, infra.
[3] Por exemplo, o presidente da República
francesa, Emmanuel Macron, qualificou de «paranóico»
o discurso de Putin de 21 de Fevereiro de 2022. E o editorial do jornal Libération
desse mesmo dia intitula-se “Vladimir Putin, o
louco de Moscovo” [«le fou de Moscou»].
[4] Estes números são do
Alto-Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas e do
Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e reportam-se a
26 de Março de 2022.
[5] www.constitution.ru
[6] “Oligarquia electiva iliberal”: examinemos o
contributo de cada um dos termos desta expressão para o seu significado global.
“Oligarquia”
(Gr. oligoi, “os poucos” + arkho, “comandar”, “reger”) porque uma
classe social privilegiada bem definida e pouco numerosa (no mundo capitalista contemporâneo,
os proprietários dos meios industriais de produção, transporte, distribuição e
comunicação — “meios industriais de produção”, para abreviar) domina
economicamente a sociedade e, em grande medida, também a dirige politicamente.
Num caso como no outro, os proprietários dos meios industriais de produção (vulgo,
capitalistas) garantem a sua dominação económica e a sua preponderância política
através dos bons ofícios de uma camada social muito específica e de composição profissional
muito variada (e.g., gestores empresariais, governantes [presidentes da
república, ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas, juízes, procuradores
do Ministério Público, chefes militares, chefes policiais], diplomatas,
doutrinadores ideológicos, propagandistas, gestores sindicais), que se
auto-intitula amiúde de “elite”. “Electiva”
porque um subconjunto dessa elite ⎼
um
subconjunto daquela sua parte que se encarrega do exercício do poder explícito
na sua vertente política ⎼ é
eleito por sufrágio universal, directo e secreto. Há dois subconjuntos de oligarquias electivas: as oligarquias electivas liberais e as oligarquias electivas iliberais. As primeiras são as que convivem, melhor
ou pior, com um certo número de liberdades, direitos, garantias jurisdicionais
e instituições sociais que são o resultado e o sedimento de lutas emancipadoras
travadas durante séculos pela arraia-miúda (o
termo é de Fernão Lopes [1380/1390-1460], cronista oficial do reino de
Portugal) e que não terminaram. As segundas são as que convivem muito mal com
essa realidade, ou que a toleram apenas quando reduzida ao mínimo necessário
para manter as aparências do pluralismo político e do respeito pelo princípio
do primado da lei. Os apologistas das oligarquias
electivas apelidam-nas de “democracias”.
Chamam “democracias plenas” (Ingl. full
democracies) ou “democracias liberais” às
oligarquias electivas liberais e chamam “democracias defeituosas” (Ingl. flawed democracies)
às oligarquias electivas iliberais. O mínimo
que se pode dizer é que esta terminologia e esta categorização em que a
“oligarquia” aparece travestida de “democracia” são pateticamente ridículas
para quem tenha lido e assimilado os factos e ensinamentos contidos n’A Constituição
dos Atenienses, de Aristóteles, e na Política, do
mesmo autor, e seja intelectualmente honesto. A verdade, porém, é que essa
terminologia e essa categorização fraudulentas são aceites como boas pela
generalidade da opinião pública, incluindo a grande maioria dos partidos,
movimentos e indivíduos que se dizem de esquerda. Nesse sentido, são um dos
contos-do-vigário mais bem sucedidos da luta de classes dos últimos dois
séculos.
[7] Em Janeiro 2020, Putin promoveu uma
extensa reforma constitucional, que, entre outras coisas, lhe permite ser
eleito mais duas vezes. Putin já ia, nesse ano, no segundo ano do seu segundo
mandato consecutivo e no seu quarto mandato presidencial. Todavia, de acordo
com uma das emendas constitucionais propostas, o número de mandatos
presidenciais cumpridos antes da reforma constitucional, não conta. Putin
poderá, por isso, candidatar-se de novo. As emendas constitucionais propostas
por Putin foram aprovadas pela Duma (a câmara baixa do parlamento federal
russo) e pelos 84 parlamentos regionais em Março de 2020 (Martin Russell,
“Constitutional change in Russia: More Putin, or preparing for post-Putin?” European Parliamentary
Research Service. May 2020). As emendas foram depois aprovadas em referendo
constitucional em 1 de Julho de 2020.
[8] As confidências de Putin foram
corroboradas por vários testemunhos independentes. George Robertson (Lord
Robertson of Port Ellen) ⎼
um escocês do partido trabalhista britânico que foi ministro da Defesa do Reino
Unido de 1997 a 1999 e secretário-geral da OTAN de 1999 a 2003 ‒ contou que
Putin deixou claro na sua primeira reunião que queria que a Rússia fizesse
parte da Europa Ocidental. «Eles queriam fazer parte
daquele Ocidente seguro e estável e próspero de que a Rússia estava excluída na
altura», disse Robertson. Robertson recordou um encontro antecipado com
Putin, que se tornou presidente da Rússia em 2000. «Putin
disse: “Quando é que nos vai convidar a aderir à NATO? [=OTAN]” E eu [Robertson] disse:
“Bem, nós não convidamos pessoas a juntarem-se à NATO, elas candidatam-se a
juntar-se à NATO” [Isto é um descarada mentira, como mostrarei neste
artigo, mas adiante. N.E.] E ele disse: “Bem,
nós não fazemos bicha [= não vamos ficar na fila, com se diria no
Brasil, N.E.] com uma data de países que não
contam”». Este testemunho concorda com o que Putin disse ao falecido
David Frost numa entrevista à BBC, pouco antes da sua primeira tomada de posse
como presidente russo, há mais de 21 anos. Putin disse a Frost que não
descartaria a possibilidade de se juntar à NATO «se e
quando as opiniões da Rússia forem tidas em conta como as de um parceiro igual».
Disse a Frost que era difícil para ele encarar a OTAN como um inimigo. «A Rússia faz parte da cultura europeia. E não consigo
imaginar o meu próprio país isolado da Europa e daquilo a que muitas vezes
chamamos o mundo civilizado». (Jennifer Rankin, “Ex-Nato head says Putin
wanted to join alliance early on in his rule”. Guardian, 4 November 2021).
[9] A fonte destes dados é
o sítio electrónico worlddata.info.
[10] “Estado
Novo” (1933-1974) é o nome inventado por António Oliveira Salazar para
denominar o regime oligárquico-liberticida que edificou e chefiou em Portugal e
que durou quase meio século. “Fascismo conservador
e clerical” é a qualificação que João Bernardo lhe deu em Labirintos do
Fascismo: na encruzilhada da ordem e da revolta (3.ª versão, revista e
aumentada. 2018).
[11] Através da expressão “versão canónica do modo capitalista de produção (MCP)”
pretendo aludir a um sistema industrial de produção de bens e serviços em que a
classe dominante se desdobra em duas camadas ou fracções distintas: (i) a
dos detentores de jure da propriedade privada dos meios industriais de
produção e (ii) a dos seus administradores efectivos, que são, afinal, os
detentores de facto desses bens de produção. Por comodidade de
expressão, podemos chamar aos primeiros capitalistas
e aos segundos gestores empresariais (gestores, para abreviar). É concebível um sistema
industrial de produção em que os capitalistas sejam expropriados dos seus bens
de capital (fábricas, máquinas, matérias primas, equipamentos, terras e
diversas construções que são utilizadas para produzir industrialmente produtos
para consumo ou outros bens de produção) e estes nacionalizados, passando a ser
«propriedade do Estado (a possessão do povo inteiro)»
(como rezava o artigo 5.º da Constituição da União Soviética de 1936,
promulgada por Estaline), mas sem que isso acarrete o desaparecimento
concomitante dos gestores. Bem pelo contrário, pode muito bem acontecer que os
gestores aumentem exponencialmente o seu poder explícito, adoptando a palavra “Estado” como seu novo nome colectivo e afirmando
estarem desinteressadamente ao serviço dos novos detentores de jure dos
meios industriais de produção: “o povo inteiro”.
Em tal caso, os gestores e governantes (e as suas espécies híbridas) deixam de
ser uma camada ou uma fracção específica da classe
dominante para passarem a ser a classe dominante. Foi uma tal versão não
canónica do MCP que foi instituída, a partir de 1928, na União Soviética. (Daí
a aberrante equivalência que o artigo 5.º da sua Constituição de 1936
estabelecia entre o “Estado” e o “povo inteiro”). Por sua vez, a União Soviética
estalinista serviu de inspiração e modelo aos regimes que se implantaram nos
países da Europa de leste no fim da 2.ª guerra mundial e que viriam mais tarde
a firmar o Pacto de Varsóvia. Na Jugoslávia foi implantada uma outra versão não
canónica do MCP, distinta da que vigorou na União Soviética. É costume os
defensores dessas versões não canónicas do MCP apelidá-las de “socialismo” ou “socialismo
real” ou “socialismo realmente existente”.
É também costume que os defensores da versão canónica do MCP apelidem essas
versões não canónicas do MCP de “comunismo”.
Falta-me espaço para explicar as razões que levam uns e outros a estropiar
essas palavras. Assinalarei apenas que elas são quase-sinónimos e que devem ser
reservadas, de acordo com a sua significação original, para denominar um modo
de produção industrial pós-capitalista: a associação cooperativa dos cidadãos-produtores
livres e iguais.
[12] Este
é o principal objectivo que a OTAN proclama como sendo seu, mas não é o seu único
objectivo proclamado. Ver nota [46], infra.
[13] J.W. Smith, The World’s Wasted Wealth 2: Save
Our Wealth, Save Our Environment. Cambria, Calif: Institute for Economic
Democracy, 1994.
[14] Michio Kaku & Daniel Axelrod, To Win a
Nuclear War: the Pentagon’s Secret War Plans. Boston: South End Press,
1984, p.X.
[15] Donald Angus
MacKenzie, “Nuclear War
Planning and Strategies of Nuclear Coercion”, New Left Review, I/148,
Nov/Dec. 1984.
[16] Por exemplo, Barry M.
Blechman & Stephen S. Kaplan, Force Without
War: U.S. Armed Forces as a Political Instrument (Brookings Institution
Press,1978); Michio
Kaku & Daniel Axelrod, To Win a Nuclear War: the Pentagon’s Secret War Plans
(cf. nota 14); Donald Angus MacKenzie, “Nuclear War Planning and Strategies of
Nuclear Coercion” (cf. nota 15); Robert S. Norris, William M. Arkin &
William Burr, “Where They Were” (cf. nota 19); Melanie W. Sisson e James A.
Siebens, Military
Coercion and US Foreign Polic. Routledge, 2020.
[17] Michio
Kaku e Daniel Axelrod, To Win a Nuclear War: the Pentagon’s Secret War Plans. Boston:
South End Press, 1984, p.3.
[18] D. A. MacKenzie, op.cit.
[19] Robert
S. Norris, William M. Arkin & William Burr “Where
They Were”. Bulletin of the Atomic Scientists. Volume 55, issue 6,
November 1, 1999, p.29. Os autores descobriram também que, durante o seu auge
militarista, no início da década de 1970, os EUA tinham mais de 7.000 armas
nucleares nos países da OTAN na Europa, e mais de 2.000 em países ou
territórios do Oceano Pacífico. Uma variedade de navios de guerra, incluindo
porta-aviões, cruzadores, contratorpedeiros, fragatas e submarinos de ataque,
transportavam rotineiramente mais 3.000 armas nucleares. No total, os Estados
Unidos implantaram 38 tipos de sistemas de armas nucleares no estrangeiro. A
Alemanha foi a anfitriã de 21 sistemas de armas dos EUA, que foram instalados
pela primeira vez em 1955. Guam (um território insular dos EUA na Micronésia)
acolheu 20 tipos de sistemas de armas e a ilha japonesa de Okinawa, enquanto
esteve sob ocupação norte-americana, acolheu 19.
[20] Robert S. Norris, William M. Arkin
& William Burr, op.cit.,p.29.
[21] Jens Stoltenberg, secretário-geral da
OTAN: «As armas nucleares que partilhamos na OTAN
fornecem aos Aliados europeus um guarda-chuva nuclear eficaz. Isto,
naturalmente, inclui também os nossos Aliados do Leste. E são um sinal
importante da unidade dos Aliados contra qualquer adversário com armas nucleares».
Discurso na German Atlantic Association “NATO Talk” Conference 2021.
November 19, 2021.
[22] Hans M. Kristensen &
Matt Korda (2019), “United States nuclear forces, 2019”, Bulletin of the
Atomic Scientists, 75:3, pp.122 e 124; “United States nuclear weapons in
Europe”. Campaign for Nuclear Disarmament, Briefing, January 2020.
[23] Jorge Almeida Fernandes,
“A nova ameaça nuclear”. Público. 24 de Março de 2022.
[24] Ian Traynor, “Soviets tried to join
NATO in 1954”.Guardian, June 17, 2001.
[25] No original: «To put it very bluntly, the Soviet request to join NATO
is like an unrepentant burglar requesting to join the police force». Este
parecer de Lord Ismay faz parte dos documentos desclassificados publicados pela
OTAN. https://www.nato.int/60years/doc/5-Soviet-Union-s-request-to-join%20NATO/Transcript%20of%20Lord%20Ismay %27s%20Memo.pdf
[26] No original: «NATO has been created to keep the Soviet Union out, the
Americans in, and the Germans down». Esta frase de Lord Ismay faz parte dos
documentos desclassificados publicados pela OTAN. https://www.nato.int/ cps/en/natohq/declassified_137930.htm
[27] Paul Taylor, “An
EU agenda: keeping British in, Russians out, Germans down”. Reuters,
July 6, 2014.
[28] Matt Spetalnick, “Bush vows to press
for Ukraine, Georgia in NATO”. Reuters, April 1, 2008
[29] O Tratado de Forças Nucleares de
Alcance Intermédio (formalmente, Tratado entre
os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
sobre a Eliminação dos seus Mísseis de Alcance Intermédio e de Menor Alcance),
também conhecido como Tratado INF (do inglês: Intermediate-Range Nuclear
Forces) foi um tratado internacional sobre o controlo de armas nucleares
entre os Estados Unidos e a União Soviética assinado na cidade de Washington,
D.C., em 8 de Dezembro de 1987. Firmaram o tratado pelos EUA o então presidente
dos EUA, Ronald Reagan, e, pela União Soviética o então secretário-geral do
Partido Comunista da URSS, Mikhail Gorbachev. Ratificado pelo Congresso dos
Estados Unidos em 27 de Maio do ano seguinte, o mesmo entrou em vigor em 1 de
Junho de 1988. O acordo previa a eliminação dos mísseis balísticos e de
cruzeiro, nucleares ou convencionais, cujo alcance estivesse entre 500 e 1.000
km (para os mísseis balísticos de curto alcance) e 1.000 a 5.500 km (para os
mísseis balísticos de médio alcance e para mísseis balísticos de alcance intermédio).
O tratado não se aplicava a mísseis lançados por meios aéreos ou navais. Até a
data-limite de 1 de Junho de 1991, prevista no tratado, 2.692 mísseis foram
destruídos — 846 por parte dos Estados Unidos e 1.846 por parte da União
Soviética. O acordo permitia a qualquer das partes inspecionar as instalações
militares da outra. Contudo, em 20 de outubro de 2018 os Estados Unidos
anunciaram sua retirada do tratado. Segundo o presidente americano Donald
Trump, os russos tinham vindo a violar os termos do acordo há muitos anos. Esta
decisão foi confirmada em 1 de Fevereiro de 2019, quando os EUA, seguidos pela
Rússia, decidiram suspender o tratado por 6 meses. Em 4 de Março, o presidente
russo Vladimir Putin, num acto de retaliação, suspendeu oficialmente a
participação do país no tratado. Os EUA retiraram-se formalmente do tratado em
2 de agosto de 2019. Fonte: Wikipédia.
[30] Esta periodização da
revolta popular EuroMaidan é a que foi proposta
por Volodymyr Ishchenko (“Far right participation in the Ukrainian
Maidan protests: an attempt of systematic estimation”. European Politics and
Society, March 2016). O carácter profundamente heterogéneo desta revolta popular
está bem patente nesta descrição de uma testemunha ocular: «Na EuroMaidan,
como visto acima, formas simbólicas rememoradas do passado do Rus de Kiev [o
Rus é um Estado fundado no séc. X, que é a origem, igualmente, da própria
Rússia, e cuja classe senhorial e população se converteram ao cristianismo sob
a influência do vizinho Império Romano do Oriente (império bizantino). Este
Estado entrou
em declínio e acabou por desaparecer no séc. XII, abatido pelas invasões de povos
nómadas de origem tartaromongol, N.E.] e da
resistência guerreira cossaca, além do cristianismo ortodoxo,
misturavam-se a bandeiras
da União Europeia
e de países
que compõem o bloco, algumas
poucas bandeiras do
arco-íris referentes às
pessoas LGBTs, músicas entoadas
por popstars da atualidade,
sanduíches de uma
loja do McDonald’s
situada na Maidan
ou kebabs e
pizzas também do
entorno, cânticos budistas e orações islâmicas, cartazes e
banners de líderes políticos nacionalistas do início do século XX e fotos de
mártires estampadas em verdadeiros totens e altares, encenações teatrais
épicas, presépios de fortuna, concerto de piano e violino sobre os sacos de
gelo e areia de uma barricada, exposição de ilustrações caricatas, e tantas
outras coisas ou
formas, compondo, numa
improvável – porém
viável e serena – harmonia, uma ação simbólica
padronizada, por excelência anti-russa – pois, anti-soviética e
anti-colonialista» (Fabiano Gontijo, “Nação, simbolismo e
revolução na Ucrânia: experiência etnográfica tensa na/da liminaridade”, Revista
de Antropologia (São Paulo, Online), vol. 63 n.º 3: e178853, USP, 2020,
p.22).
[31] Os autores a seguir
indicados, com pontos de vista muito diferentes, coincidem todos num aspecto:
a destituição inconstitucional, pelo
parlamento ucraniano, do presidente eleito Viktor Yanukovych, em 22 de
Fevereiro de 2014, seguida pela formação de um governo provisório ⎼ que integrava forças eleitoralmente
minoritárias na Ucrânia a nível nacional, mas bem implantadas nos conselhos
municipais das regiões ocidental e central da Ucrânia (como a União
Pan-Ucraniana ou Liberdade/Svoboda [Свобода], de Oleg
Tyahnyb, herdeiro ideológico de Stepan Bandera, o ultranacionalista pró-nazi
das décadas de 1930-1940) ⎼ configura
um golpe de Estado. Ver Branko
Marcetic, “Como uma insurreição na Ucrânia apoiada pelos EUA nos trouxe à beira
da guerra”, Jacobin, 14/02/2022; Fred S. L.
Campos et al., “O ocidente como responsável pelas crises da Ucrânia e da
Geórgia”, Rev. Bras. Est. Def. v. 5, n.º 2, Jul./Dez. 2018; Ted Galen
Carpenter, “America’s Ukraine Hypocrisy”. Cato Institute, August 6, 2017;
Volodymyr Ishchenko, “Far right participation in the
Ukrainian Maidan protests: an attempt of systematic estimation”. European
Politics and Society,
March 2016; Alan Mackinnon, “New Menace for Russia ?
NATO is the real threat”. Campaign for Nuclear Disarment Briefing, May
2015; Sergei Plekhanov, “Assisted Suicide: Internal and External Causes of the Ukrainian
Crisis” (In: Black, Joseph; and Michael Johns. The Return of the ColdWar: Ukraine,
the West and Russia. Nova York: Routledge. 2015); Olivier Berruyer, “Ukraine
et Euromaïdan (4) – Les puissances occidentales soutiennent un coup d’État en
Ukraine”. Les-Crises.fr. 9 Mars 2014; Olivier Berruyer, “Ukraine et
Euromaïdan (5) — Quand Washington s’emmêle…”. Les-Crises.fr.10 Mars 2014;
Olivier Berruyer, “Ukraine et Euromaïdan (6) — Le Coup d’État”. Les-Crises.fr.
11 Mars 2014; Olivier Berruyer, “Ukraine: La face cachée de l’Euromaïdan
(Synthèse)”. Les-Crises.fr. 21 Juillet 2014; John Mearsheimer, “Why the Ukraine Crisis is
the West’s Fault: the Liberal Delusions that Provoked Putin”. Foreign
Affairs. September/October 2014. Para uma visão contrária, que vê na Euromaidan e no golpe de Estado de 22 de Fevereiro de
2014 diferentes peripécias de um processo único de “nation-building”
(uma expressão cunhada pelos doutrinadores ideológicos da geopolítica, especialmente
no mundo de língua inglesa, que podemos traduzir por “construção
de um Estado-nação”), ver o estudo de Fabiano Gontijo mencionado
na nota 30, supra. Convém acrescentar que Gontijo não menciona o
contributo dos EUA para esse alegado
processo de “nation-bulding”. Mas ele
não pode ser passado em silêncio. No dia 13 de Dezembro de 2013, numa conferência
da US Ukraine Foundation, em Washington, Victoria Nuland (a senhora da
foto que distribuía sandes, bolos e biscoitos aos manifestantes da Euromaidan), informou que o governo dos EUA investira
5 mil milhões de dólares, desde 1992, no financiamento da oposição
“democrática” da Ucrânia através de várias ONGs (Victoria Nuland, “Remarks at
the U.S.-Ukraine Foundation Conference”, US Department of State, https://2009-2017.state.gov/p/eur/ rls/rm/2013/dec/218804.htm).
[32] “Yanukovych
set to become president as observers say Ukraine election was fair”. Guardian,
8 February 2010; “Fim de apuração confirma vitória de Yanukovich na Ucrânia.” Estadão,
10 de Fevereiro de 2010; “Eleição presidencial na Ucrânia em 2010”. Wikipédia
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%A3o_presidencial_na_Ucr %C3%A2nia_em_2010).
Todas as fontes indicam que a eleição de Yanukovych
em 2010 foi considerada honesta por observadores internacionais, «mais de três mil» segundo a Wikipédia. «Observers from the Organisation for Security and
Co-operation in Europe (OSCE) said there were no indications of serious fraud
and described the vote “as an impressive display” of democracy. “For everyone in Ukraine this election was a victory,”
João Soares, president of the OSCE’s parliamentary assembly, said» (Guardian,
8 February 2010). A OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa)
é a maior organização regional de segurança do mundo, abrangendo todos os
Estados europeus, a Federação Russa, os países da Ásia Central, a Mongólia, os
Estados Unidos da América e o Canadá, num total de 57 membros, existindo ainda
13 “parceiros para a cooperação” da Ásia e do Mediterrâneo. A OSCE tem a sua
sede em Viena. «“Some say the Orange revolution has
failed. I say no. Thanks to the Orange revolution democratic elections in
Ukraine are now a reality,” said Matyas Eörsi, head of the delegation of the Council
of Europe’s parliamentary assembly» (Guardian, ibidem). Nada
disto invalida o facto de Yanukovych ter
sido, como presidente da República ucraniana, o vértice do poder oligárquico,
tal como o foram igualmente os presidentes Leonid Kravchuk (1991-1994), Leonid
Kuchma (1994-2005), Viktor Yushchenko (2005-2010) e Petro Poroshenko
(2014-2019), e tal como o é, actualmente (mas não no primeiro ano e meio
do seu mandato) o presidente Vlodomyr Zelensky (eleito em 20 de Maio de 2019).
O traço principal que os diferencia politicamente é o facto de Kravchuk, Kuchma,
Yanukovych (2010-2014) e Zelensky (no primeiro ano e meio do seu mandato) terem
procurado encontrar uma solução de compromisso simultaneamente com a Rússia,
por um lado, e com a União Europeia (UE) e a OTAN, por outro; ao passo que Yushenko,
Poroshenko e Zelensky (a partir de Setembro de 2020) se mostraram todos
incondicionalmente pró-UE e pró-OTAN e hostis a qualquer compromisso com a
Rússia.
[33] Serge Halimi &
Pierre Rimbert, “Le plus gros bobard de la fin du XXe siècle”. Le Monde
Diplomatique, Avril 2019.
[34] Jean-Arnault Derens, “Trafic
d’organes au Kosovo: un rapport accablant”. Le Monde Diplomatique, 4
Janvier 2011.
[35] Altin Raxhimi, Michael Montgomery &
Vladimir Karaj, “Albanie et Kosovo : les camps de la mort de l’UÇK [=ELK, N.E.]”,
Le Courrier des Balkans, 10 Avril 2009.
[36] “Le traitement inhumain
de personnes et le trafic illicite d’organes humains au Kosovo”. Rapport.
Commission des questions juridiques et des droits de l’homme. Rapporteur Dick
Marty. 11 Janvier 2011. Doc. 12462, Conseil de l’Europe, Assemblée
Parlementaire.
[37] “Presidente do Kosovo acusado de
crimes de guerra e contra a Humanidade”. Lusa, 25 de Junho de 2020.
[38] Gilbert Burnham et al.
“Mortality after the 2003 invasion of Iraq: a cross-sectional cluster sample
survey”. The Lancet. Published online October 11, 2006.
[39] Amy Hagopian et al.
“Mortality in Iraq Associated with the 2003–2011 War and Occupation: Findings
from a National Cluster Sample Survey by the University Collaborative Iraq
Mortality Study”. PLoS Med. 2013 Oct; 10(10).
[40] Operation Iraqi Fredom (https://web.archive.org/web/20151017063640;
http://www.icasualties.org/
Iraq/Index.aspx).
[41] Joseph Stiglitz &
Linda Bilmes, The Three Trillion Dollar War: The True Cost of the Iraq Conflict. W.W.
Norton, 2008.
[42] Patrick Haimzaden, “Londres fait son
autocritique sur la Lybie, Paris persiste et signe. Le terrible coût de
l’intervention militaire”. Orient XXI. Magazine, 6 Octobre 2016.
[43] “Operation Odyssey Dawn and the
situation in Lybia.” Hearing before the Committee On Armed Services United
States Senate. One hundred twelfth Congress. First session. Marh 31, 2011.
Available via the World Wide Web: http://www.fdsys.gov/.
[44] Como, por exemplo, a invasão ilegal do
Afeganistão pelos EUA, em 2001, apoiada pela OTAN a partir de 2003, e a
ocupação conjunta desse país pelos EUA e a OTAN até 2021, com os resultados
paradoxais que se conhecem: uma guerra permanente contra os talibãs durante 20
anos que culminou… na entrega do poder aos mesmos talibãs!
[45] Charles Lewis & Mark
Reading-Smith, “False Pretenses”, The Center for Public Integrity,
January 23, 2008.
[46] No
sítio electrónico da OTAN pode ler-se: «Diz-se
frequentemente que a Organização do Tratado do Atlântico Norte foi fundada em
resposta à ameaça representada pela União Soviética. Isto é verdade só em
parte. De facto, a criação da Aliança fez parte de um esforço mais amplo para servir três propósitos: dissuadir
o expansionismo soviético, proibir o renascimento do militarismo nacionalista
na Europa através de uma forte presença [militar] norte-americana no continente, e encorajar a integração
política europeia». A short story of NATO (https://www.nato.int/cps/en/natohq/declassified_139 339.htm).
[47] Sergey Radchenko, “Russia and the West: mistakes of the 1990s”, Riddle, 16 December 2020. Ver também, do mesmo autor, “«Nothing but humiliation for Russia»: Moscow and NATO’s Eastern Enlargement, 1993-1996”. Journal of Strategic Studies 43.6-7 (2020).
[48] Minha tradução. Aproveito para informar o leitor que é também minha a tradução de todas as citações feitas neste artigo extraídas de textos cujo idioma original não é o Português.
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