Neste blogue discutiremos 5 temas: 1. A segurança social. 2. A linguagem enganosa. 3. As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 4. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 5. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

05 novembro, 2022

 Temas 2 e 3

Qual é a morada dos assassinos de Darya Dugina

e o que é que isso tem a ver com as guerras na Ucrânia?

 

 Quarto artigo da série 

Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia! 

José Catarino Soares


1.Introdução

É possível ser vítima mortal de uma guerra (excluindo a guerra nuclear) sendo civil e estando a milhares de quilómetros do campo de batalha? Sim. Foi o que aconteceu recentemente com uma cidadã russa, chamada Darya Dugina, relativamente às guerras na Ucrânia.

É possível analisar esse acontecimento de modo a elucidar o comportamento político e o estofo moral dos governantes de um dos regimes beligerantes nessas guerras, mostrando uma faceta deles muito diferente daquela (e, na verdade, diametralmente oposta àquela) que nos é mostrada diariamente pelo sistema mediático dominante de comunicação social — jornais e revistas de grande circulação; estações de rádio e de radiotelevisão de grande audiência? Sim. É o que se pode afirmar concretamente em relação a Volodymir Zelensky, presidente a Ucrânia, e aos demais membros do seu governo [1].

O propósito deste artigo ‒ o 4º. da série Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia! ‒ é fundamentar a veracidade factual das duas proposições supramencionadas. De caminho, ficarão claras algumas falsidades e mentiras propaladas pelo sistema mediático dominante de comunicação social a este respeito.

2. Lembrete

Darya Dugina, uma jornalista russa, foi assassinada em 20 de Agosto de 2022, no distrito de Moscovo, vítima de uma bomba armadilhada no automóvel em que viajava, a qual, muito plausivelmente, visaria, primordialmente, assassinar o seu pai, Aléksandr Dugin, o dono do automóvel armadilhado.

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, disse que a investigação policial, caso aponte para a Ucrânia, será indicadora de uma política de “terrorismo de Estado” levada a cabo por Kiev. O Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (SFS), conhecido no sistema mediático dominante pela sigla inglesa FSB [2], conduziu uma investigação que concluiu o seguinte.

Uma mulher de 42 anos, chamada Natalya Vovk, que também usa o apelido Shaban e que o SFS identificou como membro do Regimento Azov da Guarda Nacional Ucraniana (também conhecido como Batalhão Azov, o seu nome até 2016) partiu da Ucrânia a 23 de Julho num automóvel com placas de matrícula falsas de Donbass, a região actualmente sob controlo russo.

Dois soldados do regimento Azov da Guarda Nacional da Ucrânia exibem a sua bandeira com a suástica no centro e um deles faz a saudação nazi [3].

Entrou na Rússia juntamente com a sua filha menor, Sophia Shaban, de 12 anos [o que deve ser interpretado como um disfarce]; e, já na Rússia, mudou as placas de matrícula do carro para as do Cazaquistão, um país aliado da Rússia. Mais tarde, procedeu ao aluguer de um apartamento no edifício em Moscovo onde Darya Dugina vivia [para lhe estudar os hábitos]. De acordo com um relatório, Dugina levava frequentemente o seu pai, Dugin, a reuniões, porque este não gostava de conduzir, mas, nesse dia, no regresso de um festival literário em que ambos tinham estado, Dugin mudou para outro carro. Segundo o SFS, Natalya Vovk [que pode ter tido um cúmplice que a ajudou a obter um passaporte cazaque falso e a pode ter ajudado na construção da bomba] colocou a bomba debaixo do carro de Dugin e fê-la detonar por controlo remoto, antes de fugir para a Estónia, depois de ter mudado de carro novamente [4].[As partes entre colchetes são inferências; as outras são dadas como factos]

A reacção oficial da Ucrânia à acusação de ter planeado e organizado o assassinato à bomba de Dugina, chegou através de Oleksii Danilov, secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia:

Não estamos envolvidos na explosão que matou essa mulher, isso é obra dos serviços secretos russos [4].

Danilov disse ainda que Darya Dugina e o seu pai criticaram o que a Rússia chama “operação militar especial” na Ucrânia, porque achavam que estava a prolongar-se por muito tempo, por não ser suficientemente firme e intensa. Na sua opinião, são os serviços secretos russos [entenda-se: o SFS] que começaram a livrar-se das pessoas que criticam os alegados “êxitos” militares da Rússia na guerra [5].

Por sua vez, Mykhailo Podolyak, um conselheiro do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, declarou na rede social Twitter que as acusações de Moscovo «não são mais do que o resultado da propaganda» difundida pelo Kremlin, que «está a criar novamente mundos fictícios.» A versão de Podolyak dos alegados intentos do Kremlin é bem diferente da de Danilov. Podolyak sugeriu que o assassinato terá origem em lutas internas de poder de Estado entre «várias facções políticas russas», insinuando que o incidente foi uma “vingança kármica” – uma expressão já usada por Podolyak em Abril, por ocasião de outros ataques contra a Rússia – contra os apoiantes da intervenção militar russa na Ucrânia. Segundo Podolyak, o assassinato de Dugina (i) cria um símbolo de propaganda para a Rússia; (ii) populariza as ideias nazis do pai da jornalista; (iii) intimida outros propagandistas contra a guerra, infundindo-lhes uma «obediência adicional»; e (iv) desvia o foco da opinião pública do facto de a Rússia ser um «Estado terrorista» [6].

As razões alegadas por Podolyak são contraditórias entre si e algumas são contrárias ao intento que Podolyak atribui à Rússia. Manifestamente, a lógica não é o seu forte.

Seja como for, no seguimento destas duas teses diferentes da Ucrânia (a de Danilov e a de Podolyak) em reacção ao assassinato de Dugina, o sistema mediático dominante de comunicação social deixou o campo aberto ao desenvolvimento, pelos seus comentadores residentes, da tese que colhesse as preferências de cada um. O que se compreende: ambas as teses partem da premissa de que o assassinato de Darya Dugina tem um autor e um grande beneficiário: o Kremlin (e, por conseguinte, o seu “autocrático” e “ensandecido” presidente, Vladimir Putin) e que foi cometido para denegrir o governo ucraniano (e, por conseguinte, o seu “democrático” e “heróico” presidente, Volodymyr Zelensky).

Depois, o assunto caíu no esquecimento, como quase tudo o mais que circula no sistema mediático dominante de comunicação social.

3. Os serviços secretos dos EUA puxam o tapete debaixo dos pés dos seus afilhados ucranianos

Um mês e meio depois, os “serviços secretos americanos” vieram reabrir o caso. Fizeram saber que os mandantes do assassinato de Darya Dugina fazem parte do governo ucraniano. A informação foi passada a quatro jornalistas do New York Times, em 5 de Outubro de 2022 [7].

Manchete do New York Times de 5 de Outubro de 2022.

A expressão “serviços secretos americanos,” empregada pelo New York Times no artigo supramencionado, tem como referente 19 agências estatais estadunidenses, que são apenas a ponta do iceberg de uma vasta comunidade de agentes, serviços estatais e empresas privadas desse submundo secreto [8]. Todavia, no caso em apreço, julgo que devemos interpretá-la como um eufemismo para Central Intelligence Agency (CIA), pelas seguintes razões:

[A CIA] é a única agência autorizada por lei a realizar e supervisionar operações secretas a mando do Presidente [dos EUA]. Exerce influência política no estrangeiro através das suas unidades tácticas, tais como o Centro de Actividades Especiais. A CIA desempenhou também um papel fundamental no estabelecimento de serviços secretos de informação-e-espionagem em vários países aliados dos EUA, tais como o BND [sigla do Bundesnachrichtendiens] da Alemanha. Também prestou apoio a muitos grupos políticos e governos estrangeiros, incluindo actividades tais como planeamento, coordenação, formação em tortura, e apoio técnico. Esteve envolvida na realização de várias mudanças de regime [entenda-se: golpes de Estado, N.E.], ataques terroristas, e assassinatos planeados de dirigentes estrangeiros [9]. [N.E.= nota editorial]

Dado ter sido a CIA a revelar que os mandantes do assassinato de Darya Dugina fazem parte do governo ucraniano, deixou de ser possível ao sistema mediático dominante de comunicação social continuar a descartar essa informação como sendo “propaganda russa” (razão pela qual os seus comentadores e jornalistas deixaram completamente de falar no assunto). Isto porque o governo dos EUA é o sustentáculo principal do governo e do aparelho de Estado ucraniano, com particular destaque para os Serviços de Segurança Ucranianos  (SSU) conhecidos no sistema mediático dominante pela sigla ucraniana,  SBU ‒ e para as forças armadas ucranianas, incluindo a Guarda Nacional Ucraniana. É do conhecimento público, por exemplo, que o governo e congresso dos EUA têm fornecido às forças armadas da Ucrânia, desde Abril de 2022, um fluxo constante e gigantesco de armas, munições, informações estratégicas (obtidas por meio de satélites, aviões-espiões e drones) e dinheiro, além de apoio logístico, aconselhamento e treino militar dentro e fora da Ucrânia, com a ajuda dos seus parceiros da OTAN e dos seus aliados da UE.

Veremos, mais adiante, quais poderão ter sido as motivações do governo americano para ter autorizado a CIA a fazer esta denúncia oficiosa de um crime de sangue cometido pelo governo ucraniano. O que cabe realçar neste momento é a gravidade da denúncia e o carácter inédito (ou pelo menos inusitado) da sua autoria.

Vista aérea da sede da Central Intelligence Agency (CIA) em Langley, Virginia. 21.575 empregados (2013).Foto: Carol M. Highsmith.

4. A identidade dos assassinos

Quem são então, exactamente, os membros do governo ucraniano que ordenaram o assassinato de Darya Dugina? Os jornalistas do New York Times autores dessa notícia não conseguiram obter essa informação.

Os agentes americanos [da CIA, N.E.] que falaram sobre esta informação sigilosa não revelaram quem são os elementos do governo ucraniano que julgam terem autorizado a missão, quem é que levou a cabo o ataque, ou se o Presidente Volodymyr Zelensky tinha dado ordem para a missão.

Compreende-se que a CIA não queira revelar tudo o que sabe para não comprometer directamente Zelensky. Isso poderia fazer cair o presidente ucraniano e o seu governo. Mas é interessante saber que o governo americano encara com desconfiança o governo ucraniano, que se lhe afigura como um afilhado volúvel e cheio de manhas. Eis o que a CIA confidenciou ao New York Times.

Enquanto o Pentágono e as agências de espionagem partilharam informações sensíveis sobre o campo de batalha com os ucranianos, ajudando-os a destruir os postos de comando, linhas de abastecimento e outros alvos-chave [das tropas russas], os ucranianos nem sempre disseram aos agentes americanos o que tencionam fazer.

Os governantes norte-americanos também não têm uma imagem completa dos centros de poder concorrentes dentro do Governo ucraniano, incluindo os militares, os serviços de segurança e o gabinete do Sr. Zelensky, um facto que pode explicar por que é que algumas partes do governo ucraniano podem não ter tido conhecimento da urdidura [do assassinato de Darya Dugina].

Perante isto,

Os Estados Unidos pressionaram a Ucrânia a partilhar mais informação sobre os seus planos de guerra, com resultados insatisfatórios. No início da guerra, os governantes norte-americanos reconheceram que muitas vezes sabiam mais sobre os planos de guerra russos ‒ graças aos seus intensos esforços de colecta de informações militares ‒ do que sobre as intenções de Kiev. Desde então, a cooperação tem aumentado. Durante o Verão, a Ucrânia partilhou os seus planos para a sua contraofensiva militar de Setembro com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha [10].

5. Tirar o cavalinho da chuva, limitar os danos, admoestar o afilhado

Não é todos os dias que um governo acusa outro governo, seu afilhado dilecto, de levar a cabo assassinatos políticos,” assassinatos de Estado. Na verdade e salvo melhor informação, julgo ter sido a primeira vez que tal acontece. Que terá levado a CIA a fazer uma denúncia tão grave e de um modo tão inusitado (ou mesmo inédito) sobre o comportamento do governo ucraniano?

Não foram, certamente, exigências morais e pruridos de consciência. O currículo dos governos americanos e dos seus serviços secretos, em particular da CIA, em matéria de terrorismo de Estado, golpes de Estado, assassinatos políticos selectivos, intervenções militares e outras actividades mortíferas é extensíssimo e verosimilmente sem rival entre os Estados com assento na ONU [11].

A motivação do governo americano ao autorizar a CIA a revelar que o assassinato de uma cidadã russa (Darya Dugina), na capital da Rússia, foi encomendado por membros do governo ucraniano, parece ter sido tripla: (i) furtar-se a quaisquer responsabilidades nesse acto criminoso; (ii) limitar os danos que ele provocou; (iii) fazer um sério aviso ao governo ucraniano, para o impedir de tomar o freio nos dentes.

Os motivos (i) e (ii) estão bem explícitos nas seguintes passagens do artigo suprarreferido do New York Times.

Os agentes americanos [da CIA] disseram não ter conhecimento com antecedência do plano do atentado que matou Darya Dugina e que eles tinham admoestado a Ucrânia por essa razão. /…/

Os Estados Unidos não tomaram parte no atentado, quer fornecendo informações quer fornecendo outro tipo de assistência, disseram os agentes secretos americanos. Os agentes americanos [da CIA] também disseram que não tiveram conhecimento prévio da operação e que se teriam oposto ao assassinato se tivessem sido consultados previamente. Já depois do facto consumado, os agentes americanos [da CIA] admoestaram os agentes ucranianos sobre o assassinato, segundo declararam.

O motivo (iii) está bem patente nas seguintes passagens do mesmo artigo:

Embora a Rússia não tenha retaliado de forma específica pelo assassinato [de Dugina], os Estados Unidos temem que tais ataques ‒ embora sejam de elevado valor simbólico ‒ tenham pouco impacto directo no campo de batalha e possam instigar Moscovo a levar a cabo os seus próprios ataques contra governantes ucranianos de alto escalão. Os agentes americanos [da CIA] têm ficado frustrados com a falta de transparência dos ucranianos sobre os seus planos militares e operações clandestinas, especialmente quando são levados a cabo em solo russo. /…/

Os países tradicionalmente não discutem as acções clandestinas de outras nações, com receio de verem as suas próprias operações reveladas, mas alguns agentes americanos [da CIA] acreditam que é crucial refrear o que consideram ser um perigoso aventureirismo [do governo ucraniano], em particular no que concerne aos assassinatos políticos [12].

6. Nyet quer dizer Nyet

Aos três motivos indicados, talvez se possa acrescentar uma circunstância adicional, porventura decisiva para os ter conjugado e tornado realidade na altura e do modo inédito já descritos. É uma conjectura plausível, mas que não tenho os meios de provar. Refiro-me ao facto da CIA ser actualmente dirigida, desde Janeiro de 2021, por William Joseph Burns.

William Burns é um diplomata que se aposentou do Serviço de Relações Exteriores dos EUA em 2014, após uma carreira diplomática de 33 anos. Antes de ser director da CIA, desempenhou diversos altos cargos políticos e diplomáticos, entre os quais o de secretário de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros [= State Department] (2011-2014), durante o segundo mandato de Barak Obama, e o de embaixador residente dos EUA na Rússia (2005 -2008), durante o primeiro mandato de Barak Obama.

Foi em 1 de Fevereiro  de 2008, durante a sua missão diplomática na Rússia,  que Burns escreveu o importantíssimo (e ulteriormente famoso) telegrama [13] que intitulou assim: Nyet means Nyet: Russia’s NATO enlargement redlines.

Analisado retrospectivamente, temos de concluir que Burns previu com grande precisão nesse telegrama as tensões e os conflitos que dariam origem às duas guerras na Ucrânia:  a que começou em Donbass, em Maio de 2014, entre as tropas ucranianas e as milícias armadas das Repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, e a que começou em 24 de Fevereiro de 2022 entre as tropas russas e as tropas ucranianas.   

Referindo-se ao pedido formal de adesão à OTAN (cuja primeira fase se concretiza por um chamado Plano de Acção para a Adesão [PAA]) que a Ucrânia fez em 1 de Fevereiro de 2008, William Burns, então embaixador dos EUA na Rússia, escreveu no seu telegrama que um tal pedido «toca não só num ponto nevrálgico da Rússia», mas engendrou também «sérias preocupações sobre as consequências para a estabilidade na região».

O alargamento da OTAN, particularmente à Ucrânia, continua a ser uma questão “emocional e nevrálgica” para a Rússia, mas considerações de política estratégica também estão subjacentes a uma forte oposição à adesão da Ucrânia e da Geórgia à OTAN. Na Ucrânia, estas considerações incluem receios de que a questão possa potencialmente dividir o país em dois, levando à violência ou mesmo, segundo alguns, a uma guerra civil, o que forçaria a Rússia a decidir se deveria intervir ― lê-se no telegrama.

Para corroborar esta apreciação, Burns cita as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, que afirmara em 22 de Janeiro de 2008, numa conferência de imprensa:

uma nova expansão radical da OTAN pode provocar uma mudança político-militar que irá inevitavelmente afectar os interesses de segurança da Rússia.

Lavrov afirmou também nessa ocasião, acrescenta Burns,

«Que a provável integração da Ucrânia na OTAN iria complicar seriamente as relações multifacetadas entre a Rússia e a Ucrânia» e que a Rússia «teria de tomar medidas». O Ministro acrescentou: «Fica-se com a impressão de que a actual camada dirigente ucraniana considera a aproximação à OTAN como sendo, em grande medida, uma alternativa aos laços de boa vizinhança com a Federação Russa».

O telegrama de 2008 é notavelmente presciente, pormenorizando factores complexos, tais como a divisão entre os ucranianos russófonos e que se autodefinem como sendo etnicamente russos e os ucranianos ucranófonos e que se autodefinem como sendo etnicamente ucranianos, em temas tão importantes como a OTAN e as relações da Ucrânia com a Rússia.

Não só a Rússia tem a percepção de estar a ser cercada [pela OTAN] e de estarem a ser envidados esforços para minar a influência da Rússia na região, mas teme também consequências imprevisíveis e descontroladas que afectem seriamente os interesses de segurança russos. Os peritos dizem-nos que a Rússia está particularmente preocupada com o facto de as fortes divisões que existem na Ucrânia sobre a adesão à OTAN, com grande parte da comunidade etnicamente-russa a manifestar-se contra a adesão, poderem levar a uma grande cisão, envolvendo violência ou, na pior das hipóteses, guerra civil. Nessa eventualidade, a Rússia teria de decidir se deveria intervir; uma decisão que a Rússia não quer ter de enfrentar [destaque, por meio de negrito, acrescentado ao original, N.E.]

Em suma, neste seu telegrama, Burns deu a conhecer ao governo americano a natureza das preocupações manifestadas e as advertências feitas pelo governo russo sobre a expansão da OTAN na direcção das fronteiras da Rússia e, em particular, sobre a eventual adesão da Ucrânia e da Geórgia à OTAN. Essas preocupações e advertências mostram, sugere Burns no seu telegrama de 2008, que a Rússia encara(va) essa expansão da OTAN como uma ameaça existencial. Elas devem, por isso insinua Burns serem levadas a sério, muito a sério. A Rússia não está a fingir nada, nem está a fazer bluff, bem pelo contrário. Uma prova disso, adverte Burns, é que 

Embora a oposição russa à primeira onda de alargamento da OTAN, em meados dos anos 1990 [ainda com Boris Ieltsin, N.E.] tenha sido forte, a Rússia sente-se agora capaz  [com Vladimir Putin, N.E. ] de responder com mais força ao que encara como acções contrárias aos seus interesses nacionais.

Foi tudo isto que William Burns procurou resumir no título eloquente que deu ao seu telegrama de 1 de Fevereiro de 2008: Nyet means Nyet: Russia’s NATO enlargement redlines [14]. Nyet é a palavra russa para “não”, pelo que a tradução do telegrama de Burns é a seguinte: Não quer dizer Não: as linhas vermelhas da Rússia em relação ao alargamento da OTAN.

Página de rosto do telegrama de William Burns, embaixador dos EUA em Moscovo, em 1 de Fevereiro de 2008. Fonte: WikiLeaks.Public Library of US Diplomacy. 

Se o telegrama de Burns e a sua mensagem principal tivessem tido o efeito pretendido pôr termo à política dos EUA de alargamento da OTAN em relação aos países ex-membros do Pacto de Varsóvia e, muito particularmente, em relação à Ucrânia e à Geórgia (países ex-membros da União Soviética) há fortes razões para pensar que as duas guerras na Ucrânia (a que começou em 2014 em Donbass entre as tropas ucranianas e as milícias armadas das populações russófonas e pró-russas de Donetsk e Lugansk, em Donbass, e a que começou este ano, em 24 de Fevereiro, com a invasão da Ucrânia pelas tropas russas, e que agora se fundiram uma na outra até certo ponto), nunca teriam ocorrido. Obviamente, isso não aconteceu.

O seu telegrama foi ignorado pelos seus superiores hierárquicos e só não caiu no esquecimento total, sepultado no fundo de um arquivo, porque a Wikileaks o divulgou ao mundo inteiro em 13 de Maio de 2014, garantindo-lhe uma fama póstuma [15].

Mas o meu propósito, aqui, não é o de desenvolver este ponto. É o de sugerir, a título de conjectura plausível, que um homem como Burns, agora director da CIA, é bem capaz de ter estado não só na origem do circuito hierárquico de divulgação das informações altamente melindrosas que foram transmitidas ao New York Times sobre a identidade dos mandantes do assassinato de Darya Dugina, como também na origem da própria ideia de fazer essa divulgação e do modo como foi feita. Não há nenhum obstáculo material que o tivesse impedido. Embora o director da CIA não seja actualmente um membro do governo dos Estados Unidos [US Cabinet, na terminologia estadunidense], tem uma posição estatutária muito elevada no aparelho de Estado americano, porque é nomeado pelo presidente dos Estados Unidos, sem necessidade de aprovação do senado, e pode aceder directamente ao presidente e dialogar a sós com ele.

Se Burns teve efectivamente o papel que aqui lhe atribuo (por conjectura), podemos inferir que essa terá sido a sua maneira de fazer chegar a Zelensky e ao seu governo um aviso solene e público, em nome do governo dos EUA: “Com esse assassinato cometido em território russo, vocês ultrapassaram uma linha vermelha. Foi um acto tão estúpido e inútil quão perigoso e contraproducente. Não tornem a repetir a proeza ou sofrerão consequências ainda mais gravosas do que as actuais. Estas são as nossas linhas vermelhas. Não as ultrapassem. Nyet means Nyet”.

Um dia se e quando for desclassificada a documentação relativa à actividade da CIA na Ucrânia durante o ano de 2022 talvez venha a ser possível confirmar ou infirmar esta conjectura.

7. O governo de Zelensky confessa que ataca e assassina cidadãos ucranianos

Na altura do atentado que vitimou Darya Dugina, Mykhailo Podolyak declarou:

A Ucrânia não está minimamente envolvida [no atentado], porque não somos um Estado criminoso, ao contrário da Federação Russa. Mais do que isso, não somos um Estado terrorista [16].

Sabemos agora, por intermédio das confidências da CIA ao New York Times, que Mykhailo Podolyak ou não estava (na altura) no segredo dos deuses, ou mentiu com quantos dentes tem na boca (O mesmo se aplica Oleksii Danilov com quem nos cruzámos no início deste texto). Julgo que nos devemos inclinar para a segunda possibilidade por duas razões.

1ª.) Mykhailo Podolyak tem sido descrito pelo sistema mediático dominante de comunicação social como a terceira figura mais poderosa da Ucrânia (desconheço quem seja a segunda). Foi ele, por exemplo, quem anunciou em primeira mão, em 16 de Agosto, que a ponte sobre o estreito de Kerch que une, na Rússia, a península de Taman, no krai de Krasnodar, e a península de Kerch, na república da Crimeia, era um alvo que a Ucrânia procuraria destruir [17]. E de facto foi essa ameaça que teve uma primeira tentativa de materialização em 8 de Outubro. Assim sendo, não é plausível que uma pessoa situada num escalão tão alto da hierarquia do aparelho de Estado ucraniano e tão bem informada sobre os seus segredos mais íntimos, não estivesse a par do planeamento do assassinato de Darya Dugina.

2ª.) Questionado sobre as informações dadas pela CIA ao New York Times sobre a responsabilidade do governo ucraniano no assassinato à bomba de Darya Dugina, Mykhailo Podolyak repetiu o desmentido oficial de Agosto (“não fomos nós”), mas acrescentando-lhe, desta vez (e talvez inadvertidamente), uma esclarecedora confissão sobre o modus operandi do governo ucraniano.

Uma vez mais, sublinho que qualquer assassínio em tempos de guerra num ou noutro país tem de corresponder a algum significado prático. Teria de cumprir algum objectivo especifico, táctico ou estratégico. Alguém como Dugina não é um alvo táctico nem estratégico para a Ucrânia. Temos outros alvos no território da Ucrâniaquero eu dizer, colaboracionistas russos e representantes do comando russo, que podem ter valor para os membros dos nossos serviços especiais que trabalham nesse programa, mas certamente não a Dugina [18]. [destaque, por meio de negrito, acrescentado ao original, N.E.]

Sobre Darya Dugina já sabemos, agora, que o que Podolyak diz é, no essencial, falso (voltarei, num próximo artigo, ao não essencial: à parte em que ele diz que «Alguém como Dugina não é um alvo específico, nem táctico nem estratégico, para a Ucrânia»).

O essencial: foram os “serviços especiais” do Estado ucraniano (em particular, o Grupo Alfa do SBU), que assassinaram Darya Dugina, cumprindo ordens emanadas do governo ucraniano (CIA ipsi dixit). Mas temos todas as razões para admitir que Polodyak fala verdade quando afirma que o governo ucraniano organiza e continuará a organizar assassinatos selectivos, sempre que entenda que cumprem um objectivo táctico ou estratégico para a sua sobrevivência.

No artigo que tenho vindo a citar, os jornalistas do New York Times dão alguns exemplos desta prática na regiões russófonas e pró-russas de Donbass.

Um oficial militar ucraniano de alta patente, que se recusou a ser identificado por causa da sensibilidade do tema, disse que as forças ucranianas, com a ajuda de combatentes locais, tinham levado a cabo assassinatos e ataques contra ucranianos que acusam de colaboracionistas e funcionários russos em territórios ucranianos ocupados. Estes indivíduos incluem o governador da região de Kherson que foi nomeado pelo Kremlin, que foi envenenado em Agosto e teve de ser evacuado para Moscovo para receber tratamento de urgência. [destaque, por meio de negrito, acrescentado ao original, N.E.]

Colaboracionistas” é um dos nomes que o governo ucraniano e o SSU dão às populações russófonas e pró-russas de Donbass que se revoltaram em 2014 contra a opressão do Estado ucraniano e proclamaram as Repúblicas populares de Donetsk e Lugansk e que, no referendo de 24-27 de Setembro de 2022, votaram nesses oblasts, assim como nos oblasts de Zaporizhia e Kherson, a favor da integração desses territórios na Federação Russa.

24 de Setembro de 2022. Morador de Kherson prepara-se para votar no referendo sobre a adesão do oblast de Kherson à Federação Russa. Foto:EPA/Stringer. 

O epíteto não é neutral. “Colaboracionistas” foi o epíteto pejorativo (Fr. collabos) que, durante a 2ª. Guerra Mundial, os membros da Resistência francesa à ocupação da França pelas tropas da Alemanha Nazi deram aos franceses que “colaboraram” com o ocupante, ou com o regime de Vichy seu aliado, na denúncia, detenção, prisão e deportação de cidadãos que lutavam contra essa ocupação. Destarte, os cidadãos russófonos e pró-russos de Donbass são falaciosamente assimilados, pelo governo de Zelensky, a vulgares “traidores à pátria” ‒ a “pátria” que os oprime, bombardeia e mata há 8 anos consecutivos e que eles repudiam ‒ que, por isso, merecem ser assassinados. Se Zelensky fosse presidente (ou rei) de Espanha, organizaria, seguindo a mesma ordem de ideias, o assassinato daqueles galegos (e creio que são muitos) que desejam que a Galiza faça parte de Portugal ‒ ou forme com ele uma federação ou uma confederação e não da Espanha.

5 de Julho de 2014. Soldados do Batalhão Azov interrogam habitantes suspeitos de separatismo de um vilarejo perto de Mariupol, em Donbass. Foto: Carl Ridderstråle.

Quando falo da iniciativa do governo ucraniano de organizar o assassinato dos habitantes russófonos e pró-russos de Donbass não estou a exagerar. O Daily Mail, um diário londrino, na sua edição de 5 de Outubro de 2022, é bem mais explícito do que o New York Times acerca da sorte que Zelensky e o seu governo reservam para as populações russófonas e pró-russas de Donbass:

Kyiv já abriu investigações sobre 1.309 suspeitos de traição e organizou 450 processos judiciais contra colaboracionistas acusados de trair a sua própria nação e os seus vizinhos. Outros estão a ser perseguidos e abatidos por combatentes da resistência [entenda-se, membros dos serviços especiais do SSU, N.E.]. Uma lista transmitida a este jornal por uma fonte do governo de Kyiv identifica 29 dessas mortes por retaliação, e mais 13 tentativas de assassinato que deixaram feridos alguns dos alvos.

«Foi declarada uma caça aos colaboracionistas e a sua vida não está protegida pela lei», disse Anton Gerashchenko, conselheiro do Ministério do Interior [19]. «Os nossos serviços secretos estão a eliminá-los, matando-os como porcos» [destaque, por meio de negrito, acrescentado ao original, N.E.] [20].

Sede dos Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla ucraniana), em Kiev. 29.000 empregados (2017). Foto:Kyianka.

O governo ucraniano é, como se constata, um governo que persegue, ataca e assassina não apenas cidadãos estrangeiros a residirem no seu país natal, mas também os seus próprios concidadãos russófonos, quando estes têm a ousadia de discordarem da sua actuação. Destarte, é um governo cujos membros fazem lembrar, pelo seu comportamento, os Dons da Cosa Nostra (a Máfia siciliana e americana) que, eles também, tratam de eliminar os seus adversários “matando-os como porcos”. Há outros governos cujos membros tem uma actuação semelhante. O que distingue este governo é, porém, a sem-cerimónia, a jactância e o descaramento com que o faz, sem ter sequer uma base material (económica e militar) autónoma que lhe garanta a impunidade. Não nos esqueçamos que este é um governo que vive literalmente à custa de milhares de milhões de dólares, euros e libras esterlinas que lhe têm sido fornecidos ininterruptamente desde há seis meses pelos EUA, a UE e o Reino Unido. 

8. Conclusão

As duas perguntas que formulei na introdução deste artigo ficaram cabalmente respondidas, pelo que ficou também cabalmente respondida a pergunta que serve de título a este artigo.

No entanto, estou ciente de que o que foi dito não esgota o assunto. Deixei de lado uma questão (que pode ser desdobrada em duas) que é importante não só do ponto de vista policial, mas também ‒ e principalmente ‒ do ponto de vista político:

― Por que razão os mandantes do assassinato de Darya Dugina (que sabemos agora terem assento no governo ucraniano) a escolheram como sua vítima entre mais de 146 milhões de russos? E se a vítima visada não era ela, mas o seu pai, Aléksandr Dugin, que tem esse homem de especial para ter sido escolhido pelos governantes ucranianos como alvo de um crime hediondo que acabou por vitimar não ele, mas a sua filha?

Admitindo que estas perguntas possam interessar a alguns leitores, como me interessaram a mim, publicarei, na semana que vem, um texto que escrevi para lhes responder. Será um COMPLEMENTO deste artigo, porque extravasa o seu tema central  — que é a identidade dos assassinos — e não (como será o caso) a identidade das suas vítimas e as razões que terão levado os assassinos a seleccioná-las.  

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NB Este é o 4º. artigo da série Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia! [a série  continua].

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Notas e referências bibliográficas

[1] É possível fazer um exercício semelhante em relação aos governantes do outro regime beligerante nas guerras da Ucrânia: Vladimir Putin e os demais membros do seu governo. Mas essa tarefa já foi realizada com grande abrangência (muitíssimo mais vasta do que a deste artigo) e competência por Jacques Baud em dois dos seus livros mais recentes (v. L’Affaire Navalny: Le complotisme au service de la politique étrangère. Éditions Max Milo, 2021; Poutine: Maître du jeu ? Éditions Max Milo, 2022).

[2] O SFS é uma agência militar com múltiplas funções — umas militares, outras policiais; umas secretas, outras não. Além de assegurar a segurança do Estado russo e a contraespionagem, está encarregado da luta contra o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de drogas.

[3] Não consegui identificar o autor desta foto.

[4] Colhi estas informações do relatório policial do SFS no artigo de Philip M. Giraldi, “A Death in Moscow.” The UNZ Review, August 30, 2022.

[5] «Execução realizada pelos serviços secretos russos»: o que diz a Ucrânia da morte de Darya Dugina.”Lusa, 23-08-2022.

[6] “O que ganha a Rússia com a morte de Dugina? As respostas de Podolyac.” Notícias ao Minuto, 24-08-2022. Reuters e José Volta e Pinto, Filha de aliado de Putin morta em explosão de carro. Viatura terá sido armadilhada.”  Público, 21 de Agosto 2022.

[7] Julian E. Barnes, Adam Goldman, Adam Entous, Michael Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were Behind an Assassination in Russia”. New York Times, 5 October 2022.

[8] Os serviços secretos dos EUA abrangem, pelo menos, as seguintes agências federais especializadas: Office of Naval Intelligence (ONI), Coast Guard Intelligence (CGI), Bureau of Intelligence and Research (BIR),  Central Intelligence Agency (CIA), Sixteenth Airforce (16 AF), National Security Agency (NSA), Central Security Service (CSS), National Reconnaissance Office (NRO), Defense Intelligence Agency (DIA), Military Intelligence Corps (MIC), Office of Intelligence and Counterintelligence (OICI), Marine Corps Intelligence (MCI), National Geospatial-Intelligence Agency (NGA), Office of Terrorism and Financial Intelligence (TFI),  Intelligence Branch (IB) [do FBI], Office of National Security Intelligence (ONSI), Office of Intelligence and Analysis (I&A), Space Delta 7 (DEL7), U.S. Army Intelligence and Security Command (INSCOM). Na realidade, essas 19 agências estatais são apenas a ponta do iceberg. Em 18 de Junho de 2011, numa entrevista que deu ao programa Frontline da televisão pública americana PBS, a jornalista Dana Priest do Washington Post, que investigou a fundo o submundo dos serviços secretos americanos, resumiu assim a comunidade dos espiões americanos: «ela emprega agora [2011] quase 1 milhão de pessoas em 1.900 firmas privadas e 1.100 organizações do Estado federal. Estes são edifícios gigantescos que vieram para ficar».

[9] Artigo “Central Intelligence Agency.” Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Central_Intelligence_ Agency). Minha tradução. 

[10] Julian E. Barnes, Adam Goldman, Adam Entous, Michael Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were Behind an Assassination in Russia”. New York Times, 5 October 2022.

[11] Por exemplo, os EUA fizeram perto de 400 intervenções militares no estrangeiro desde a sua fundação, em 1776. Metade destas intervenções tiveram lugar após 1950 e 25% tiveram lugar após a implosão da União Soviética e o concomitante fim da chamada Guerra Fria. Ver Sidita Kushi & Monica Duffy Toft, “Introducing the Military Intervention Project: A New Dataset on US Military Interventions, 1776–2019” (Journal of Conflict Resolution, August 2, 2022). 

[12] Julian E. Barnes, Adam Goldman, Adam Entous, Michael Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were Behind an Assassination in Russia”. New York Times, 5 October 2022.

[13] Na gíria diplomática, denominam-se “telegramas as mensagens transmitidas dos postos diplomáticos (embaixadas, consulados, etc.) para a entidade superior competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros na capital do respectivo país. Embora sejam, hoje em dia, mensagens electrónicas, mantêm, por tradição, o nome decorrente do sistema de envio de mensagens telegráficas.

[14] O telegrama de William Burns de 2008 situa-o claramente na linhagem daquela facção da elite dirigente dos EUA que, na década anterior (especialmente nos anos 1995-1998), se opôs vigorosamente à expansão da OTAN (NATO para os anglófonos e anglófilos) depois da implosão da União Soviética, mas que foi derrotada pela facção maioritária — aquela que o sociólogo americano Wright Mills apelidou de “realistas chanfrados” (Ingl. crackpot realists). A figura mais proeminente dessa facção hostil ao alargamento da OTAN ‒ em especial aos países ex-membros do Pacto de Varsóvia e mais ainda aos países (como a Ucrânia e a Geórgia) que foram outrora repúblicas da União Soviética ‒ foi George Kennan (1914-2005), que qualificou esse alargamento como “erro fatídico” e “erro trágico”. Descrevi as posições da facção Kennan (como me proponho chamá-la, à falta de melhor termo) na secção 4 [O grande cisma estratégico na elite dirigente americana] do meu artigo A guerra na Ucrânia.1ª. parte. Crónica de uma guerra pré-anunciada (Tertúlia Orwelliana. 7 de Maio de 2022).

[15] Cable: 08MOSCOW265_a. WikiLeaks. Public Librart of US Diplomacy. Divulgado em 13 de Maio de 2014.

[16] Alexandre Martins, “Ucrânia nega atentado contra filha de Alexander Dugin: «Não somos um Estado criminoso».” Público, 21 de Agosto de 2022.

[17] Dan Sabbagh & Luke Harding, “Ukraine aiming to create chaos within Russian forces, Zelenskiy adviser says”. The Guardian, 16 de Agosto de 2022.

[18] Julian E. Barnes, Adam Goldman, Adam Entous, Michael Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were Behind an Assassination in Russia”. New York Times, 5 October 2022; Estados Unidos acreditam que os ucranianos foram responsáveis pela morte de Darya Dugina.” Público, 5 de Outubro de 2022.

[19] Em 20 de Outubro de 2022, um comentador da CNN Portugal, o major-general Isidro Morais Pereira, defendeu, nesta estação de televisão, uma posição semelhante à de Anton Gerashchenko como sendo perfeitamente legítima. 

[20] Ian Birrell, “«We’re hunting them down and shooting them like pigs»: How the Ukrainians are taking brutal revenge on the collaborators who've betrayed their neighbours ‒ and country ‒ to the Russians”. Daily Mail, 5 October 2022.

17 outubro, 2022

Temas 2 e 3

O pseudoprémio Nobel da paz

— edição de 2022 

José Catarino Soares


1. O testamento de Alfred Nobel

Em 27 de Novembro de 1895, Alfred Nobel [1] assinou o seu terceiro e último testamento no Clube Sueco-Norueguês, em Paris. Quando, após a sua morte, em 1896, foi aberto e lido, o seu testamento causou muita controvérsia, tanto na Suécia como internacionalmente, visto que Alfred Nobel deixara a maior parte (94%) da sua enorme fortuna dedicada à criação de um avultado prémio anual em cinco áreas: Física, Química, Fisiologia ou Medicina, Literatura, Paz. A sua família opôs-se à criação do Prémio Nobel e os executores do seu testamento por ele nomeados recusaram-se a fazer o que ele tinha pedido no seu testamento. Passaram-se cinco anos até que o primeiro prémio Nobel pudesse ser atribuído, em 1901.

Alfred Nobel em 1885, aos 52 anos. Fotógrafo: desconhecido.

Aqui, vou focar-me, exclusivamente, no prémio Nobel da paz. Alfred Nobel queria que o prémio Nobel da paz fosse dado

à pessoa que fez mais ou melhor para fazer progredir a fraternidade entre as nações, a abolição ou a redução dos exércitos permanentes e o estabelecimento e a promoção de congressos da paz.

Isto foi o que deixou escrito no seu testamento (https://www.nobelprize.org/alfred-nobel/alfred-nobels-will/).

Por outras palavras, o prémio Nobel da paz é um prémio que foi concebido para galardoar quem se distingue na luta contra o militarismo e o belicismo, pela desmilitarização das sociedades, para prevenir ou extinguir as guerras e pela fraternidade entre as nações. NÃO É um prémio que tenha sido concebido para galardoar quem se distingue na luta pela defesa dos direitos humanos (por mais meritória que seja essa luta), nem por actividades humanitárias ou de beneficência (por mais louváveis que sejam essas actividades).

O prémio Nobel da paz deste ano de 2022 foi atribuído a um indivíduo (Ales Bialiatski, da Bielorrússia) e a duas organizações (Memorial, na Rússia, e Centro para as Liberdades Civis, na Ucrânia) que nada ou pouco têm a ver com a luta pela desmilitarização das sociedades, contra o militarismo e o belicismo, pela prevenção e extinção das guerras, pela fraternidade entre as nações.

Por essa razão, o prémio “Nobel da paz” de 2022 constitui uma fraudulenta traição à memória e à última vontade de Alfred Nobel.

Não é primeira vez que o comité norueguês encarregado de atribuir este prémio Nobel, comete esta fraudulenta traição. Na verdade, é useiro e vezeiro em fazê-lo. Os casos mais escandalosos mais recentes (porque mais desavergonhadamente fraudulentos e traiçoeiros) são os de Henry Kissinger, prémio Nobel da paz em 1973, e de Barak Obama, prémio Nobel da paz em 2009.

2. Como aviltar o prémio Nobel da paz e desrespeitar a memória do seu instituidor

Henry Kissinger, conselheiro nacional de segurança e ministro dos Negócios Estrangeiros dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, foi galardoado com o prémio Nobel da Paz no mesmo ano em que ele e Nixon deram ordens para a CIA apoiar a organização do golpe de Estado chefiado pelo general Pinochet que derrubou o governo eleito de Salvador Allende no Chile. No dia do golpe e nas 3 semanas seguintes, 40.000 pessoas foram presas pelos militares de Pinochet e levadas para o estádio nacional em Santiago de Chile, onde várias centenas foram fuziladas. Durante os 17 anos que durou o regime de Pinochet, foram assassinadas 3.216 pessoas pelos militares e pela polícia do regime, em muitos casos sem que se conheça onde param ou onde foram destruídos os seus restos mortais (Comision Retti, 1996). 38.254 pessoas foram presas durante o mesmo período, 94% das quais foram torturadas (Comision Valech, 2004).

Henry Kissinger (à direita) aperta a mão ao general Augusto Pinochet (à esquerda) em 1976, no Chile. Foto: Ministerio de Relaciones Exteriores de Chile.

Kissinger foi também um dos mentores da Operação Condor, iniciada em 1975 na América Latina, que incluiu o rapto, aprisionamento, tortura e assassinato de centenas de opositores dos regimes oligárquicos liberticidas da Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Brasil, Equador e Peru. A lista das malfeitorias cometidas por Kissinger é muito maior e não pode ser aqui devidamente escalpelizada sem nos desviarmos demasiadamente do tema deste artigo. Cito apenas mais uma, pro memoria: o apoio à invasão e anexação de Timor-Leste pelas tropas indonésias de Suharto de 1975 a 1981.

Barak Obama, presidente dos EUA, foi galardoado «pelos seus esforços extraordinários em reforçar a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos» (ipsi dixit pelo comité Nobel para o prémio da paz). Mas foi o mesmo Obama quem (i) reforçou com 30.000 soldados a presença militar dos EUA no Afeganistão, em 2009; (ii) adiou a retirada das tropas dos EUA desse país até 2016; (iii) aprovou os ataques aéreos na Líbia que levaram, em 2011, à transformação da Líbia de um país relativamente próspero [2] num país miserável, dominado por milícias tribais e grupos jihadistas que se digladiam mutuamente; e (iv) voltou a envolver militarmente os EUA no Iraque, em 2014, apesar de ter prometido, em 2011, a retirada das tropas dos EUA do país. Foi também Obama quem deu carta branca à sua subsecretária de Estado dos Negócios Estrangeiros, Victoria Nuland, para organizar (o que ela fez com êxito) o golpe de Estado de 2014 que derrubou o governo eleito de Viktor Yanukovych na Ucrânia — um golpe apelidado pelos golpistas de “revolução Maidan,” “revolução Euromaidan” ou “revolução da dignidade[3].

O próprio Obama ficou surpreendido e embaraçado com o prémio Nobel que lhe foi atribuído, tendo declarado, quando soube da notícia:  

Para ser honesto, não acho que mereça estar na companhia de tantas figuras transformadoras que têm sido distinguidas com este prémio, homens e mulheres que me inspiraram e inspiraram o mundo inteiro através da sua corajosa busca da paz [4].

3. Outra traição dos depositários noruegueses do prémio Nobel da paz

O cinismo do comité norueguês que atribui o Nobel da paz radica, em grande medida, na sua composição.

Durante 116 anos (de 1901 a 2017) foi prática corrente que o comité norueguês do prémio Nobel da paz fôsse composto basicamente por deputados do parlamento norueguês e que a sua composição reflectisse a correlação de forças existente entre os diversos partidos políticos noruegueses com assento parlamentar.

Seria considerado bizarro, até por ele próprio, se um tal grupo decidisse quem são os galardoados com o prémio Nobel para a física, a química, a fisiologia ou medicina, a literatura! Bem entendido, ter sido eleito membro do parlamento também não garante ao membro eleito nenhum conhecimento específico sobre os problemas da paz e do desarmamento. Porém, os deputados do parlamento norueguês consideraram-se perfeitamente habilitados a decidir, durante mais de um século, quem eram os galardoados com o prémio Nobel da paz. O resultado, previsível, foi desacreditar o prémio Nobel da paz.

As medidas entretanto tomadas para mitigar esse descrédito não foram, nem poderiam ser, suficientes. A partir de 1937, os membros do governo em funções deixaram de ser eleitos para o comité Nobel (nada obstando a que pudessem ser ex-membros de um governo). A partir de 1977, passou a ser prática corrente (mas não obrigatória) não eleger para o comité Nobel deputados em funções. Em 2017, o parlamento norueguês decidiu formalmente que nenhum deputado em funções poderia ser eleito para o comité do Nobel da paz (nada obstando a que pudessem ser ex-deputados).  

O que é extraordinário nesta decisão é que chegou com 116 anos de atraso! No seu testamento, Alfred Nobel deixou escrito explicitamente que a atribuição do prémio Nobel deveria ser decidida

para campeões da paz, por um comité de cinco pessoas a serem seleccionadas pelo Stortinget [nome do parlamento norueguês]  (https://www.nobelprize.org/alfred-nobel/alfred-nobels-will/).  

Cinco pessoas seleccionadas pelos membros do parlamento, não constituídas por eles! Esta usurpação, durante 116 anos, do comité norueguês do prémio Nobel da paz pelos membros do governo norueguês e pelos deputados do parlamento norueguês constituiu a segunda e fraudulenta traição ao testamento de Alfred Nobel.

4. Dois pesos e duas medidas, mesmo vendendo gato por lebre 

A notícia dos nomes e nacionalidades dos galardoados com o prémio Nobel de 2022 e dos motivos da sua atribuição suscitou a Jan Olberg o seguinte comentário:

O Comité Nobel deveria incluir um membro do governo dos EUA ou de outro país da OTAN — ou deveria ser transferido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros dos EUA [= State Department na terminologia dos EUA, N.E.] ou para a OTAN [=NATO no acrónimo inglês, N.E.]. Isso seria mais honesto do que jogar estes joguinhos que, repetidamente e de forma flagrante, violam os desejos de Alfred Nobel. Os nossos meios de comunicação social deveriam ser capazes de ler três linhas sobre as intenções de Nobel [expressas no seu testamento, N.E.], mas não é feita nenhuma pesquisa para revelar a fraude. Seria considerado politicamente incorrecto demais pelos EUA e a OTAN.  

E sobre um dos três laureados com o prémio Nobel da paz de 2022, acrescentou o seguinte:

/…/ O Comité Nobel ‒ localizado na capital da Noruega, um país membro da OTAN está numa missão política pró-militarismo. É impossível que ele não conheça o conteúdo da página inicial do sítio electrónico do seu laureado. Ou será que o comité está a receber ordens directa ou indirectamente ‒ dos círculos EUA/OTAN? Seja qual for a explicação, é, sem dúvida, totalmente incompatível com as palavras e intenções de Alfred Nobel [5]. [N.E.= nota editorial].

O laureado do prémio Nobel da Paz de 2022 a que Olberg se refere é o Center for Civil Liberties (CLL) ‒ Centro pelas Liberdades Civis ‒ da Ucrânia. A página do sítio electrónico do CLL a que Olberg se refere é esta:[https://ccl.org.ua/en/positions/ukraine-will-not-negotiate-its-existence/]

O comentário de Olberg é inteiramente pertinente. O CLL é financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros dos EUA [State Department, na terminologia americana, N.E.], pela Comissão Europeia e pelo National Endowment for Democracy (NED) — uma organização financiada pelo Congresso dos EUA que canaliza o dinheiro com que a CIA e o State Department financiam o CLL e muitos outros grupos congéneres noutros países sob as rubricas dos “direitos humanos” e da “democracia”.

Na página electrónica a que Olberg se refere, encontra-se um texto, originalmente publicado na revista Newsweek, de Oleksandra Matviichuk, dirigente do CLL. Nesse texto, essa senhora faz a apologia da continuação das guerras na Ucrânia ‒ a que opõe as tropas ucranianas às milícias das regiões russófonas de Donbass desde Maio de 2014 e a que opõe as tropas russas às tropas ucranianas desde 24 de Fevereiro de 2022 ‒ até ao último soldado ucraniano.

O seu conteúdo, estilo e conceitos são essencialmente uma replicação das mensagens da OTAN ou do State Department dos EUA [5].

Tendo em conta o superarmamento (incluindo milhares de bombas atómicas) da OTAN e da Rússia (a primeira com despesas militares 12 vezes superiores às da segunda e, no futuro, talvez 20 vezes superiores), compreende-se a actualidade e radicalidade do prémio Nobel da paz, tal como foi concebido pelo seu instituidor.

Nesse sentido, Jan Olberg sugere que o prémio Nobel da Paz de 2022 poderia ter sido dado a alguém como, por exemplo, Daniel Ellsberg (https://www.ellsberg.net/), um economista americano, ex-comandante dos fuzileiros navais e ex-analista da Rand Corporation e do State Department. Depois de divulgar (com grandes riscos pessoais) os famosos Pentagon Papers (1971) ‒ documentos secretos da Rand Corporation que revelaram o comportamento inconstitucional e as malfeitorias dos governos americanos no Vietnam de 1945 a 1967 ‒ Ellsberg tem dedicado a sua vida a informar o mundo sobre a loucura ritual, imoralidade, desumanidade e perigos letais apocalípticos decorrentes do fabrico e uso de armas nucleares. O seu livro The Doomsday Machine — Confessions of a Nuclear War Planner (2017) [A Máquina do dia do Juízo Final — Confissões de um planeador da guerra nuclear] é já um clássico sobre o assunto.

Daniel Ellsberg (actualmente com 91 anos) fotografado em Junho de 2020. Foto de Cmichel67.

Uma outra opção para o prémio Nobel da Paz de 2022 teria sido, sugere Olberg, Yurii Sheliazhenko, investigador associado da faculdade de Direito da universidade Krok, em Kiev, jornalista e activista ucraniano, um dos dirigentes da organização World Beyond War — a global movement to end all wars [O Mundo para além da Guerra — um movimento global para pôr fim a todas as guerras] (https://worldbeyondwar.org). Em 1 de Março de 2022, Sheliazhenko deu uma interessante entrevista ao canal de televisão americano Democracy Now, que pode ser vista aquihttps://www.youtube. com/watch?v=YKUCFXlplww

Yurii Sheliazhenko em Kiev, no dia 2 Outubro de 2022 (Dia Internacional da Não-Violência).

Foto: Facebook de Yurii Sheliazhenko. 

As sugestões de Jan Olberg ‒ tal como aquela que foi sugerida, em 2021, por Fredrik Heffermehl (e que especificarei mais adiante) ‒ fazem todo o sentido, embora contrariem completamente a narrativa dominante dos poderes estabelecidos, veiculada também pelo comité norueguês do prémio Nobel da paz.

Por exemplo, o presidente dos EUA, Joe Biden, deu os parabéns ao comité norueguês do Nobel da paz por «confrontar a intimidação e a opressão» na Bielorrússia e na Rússia  mas não na Ucrânia. Isto porque a Ucrânia é, como é bem sabido,  um paraíso dos direitos humanos, sobretudo desde que Zelensky baniu 11 partidos políticos — todos menos o seu próprio partido Sluha Narodu [= Servidor do Povo] e os partidos neonazis (tais como a Vseukrainske obiednannia Svoboda [= União Pan-Ucraniana Liberdade], o Pravyi Sektor [= Sector Direito] e o Natsionalnyi Korpus [= Corpo Nacional], criado pelo Batalhão Azov [uma unidade da Guarda Nacional da Ucrânia]) que se reclamam do legado de Stepan Bandera e Roman Choukhevytch conhecidos, entre outras coisas, como os responsáveis pelos massacres de Volhynie (1942-1944). O Partido Comunista da Ucrânia já tinha sido banido em 2015, durante a presidência de Petro Poroshenko, o antecessor de Zelensky. Zelensly manteve essa proibição. Porquê? Valha-nos Deus, que pergunta descabida! Pela mesma razão da medida anteriormente descrita: mostrar o seu grande apreço pelos direitos humanos!

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, elogiou o reconhecimento, pelo comité norueguês do prémio Nobel da paz, «da excepcional coragem dos homens e mulheres que se levantam contra autocracias» na Bielorrússia e na Rússia — mas não na Ucrânia. Isto porque a Ucrânia é uma democracia resplandecente, como é bem sabido, sobretudo desde que o presidente Zelensky, além da proibição de 11 partidos políticos, (i) decretou também a proibição, durante cinco anos, das emissões de três estações de televisão ‒ ZIK, NewsOne e 112 ‒, que foram forçadas a encerrar em Fevereiro de 2022; (ii) fundiu todas as estações de televisão existentes numa só, às ordens do seu governo, em Março de 2022; (iii) promulgou três leis antilaborais e antissindicais aprovadas pelo parlamento ucraniano: a lei 2136 (em 23 de Março de 2022), a lei 5161 (em 19 de Julho de 2022) e a lei 5371, agora lei 2423 (em 17 de Agosto de 2022).

# A lei 2136 tornou muito mais fácil para os patrões despedirem trabalhadores ou alterarem as condições de trabalho, incluindo a extensão da semana de trabalho a 60 horas, sem qualquer consulta.

# A lei 5161 permite aos patrões contratar até 10% da mão-de-obra em regime “ocasional”: são os chamados contratos de “zero horas”. Os trabalhadores poderão ser contratados apenas por 32 horas de trabalho por mês e estariam permanentemente disponíveis ou “de plantão”.

# A lei 5371 aboliu todos os direitos sindicais para os trabalhadores contratados em empresas com 250 empregados ou menos. Concretamente, a lei elimina os direitos à negociação colectiva e à contratação colectiva em qualquer empresa com 250 trabalhadores ou menos, transformando os acordos colectivos de trabalho em contratos individuais de trabalho. Os trabalhadores podem: (a) ser despedidos dos seus empregos sem a possibilidade de defesa pelo seu sindicato; (b) serem forçados a fazer trabalhos que não constam dos seus contratos; (c) verem a sua semana de trabalho aumentada de 40 para 60 horas; (d) verem o seu tempo de férias reduzido. Estas mudanças afectarão mais de 70% dos trabalhadores assalariados ucranianos.

Mykhailo Volynets, dirigente da Confederação dos Sindicatos Livres da Ucrânia (KVPU), salientou que Zelensky tinha «ignorado o apelo de sindicatos nacionais e internacionais e de organizações dos direitos humanos para vetar a lei [5371]», acrescentando que a sua organização «não tolerará uma flagrante violação dos direitos dos trabalhadores, das suas garantias constitucionais e das normas e padrões internacionai[6].

Em resumo: o comité norueguês do prémio Nobel da paz transformou, traiçoeira e fraudulentamente, o prémio que Alfred Nobel quis que fôsse dado aos campeões da paz num prémio em prol dos direitos humanos. Mas nem sequer isso conseguiu fazer com um mínimo de coerência. Mesmo depois de atraiçoar o cumprimento da última vontade de Alfred Nobel, o comité norueguês não deixou de fazer batota com a sua contrafacção (o pseudoprémio Nobel da paz), aplicando-lhe a regra “dois pesos e duas medidas.”  

Biden e Ursula von der Leyden estão sempre prontos a elogiar a “excepcional coragem” dos defensores dos direitos humanos que confrontam “a intimidação e a opressão”, mas só em países como, por exemplo, a Rússia e a Bielorrússia, nunca em países como, por exemplo, a Ucrânia e Israel. O comité norueguês do pseudoprémio Nobel da paz tem a mesma atitude desses seus mentores. Está sempre pronto para premiar a “excepcional coragem” dos defensores dos direitos humanos que confrontam “a intimidação e a opressão”, mas só em países como por exemplo, a Rússia e a Bielorrússia, nunca em países como, por exemplo, a Ucrânia e Israel. Nunca se atreveria, por exemplo, a dar o seu pseudoprémio Nobel da paz à Confederação dos Sindicatos Livres da Ucrânia.

5.  Nunca ofender os EUA e, se possível, agradar-lhes

O prémio Nobel da Paz ‒ tal como o prémio Nobel da física, da química, da fisiologia ou medicina, da literatura ‒ foi um legado de Alfred Nobel feito à humanidade. Isso mesmo está patente no seu testamento, onde Nobel fez questão em afirmar:

É meu desejo expresso que, ao atribuir os prémios, não seja considerada a nacionalidade, mas que o prémio seja atribuído à pessoa mais merecedora, quer seja ou não escandinava [https://www.nobelprize.org/alfred-nobel/alfred-nobels-will/]

Nobel deixou também muito claro no seu testamento quem deveria encarregar-se da atribuição desses prémios.

Os prémios para a física e a química serão atribuídos pela Academia Sueca das Ciências; o prémio para a fisiologia ou para avanços médicos pelo Instituto Karolinska de Estocolmo; o prémio para a literatura pela Academia de Estocolmo; e o prémio para campeões da paz por um comité de cinco pessoas a seleccionar pelo Stortinget [parlamento] norueguês (https://www.nobelprize.org/alfred-nobel/alfred-nobels-will/).

As decisões respeitantes às instituições encarregadas de atribuir os prémios Nobel da física e química, da fisiologia ou medicina, e da literatura revelaram-se judiciosas e resistiram à prova do tempo.

Mas o mesmo não sucedeu com a instituição designada para atribuir o prémio Nobel da paz: o parlamento norueguês. Não resistiu à prova do tempo e, na realidade, mostrou bem cedo a sua inadequação, como veremos mais adiante.

Que razão ou razões terá tido, então, Alfred Nobel para fazer essa escolha? O maior estudioso do assunto, Fredrik Heffermehl, sugere duas razões.

[Alfred Nobel] deve ter gostado do facto de a Noruega, que era então o parceiro júnior de uma união com a Suécia, não ter tido uma política externa. Além disso, a Noruega tinha sido pioneira no apoio à principal organização de paz de [Bertha von] Suttner [7].

Convém saber que a escritora austríaca Bertha von Suttner foi, durante algum tempo, secretária de Alfred Nobel, de quem se tornou amiga e confidente, e que o seu romance antimilitarista e antibelicista, Die Waffen nieder! [Abaixo as Armas!] (1889), foi um campeão de vendas na sua época. Mais ainda,  

Ela inspirou um grande movimento político e induziu um entusiasta Alfred Nobel a estabelecer o seu prémio para «a abolição ou redução de exércitos permanentes».

Bertha von Suttner (1843-1914). Jornalista e romancista  austríaca. Amiga e confidente de Alfred Nobel. Pioneira do movimento pacifista. Fundadora da Sociedade Austríaca dos Amigos da Paz. Fundadora e presidente da Sociedade Alemã para Paz. Galardoada com o prémio Nobel para a Paz em 1905.   

Perante estes factos, a decisão de Alfred Nobel de nomear o parlamento norueguês como instituição encarregada de seleccionar o júri do prémio Nobel da paz, afigura-se muito judiciosa.

Ora, como vimos, o parlamento norueguês usurpou as próprias funções do júri encarregado de atribuir esse prémio, ao cooptar os elementos do júri entre os seus próprios membros. Destarte, o parlamento norueguês retirou qualquer independência ao júri do prémio Nobel da paz e criou as condições permanentes (por meio do comité Nobel norueguês) para transformar o prémio Nobel da paz num pseudoprémio Nobel da paz, ao perverter as intenções de Alfred Nobel. Como explicar, então, tão grande desaire a partir de uma decisão aparentemente judiciosa?

Fredrik Heffermehl encontrou a resposta a esta pergunta.

No meu mais recente livro sobre o prémio Nobel, Fama ou Vergonha (em norueguês, Medaljens Baksidea tradução inglesa procura uma editora), descobri por que é que a escolha da Noruega se tornou um erro fatal: no ano exacto em que Nobel fez o seu testamento, 1895, os políticos noruegueses passaram do apoio à paz mundial à construção de uma força militar destinada a uma saída potencialmente violenta da união [com a Suécia].

Assim, os oradores do Parlamento não hesitaram em descartar o principal instrumento do Nobel da paz, o desarmamento global, e torná-lo um prémio para a “paz” em geral, ou seja, em desviar o prémio e usá-lo seja para o que for que lhes agradasse.

A intenção do prémio Nobel [para a paz] que Nobel tinha em mente nunca se realizou: os membros do comité norueguês optaram por nunca conduzir a necessária interpretação profissional da intenção de Alfred Nobel. O comité também nunca se pronunciou ‒ excepto em 1905 [quando o prémio foi atribuído a Bertha von Suttner, N.E.] e 1910 [quando o prémio foi atribuído ao Bureau International Permanent de la Paix, N.E.] a favor da visão de paz que Nobel desejava apoiar.

[Nas reuniões do comité norueguês que atribui os prémios Nobel da paz] aplica-se o sigilo total, nenhum membro pode revelar nada das discussões internas do comité, mas os relatórios preparatórios em que o comité baseia as suas discussões estão disponíveis e mostram que as suas deliberações nunca contiveram um pingo de interesse na visão de paz do próprio Alfred Nobel.

Em vez disso, há várias expressões de desprezo pelas pessoas e ideias de paz que Nobel desejava que o comité apoiasse [8].

Heffermehl descobriu também, nas suas aturadas pesquisas nos arquivos do comité Nobel norueguês, os critérios de atribuição do pseudoprémio Nobel da paz deste comité.

O Comité Nobel norueguês, com o seu prémio de 2021, mostra talvez o critério mais sólido na sua política de prémios: nunca ofender os EUA e, se possível, agradar-lhes. Isto começou com o prémio de 1906 para o Presidente Theodore Roosevelt e continuou com os prémios para Woodrow Wilson, Frank Kellogg, George Marshall, Henry Kissinger, Jimmy Carter e Barack Obama e outros — todos muito longe dos genuínos protagonistas da paz e da não-violência que Alfred Nobel tinha em mente [destaque a traço grosso acrescentado por mim, JCS]

Outra tendência consiste ‒ exceptuando um punhado de prémios antinucleares – em conferir prémios a pessoas alinhadas com a política dos EUA e do Ocidente. Ou conferi-los a oponentes embaraçosos [dos governos de países que os EUA e os seus aliados estratégicos consideram como sendo seus inimigos geopolíticos ou, tão-somente, aliados volúveis que precisam de ser admoestados, N.E.], como nos casos de Andrej Sakharov, Lech Walesa, Liu Xiaobo, ou como nos prémios 2021 para Maria Ressa e para o russo Dmitry Muratov. [destaque a traço grosso acrescentado por mim, JCS]

No seu anúncio de 2021, o comité declarou que desejava «proteger contra abusos de poder, mentiras e propaganda de guerra». Mas o comité perdeu uma formidável oportunidade de ser totalmente leal a Alfred Nobel e, ao mesmo tempo, servir a causa da liberdade de imprensa. Um dos candidatos nomeados para 2021 tinha feito um desafio único às forças que Alfred Nobel queria combater. A ameaça mais grave e mortal à liberdade de imprensa no mundo de hoje é a campanha dos EUA contra Julian Assange, o fundador da WikiLeaks, que merece os agradecimentos do mundo por ter dado a conhecer os crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão.

A liberdade de imprensa russa é, no fim de contas, um problema local, mas o ataque dos EUA a Assange irá dissuadir os meios de comunicação social em todo o mundo de se pronunciarem de forma crítica sobre o abuso de poder dos EUA e sobre os seus crimes em primeiro grau. Desde há dez anos até agora que Assange tem estado privado de saúde e de liberdade. Está detido como prisioneiro político, em isolamento na Prisão de Alta Segurança de Belmarsh, em Londres, sem acusação nem sentença, enquanto se aguarda um recurso dos EUA contra a recusa de um tribunal britânico em extraditá-lo [esta passagem já perdeu actualidade: o governo dos EUA ganhou o seu recurso. Assange pode ser extraditado de um dia para o outro, se falharem as derradeiras diligências legais para o proteger desse destino, N.E.]

8 de Outubro de 2022. Um cordão humano de cerca de 7.000 pessoas rodeou o parlamento britânico para exigir a anulação do pedido de extradição de Julian Assange feito pelo governo dos EUA e aceite pelos tribunais do Reino Unido. O cordão foi disposto continuamente da Praça do Parlamento ao longo do Palácio de Westminster, através da Ponte de Lambeth, ao longo da Margem Sul, até à ponte de Westminster, e depois, em sentido inverso, sobre o rio Tamisa até à Praça do Parlamento – ao longo de duas milhas (3,2 quilómetros). O evento foi organizado pela campanha “Don’t Extradite Assange” [Não extraditem Assange]. Foto do WSWS 

As suas corajosas revelações têm sido “premiadas” com torturas que arruinaram a sua saúde. A sua vida está em risco. Um comité fiel à visão de paz do Nobel poderia ter ajudado a proteger Assange da extradição e da privação perpétua da liberdade nos Estados Unidos.

Um grande paradoxo é este: se a liberdade da imprensa crítica-do-poder que foi galardoada com a atribuição do prémio Nobel da paz de 2021 tivesse funcionado relativamente ao próprio comité Nobel e ao poderoso complexo militar-industrial — o Comité Nobel da paz não teria tido êxito na sua traição ao cerne da visão de paz de Alfred Nobel ao longo dos últimos 120 anos [8].

6. Conseguiremos restituir o prémio Nobel da Paz à sua intenção original?

Posto isto, cabe perguntar: conseguiremos restituir o prémio Nobel da paz à sua intenção original?

Para isso seria necessário começar por retirar ao parlamento norueguês o poder de seleccionar os membros do júri do prémio. Ora, isso é impossível, porque desrespeitaria o testamento de Alfred Nobel. A alternativa seria esperar que o parlamento norueguês seleccione um júri do prémio que (i) comungue dos valores e objectivos que o seu criador lhe atribuiu e que (ii) seja competente para escolher os campeões da paz mais merecedores do prémio. Dado o histórico do parlamento norueguês nesta matéria, julgo que isso será muito difícil, para não dizer impossível.

No entanto, não perdemos nada em tentar, tanto mais que a iniciativa tem também como propósito esclarecer o público sobre os requisitos e correlatos da paz: antimilitarismo, antibelicismo, desmilitarização, desarmamento, redução e extinção dos exércitos permanentes. Um passo nessa direcção é a petição que subscrevi e que traduzi do Inglês (vai reproduzida em anexo, mais abaixo). Quem quiser subscrevê-la pode fazê-lo clicando na seguinte hiperligação

https://actionnetwork.org/petitions/only-supporters-of-peace-should-be-appointed-to-nobel-peace-prize-committee?source=direct_link&

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Anexo: petição

Ao Parlamento norueguês

De: [O seu nome]

Pedimo-vos que facilitem o cumprimento da vontade legalmente vinculativa de Alfred Nobel, seleccionando um comité dedicado às ideias antimilitaristas de paz de Alfred Nobel através da cooperação, do direito e do desarmamento. O Parlamento deve abandonar a sua rotina de selecção, que tem favorecido os políticos noruegueses em vez da ideia visionária de Alfred Nobel.

Insistimos na ideia de que não incluam no comité do Prémio Nobel da Paz pessoas que estejam dispostas a glorificar criminosos de guerra como Henry Kissinger, que foi homenageado pelo actual comité em Dezembro de 2016 [9].

A atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2017 à Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares foi uma grande melhoria em relação aos prémios dos últimos anos em termos de cumprimento da vontade de Alfred Nobel.

Cabe-vos agora, na renovação de Dezembro da composição do comité, seleccionar os membros que irão cumprir o objectivo global de desarmamento para o qual o prémio foi criado.

O prémio de paz pertence aos cidadãos deste mundo, e deveis fazer com que pessoas dedicadas às ideias de paz de Alfred Nobel fiquem encarregadas de atribuir o prémio mais importante do mundo. A prosperidade e a segurança do mundo dependem disso.

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Notas e Referências bibliográficas 

[1] Alfred Nobel (1833-1896) foi um engenheiro químico, inventor, gestor empresarial e capitalista industrial sueco. Inventou a dinamite, a gelignita e a balistite; experimentou fazer borracha sintética, couro sintético e seda artificial, entre muitas outras coisas. Quando morreu, deixou registadas 355 patentes e uma enorme fortuna, a quase totalidade da  qual seria dedicada, por sua expressa vontade, à criação de um prémio anual em cinco áreas muito distintas: Física, Química, Fisiologia ou Medicina, Literatura, Paz.

[2] A Líbia tem uma área de quase 1,8 milhões de quilómetros quadrados, o que faz dela o 4º. país mais extenso de África, e tinha, em 2015, uma população de 6,4 milhões de habitantes, com 140 tribos nómadas. De 1969 a 2011, graças às receitas do petróleo e apesar da corrupção endémica do regime oligárquico liberticida do coronel Muammar Gaddafi, a Líbia alcançou o mais alto Índice de Desenvolvimento Humano em África — uma proeza que foi alcançada a partir de 1977 e sem recorrer a empréstimos. Além disso, o rendimento per capita do país subiu para 11.000 dólares americanos, o mais elevado de África. Enquanto vigorou o regime de Gaddafi, as despesas com os serviços públicos de saúde representavam 3,88% do PIB do país em 2010 e a esperança de vida à nascença era de 74,9 anos em 2011 ‒ 72,4 anos para os homens e 77,5 anos para as mulheres. A educação básica, tal como a saúde eram gratuitas para todos os cidadãos — embora o serviço de saúde fôsse de qualidade medíocre comparativamente aos países europeus mais desenvolvidos, apesar das enormes verbas que lhe eram consagradas. Porém, a intervenção militar dos EUA e da OTAN na Líbia, ocorrida entre Março e Outubro de 2011, não serviu (nem poderia servir) para melhorar a vida do povo líbio em nenhum aspecto. Pelo contrário, destruiu não só o regime de Gaddafi como também o próprio país. A interminável guerra civil que se lhe seguiu, que já fez mais de 30 mil mortos, reduziu a Líbia a um campo de batalha entre milícias tribais e jihadistas que se digladiem mutuamente pelo controlo dos campos petrolíferos (v. Irae Baptista Lundin, “A intervenção militar na Líbia.” Tensões Mundiais, v. 7, n. 13, 2018).

[3] Sobre o golpe de Estado de 2014 na Ucrânia, ver José Catarino Soares, “Omissões, falsidades e mentiras sobre as guerras na Ucrânia. Parte 3.” Tertúlia Orwelliana. Arquivo do Blogue, 24 Setembro, 2022.

[4] “President Obama’s Nobel Reaction”, New York Times, 9 October 2009.

[5] Jan Olberg, “The 2022 NATO Nobel Human Rights Prize.” The Transnational, October 8, 2022.

[6] Tomás Ó Flatharta, “Ukraine: Under the cover of Putin’s war, Zelensky tears up workers’ rights” (https://tomasoflatharta.com/2022/08/26/ukraine-under-the-cover-of-putins-war-zelensky-tears-up-workers-rights/)

[7] Fredrik Heffermehl, “The 2021 Nobel Peace Prize: Freedom for the Press or for the US?”. The Transnational, December 9, 2021.

[8] F. Heffermehl, op.cit.

[9] Em 2016, o actual comité norueguês para o prémio Nobel da paz decidiu realizar uma série de colóquios anuais que apelidou de Nobel Peace Prize Forum. Para o colóquio inaugural, que ocorreu em Dezembro de 2016, foram convidados como oradores Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski (outro notório belicista, já falecido, cuja vida foi toda ela dedicada a promover a supremacia mundial dos EUA por todos os meios, incluindo a guerra).