Temas 2 e 3
Quatro proposições falsas:
# Houve uma constante intervenção militar russa na região
de Donbass de Fev.2014 a Fev.2022; # Em 2014, ocorreram referendos de independência em Lugansk e
Donetsk; # Os acordos de Minsk (2014-2015) foram feitos para
solucionar um conflito armado entre a Ucrânia e a Rússia; # Putin deu cabo dos acordos
de Minsk
3º. artigo da série
Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia!
José Catarino Soares
1.Lembrete
Este é o
terceiro artigo da série «Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia!»
No artigo
anterior refutei a proposição “# A Crimeia foi anexada
pela Rússia,” mostrando que é falsa. Mostrei também que deve ser
substituída pelas proposições verdadeiras: (i) “A Crimeia
foi anexada pela Ucrânia de 1996 a 2014; (ii) a
Crimeia libertou-se do jugo da Ucrânia em 2014, (iii) A Ucrânia quer reanexar a Crimeia custe o que custar.
É impossível que
Zelensky e o seu governo, Biden e o seu governo, Ursula von der Leyden e a Comissão
Europeia, Charles Michel e o Conselho Europeu, Josep Borrel (Alto representante
da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança), os
chefes de governo e os governos do G7 desconheçam que a proposição “A Crimeia foi anexada pela Rússia” é falsa. Assim
sendo, pode afirmar-se, com toda a segurança, que mentem descaradamente de cada
vez que reafirmam essa proposição.
Mentir em
matérias deste melindre, que implicam guerras devastadoras com o seu enorme cortejo
de vítimas inocentes (mortos, feridos, desalojados, deslocados e refugiados) e
destruições maciças de infra-estruturas civis, instalações fabris, parque
habitacional e património edificado não é um pecadilho. É uma ferramenta cientemente
utilizada por governantes sem integridade para ludibriarem os seus povos e
conseguiram alcançar os seus fins. No caso em apreço, o fim visado é o de
persuadir a opinião pública dos seus países da necessidade e da legitimidade de
ajudar o governo de Zelensky a apoderar-se da Crimeia (uma república da
Federação Russa) e a subjugar os seus cidadãos ao Estado ucraniano [1].
Neste artigo,
proponho-me refutar mais quatro mentiras repetidas vezes sem conta no sistema
mediático dominante da comunicação social: a) # Houve uma constante intervenção militar russa na região de Donbass [= a bacia hidrográfica
do rio Donets] de Fevereiro de 2014 a Fevereiro de 2022; b) # Em 2014, ocorreram referendos de independência em Lugansk e Donetsk; c) # Os
acordos de Minsk (2014-2015) foram feitos para solucionar um conflito armado entre
a Ucrânia e a Rússia; d) # Putin
deu cabo dos acordos de Minsk. Emprego a cerquilha (símbolo #) para assinalar a falsidade de uma proposição.
O poeta popular
António Aleixo (1899-1949) tem uma quadra que diz:
P’ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem de trazer à mistura
qualquer
coisa de verdade.
Assim acontece
também com as quatro proposições suprarreferidas quando são enunciadas por pessoas cientes da sua falsidade. Salientei com letra grossa
(e no título do artigo também com uma cor diferente) as palavras que fazem
delas falsidades/ mentiras e deixei ficar com letra fina as que trazem à mistura qualquer
coisa de verdade.
|
Pinóquio, na versão de desenho animado de Walt Disney. O nariz do Pinóquio crescia alguns centímetros de cada vez que ele dizia uma mentira. Se sucedesse o mesmo com os governantes ‒ em particular com os governantes ucranianos do período posterior ao golpe de Estado de 2014, com os governantes dos EUA e dos demais países da OTAN, com os governantes dos países da UE ‒ a grande maioria deles teria de fazer operações plásticas ao nariz todos os meses. |
De caminho,
aproveitarei para trazer à luz do dia mais algumas verdades factuais
cuidadosamente omitidas ou censuradas pelo sistema mediático dominante da
comunicação social.
2. O papel dos EUA no golpe de
Estado de 2014 na Ucrânia
Em 22 de
Fevereiro de 2014 teve lugar, na Ucrânia, um golpe de Estado que derrubou o
seu presidente, Viktor Yanukovych [2], que tinha sido legalmente eleito dois
anos antes em eleições consideradas livres e justas por milhares de
observadores internacionais independentes [3]. Já descrevi o
essencial da mecânica institucional desse golpe no artigo anterior a este (cf. Quem anexou a Crimeia: foi a Rússia ou a Ucrânia? Em Tertúlia Orwelliana. Arquivos do Blogue. 22 de Agosto de 2022). A sua mecânica paramilitar será
sucintamente relatada nas secções 3 e 4 mais adiante.
Mas é necessário
acrescentar, relativamente ao aspecto institucional ‒ por se tratar de uma
verdade factual deliberadamente omitida pelo sistema mediático dominante da
comunicação social ‒ que o golpe de Estado que derrubou Yanukovych foi
apoiado, financiado e, pelo menos em parte, comandado pelo governo dos EUA;
mais concretamente, pelo governo presidido por Barak Obama. O mesmo Obama a
quem o comité Nobel norueguês atribuiu o prémio Nobel da Paz, em 2009, «pelos seus extraordinários esforços com vista a reforçar
a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos» (sic).
O agente principal dos EUA
na Ucrânia e um dos organizadores ⎼ quiçá o principal organizador ⎼ do golpe de Estado de 22 de Fevereiro de 2014, foi a senhora Victoria
Nuland, à época secretária de Estado para os Assuntos Europeus e Euroasiáticos
do Ministério dos Negócios Estrangeiros no governo de Barak Obama e actualmente
secretária de Estado para os Assuntos Políticos do Ministério dos Negócios
Estrangeiros no governo de Joe Biden.
No dia 13 de
Dezembro de 2013, numa conferência da US Ukraine Foundation, em
Washington D.C., Victoria Nuland (a senhora que aparece na foto publicada mais
abaixo a distribuir sandes, bolos e biscoitos aos manifestantes do movimento
Euromaidan), informou que o governo dos EUA investira, desde 1991 até essa
data, 5 mil milhões de dólares no financiamento de vários indivíduos e
organizações na Ucrânia para ajudar este país a conseguir alcançar “o futuro que merece” (sic) [4].
Que futuro tinha Nuland em mente para oferecer à Ucrânia?
Vou dar a
palavra a John Mearsheimer, professor de politologia na Universidade de
Chicago, para responder a esta pergunta e descrever concisamente o que se
passou na Ucrânia de Novembro de 2013 a Março de 2015. Faço-o por quatro
razões. Mearsheimer é um dos mais reputados (1) doutrinadores da
doutrina do “realismo geopolítico” e (2)
defensores da promoção e gestão “realísticas”
dos interesses geopolíticos dos EUA como potência imperialista global; é (3)
um dos melhores conhecedores da situação na Ucrânia, e é também (4),
pelas duas razões imediatamente anteriores, insuspeito de ter simpatias
pró-Rússia ou pró-Putin. As citações seguintes foram extraídas do seu artigo, Why the Ukraine Crisis is the West Fault. The liberal delusions that provoked Putin (2014), referenciado na nota [2].
A
centelha [que deu origem aos protestos que antecederam e prepararam um terreno
favorável para o golpe de Estado de 22 de Fevereiro de 2022, N.E.] ocorreu em Novembro de 2013, quando Yanukovych rejeitou um
grande acordo económico que ele tinha estado a negociar com a União Europeia [representada,
à época, por José Manuel Barroso, N.E.] e
decidiu aceitar, em vez disso, uma contraproposta da Rússia de 15 mil milhões
de dólares. Essa decisão deu origem a manifestações antigovernamentais [que
ficaram conhecidas pelo nome de “revolta Euromaidan”
ou “revolução Euromaidan”, mas que serão aqui
denominadas, porque não foram uma coisa nem outra, “movimento
Euromaidan”, N.E.] que se intensificaram
ao longo dos três meses seguintes e que, em meados de Fevereiro, tinham levado
à morte de cerca de cem manifestantes. Emissários ocidentais foram enviados
apressadamente para Kiev para resolver a crise. Em 21 de Fevereiro, o governo e
a oposição conseguiram chegar a um acordo que permitia a Yanukovych manter-se
no poder até à realização de novas eleições. Mas o acordo desmoronou-se
imediatamente, e Yanukovych fugiu para a Rússia no dia seguinte [para
não ser linchado ou assassinado pelos golpistas, N.E.]. O novo governo [provisório] em Kiev era pró-ocidental e anti-russo até à ponta dos cabelos, e
integrava quatro membros de alto nível que poderiam legitimamente ser rotulados
como neofascistas. [N.E.= nota editorial]
Embora
a extensão total do envolvimento dos EUA ainda esteja por esclarecer [Chamo a atenção
para o facto de que Mearsheimer está a escrever em Setembro de 2014. Actualmente,
já sabemos muito mais coisas sobre o assunto, N.E.] é evidente que Washington apoiou o golpe. [Victoria] Nuland e o senador John McCain participaram em manifestações
antigovernamentais, e Geofrey Pyatt, o embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia
[que aparece também na foto mais abaixo ao lado de Victoria Nuland, N.E.], proclamou, após o derrube de Yanukovych, que era «um dia que
ficará nos livros de história». Como revelou a
gravação de uma escuta telefónica [que foi divulgada anonimamente na
Internet, N.E.] Nuland tinha defendido a
mudança de regime na Ucrânia [“mudança de regime” é o eufemismo que o
governo dos EUA usa para “golpe de Estado”, N.E.] e queria que político ucraniano Arseniy Yatsenyuk se tornasse
primeiro-ministro no novo governo [provisório],
o que veio a acontecer [5]. Não admira
que os russos, de todas as correntes políticas, achem que o Ocidente
desempenhou um papel na expulsão de Yanukovych.
|
11 de Dezembro de 2013. Praça Maidan, em Kiev, capital da Ucrânia. Victoria Nuland, secretária de Estado do ministério dos Negócios Estrangeiros dos EUA para os Assuntos Europeus e Euroasiáticos, oferece sandes, bolos e biscoitos aos manifestantes do movimento EuroMaidan. A seu lado, o embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Foto: Andrew Kravchenko/AP. |
3. A matança da praça Maidan
Há um ponto em
que é necessário corrigir o relato de Mearsheimer. É quando ele diz que as
manifestações sucessivas na praça Maidan do movimento Euromaidan culminaram, em
meados de Fevereiro de 2014 ‒ mais exactamente, nos dias 18-20 de Fevereiro de
2014 ‒ na morte de cerca de 100 manifestantes. Este número está errado. Houve
exactamente 47 mortos (incluindo 4 agentes da polícia) e 157 feridos (incluindo
várias dezenas de agentes da polícia) durante esses dias trágicos que ficaram
conhecidos como o massacre ou a matança da praça Maidan [6].
Vários estudos
minuciosos da matança da praça Maidan, da autoria de Ivan Katchanovski, da
Universidade de Otawa (Canadá), permitem concluir que essa matança não foi uma
tentativa frustada do governo de Yanukovych para reprimir os protestos do movimento Euromaidan, mas uma operação bem-sucedida de falsa bandeira. Esta
operação foi organizada e realizada de forma encoberta por elementos dirigentes
do movimento Euromaidan e grupos armados clandestinos de atiradores furtivos
emboscados em edifícios com vista para a praça Maidan e ruas adjacentes, como,
por exemplo, o Hotel Ucrânia, o Hotel Kozatsky e o Conservatório de Música [também
referido como Edifício da Orquestra Filarmónica]. Estes grupos armados actuaram
durante o movimento Euromaidan com vista a semear a morte indiscriminadamente
entre os manifestantes, atiçá-los contra a polícia (a quem foram imputadas
essas mortes) e incitá-los a tomar o poder na Ucrânia pela força das armas.
Vale a pena
insistir neste ponto, dada a sua importância para se entender que país é a
Ucrânia no pós-2014 e porque, a despeito dessa importância, é um
ponto deliberadamente omitido pelo sistema mediático dominante da comunicação
social:
— Ao contrário da narrativa oficial dos governos que vieram a seguir
ao golpe de Estado de 22 de Fevereiro de 2014 ‒ os governos de Yatsenyuk (1º.
Ministro no período imediatamente a seguir ao golpe e durante uma parte do
mandato presidencial de Poroshenko), Poroshenko e Zelensky (presidentes da
República eleitos depois do golpe de Estado) ‒ o presidente Yanukovych e o seu
governo não tiveram qualquer responsabilidade na matança da Praça Maidan. Os
atiradores furtivos que mataram e feriram manifestantes e agentes da polícia
durante os protestos do movimento Euromaidan não pertenciam às forças policiais
especiais às ordens do governo ‒ a unidade Alfa da SBU, a unidade Omega das Tropas Internas e a unidade Berkut de polícia antimotim ‒ nem aos partidos que
apoiavam então esse governo e o seu presidente.
A análise feita por
Ivan Katchanovski
no estudo referido em [6], sugeriu que organizações ultranacionalistas
e de cariz neonazi (tais como, por exemplo, o Sector Direito e a Svoboda) e organizações nacionalistas
ligadas à oligarquia económica ucraniana (tal como a facção do Partido da
Pátria de Yatsenyuk, que formou a Frente Popular após o golpe de Estado de 22
de Fevereiro de 2012), estiveram directa ou indirectamente envolvidos nessa
matança de manifestantes e agentes da polícia.
No entanto, Katchanovski
não pôde determinar a natureza específica e o grau de envolvimento de
indivíduos específicos e as identidades específicas de organizadores e
atiradores furtivos, porque o seu estudo se baseava apenas em informação
publicamente disponível e tinha como propósito examinar os aspectos político-institucionais
da matança e não o papel de indivíduos e grupos específicos nela envolvidos.
Contudo, num
outro estudo, especificamente direccionado para essas questões, o mesmo autor
concluiu que o Sector Direito e
a Svoboda
‒ duas faces da mesma formação politica, muito minoritária, eleitoralmente, mas muito activa politicamente e muito influente ideologicamente ‒ desempenharam um
papel crucial no derrube violento do governo Yanukovych, e, em particular, na
matança de manifestantes e de agentes da polícia na praça Maidan [7]. Essa
foi também a conclusão a que chegaram outros investigadores, como, por exemplo,
Tord Bjork, que compilou muitos vídeos e testemunhos sobre os acontecimentos [8].
Na verdade, como
salienta Bjork, até mesmo os dois principais jornais do sistema mediático
dominante da comunicação social, o New York Times e o Washington Post,
relataram os acontecimentos desse dia fatídico de um modo que já deixava
entrever essa conclusão. Segundo o Washington Post de 23 de Fevereiro de 2014,
a imagem geral do dia 22 de Fevereiro de 2014 foi o resultado,
de
uma sequência de acontecimentos que começou na quarta-feira ao fim da tarde com
a captura [pelos
grupos neonazis do Sector Direito e do Svoboda, N.E.] de
um arsenal do Ministério do Interior na cidade ocidental de Lviv e o transporte
dessas armas para a periferia de Kiev, a capital. Andrei Levus, chefe adjunto
das forças de “autodefesa” de Maidan, a organização guarda-chuva dos activistas
militantes que lutam contra o governo, sabia que tinha reforços a caminho. ...
a praça estava prestes a ter um aspecto diferente. Haveria mais pessoas, e elas
não ficariam com as mãos vazias. Apesar da diminuição do número de fogueiras de
aquecimento, os manifestantes decidiram agarrar-se à praça por tempo suficiente
para que ambos os lados considerassem o significado da chegada das armas à
capital. Utilizando um membro do Parlamento como intermediário, o Sr. Levus
abriu uma linha de comunicação com um membro do ministro do Interior, cujo nome
se recusou a revelar.
A história
continua com as palavras de Levus:
“Compreendemos que eles [entender, o governo,
N.E.] tinham algumas centenas de polícias
fanáticos, mas o resto da polícia não iria lutar,” ... “Vários lutadores de rua
que estavam nas barricadas no início da manhã de quinta-feira disseram que
viram polícias a abandonarem as suas posições, e que isto os encorajou. Alguns
manifestantes dispararam espingardas de caça e caçadeiras de canos serrados. As
linhas da polícia foram amassadas”. “A nossa gente tem uma motivação
ideológica, eles, pelo contrário, estão desmoralizados”, disse Levus. “Eles não
queriam esta luta. E ele [entender, Yanukovytch, N.E.] compreendeu que a nossa gente estava pronta a dar o peito
às balas”.
Com as armas
roubadas do arsenal na Ucrânia Ocidental (cerca de 1500), já tinha havido uma
mudança no equilíbrio de poder entre as forças em presença. Levus já se sente
com força suficiente para exercer pressão sobre o ministro do Interior. “Eu disse-lhe: garantiremos a segurança da polícia se os
polícias abandonarem a cidade”. Estas negociações resultaram num
cessar-fogo e com o apoio de alguns membros do Partido das Regiões de
Yanukovych, colocados sob pressão, o Parlamento votou uma moção a apoiar os
manifestantes e a exigir que a polícia desmobilizasse.
Entretanto, o
presidente Yanukovych tinha começado negociações com a oposição e com os mediadores
europeus. O New York Times continua a descrição feita pelo Washington Post
do curso dos acontecimentos do seguinte modo:
Ao
mesmo tempo, a polícia e o Parlamento prosseguiram o curso das suas próprias
deliberações/…/ Os
grupos de combate dos manifestantes dialogaram com vários comandantes de
polícia sobre a forma como os seus agentes se retirariam, em conformidade com
uma resolução anterior do Parlamento que apelava à polícia de choque para que
se retirasse. «Negociámos com os comandantes de diferentes unidades.». disse
Levus. «Eles telefonaram e pediram simplesmente que lhes fosse permitido
abandonar a cidade em segurança. Fizemos um corredor, e alguns autocarros foram
escoltados pelos nossos automóveis.»
No
final da tarde de sexta-feira, quando os diplomatas europeus saíam dos gabinetes
presidenciais após a assinatura do acordo de paz, os agentes da polícia nas
posições mais sensíveis em torno do complexo do gabinete do Sr. Yanukovych e do
edifício do Gabinete de Ministros começaram a retirar-se.
Quando
os manifestantes na Praça da Independência [= Praça Maidan] souberam dos pormenores do acordo, deixaram claro que se
tratava de um acordo nado-morto. Furiosos com o facto de o Sr. Yanukovych ter
sido autorizado a permanecer no cargo até Dezembro, a multidão entoou “Fora,
bandidos” e “Morte ao criminoso”. Volodymyr Parasiuk, um dirigente de uma das
unidades de combate [neonazis, N.E.],
subiu ao palco e anunciou que os seus homens começariam ataques armados se o
Sr. Yanukovych não se demitisse até de manhã. Ao amanhecer, grupos bem
organizados de manifestantes armados com porretes e escudos, mas não com armas
de fogo, já estavam a invadir os gabinetes do Sr. Yanukovych, o edifício do
Gabinete de Ministros (a sede do governo) e o Parlamento. Com as forças
policiais fora de combate, eles não encontraram resistência.
Esta foi a
descrição dos acontecimentos feita pelos dois jornais americanos mais
conceituados. Nenhum deles menciona a presença e a actividade dos atiradores
furtivos emboscados em edifícios no perímetro da Praça Maidan e que fizeram,
como vimos, 47 mortos e 157 feridos. Mas, mesmo assim,
Este
relato pormenorizado mostra claramente como os grupos armados de “autodefesa”
conseguiram desmoralizar o governo e a polícia, ao empenharem-se na sua causa
com o emprego da violência, incluindo o uso de espingardas e a ameaça de um
número substancial de novas armas a chegar [ao local das manifestações, N.E.]
Actualmente, isto já foi esquecido. Isto mostra
claramente que o acordo feito entre a oposição e o governo e também assinado
pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE e negociado com a ajuda do
presidente russo [Vladimir Putin] foi
anulado antes de ter sido assassinado por um golpe de Estado efectivo [9].
4. Ainda sobre os autores dos
crimes da praça Maidan
No dia 8 de
Março de 2014, Mick Eckel, correspondente da Associated Press (AP) em Kiev,
escrevia:
Um
dos maiores mistérios que pairam sobre o caos de protestos que levou o
presidente da Ucrânia a abandonar o poder [Isto é falso. Yanukovych não
abandonou o poder. Teve, isso sim, de fugir para não ser linchado ou assassinado pelos golpistas, como vimos, N.E.]: Quem estava por trás dos atiradores furtivos que
semearam a morte e o terror em Kiev?
Esse
enigma tornou-se o último ponto de inflamação em torno da Ucrânia — com o
governo recém-empossado da nação [o governo não eleito de Yatsenyuk,
N.E.] e o Kremlin a darem interpretações
muito diferentes dos acontecimentos que poderiam ou minar ou reforçar a
legitimidade dos novos governantes [10].
Depois deste
intróito, Eckel informa-nos que as autoridades judiciárias ucranianas estavam
a investigar esses crimes partindo do pressuposto hipotético de que os
atiradores furtivos responsáveis pelos assassinatos de manifestantes e agentes
da polícia seriam agentes clandestinos ao serviço do governo de Putin que
actuariam no sentido de atiçar a cólera dos manifestantes da praça Maidan contra
o governo de Yanukovych e incitá-los a fazê-lo cair pela força das armas. Em
seguida, Eckel prossegue o seu relato reportando factos que retiram qualquer verosimilhança
a esse pressuposto — o qual, aliás, qualquer observador íntegro e conhecedor da
política ucraniana qualificaria, no mínimo, como estrambólico [11].
O
Vice-Ministro do Interior Mykola Velichkovych disse à AP que os comandantes das
unidades de atiradores supervisionados pela força policial de Berkut e outras
subdivisões do Ministério do Interior negaram aos investigadores que tenham
dado ordens para disparar sobre qualquer pessoa.
Musiy,
que passou mais de dois meses a organizar unidades médicas em Maidan, disse que,
em 20 de Fevereiro, cerca de 40 civis e manifestantes foram trazidos com
ferimentos de bala fatais para o hospital improvisado montado perto da praça.
Mas ele disse que os médicos também trataram três agentes da polícia cujas
feridas eram idênticas.
As
provas forenses, em particular a semelhança dos ferimentos de bala, levaram-no
e a outros a concluir que os atiradores furtivos tinham como alvos ambos os
lados do confronto em Maidan — e que os disparos tinham como objectivo gerar
uma onda de repulsa tão forte que iria derrubar Yanukovych e também justificar
uma invasão russa [12].
A
Rússia utilizou a incerteza em torno do derramamento de sangue para
desacreditar o actual governo da Ucrânia [o governo chefiado por Yatsenyuk,
o homem escolhido por Victoria Nuland, N.E.].
Durante uma conferência de imprensa na terça-feira, Putin abordou a questão em
resposta à pergunta de um repórter, sugerindo que os atiradores furtivos “podem
ter sido provocadores dos partidos da oposição”.
|
20 de Fevereiro de 2014. Praça Maidan [Praça da Independência], Kiev, Ucrânia. Um paramédico (?) e activistas evacuam um manifestante ferido por um atirador furtivo durante as manifestações do movimento Euromaidan. Foto de Efrem Lukatsky, Associated Press. |
Essa
teoria ganhou consistência um dia mais tarde, quando uma gravação de uma
chamada telefónica privada de 26 de Fevereiro entre o Ministro dos Negócios
Estrangeiros da Estónia, Urmas Paet, e a responsável pela política externa da
União Europeia, Catherine Ashton, foi divulgada e transmitida pela rede de
televisão russa controlada pelo governo, Russia Today. No seu telefonema,
Paet disse ter ouvido de manifestantes durante uma visita a Kiev que os
opositores de Yanukovych estavam por detrás dos ataques de atiradores furtivos.
Paet
disse que outro médico que tratou as vítimas, a Dra. Olha Bogomolets, disse-lhe que tanto a polícia como os manifestantes foram mortos
pelas mesmas balas e «há agora um entendimento cada vez mais forte de que por
detrás dos atiradores não estava Yanukovych, mas alguém da nova coligação governamental».
Na
quarta-feira, Paet confirmou que a gravação era autêntica, e disse aos
repórteres em Tallinn que estava apenas a repetir o que Bogomolets lhe tinha
dito. Disse que não tinha forma de verificar as alegações, embora tenha
qualificado Bogomolets como «claramente, uma pessoa com
autoridade [para dizer o que disse, N.E.]».[13]
|
20 de Fevereiro de 2014. Praça Maidan [Praça da Independência], Kiev, Ucrânia. Um paramédico (?) aponta para o buraco de uma bala que vitimou mortalmente um manifestante atingido por um atirador furtivo durante as manifestações do movimento Euromaidan. Foto de Efrem Lukatsky, Associated Press. |
A gravação do
telefonema de Urmas Paet a Catherine Ashton está disponível no YouTube. Vale
a pena escutá-la [14].
Vale a pena
também recordar aqui o depoimento do coronel Jacques Baud:
Em
2014, estou na OTAN e estou a observar a crise ucraniana a partir de “dentro”,
por assim dizer. Ficou claro desde o início que a situação estava a ser atiçada
pelo Ocidente. Há vídeos que mostram que os golpistas estariam a ser apoiados
por homens armados que se exprimiam em Inglês com um forte sotaque americano…A
revista alemã Der Spiegel menciona a presença de mercenários da firma Academi
(ex-Blackwater, de sinistra memória no Iraque e no Afeganistão). O Bundesnachrichtendienst
(BND) aparentemente informa o governo alemão e eu informo as autoridades da
OSCE..., mas isso depressa será esquecido. A “mão” do Ocidente nesta revolução,
que foi apresentada como popular, foi habilmente mascarada como sendo a mão ⎼ imaginária ⎼ da Rússia. Ao afirmar que as
rebeliões em Donbass e na Crimeia foram o resultado da intervenção russa, ocultou-se
que o golpe [de Estado] de Kiev não foi aprovado por uma
grande parte da população [ucraniana] e que foi
também ilegítimo. Pela mesma razão, o carácter extremista dos chefes golpistas
e a legitimidade da população de língua russa foram sistematicamente
desvalorizados. Foi a repressão violenta destas populações após a abolição da
lei sobre as línguas nacionais que conduziu ao verdadeiro conflito [15].
5. O encobrimento dos crimes da
praça Maitan pelos governos de Yatsenyuk, Poroshenko e Zelensky
Os numerosos e
minuciosos estudos de Ivan Katchanovski, incluindo os dois que citei, permitiram
resolver o enigma mencionado por Mick Eckel, jornalista da AP: “Quem estava por trás dos atiradores furtivos que semearam a
morte e o terror em Kiev [em Fevereiro de 2014]”?
Resposta: foram
os principais partidos da coligação governamental chefiada por Yatsenyuk que
tomou o poder na Ucrânia depois do golpe de Estado que derrubou o presidente
eleito Yanukovych ⎼ Batkivschyna [=Partido da Pátria],
UDAR
[= Aliança Democrática Ucraniana para a Reforma] e Svoboda [= União
Pan-Ucraniana ou Liberdade] ⎼ e os seus
aliados do Pravyy Sektor [= Sector Direito], uma organização paramilitar de que o partido Svoboda é uma fachada legal.
Este é um facto
extraordinário e que só por si dá uma ideia da gigantesca operação de
encobrimento dos autores dos crimes da praça Maitan — os mesmos crimes que
serviram de pretexto para justificar a posteriori o golpe de Estado de
22 de Fevereiro de 2014. Nas palavras de Katchanovski, o melhor estudioso deste intricado assunto:
Os julgamentos e as investigações não revelaram qualquer prova de que Yanukovych ou os seus ministros e comandantes da polícia tivessem ordenado a matança dos manifestantes de Maidan.
Existem vários indícios de obstrução das investigações
do morticínio de Maidan e dos julgamentos pelos governos pró-Maidan e pelas organizações
de extrema-direita, bem como o encobrimento de muitas das principais provas do morticínio.
A investigação negou a presença de quaisquer atiradores furtivos nos edifícios
controlados pelas forças pró-Maidan, apesar das provas esmagadoras em contrário. A
investigação e o julgamento do massacre de Maidan foram obstruídos, as
acusações contra os polícias de Berkut e, posteriormente, contra dois membros
da unidade Omega [das tropas especiais internas] foram forjadas, e muitas das provas destruídas para encobrir o
envolvimento dos mandantes e atiradores furtivos neste mortcínio.
Nem
uma única pessoa foi condenada ou presa pelo morticínio de Maidan de
manifestantes e de agentes da polícia em 18-20 de Fevereiro de 2014, após quase
oito anos de investigações e seis anos de julgamentos, apesar deste caso de
violência política ser um dos casos mais bem documentados de homicídio em massa
da história e uma das violações mais significativas dos direitos humanos na
Ucrânia independente. Ninguém foi acusado de tentativa de assassinato de quase
metade dos manifestantes feridos em 20 de Fevereiro [16].
Isso continua a
ser verdade até hoje, dia 20 de Setembro de 2022, data em que estou a escrever
estas linhas.
O sistema
mediático dominante da comunicação social nunca menciona este facto. Compreende-se
porquê. Ele levantaria, só por si, muitas dúvidas sobre a proposição «A Ucrânia é uma democracia» (mesmo que o conceito de
“democracia” seja entendido segundo os padrões dominantes [antiaristotélicos ou não-aristotélicos]) — peça chave no argumentário de todos quantos
incitam Zelensky e o seu governo a recusar qualquer negociação com Putin e o
seu governo para pôr um fim imediato à invasão da Ucrânia pelas tropas russas e
à guerra que dela resultou (que já dura há mais de 6 meses), assim como uma
negociação com as Repúblicas populares de Lugansk e Donetsk para pôr um fim imediato
à guerra que as tropas ucranianas aí iniciaram há 8 anos.
Mas procedamos por
ordem cronológica com vista a uma melhor compreensão do que está em causa em
Donbass.
6. A sublevação da população russófona
de Luhansk e Donetsk
Imediatamente a
seguir ao seu golpe de Estado, em 23 de Fevereiro, os nacionalistas e ultranacionalistas
ucranianos em maioria no parlamento ucraniano revogam a lei
Kivalov-Kolesnichenko sobre as línguas oficiais da Ucrânia, entre
as quais o Russo. O então presidente do Parlamento e, nessa qualidade, presidente
interino da Ucrânia, Oleksandr Turchynov, não promulgou o diploma de revogação
da lei Kivalov-Kolesnichenko, invocando a necessidade de elaborar uma nova lei
primeiro. Seja como for, a lei Kivalov-Kolesnichenko foi declarada
inconstitucional e, para substituí-la, foi elaborado o projeto de lei 5670-d,
que seria aprovado, na generalidade, no Outono de 2018.
É este
acontecimento ‒ que já relatei no primeiro artigo desta série (cf. Quem anexou a Crimeia: foi a Rússia ou a Ucrânia? Tertúlia
Orwelliana. Arquivos do
Blogue. 4 de Agosto de 2022) ⎼ que desencadeará manifestações de protesto na população russófona dos oblasti de Luhansk (ou Lugansk) e Donetsk. E é a repressão dessas manifestações que conduzirá à sublevação dessa
população, a qual está na origem da proclamação das duas repúblicas de Lugansk
e Donetsk. Passou-se aqui algo de muito semelhante ao que se passou na Crimeia,
com esta importante diferença: Lugansk e Donetsk eram, à época, oblasti da Ucrânia, ao passo que a Crimeia era
uma república independente da Ucrânia.
Para encobrirem
a repressão que desencadeiam sob um manto diáfano de legitimidade, o novo poder
central da Ucrânia vai engendrar uma invencionice: a «invasão»
da Rússia, que seria explicada pelas «ambições
imperiais» de Vladimir Putin. A OTAN e os governos da UE e do G7 vão
imediatamente servir de retransmissores desta acusação de que o presidente
Poroshenko se fará mais tarde o principal arauto, apesar de ter sido desmentida
por membros do seu próprio regime.
Mais uma vez, o
testemunho do coronel Jacques Baud é precioso e imprescindível, porque, sem ele,
estaríamos quase completamente à mercê das mentiras orquestradas pelo regime golpista
da Ucrânia e propaladas urbi et orbi pelo sistema mediático dominante da
comunicação social.
Em
2014, eu estava na OTAN nessa altura e reparei que os relatórios que estávamos a
receber da Polónia não correspondiam às informações da OSCE [Organização de
Segurança e Cooperação Europeia, que tem uma missão de observadores permanentes
na Ucrânia, N.E.] Era óbvio que estavam a
tentar exagerar os acontecimentos e dar-lhes uma dimensão internacional. Mas
mesmo no seio da OTAN, eu sou “apenas” um suíço e, portanto, tecnicamente, um “parceiro”
e não um “aliado”: os meus avisos são educadamente descartados a favor de um
discurso mais musculado.
A
sede principal do Quartel-General da OTAN publica uma fotografia de satélite de
quatro peças de artilharia na Ucrânia, alegando que se trata de uma unidade
russa. Para além do facto de a doutrina
militar russa não permitir a utilização de baterias isoladas em território
inimigo, a verificação cruzada mostra que se trata, de facto, do batalhão
rebelde “KALMIUS”, formado a partir de uma unidade ucraniana de língua russa que
se tinha passado para o lado autonomista. Obviamente, a mudança de unidades
inteiras do exército ucraniano para o lado rebelde contradiz a ideia de que a
revolução de Maidan é popular.... Além disso, desde Agosto de 2014, parece que
a OTAN não encontrou outras fotos para publicar!...
Em
Maio de 2014, a repressão armada dos protestos levou a população de algumas
áreas das regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk a realizar referendos para
adoptar a Lei de Autodeterminação da República Popular de Donetsk (aprovada
por 89% [dos cidadãos residentes nesse oblast, N.E.]) e a Lei de Autodeterminação da República Popular de
Lugansk (aprovada por 96% [dos
cidadãos residentes nesse oblast, N.E.]).
Os órgãos mediáticos públicos da comunicação social, France 24 e RadioTélévision
Suisse, falam de referendos de “independência”, mas isso não é verdade: são
referendos de “autodeterminação” ou “autonomia” (самостоятельность). Depois
disso, aqueles que procuram deitar gasolina para cima de um incêndio
continuarão a falar de “separatistas” e “repúblicas separatistas”. Isto é
desinformação destinada a enganar a opinião pública [17].
|
22 de Janeiro de 2015. Donetsk, Ucrânia. Membros das milícias armadas da República Popular de Donetsk são conduzidos num carro de combate (vulgo, tanque de guerra) nos arrabaldes da cidade de Donetsk. Foto de Alexander Ermochenko, Reuters. |
7. As mentiras do Parlamento
Europeu, de Poroshenko e da OTAN
No seguimento dos referendos e depois da grande ofensiva das tropas ucranianas de que darei conta mais adiante, as duas Repúblicas, de Luhansk e Donetsk, pediram ao presidente
russo, Vladimir Putin, para serem integradas na Federação Russa. Mas ele não
acedeu a esse pedido, nem nessa altura nem nos 7 anos seguintes, até Fevereiro de 2022.
Isso não
impediu, porém, o Parlamento Europeu de aprovar, em Setembro de 2014, uma
resolução onde se afirma que houve «uma intervenção
militar directa» da Rússia, «violações do
cessar-fogo, principalmente pelas tropas russas regulares» e que a
Rússia «reforçou a sua presença militar em território
ucraniano».
Recorramos de novo
a testemunho do coronel Baud.
É
evidentemente falso: as alegações vêm dos serviços de informação polacos, mas
nunca foram confirmados pelos observadores da OSCE. Como é frequentemente o
caso, o Parlamento Europeu acusa, e chega mesmo a decretar sanções, sem
quaisquer factos para sustentar as suas acusações. Lá se vai o Estado de
direito! A 29 de Janeiro de 2015, o General Viktor Mouzhenko, chefe do
Estado-Maior General ucraniano, reconheceu que não havia tropas russas em solo
ucraniano e que só tinham sido observados combatentes russos individuais. A sua afirmação foi confirmada em Outubro de
2015 pelo General Vasyl Hrytsak, chefe do Serviço de Segurança (SBU), que
declarou que desde o início dos combates na Ucrânia oriental, apenas 56
militares russos tinham sido observados [18].
Outra acusação
frequente é a de que o governo russo teria abastecido os rebeldes autonomistas
russófonos de Lugansk e Donetsk com armamento de vários tipos. Mas também aqui a
falsidade desta acusação foi revelada pelo coronel Jacques Baud.
Eu
era, na altura, chefe da unidade de proliferação de armas ligeiras da OTAN, e
estava a vigiar o surgimento de novas armas nas fileiras dos rebeldes para
determinar se a Rússia as estaria a fornecer. De facto, os rebeldes tinham na
sua posse algumas armas que nunca fizeram parte do arsenal do exército
ucraniano. Isso foi o suficiente para alimentar a acusação de intervenção russa....
Salvo que as armas em questão tinham, de facto, feito parte do arsenal do Serviço
de Segurança Ucraniano [conhecido pela sigla SBU, N.E.] cujos agentes tinham passado para o lado dos rebeldes!
Quanto
ao armamento pesado, constatei que as peças de armamento observadas podiam ser
sistematicamente associadas ao desaparecimento de uma unidade do exército
ucraniano. Portanto, não havia nada que confirmasse o apoio logístico da Rússia
nessa fase [19].
Em Junho de
2015, numa entrevista ao Corriero della Sera, Petro Poroshenko, o
primeiro presidente da Ucrânia eleito depois do golpe de Estado de 2014, afirmou
que a Rússia tinha enviado 200 mil soldados para a Ucrânia. Mais tarde, em Setembro,
perante a Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, afirmou:
Somos
forçados a combater as tropas treinadas e armadas da Federação Russa. Armas
pesadas e equipamento militar estão concentrados nos territórios ocupados em tais
quantidades tais que os exércitos da maioria dos Estados membros da ONU só em
sonhos os poderiam possuir.
São ambas
mentiras descaradas, como sabem bem aqueles que, no terreno, estavam a par da
situação pelas funções que desempenhavam, como era o caso do coronel Jacques
Baud.
Na
realidade, não foi observado absolutamente nada. Além disso, se existissem 75
formações militares russas na Ucrânia, como foi declarado na Assembleia
Parlamentar da OTAN em Istambul, em 19 de Novembro de 2016, teriam de ter sido
observadas 464 colunas logísticas para apoiar operacionalmente essas unidades e
bases para as tropas. Ora, os satélites de observação americanos não detectaram
nada…. Em 2018, Alexander Hug, chefe adjunto da missão de monitorização da
OSCE, admitiu à revista Foreign Policy que a OSCE não tinha feito
quaisquer observações confirmando a presença de tropas russas na Ucrânia [20].
Ainda hoje, a
retórica oficial da União Europeia, dos EUA e do OTAN considera que a Rússia
foi um interveniente principal no conflito de Donbass de Fevereiro de 2014 a
Fevereiro de 2022. Como se trata de uma falsidade de todo o tamanho, isso só
pode ser explicado racionalmente, sugere Jacques Baud, pela obsessão de ver nesse
conflito uma intervenção directa de Vladimir Putin. Este, qual Joker maléfico (diria Michel Eltchaninoff, um filósofo
mais entusiasta do Batman do que da
verdade [21]), teria tido a habilidade de convencer a França e
a Alemanha a negociar com ele os Acordos de Minsk. Numa reportagem de Caroline
Roux de 17 de Outubro de 2021, ficámos até a saber que o presidente François
Hollande negociou esses acordos convencido de que as tropas russas estavam em
Donbass, o que já se sabia ser falso à época [22].
8. Os acordos de Minsk foram
feitos para vincular a Ucrânia a respeitar a autonomia local dos oblasts
de Donetsk e Luhansk
Nem o Acordo de
Minsk I (5 e 19 de Setembro de 2014), nem o Acordo de Minsk II (12 de Fevereiro
de 2015) têm a Rússia como parte territorialmente envolvida. As partes
territorialmente envolvidas no Acordo são a Ucrânia e as repúblicas populares
de Donetsk e Luhansk, eufemisticamente identificadas nos acordos de Minsk como «certas áreas das regiões de Donetsk e Luhansk.»
Minsk I é um
acordo de princípio entre a Ucrânia e «representantes
de certas áreas das regiões de Donetsk e Luhansk» que foi patrocinado pela OSCE e a
Federação Russa. Por seu turno, Minsk II diz respeito às modalidades de aplicação
do Acordo de Minsk I. O acordo de Minsk II foi objecto, em 12 de Fevereiro de
2015, de uma declaração conjunta de apoio por parte da chanceler da Alemanha
(Angela Merkel), do presidente de França (François Hollande) e do presidente da
Federação Russa (Vladimir Putin). Através dessa Declaração, estes países ofereceram-se
como garantes (fiadores) dos Acordos de Minsk ⎼ a Alemanha e a França por terem a confiança da Ucrânia; a Rússia por ter a
confiança das Repúblicas de Donetsk e Luhansk ⎼ através de um esquema quadripartido (França, Alemanha, Rússia, Ucrânia) de
contacto e discussão denominado “formato de Normandia”
(por ter sido acordado durante as cerimónias de comemoração do desembarque das
tropas americanas, canadianas e britânicas na Normandia, durante a 2ª. Guerra
Mundial). Por último, mas não menos importante, o Acordo de Minsk II foi
adoptado por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (a resolução 2022)
em 17 de Fevereiro de 2015 [23].
|
Minsk, 12 de Fevereiro de 2015, depois da assinatura do Acordo de Minsk II. Da esquerda para a direita: Lukashenko (presidente da Biolorússia), Putin (presidente da Rússia), Merkel (chanceler da Alemanha), Hollande (presidente da França). Poroshenko (presidente da Ucrânia). Foto de Maxim Malinovsky. AFP/Getty Images. |
Ao contrário do
que nos querem fazer crer os dirigentes da UE, dos EUA e da OTAN, em colusão
com o sistema mediático dominante da comunicação social, os acordos de Minsk
não foram celebrados para vincular o governo da Rússia a respeitar a
integridade territorial da Ucrânia, mas para vincular o governo da Ucrânia a
respeitar os direitos dos seus cidadãos russófonos da região de Donbass. Na
verdade, os acordos de Minsk foram feitos essencialmente para garantir:
— A elaboração
uma reforma constitucional na Ucrânia e a entrada em vigor, até ao final de
2015, de uma nova constituição, cujo elemento essencial será a
descentralização, tendo em conta as especificidades de certas zonas das regiões
de Donetsk e Luhansk, a definir de acordo com os seus representantes, e a
adopção, antes do final de 2015, de legislação permanente relativa ao estatuto
especial de certas áreas das regiões de Donetsk e Luhansk, em conformidade com
as medidas enunciadas na nota abaixo [artigo 11 do Acordo de Minsk II].
— Com base na lei relativa às modalidades temporárias do
exercício da autonomia local em certas zonas das regiões de Donetsk e Lugansk,
as questões relacionadas com as eleições locais serão objecto de uma discussão
e de um acordo com os representantes de certas zonas das regiões de Donetsk e
Lugansk no quadro do Grupo de Contacto Trilateral. As eleições serão realizadas
no respeito das normas pertinentes da OSCE e monitorizadas pelo Gabinete das
instituições democráticas e dos direitos humanos da OSCE [artigo 12 do Acordo de Minsk II]
A Rússia
desempenhou apenas um papel de garante e facilitador neste Acordo junto das
repúblicas populares de Donetsk e Luhanks, porque a Ucrânia recusava-se a falar
com os representantes destas repúblicas.
A mentira e a desinformação
também se escondem por detrás do vocabulário utilizado. Os rebeldes autonomistas
russófonos de Donbass são amiúde descritos como “independentistas”
ou como “separatistas” pelos “especialistas” chamados a comentar a actualidade
política nas estações de rádio e televisão — o que é falso, relativamente a uma grande parte do período considerado (Março de 2014-Janeiro de 2022). Na estação de
televisão France 5, o próprio François Hollande utilizou o termo “separatistas”, o que demonstra a sua falta de
integridade, uma vez que foi um dos garantes dos Acordos de Minsk II.
É falso porque, sobretudo numa primeira fase (Março de 2014-Fevereiro de 2015), os falantes nativos de russo de Donbass apenas procuravam uma forma de
autonomia que lhes permitisse utilizarem a sua língua nativa e desfrutarem das
suas tradições etnoculturais sem entraves. Tal como se afirma nos Acordos de
Minsk, não se trata de “separar” as Repúblicas
de Donetsk e Luhansk da Ucrânia, que são aí definidas como “partes do território da Ucrânia.” Por conseguinte, a aplicação
destes acordos baseava-se exclusivamente em negociações entre o governo de Kiev
e “representantes de certas áreas das regiões de
Donetsk e Luhansk” (artigos 9.º, 11.º e 12.º).
Pormenor
importante que merece ser salientado: no texto dos Acordos de Minsk o topónimo Luhansk está ortografado em Ucraniano e não em Russo
(Lugansk), o que significa que os signatários
dos Acordos situavam esses territórios na Ucrânia, e não na Federação Russa, e
que estava fora de questão separá-los da Ucrânia [24].
9. Os acordos de Minsk foram
espezinhados pelos governos ucranianos
As negociações
que conduziram aos Acordos de Minsk tiveram lugar em Genebra, Suíça, em Abril
de 2014. Mas, logo a seguir, a Ucrânia rejeitou estes acordos e entrou
directamente numa ofensiva em grande escala — a chamada Operação Antiterrorista
(OA) contra as forças autonomistas rebeldes de Donetsk e Luhansk. A OA fez
descarrilar completamente os acordos de Minsk I assinados em Setembro de 2014.
Apoiado e aconselhado por oficiais da OTAN, o exército ucraniano sofreu uma
derrota esmagadora em Debaltsevo, em Fevereiro de 2015. É isto que levará a
Ucrânia a comprometer-se com os Acordos de Minsk II, que ratificam a natureza interna
do conflito em Donbass.
Do Acordo de
Minsk I ao Acordo de Minsk II só a posição russa e a dos autonomistas russófonos
de Donbass é que se mantêm inalteradas: os Acordos são para se cumprir. Mas
também o Acordo de Minsk II vai ficar letra morta, tal como o Acordo de Minsk I.
A partir de 2014,
o governo ucraniano suspende toda a ajuda económica, todo o financiamento (para
a reconstrução de cidades e infraestruturas, a restauração de serviços públicos essenciais, etc.),
todos os pagamentos de salários, pensões e prestações sociais (subsídios, etc.) e proíbe
todas as actividades bancárias nas áreas autónomas de Donetsk e Luhansk. É por
isso que o Acordo de Minsk II prevê que o governo ucraniano restabeleça esses
serviços (artigo 8.º) com a ajuda de Paris e Berlim. Dado, porém, que o governo
ucraniano se recusa a falar com os representantes dos autonomistas russófonos
de Donbass e que nem a França nem a Alemanha desempenham o papel que lhes cabe de
incentivar a Ucrânia a cumprir as suas obrigações, nada foi feito nesse sentido.
O Acordo de Minsk II previa, como vimos, uma nova Constituição ucraniana,
que consagrasse a descentralização do país, a autonomia de Donetsk e Luhansk e
o direito à “autodeterminação linguística” dessas regiões (incluindo-se, nestes
dois conceitos, a nomeação de procuradores e juízes russófonos nessas regiões),
sem prejuízo da cooperação entre regiões. Estava ainda prevista a realização, a
breve trecho, de eleições locais para o poder autonómico. Em contrapartida, a
Ucrânia retomaria o controlo da fronteira com a Rússia. Mas o
governo ucraniano não cumpriu esse acordo.
A
assinatura dos Acordos de Minsk por P. Poroshenko em 2015, é considerada pelos
nacionalistas como uma
“manobra táctica” bem-sucedida e nada mais. O famoso oligarca ucraniano e antigo
parceiro de negócios de Zelensky, I. Kolomoisky, disse: «A assinatura destes acordos foi um truque táctico — o exército ucraniano sofreu severas derrotas perante
as milícias [de Lugansk e
Donetsk], e Poroshenko teve de evitar uma
derrota final» [25].
De facto, como já tive ocasião de o dizer num artigo anterior desta série (As guerras na Ucrânia eram evitáveis: os acordos de Minsk (2015) e as propostas de tratados da Rússia (2021). Em Tertúlia Orwelliana. Arquivo do Blogue. 4
de Agosto de 2022), para o presidente Poroshenko esses acordos eram apenas um
meio de ganhar tempo, até as Forças Armadas da Ucrânia se poderem rearmar e
treinar com a ajuda da OTAN e estarem em condições de reconquistar o território
ocupado pelas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk. Para que não ficassem
dúvidas sobre o destino que esperava a população russófona de Donbass caso as
tropas ucranianas levassem a melhor, Poroshenko declarou em 2014:
Teremos trabalho,
eles não terão! Teremos pensões, eles não terão! Teremos subsídios para os
reformados e para as crianças, eles não terão! As nossas crianças irão para a
escola e para o infantário, as deles permanecerão nas caves das casas! [onde terão de se refugiar dos nossos constantes bombardeamentos, N.E.] Porque
eles não podem fazer nada! E é assim, precisamente assim, que
vamos ganhar esta guerra! [26]
Como a política
tem horror do vazio, o governo russo tomará medidas económicas e financeiras de
socorro das populações das Repúblicas de Donetsk e Luhansk. No dia 15 de
Dezembro de 2015, criou a “Comissão interministerial
para o fornecimento de ajuda humanitária às zonas afectadas no Sudeste [da Ucrânia]: as
regiões de Donetsk e Luhansk.” Deste modo, serão as empresas e os bancos
russos que passarão, progressivamente, a assegurar os serviços que o governo
ucraniano se recusa a assegurar. Acresce que os trabalhadores da administração pública, os pensionistas e as pessoas
necessitadas ficaram sem os salários, as pensões e os subsídios que recebiam do erário público e da Segurança
Social ucranianos. É por isso que, em Abril de 2019, o presidente russo Vladimir
Putin assina um decreto que autoriza a aquisição de passaportes russos aos
residentes de Donbass, o que lhe dá direito a receberem salários, pensões e prestações sociais da
Rússia.
10. Poroshenko e Zelensky, agora desavindos, são farinha
do mesmo saco
O presidente ucraniano
Volodymyr Zelensky foi eleito, em Abril de 2019, com um programa político que
incluía, como um dos seus pontos principais, acabar com a guerra em Donbass por meios diplomáticos. Foi, aliás, essa uma das razões principais do
seu êxito eleitoral. Zelensky, no seu discurso inaugural de Maio de 2019, afirmou
ter como sua prioridade a instauração da paz em Donbass. Reafirmou essa
prioridade em Setembro desse ano, quando convidou, via YouTube, Putin
e governantes de outros países para um diálogo. Disse ele:
Agora quero dirigir-me
ao Presidente russo Vladimir Putin. Precisamos de falar? Precisamos. Façamo-lo.
/…/ Vamos
discutir a quem pertence a Crimeia e quem não está na região de Donbass. /…/ Sugiro
o seguinte alinhamento para conversações: eu, o senhor, o Presidente dos EUA,
Donald Trump, a Primeira-Ministra britânica Theresa May, a Chanceler alemã
Angela Merkel, e o Presidente francês Emmanuel Macron [27] [ênfase acrescentado por mim, JCS]
A proposta não poderia ser mais ardilosa.
A Crimeia pertence à Federação Russa desde 2014, por vontade própria dos
Crimeus democraticamente expressa através de um referendo (ver o meu artigo
anterior, Quem anexou a Crimeia: foi a Rússia ou a Ucrânia? Em Tertúlia
Orwelliana. Arquivos do Blogue. 22 de Agosto de 2022). A única coisa
sensata que se poderia esperar da Ucrânia ⎼ em 2019, como agora, em 2022 ⎼ é que reconheça esse facto de uma vez por todas. E como interpretar a enigmática
frase: “vamos discutir quem não está na região de Donbass”? Suponho que Zelenky pretendia insinuar que o seu antecessor, Poroshenko, estaria
a falar verdade quando afirmou que Rússia tinha enviado 200 mil soldados para
Donbass em 2015. Mas já vimos que essa foi uma mentira que faria o nariz de
Poroshenko (ou o nariz de Zelensky) crescer 2 quilómetros (1 centímetro por
soldado), se fôssem o Pinóquio do romance de Carlo Collodi.
|
E se o nariz dos governantes crescesse uns centímetros de cada vez que mentissem, como acontecia com o Pinóquio, no romance As Aventuras de Pinóquio (1883) de Carlo Collodi? Foto de Siphotography. Depositphotos. |
Quanto à ideia de Zelensky de associar
Trump e Theresa May a Merkel e Macron numa discussão para resolver o conflito em
Donbass, tratava-se, manifestamente, de um expediente para não cumprir, uma vez
mais, os Acordos de Minsk e para absolver Merkel e Macron das responsabilidades que lhes cabem (em nome da Alemanha e da França) no seu
incumprimento — como garantes oficiais do acordo de Minsk II desde a sua
assinatura.
Uma prova disso (entre muitas
outras) foi a atitude de Zelensky relativamente ao seu predecessor, Poroshenko, e
depois seu principal opositor político. Em 2015-2016, a Ucrânia ainda
comprava carvão às repúblicas autónomas de Luhansk e Donetsk. Porém, em 2017, o
governo ucraniano fechou as fronteiras e proibiu o comércio com essas
repúblicas, empurrando a população de Donbass para o comércio de bens com a
Rússia. Isto levou Vladimir Putin, em 15 de Novembro de 2021, a emitir um
decreto que aboliu temporariamente (até à resolução do conflito entre o governo
ucraniano e as «regiões de Donetsk e Luhansk da
Ucrânia com base nos acordos de Minsk») os direitos aduaneiros sobre
certos produtos transacionados com essas regiões.
Regressemos agora à relação entre Zelensky,
Poroshenko e estes desenvolvimentos. Convém saber que Poroshenko, apesar do seu
ódio manifesto às populações russófonas de Donbass, tinha acabado por autorizar
o comércio de carvão com as repúblicas autonomistas de Donbass para permitir à
população ucraniana manter-se quente e à economia fabril manter-se em
funcionamento, depois de ter reconhecido quão estúpida e contraproducente era
essa proibição. Mas esse foi um dos motivos, imagine-se, pelos quais foi
acusado de “traição” e de “apoio ao terrorismo” no início de 2022 em
consequência de uma investigação criminal iniciada a pedido…do seu sucessor: o Presidente
Zelensky!
Os procuradores do Ministério
Público da Ucrânia acusaram o ex-presidente Poroshenko de 120 infracções civis
e criminais ⎼ incluindo as já referidas acusações
de traição e apoio ao terrorismo por ter autorizado a compra de carvão das
minas de Donbass situadas no território das repúblicas populares de Luhansk e
Donetsk para uso doméstico e para uso das fábricas situadas no território
ucraniano controlado pelo governo.
Se Poroshenko for considerado
culpado dessas acusações, elas podem valer-lhe 15 anos de prisão. Os
procuradores do Ministério Publico pediram também que Poroshenko fosse imediatamente
detido e preso com base nessas acusações, enquanto aguardasse julgamento, a
menos que pagasse uma caução de mil milhões de grívnias — o equivalente a cerca
de 35 milhões de euros, à cotação vigente na altura. Seria a desforra de Zelensky pela acusação de corrupção que Poroshenko lhe fez durante as últimas eleições presidenciais e que os Pandora Papers confirmaram [28].
Em 19 de Janeiro de 2022, um
tribunal de Kiev, após dois dias de sessões de trabalho, decidiu que Poroshenko
poderia aguardar julgamento em liberdade e sem pagar qualquer caução [29].
Em 22 de Fevereiro de 2022, as tropas russas invadiam a Ucrânia. Por essa
razão, o conflito entre Zelensky e Poroshenko foi posto em banho-maria invertido, em nome
da luta comum contra o invasor russo.
Seja como for, a verdade é que, em
2021, Zelensky já tinha abandonado completamente o seu programa no que respeita
às promessas de acabar com a guerra em Donbass por meios diplomáticos e
encontrar um modus vivendi pacífico com a Rússia —. o que implicaria, necessariamente, abdicar da intenção de aderir à OTAN (que está inscrita na Constituição da Ucrânia) e recusar o fabrico (ou a instalação no seu território pelos EUA ou por outras potências nucleares da OTAN) de qualquer arsenal nuclear, optando por um estatuto de neutralidade semelhante, por exemplo, ao da Áustria. Em 2021 o seu programa
político já era outro, diametralmente oposto: acelerar a entrada da Ucrânia na
OTAN; expandir, rearmar e continuar a treinar as Forças Armadas da Ucrânia sob
a égide e o comando da OTAN; reconstituir o arsenal nuclear da Ucrânia de que
esta tinha voluntariamente abdicado em 1994 (Acordos de Budapeste), preparar-se
para uma guerra prolongada com a Rússia.
Como descrevi pormenorizadamente
estas várias facetas da política de Zelensky noutro lugar [30],
para ele remeto os leitores interessados. O que
cumpre aqui realçar é que a guerra em Donbass entre as tropas ucranianas e as
milícias armadas das repúblicas populares de Luhansk e Donetsk prosseguiu ininterruptamente
com Zelensky, tal como tinha prosseguido ininterruptamente com Yatsenyuk (o 1º. Ministro saído do golpe de Estado de 2014)
e Poroshenko (o
presidente eleito após o golpe de Estado de 2014). Essa guerra já ia no seu 8.º
ano quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de Fevereiro último.
É por isso que as
vítimas dessa guerra são tão numerosas, sobretudo do lado das repúblicas
russófonas de Donetsk e Luhansk/Lugansk. Entre 14 de Abril de 2014 e 31 de
Dezembro de 2021,
O OHCHR [Office of the High Commissioner for Human
Rights da ONU] estima
o número total de baixas relacionadas com o conflito na Ucrânia /…/ em 51.000-54.000:
14.200-14.400 mortos (pelo menos 3.404 civis, 4.400 elementos das tropas
ucranianas e 6.500 membros de grupos armados [entenda-se, membros das milícias populares de autodefesa da república popular de Donetsk (RPD) e da república popular de Luhansk (RPL), N.E.], e 37.000-39.000 feridos
(7.000-9.000 civis, 13.800-14.200 elementos das tropas ucranianas, e
15.800-16.200 membros de grupos armados [entenda-se, membros das milícias populares de autodefesa da república popular de Donetsk (RPD) e da república popular de Luhansk (RPL), N.E.]) [31]
Mais de 80% das vítimas civis até 31 de
Dezembro de 2021 resultaram dos bombardeamentos das tropas ucranianas aos
territórios das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk [32]. Mas esse facto
raramente ou nunca é mencionado pelo sistema mediático dominante da comunicação
social ou pelos numerosos comentadores ao seu serviço.
11. Conclusão
Tendo em conta tudo o que ficou dito nas secções
anteriores, eis então, em resumo, o que qualquer observador íntegro e bem informado
está habilitado a afirmar sem receio de ser contraditado:
― É verdade que a Rússia teve uma intervenção marcante
durante uma grande parte dos primeiros 8 anos (Setembro de 2014‒Fevereiro de 2022) do conflito armado entre o
governo ucraniano e as populações russófonas da região de Donbass. Mas é
mentira que essa intervenção tenha sido com tropas no terreno. Ela foi, durante esse período, primordialmente política e, atendendo às circunstâncias, consistentemente construtiva
e morigeradora.
― É verdade que, em Maio de 2014,
houve referendos nos oblasti de Luhansk/ Lugansk e Donetsk em Donbass.
Mas é mentira que esses referendos fôssem referendos destinados a proclamar a
secessão (a separação) e a independência da sua população russófona relativamente
à Ucrânia. Esses referendos visavam conquistar um estatuto de autonomia regional
desses territórios semelhante, por exemplo, ao dos arquipélagos da Madeira e
dos Açores relativamente a Portugal continental. A vontade de secessão e o
desejo de independência só se desenvolveram ulteriormente, como reacção antagonista
às medidas culturais repressivas, ao boicote económico e à guerra que os
governos ucranianos desencadearam para esmagar as aspirações autonómicas da
população russófona de Donbass.
― É verdade que os acordos de Minsk
(2014-2015) foram feitos para solucionar um
conflito armado na Ucrânia, localizado na região de Donbass. Mas é mentira que
esse conflito opusesse a Ucrânia e a Rússia. O conflito armado em Donbass
opunha exclusivamente os governos ucranianos (e as suas tropas) às populações
russófonas dessa região que se sublevaram contra a opressão a que estavam
sujeitas pelos órgãos do poder político ucraniano oriundos do golpe de Estado
de 2014.
― É
verdade que os acordos de Minsk (Minsk I e Minsk II) de 2014 e 2015 nunca foram
respeitados e acabaram por ir por água abaixo. Mas é mentira que a
responsabilidade desse malogro seja imputável a Putin e ao governo russo. Ela cabe
por inteiro aos governos ucranianos do primeiro-ministro Yatsenyuk e dos presidentes Poroshenko e Zelensky.
É plausível admitir que esse malogro não teria possível sem a complacência dos principais
garantes desses acordos, os governos francês e alemão, que fizeram vista grossa
sobre as prevaricações dos governos ucranianos relativamente aos Acordos de
Minsk.
..........................................................................................
NB . Este é o 3º. artigo da série Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia! [a série continua].
...........................................................................................................
Notas e referências bibliográficas
[1] Este não é o
único objectivo militar de Zelensky e do seu governo. Há mais dois, todos eles
interligados. Regressarei a este assunto em melhor oportunidade. Tenciono também
abordar, numa próxima oportunidade, os objectivos militares de Putin e do seu
governo, que, tal como os do Zelensky, se foram modificando ao longo dos 7
meses que já leva a segunda guerra na Ucrânia (a que começou com a invasão da Ucrânia
pelas tropas russas, em 24 de Fevereiro de 2022).
[2] Os autores a seguir indicados, com pontos de vista muito diferentes,
coincidem todos num aspecto: a destituição inconstitucional, pelo parlamento
ucraniano, do presidente eleito Viktor Yanukovych, em 22 de Fevereiro de 2014,
seguida pela formação de um governo provisório ⎼ que integrava forças neonazis
eleitoralmente minoritárias na Ucrânia a nível nacional, mas bem implantadas
nos conselhos municipais das regiões ocidental e central da Ucrânia (como a Svoboda [Свобода], “União Pan-Ucraniana ou
Liberdade”) de Oleg Tyahnyb, herdeiro ideológico de Stepan Bandera, o
ultranacionalista pró-nazi das décadas de 1930-1940) ⎼ configura um
golpe de Estado. Ver Branko Marcetic, “Como uma insurreição na Ucrânia apoiada
pelos EUA nos trouxe à beira da guerra”, Jacobin, 14/02/2022; Fred S. L.
Campos et al., “O ocidente como responsável pelas crises da Ucrânia e da
Geórgia”, Rev. Bras. Est. Def. v. 5, n.º 2, jul./dez. 2018; Ted Galen
Carpenter, “America’s Ukraine Hypocrisy”. Cato Institute, August 6, 2017; Volodymyr Ishchenko, “Far
right participation in the Ukrainian Maidan protests: an attempt of systematic
estimation”. European Politics and Society, March 2016; Alan Mackinnon,
“New Menace for Russia? NATO is the real threat”. Campaign for Nuclear
Disarmament Briefing, May 2015; Sergei Plekhanov, “Assisted Suicide:
Internal and External Causes of the Ukrainian Crisis” (In: Black, Joseph; and
Michael Johns. The Return of the Cold War: Ukraine, the West and Russia. Nova
York: Routledge. 2015); Olivier Berruyer, “Ukraine et Euromaïdan (4) – Les
puissances occidentales soutiennent un coup d’État en Ukraine”. Les-Crises.fr.
9 Mars 2014; Olivier Berruyer, “Ukraine et Euromaïdan (5) — Quand Washington
s’emmêle…”. Les-Crises.fr.10 Mars 2014; Olivier Berruyer, “Ukraine et
Euromaïdan (6) — Le Coup d’État”. Les-Crises.fr. 11 Mars 2014; Olivier
Berruyer, “Ukraine: La face cachée de l’Euromaïdan (Synthèse)”. Les-Crises.fr.
21 Juillet 2014; John Mearsheimer, “Why the Ukraine Crisis is the West’s Fault:
The Liberal Delusions that Provoked Putin”. Foreign Affairs.
September/October 2014; Ivan Katchanovski, “The
Far Right in Ukraine During the “Euromaidan” and the War in Donbas.” Paper prepared for
presentation at the Annual Meeting of the American Political Science
Association in Philadelphia, September 1-4, 2016; Eric Zuess, “How and Why the US government perpetrated the 2014 coup in Ukraine.” Modern Diplomacy. June 4, 2018.
[3] Interfax-Ukaine,
“Over 3,000 international observers registered for Ukrainian presidential
election”. Kyiv
Post, 11 de janeiro de 2010. «Observadores da Organização
para a Segurança de Cooperação na Europa (OSCE) disseram que não há indicações
de fraudes graves e descreveram a votação [para a eleição do presidente da república da Ucrânia
em 2010, N.E.] como “uma impressionante
manifestação de democracia”. “Para todos na Ucrânia esta eleição foi uma
vitória”, disse João Soares, o presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE» (“Yanukovych set to become
president as observers say Ukraine election was fair”. The Guardian, 8
de Fevereiro de 2010). A OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na
Europa) é a maior organização regional de segurança do mundo, abrangendo todos
os Estados europeus, a Federação Russa, os países da Ásia Central, a Mongólia,
os Estados Unidos da América e o Canadá, num total de 57 membros, existindo
ainda 13 “parceiros para a cooperação” da Ásia e do Mediterrâneo. A
OSCE tem a sua sede em Viena.
[4] Victoria
Nuland, “Remarks at the U.S.-Ukraine Foundation Conference”, US Department
of State, https://2009-2017 (state.gov/p/eur/rls/rm/2013/dec/218804.htm).
[5] A transcrição dessa conversa telefónica foi publicada pela BBC (“Ukraine
crisis: Transcript of leaked Nuland-Pyatt call.” BBC News, 7 February
2014). A parte mais picante da conversa ‒ durante a qual Victoria Nuland diz ao
embaixador Pyatt que “Yats” (entender, Arseny
Yatsenyuk) é a pessoa indicada para ocupar o lugar de primeiro-ministro no governo provisório saído do golpe de Estado ‒ é
quando Victoria Nuland diz, no seu estilo desbocado: «Assim,
isso seria óptimo [Nuland refere-se à intervenção de Robert Serry, um
diplomata holandês então ao serviço da ONU, e ao secretário-geral da ONU, à
época Ban Kimoon, N.E.], penso eu, para ajudar
a colar esta coisa e para que a ONU a ajude a colar e, bem entendido, que se f…
a União Europeia [“Fuck the EU,” no original].
[6] Estes
números foram extraídos do artigo “The Maidan Massacre in Ukraine: Revelations
from Trials and Investigations,” de Ivan Katchanovski (Paper presented at the
virtual 10th World Congress of the International Council for Central and
East European Studies, Concordia University, Montreal, August 3-8, 2021. In SSRN Electronic Journal, August 2021). Salvo melhor informação, este
é o estudo disponível que apresenta o exame mais exaustivo sobre as causas
contribuintes dos assassinados e feridos durante as manifestações do movimento Euromaidan.
[7] Cf. Ivan Katchanovski,
“The far right, the Euromaidan, and the Maidan massacre in Ukraine.” Journal
of Labor and Society 23(1):5-29, March 2020. Outros estudos abonam no
mesmo sentido. Ver, por exemplo, Moniz Bandeira (2019), The World Disorder: US Hegemony, Proxy Wars, Terrorism and Humanitarian Catastrophes. Cham: Springer; Stephen F. Cohen (2018). War with Russia: From Putin & Ukraine to Trump & Russiagate. New York: Hot Books; Gordon M. Hahn (2018), Ukraine Over the Edge: Russia, the West and the “New Cold War,” Jefferson, NC: McFarland Books ; D.Lane (2016), “The International Context: Russia, Ukraine and the Drift to East-West Confrontation.” International Critical Thought, 6 (4), 623-644.Lane; David Mandel (2016). “The conflict in Ukraine,” Journal of Contemporary Central and Eastern Europe, 24 (1), 83-88; Richard Sakwa (2015), Frontline Ukraine: Crisis in the Borderlands. London: I.B. TaurisSakwa.
[8] Tord Bjork,
“What happened in Maidan Square” 2014.
(https://geopoliticaleconomy.academia.edu/ AlanFreeman)
[9] Tord Bjork, op.cit., p. 3.
[10] Mike Eckel, “Russia, Ukraine feud over sniper
carnage. Associated Press. March 8, 2014 (https://news.yahoo. com/russia-ukraine-feud-over-sniper-carnage-203319580.html).
[11] “Estrambólico”, porque desafia a lógica
mais elementar: por que razão haveria o governo russo de incitar ao derrube pela
força do governo legalmente eleito de Yanukovych que o sistema mediático
dominante da comunicação social ‒ em completo alinhamento opinativo com a OTAN,
a Casa Branca, a UE e o G7 ‒ qualificou unanimemente como pró-russo? É o mesmo
estrambolismo que leva o sistema mediático dominante da comunicação social, numa
imitação mundana do Chapeleiro Maluco de Lewis Carroll, a atribuir às tropas russas que
ocupam a central nuclear de Zaporizhia praticamente desde o início da invasão
da Ucrânia a…bombardearem-se a si próprias nesta central!
[12] ] Eckel, op.cit. Esta sugestão estrambólica do “derrube de Yanukovych para justificar uma invasão da Rússia,” é, como já salientei na nota anterior, um exemplo digno do Chapeleiro Maluco, na interpretação gore de Victoria Nuland e Geofrey Pyatt.
[13] Eckel, op.cit.
[14] Há várias edições disponíveis
desse telefonema no YouTube. Esta, por exemplo: “Breaking: Estonian Foreign Minister Urmas Paet and Catherine
Ashton” (https://www.youtube.com/watch?v=BTbwdP5_d8M). A parte mais importante desse telefonema, para os propósitos deste artigo,
é a fala de Urmas Paet (ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia), que
começa no minuto 8 desta gravação.
[15] Jacques Baud, Poutine: Maître du jeu? Paris. Éditions
Max Milo. 2022 (p. 168). Edição do Kindle.
[16] Ivan Katchanovski, “The Maidan Massacre in
Ukraine: Revelations from Trials and Investigation”. Conference Paper in SSRN
Electronic Journal. August 2021 (pp.53-54).
[17] Jacques
Baud, op.cit.,
p.157.
[18] Jacques
Baud, op.cit., p.158. As declarações do general Viktor Muzhenko foram feitas, no dia 29 de
Janeiro de 2015, à estação de televisão ucraniana Canal 5, entretanto
proibida e encerrada por Zelensky em 2022. Durante muitos anos estiveram
disponíveis no YouTube (“No Russian Troops in Ukraine says Kiev
General”, YouTube, 1 de Fevereiro 2015 (https://www.youtube.com/watch?v=T0x0 mnrq9j4). Ainda
podem ser encontradas
em https://life.ru/p/149116. Outras fontes que deram essa notícia são as seguintes: (i) “Ukrainian
Government: “No Russian Troops Are Fighting Against Us”, January 30, 2015 (http://www.washingtonsblog.com/2015/01/ukrainian-government-russian-troops-fighting-us. html); (ii) “Ukraine chief of staff ‘thwarts Western
allegations’ by admitting no combat with Russian troops.” January 30, 2015 (https://www.rt.com/news/228043-ukraine-conflict-army-russia/); (iii) Eric Zuesse, “Ukraine Government: «No
Russian troops are fighting against us».” Foreign Policy in Focus
(FPIP), February 3, 2015. Sobre as declarações do SBU, ver (i) “Only 56
Russians Fought in Ukraine — says Ukraine’s State Security (SBU)” (YouTube,
7 Fevereiro 2016); (ii) Interfax. Ukraine, “SBU says 56 Russians in
military actions against Ukraine since conflict began.” Kyiv Post.
October 10, 2015.
[19] Jacques Baud, op.cit., p.158.
[20]
Jacques Baud, op.cit., p.159.
As declarações de Alexander Hug foram feitas numa entrevista com Amy Mackinnon,
“Counting the Dead in Europe’s Forgotten War,” Foreign Policy, October
25, 2018.
[21] Sobre Michel Eltchaninoff, ver José Catarino Soares, Quem anexou a Crimeia: foi a Rússia ou a Ucrânia? secção
4.4. (Em Tertúlia
Orwelliana. Arquivo do Blogue. 22 de Agosto de 2022).
[22] Programa «C dans l’air» de 17 de Outubro de 2021 («Poutine, maître du jeu #Cdanslair
17.10.2021», France 5/YouTube, 18 de Outubro de 2021) (no momento 1h02’43’’).
[23] Os acordos de Minsk I e Minsk II foram traduzidos e publicados na íntegra
nos anexos 3 e 4 do artigo de José Catarino Soares, As guerras na Ucrânia eram evitáveis: os Acordos de Minsk (2015) e as propostas de Tratado da Rússia (2021). (Em Tertúlia
Orwelliana, Arquivo do Blogue. 4 de Agosto de 2022).
[24] Jacques Baud, op.cit., p.160.
[25] Rodrigo Craveiro, “Rússia apresenta lista de exigências à OTAN e aos EUA
para reduzir tensões com Ucrânia”. Correio Braziliense, 18-12-2021;
“Moscou apresenta exigências para limitar influência de EUA e OTAN em suas
fronteiras”. Isto é dinheiro. AFP. 17-12-2021.
[26] “Porochenko à propos du Donbass: «Leurs enfants resteront dans les caves!»,”
YouTube, 16 novembre 2014.
[27] Roman Olearchyk,
“Ukraine’s Zelensky calls for Putin and Trump to join peace talk”. Financial
Times, July 8, 2019.
[28] Tenciono voltar a este assunto numa próxime opotunidade.
[29] Andrew E. Kramer, “Court in Ukraine Declines
Request to Arrest Former President.” New York Times, January 19, 2022.
[30] Ver José
Catarino Soares, A Guerra na Ucrânia (4.ª parte). A luta contra a guerra [Secção 11.
Zelensky] (https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2022/07/a-guerra-na-ucrania-4.html).
[31] “Conflict-related civilian casualties in
Ukraine,” United Nations Human Rights Monitoring Mission In Ukraine,
Alto-Comissariado dos Direitos Humanos, 31 de Dezembro 2021 (actualizado
em 27 de Janeiro de 2022).
[32] É preciso ter em conta que os milicianos da RPD e da RPL não são militares, mas civis armados. Isso faz com que a grande maioria das vítimas (mortos e feridos) da guerra em Donbass tenha ocorrido na população russófona dessa região.