Temas 2 e 3
Qual é a morada dos assassinos de
Darya Dugina
e o que é que isso tem a ver com as
guerras na Ucrânia?
Quarto artigo da
série
Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia!
José
Catarino Soares
1.Introdução
É possível ser vítima mortal de uma
guerra (excluindo a guerra nuclear) sendo civil e estando a milhares de
quilómetros do campo de batalha? Sim. Foi o que aconteceu recentemente com uma
cidadã russa, chamada Darya Dugina, relativamente às guerras na Ucrânia.
É possível analisar esse
acontecimento de modo a elucidar o comportamento político e o estofo moral dos
governantes de um dos regimes beligerantes nessas guerras, mostrando uma faceta
deles muito diferente daquela (e, na verdade, diametralmente oposta àquela) que
nos é mostrada diariamente pelo sistema mediático dominante de comunicação
social — jornais e revistas de grande circulação; estações de rádio e de
radiotelevisão de grande audiência? Sim. É o que se pode afirmar concretamente
em relação a Volodymir Zelensky, presidente a Ucrânia, e aos demais membros do
seu governo [1].
O propósito deste artigo ‒ o 4º. da
série Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade,
tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia! ‒ é
fundamentar a veracidade factual das duas proposições supramencionadas. De caminho,
ficarão claras algumas falsidades e mentiras propaladas pelo sistema mediático
dominante de comunicação social a este respeito.
2. Lembrete
Darya Dugina, uma jornalista russa,
foi assassinada em 20 de Agosto de 2022, no distrito de Moscovo, vítima de uma
bomba armadilhada no automóvel em que viajava, a qual, muito plausivelmente,
visaria, primordialmente, assassinar o seu pai, Aléksandr Dugin, o dono do
automóvel armadilhado.
Maria Zakharova, porta-voz do
Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, disse que a investigação policial,
caso aponte para a Ucrânia, será indicadora de uma política de “terrorismo de
Estado” levada a cabo por Kiev. O Serviço Federal de Segurança da
Federação Russa (SFS), conhecido no sistema mediático dominante pela
sigla inglesa FSB [2], conduziu uma investigação que concluiu
o seguinte.
Uma mulher de 42 anos, chamada Natalya Vovk, que também usa o apelido Shaban e que o SFS identificou como membro do Regimento Azov da Guarda Nacional Ucraniana (também conhecido como Batalhão Azov, o seu nome até 2016) partiu da Ucrânia a 23 de Julho num automóvel com placas de matrícula falsas de Donbass, a região actualmente sob controlo russo.
Dois soldados do regimento Azov da Guarda Nacional da Ucrânia exibem a sua bandeira com a suástica no centro e um deles faz a saudação nazi [3]. |
Entrou na Rússia juntamente com a
sua filha menor, Sophia Shaban, de 12 anos [o que deve ser interpretado como um
disfarce]; e, já na Rússia, mudou as placas de matrícula do carro para as do
Cazaquistão, um país aliado da Rússia. Mais tarde, procedeu ao aluguer de um
apartamento no edifício em Moscovo onde Darya Dugina vivia [para lhe estudar os
hábitos]. De acordo com um relatório, Dugina levava frequentemente o seu pai,
Dugin, a reuniões, porque este não gostava de conduzir, mas, nesse dia, no
regresso de um festival literário em que ambos tinham estado, Dugin mudou para
outro carro. Segundo o SFS, Natalya Vovk [que pode ter tido um cúmplice que a
ajudou a obter um passaporte cazaque falso e a pode ter ajudado na construção
da bomba] colocou a bomba debaixo do carro de Dugin e fê-la detonar por controlo
remoto, antes de fugir para a Estónia, depois de ter mudado de carro novamente [4].[As
partes entre colchetes são inferências; as outras são dadas como factos]
A reacção oficial da Ucrânia à acusação
de ter planeado e organizado o assassinato à bomba de Dugina, chegou através de
Oleksii Danilov, secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da
Ucrânia:
Não estamos envolvidos na
explosão que matou essa mulher, isso é obra dos serviços secretos russos [4].
Danilov disse ainda que Darya Dugina e o seu pai
criticaram o que a Rússia chama “operação militar especial” na Ucrânia, porque achavam que estava
a prolongar-se por muito tempo, por não ser suficientemente firme e intensa. Na
sua opinião, são os serviços secretos russos [entenda-se: o SFS] que começaram
a livrar-se das pessoas que criticam os alegados “êxitos”
militares da Rússia na guerra [5].
Por sua vez, Mykhailo Podolyak, um
conselheiro do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, declarou na rede
social Twitter que as acusações de Moscovo «não
são mais do que o resultado da propaganda» difundida pelo Kremlin, que «está a criar novamente mundos fictícios.» A versão de
Podolyak dos alegados intentos do Kremlin é bem diferente da de Danilov. Podolyak
sugeriu que o assassinato terá origem em lutas internas de poder de Estado entre
«várias facções políticas russas», insinuando
que o incidente foi uma “vingança kármica” –
uma expressão já usada por Podolyak em Abril, por ocasião de outros ataques
contra a Rússia – contra os apoiantes da intervenção militar russa na Ucrânia. Segundo Podolyak, o assassinato de Dugina (i)
cria um símbolo de propaganda para a Rússia; (ii) populariza as ideias
nazis do pai da jornalista; (iii) intimida outros propagandistas contra
a guerra, infundindo-lhes uma «obediência adicional»;
e (iv) desvia o foco da opinião pública do facto de a Rússia ser um «Estado terrorista» [6].
As razões alegadas por Podolyak são
contraditórias entre si e algumas são contrárias ao intento que Podolyak
atribui à Rússia. Manifestamente, a lógica não é o seu forte.
Seja como for, no seguimento destas duas
teses diferentes da Ucrânia (a de Danilov e a de Podolyak) em reacção ao assassinato
de Dugina, o sistema mediático dominante de comunicação social deixou o campo
aberto ao desenvolvimento, pelos seus comentadores residentes, da tese que colhesse
as preferências de cada um. O que se compreende: ambas as teses partem da premissa de
que o assassinato de Darya Dugina tem um autor e um grande beneficiário: o Kremlin (e, por
conseguinte, o seu “autocrático” e “ensandecido” presidente, Vladimir Putin) e que foi
cometido para denegrir o governo ucraniano (e, por conseguinte, o seu “democrático” e “heróico”
presidente, Volodymyr Zelensky).
Depois, o assunto caíu no
esquecimento, como quase tudo o mais que circula no sistema mediático dominante
de comunicação social.
3. Os serviços secretos dos EUA puxam o tapete debaixo
dos pés dos seus afilhados ucranianos
Um mês e meio depois, os “serviços secretos americanos” vieram reabrir o caso. Fizeram saber que os mandantes do assassinato de Darya Dugina fazem parte do governo ucraniano. A informação foi passada a quatro jornalistas do New York Times, em 5 de Outubro de 2022 [7].
Manchete do New York Times de 5 de Outubro de 2022. |
A expressão “serviços secretos americanos,” empregada pelo New York Times
no artigo supramencionado, tem como referente 19 agências estatais
estadunidenses, que são apenas a ponta do iceberg
de uma vasta comunidade de agentes, serviços estatais e empresas privadas desse
submundo secreto [8]. Todavia,
no caso em apreço, julgo que devemos interpretá-la como um eufemismo para Central
Intelligence Agency (CIA), pelas seguintes razões:
[A CIA] é a única agência autorizada por lei a realizar e
supervisionar operações secretas a mando do Presidente [dos EUA]. Exerce influência política no estrangeiro através das
suas unidades tácticas, tais como o Centro de Actividades Especiais. A CIA
desempenhou também um papel fundamental no estabelecimento de serviços secretos
de informação-e-espionagem em vários países aliados dos EUA, tais como o BND [sigla
do Bundesnachrichtendiens] da Alemanha.
Também prestou apoio a muitos grupos políticos e governos estrangeiros,
incluindo actividades tais como planeamento, coordenação, formação em tortura,
e apoio técnico. Esteve envolvida na realização de várias mudanças de regime
[entenda-se: golpes de Estado, N.E.], ataques
terroristas, e assassinatos planeados de dirigentes estrangeiros [9]. [N.E.= nota editorial]
Dado ter sido a CIA a revelar
que os mandantes do assassinato de Darya Dugina fazem parte do governo ucraniano,
deixou de ser possível ao sistema mediático dominante de comunicação social
continuar a descartar essa informação como sendo “propaganda
russa” (razão pela qual os seus comentadores e jornalistas deixaram completamente de falar no assunto). Isto porque o governo dos EUA é o sustentáculo principal do
governo e do aparelho de Estado ucraniano, com particular destaque para os
Serviços de Segurança Ucranianos (SSU) ⎼ conhecidos no sistema mediático dominante pela sigla ucraniana, SBU ‒ e para as forças
armadas ucranianas, incluindo a Guarda Nacional Ucraniana. É do conhecimento público, por exemplo, que o governo e
congresso dos EUA têm fornecido às forças armadas da Ucrânia, desde Abril de
2022, um fluxo constante e gigantesco de armas, munições, informações
estratégicas (obtidas por meio de satélites, aviões-espiões e drones) e
dinheiro, além de apoio logístico, aconselhamento e treino militar dentro e
fora da Ucrânia, com a ajuda dos seus parceiros da OTAN e dos seus aliados da
UE.
Veremos, mais adiante, quais poderão ter sido as motivações do governo americano para ter autorizado a CIA a fazer esta denúncia oficiosa de um crime de sangue cometido pelo governo ucraniano. O que cabe realçar neste momento é a gravidade da denúncia e o carácter inédito (ou pelo menos inusitado) da sua autoria.
Vista aérea da sede da Central Intelligence Agency (CIA) em Langley, Virginia. 21.575 empregados (2013).Foto: Carol M. Highsmith. |
4. A identidade dos assassinos
Quem são então, exactamente, os
membros do governo ucraniano que ordenaram o assassinato de Darya Dugina? Os
jornalistas do New York Times autores dessa notícia não conseguiram
obter essa informação.
Os agentes americanos [da CIA,
N.E.] que falaram sobre esta informação sigilosa
não revelaram quem são os elementos do governo ucraniano que julgam terem
autorizado a missão, quem é que levou a cabo o ataque, ou se o Presidente
Volodymyr Zelensky tinha dado ordem para a missão.
Compreende-se que a CIA não
queira revelar tudo o que sabe para não comprometer directamente Zelensky. Isso
poderia fazer cair o presidente ucraniano e o seu governo. Mas é interessante
saber que o governo americano encara com desconfiança o governo ucraniano, que
se lhe afigura como um afilhado volúvel e cheio de manhas. Eis o que a CIA
confidenciou ao New York Times.
Enquanto o Pentágono e as
agências de espionagem partilharam informações sensíveis sobre o campo de
batalha com os ucranianos, ajudando-os a destruir os postos de comando, linhas
de abastecimento e outros alvos-chave [das tropas russas], os ucranianos nem sempre disseram aos agentes americanos o
que tencionam fazer.
Os governantes
norte-americanos também não têm uma imagem completa dos centros de poder
concorrentes dentro do Governo ucraniano, incluindo os militares, os serviços
de segurança e o gabinete do Sr. Zelensky, um facto que pode explicar por que é que algumas partes do governo ucraniano podem não ter tido conhecimento da urdidura
[do
assassinato de Darya Dugina].
Perante isto,
Os Estados Unidos pressionaram a Ucrânia a partilhar mais informação sobre os seus planos de guerra, com resultados insatisfatórios. No início da guerra, os governantes norte-americanos reconheceram que muitas vezes sabiam mais sobre os planos de guerra russos ‒ graças aos seus intensos esforços de colecta de informações militares ‒ do que sobre as intenções de Kiev. Desde então, a cooperação tem aumentado. Durante o Verão, a Ucrânia partilhou os seus planos para a sua contraofensiva militar de Setembro com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha [10].
5. Tirar o cavalinho da chuva, limitar os danos, admoestar o
afilhado
Não é todos os dias que um governo acusa outro governo, seu afilhado dilecto, de levar a cabo assassinatos “políticos,” assassinatos de Estado. Na verdade e salvo melhor informação, julgo ter sido a primeira vez que tal acontece. Que terá levado a CIA a fazer uma denúncia tão grave e de um modo tão inusitado (ou mesmo inédito) sobre o comportamento do governo ucraniano?
Não foram, certamente, exigências morais e pruridos de consciência. O currículo dos governos americanos e dos seus serviços secretos, em particular da CIA, em matéria de terrorismo de Estado, golpes de Estado, assassinatos “políticos” selectivos, intervenções militares e outras actividades mortíferas é extensíssimo e verosimilmente sem rival entre os Estados com assento na ONU [11].
A motivação do governo americano ao
autorizar a CIA a revelar que o assassinato de uma cidadã russa (Darya
Dugina), na capital da Rússia, foi encomendado por membros do governo
ucraniano, parece ter sido tripla: (i) furtar-se a quaisquer
responsabilidades nesse acto criminoso; (ii) limitar os danos que ele
provocou; (iii) fazer um sério aviso ao governo ucraniano, para o
impedir de tomar o freio nos dentes.
Os motivos (i) e (ii)
estão bem explícitos nas seguintes passagens do artigo suprarreferido do New
York Times.
Os agentes americanos [da CIA]
disseram não ter conhecimento com antecedência do
plano do atentado que matou Darya Dugina e que eles tinham admoestado a Ucrânia
por essa razão. /…/
Os Estados Unidos não
tomaram parte no atentado, quer fornecendo informações quer fornecendo outro
tipo de assistência, disseram os agentes secretos americanos. Os agentes
americanos [da CIA] também disseram que não tiveram
conhecimento prévio da operação e que se teriam oposto ao assassinato se
tivessem sido consultados previamente. Já depois do facto consumado, os agentes
americanos [da CIA] admoestaram os agentes ucranianos sobre o assassinato,
segundo declararam.
O motivo (iii) está bem
patente nas seguintes passagens do mesmo artigo:
Embora a Rússia não
tenha retaliado de forma específica pelo assassinato [de Dugina], os Estados Unidos temem que tais ataques ‒ embora sejam
de elevado valor simbólico ‒ tenham pouco impacto directo no campo de batalha e
possam instigar Moscovo a levar a cabo os seus próprios ataques contra
governantes ucranianos de alto escalão. Os agentes americanos [da CIA] têm ficado frustrados com a falta de transparência dos ucranianos sobre os
seus planos militares e operações clandestinas, especialmente quando são levados
a cabo em solo russo. /…/
Os países
tradicionalmente não discutem as acções clandestinas de outras nações, com
receio de verem as suas próprias operações reveladas, mas alguns agentes
americanos [da CIA] acreditam que é crucial refrear
o que consideram ser um perigoso aventureirismo [do governo
ucraniano], em particular no que concerne aos
assassinatos políticos [12].
6. Nyet quer dizer Nyet
Aos três motivos indicados, talvez
se possa acrescentar uma circunstância adicional, porventura decisiva para os
ter conjugado e tornado realidade na altura e do modo inédito já descritos. É
uma conjectura plausível, mas que não tenho os meios de provar. Refiro-me ao
facto da CIA ser actualmente dirigida, desde Janeiro de 2021, por William
Joseph Burns.
William Burns é um diplomata que se
aposentou do Serviço de Relações Exteriores dos EUA em 2014, após uma carreira
diplomática de 33 anos. Antes de ser director da CIA, desempenhou diversos
altos cargos políticos e diplomáticos, entre os quais o de secretário de Estado
do Ministério dos Negócios Estrangeiros [= State Department]
(2011-2014), durante o segundo mandato de Barak Obama, e o de embaixador
residente dos EUA na Rússia (2005 -2008), durante o primeiro mandato de Barak
Obama.
Foi em 1 de Fevereiro de 2008, durante a sua missão diplomática na
Rússia, que Burns escreveu o
importantíssimo (e ulteriormente famoso) telegrama [13] que intitulou assim:
Nyet means Nyet:
Russia’s NATO enlargement redlines.
Analisado retrospectivamente, temos
de concluir que Burns previu com grande precisão nesse telegrama as tensões e os
conflitos que dariam origem às duas guerras na Ucrânia: a que começou em Donbass, em Maio de 2014,
entre as tropas ucranianas e as milícias armadas das Repúblicas populares de
Donetsk e Lugansk, e a que começou em 24 de Fevereiro de 2022 entre as tropas
russas e as tropas ucranianas.
Referindo-se ao pedido formal de
adesão à OTAN (cuja primeira fase se concretiza por um chamado Plano de Acção
para a Adesão [PAA]) que a Ucrânia fez em 1 de Fevereiro de 2008,
William Burns, então embaixador dos EUA na Rússia, escreveu no seu telegrama
que um tal pedido «toca não só num ponto nevrálgico
da Rússia», mas engendrou também «sérias preocupações sobre as consequências para a
estabilidade na região».
O alargamento da OTAN,
particularmente à Ucrânia, continua a ser uma questão “emocional e nevrálgica”
para a Rússia, mas considerações de política estratégica também estão
subjacentes a uma forte oposição à adesão da Ucrânia e da Geórgia à OTAN. Na
Ucrânia, estas considerações incluem receios de que a questão possa
potencialmente dividir o país em dois, levando à violência ou mesmo, segundo
alguns, a uma guerra civil, o que forçaria a Rússia a decidir se deveria
intervir ― lê-se no
telegrama.
Para corroborar esta apreciação,
Burns cita as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia,
Sergey Lavrov, que afirmara em 22 de Janeiro de 2008, numa conferência de
imprensa:
uma nova expansão radical
da OTAN pode provocar uma mudança político-militar que irá inevitavelmente
afectar os interesses de segurança da Rússia.
Lavrov afirmou também nessa ocasião,
acrescenta Burns,
«Que a provável
integração da Ucrânia na OTAN iria complicar seriamente as relações
multifacetadas entre a Rússia e a Ucrânia» e que a Rússia «teria de tomar
medidas». O Ministro acrescentou: «Fica-se com a impressão de que a actual
camada dirigente ucraniana considera a aproximação à OTAN como sendo, em grande
medida, uma alternativa aos laços de boa vizinhança com a Federação Russa».
O telegrama de 2008 é notavelmente
presciente, pormenorizando factores complexos, tais como a divisão entre os
ucranianos russófonos e que se autodefinem como sendo etnicamente russos e os
ucranianos ucranófonos e que se autodefinem como sendo etnicamente ucranianos, em
temas tão importantes como a OTAN e as relações da Ucrânia com a Rússia.
Não só a Rússia tem a
percepção de estar a ser cercada [pela OTAN] e
de estarem a ser envidados esforços para minar a influência da Rússia na
região, mas teme também consequências imprevisíveis e descontroladas que afectem
seriamente os interesses de segurança russos. Os peritos dizem-nos que a Rússia
está particularmente preocupada com o facto de as fortes divisões que existem na
Ucrânia sobre a adesão à OTAN, com grande parte da comunidade etnicamente-russa
a manifestar-se contra a adesão, poderem levar a uma grande cisão, envolvendo
violência ou, na pior das hipóteses, guerra civil. Nessa eventualidade, a
Rússia teria de decidir se deveria intervir; uma decisão que a Rússia não quer
ter de enfrentar [destaque, por meio de negrito, acrescentado ao original,
N.E.]
Em suma, neste seu telegrama, Burns deu
a conhecer ao governo americano a natureza das preocupações manifestadas e as
advertências feitas pelo governo russo sobre a expansão da OTAN na direcção das
fronteiras da Rússia e, em particular, sobre a eventual adesão da Ucrânia e da
Geórgia à OTAN. Essas preocupações e advertências mostram, sugere Burns no seu
telegrama de 2008, que a Rússia encara(va) essa expansão da OTAN como uma
ameaça existencial. Elas devem, por isso ⎼ insinua
Burns ⎼ serem levadas a sério, muito a sério. A Rússia não
está a fingir nada, nem está a fazer bluff, bem pelo contrário. Uma
prova disso, adverte Burns, é que
Embora a oposição russa à
primeira onda de alargamento da OTAN, em meados dos anos 1990 [ainda com
Boris Ieltsin, N.E.] tenha sido forte, a Rússia
sente-se agora capaz [com
Vladimir Putin, N.E. ] de responder com mais
força ao que encara como acções contrárias aos seus interesses nacionais.
Foi tudo isto que William Burns procurou resumir no título eloquente que deu ao seu telegrama de 1 de Fevereiro de 2008: Nyet means Nyet: Russia’s NATO enlargement redlines [14]. Nyet é a palavra russa para “não”, pelo que a tradução do telegrama de Burns é a seguinte: Não quer dizer Não: as linhas vermelhas da Rússia em relação ao alargamento da OTAN.
Página de rosto do telegrama de William Burns, embaixador dos EUA em Moscovo, em 1 de Fevereiro de 2008. Fonte: WikiLeaks.Public Library of US Diplomacy. |
Se o telegrama de Burns e a sua
mensagem principal tivessem tido o efeito pretendido ⎼ pôr termo à política dos EUA de alargamento da OTAN em
relação aos países ex-membros do Pacto de Varsóvia e, muito particularmente, em
relação à Ucrânia e à Geórgia (países ex-membros da União Soviética) ⎼ há fortes razões para pensar que as duas guerras na
Ucrânia (a que começou em 2014 em Donbass entre as tropas ucranianas e as milícias
armadas das populações russófonas e pró-russas de Donetsk e Lugansk, em Donbass,
e a que começou este ano, em 24 de Fevereiro, com a invasão da Ucrânia pelas
tropas russas, e que agora se fundiram uma na outra até certo ponto), nunca
teriam ocorrido. Obviamente, isso não aconteceu.
O seu telegrama foi ignorado pelos
seus superiores hierárquicos e só não caiu no esquecimento total, sepultado no
fundo de um arquivo, porque a Wikileaks o divulgou ao mundo inteiro em
13 de Maio de 2014, garantindo-lhe uma fama póstuma [15].
Mas o meu propósito, aqui, não é o
de desenvolver este ponto. É o de sugerir, a título de conjectura plausível,
que um homem como Burns, agora director da CIA, é bem capaz de ter estado não
só na origem do circuito hierárquico de divulgação das informações altamente
melindrosas que foram transmitidas ao New York Times sobre a identidade
dos mandantes do assassinato de Darya Dugina, como também na origem da própria
ideia de fazer essa divulgação e do modo como foi feita. Não há nenhum
obstáculo material que o tivesse impedido. Embora o director da CIA não seja
actualmente um membro do governo dos Estados Unidos [US Cabinet, na
terminologia estadunidense], tem uma posição estatutária muito elevada no
aparelho de Estado americano, porque é nomeado pelo presidente dos Estados
Unidos, sem necessidade de aprovação do senado, e pode aceder directamente ao
presidente e dialogar a sós com ele.
Se Burns teve efectivamente o papel
que aqui lhe atribuo (por conjectura), podemos inferir que essa terá sido a sua
maneira de fazer chegar a Zelensky e ao seu governo um aviso solene e público,
em nome do governo dos EUA: “Com esse assassinato
cometido em território russo, vocês ultrapassaram uma linha vermelha. Foi um
acto tão estúpido e inútil quão perigoso e contraproducente. Não tornem a
repetir a proeza ou sofrerão consequências ainda mais gravosas do que as
actuais. Estas são as nossas linhas vermelhas. Não as ultrapassem. Nyet means Nyet”.
Um dia ⎼ se e quando for desclassificada a documentação
relativa à actividade da CIA na Ucrânia durante o ano de 2022 ⎼ talvez venha a ser possível confirmar ou infirmar
esta conjectura.
7. O governo de Zelensky confessa que ataca e assassina cidadãos ucranianos
Na altura do atentado que vitimou Darya Dugina,
Mykhailo Podolyak declarou:
A Ucrânia não está minimamente envolvida [no atentado], porque não somos um Estado criminoso, ao contrário da Federação Russa.
Mais do que isso, não somos um Estado terrorista [16].
Sabemos agora, por intermédio das confidências da CIA
ao New York Times, que Mykhailo Podolyak ou não estava (na altura) no
segredo dos deuses, ou mentiu com quantos dentes tem na boca (O mesmo se aplica
Oleksii Danilov com quem nos cruzámos no início deste texto). Julgo que nos
devemos inclinar para a segunda possibilidade por duas razões.
1ª.) Mykhailo Podolyak tem sido descrito pelo sistema mediático dominante de comunicação social como a terceira figura mais poderosa da Ucrânia (desconheço quem seja a segunda). Foi ele, por exemplo, quem anunciou em primeira mão, em 16 de Agosto, que a ponte sobre o estreito de Kerch que une, na Rússia, a península de Taman, no krai de Krasnodar, e a península de Kerch, na república da Crimeia, era um alvo que a Ucrânia procuraria destruir [17]. E de facto foi essa ameaça que teve uma primeira tentativa de materialização em 8 de Outubro. Assim sendo, não é plausível que uma pessoa situada num escalão tão alto da hierarquia do aparelho de Estado ucraniano e tão bem informada sobre os seus segredos mais íntimos, não estivesse a par do planeamento do assassinato de Darya Dugina.
2ª.) Questionado sobre as informações dadas pela CIA ao New
York Times sobre a responsabilidade do governo ucraniano no assassinato à
bomba de Darya Dugina, Mykhailo Podolyak repetiu o desmentido oficial de Agosto
(“não fomos nós”), mas acrescentando-lhe, desta
vez (e talvez inadvertidamente), uma esclarecedora confissão sobre o modus
operandi do governo ucraniano.
Uma vez mais, sublinho que qualquer
assassínio em tempos de guerra num ou noutro país tem de corresponder a algum
significado prático. Teria de cumprir algum objectivo especifico, táctico ou
estratégico. Alguém como Dugina não é um alvo táctico nem
estratégico para a Ucrânia. Temos outros alvos no
território da Ucrânia — quero eu dizer, colaboracionistas russos e representantes
do comando russo, que podem ter valor para os membros dos nossos serviços
especiais que trabalham nesse programa, mas certamente não a Dugina [18].
Sobre Darya Dugina já sabemos, agora, que o que
Podolyak diz é, no essencial, falso (voltarei, num próximo artigo, ao não
essencial: à parte em que ele diz que «Alguém como
Dugina não é um alvo específico, nem táctico nem estratégico, para a Ucrânia»).
O essencial: foram os “serviços
especiais” do Estado ucraniano (em particular, o Grupo Alfa do SBU), que assassinaram Darya
Dugina, cumprindo ordens emanadas do governo ucraniano (CIA ipsi
dixit). Mas temos todas as razões para admitir que Polodyak fala verdade
quando afirma que o governo ucraniano organiza e continuará a organizar
assassinatos selectivos, sempre que entenda que cumprem um objectivo táctico ou
estratégico para a sua sobrevivência.
No artigo que tenho vindo a citar, os jornalistas do New
York Times dão alguns exemplos desta prática na regiões russófonas e
pró-russas de Donbass.
Um oficial militar ucraniano de alta
patente, que se recusou a ser identificado por causa da sensibilidade do tema,
disse que as forças ucranianas, com a ajuda de combatentes locais, tinham levado a cabo assassinatos e ataques contra ucranianos que acusam de colaboracionistas
e funcionários russos em territórios ucranianos ocupados. Estes indivíduos incluem
o governador da região de Kherson que foi nomeado pelo Kremlin, que foi
envenenado em Agosto e teve de ser evacuado para Moscovo para receber tratamento
de urgência.
“Colaboracionistas” é um
dos nomes que o governo ucraniano e o SSU dão às populações russófonas e
pró-russas de Donbass que se revoltaram em 2014 contra a opressão do Estado
ucraniano e proclamaram as Repúblicas populares de Donetsk e Lugansk e que, no referendo de 24-27 de Setembro de 2022, votaram nesses oblasts, assim como nos oblasts de Zaporizhia
e Kherson, a favor da integração desses territórios na Federação Russa.
24 de Setembro de 2022. Morador de Kherson prepara-se para votar no referendo sobre a adesão do oblast de Kherson à Federação Russa. Foto:EPA/Stringer. |
O epíteto não é
neutral. “Colaboracionistas” foi o epíteto pejorativo
(Fr. collabos) que, durante a 2ª. Guerra Mundial, os membros da
Resistência francesa à ocupação da França pelas tropas da Alemanha Nazi deram
aos franceses que “colaboraram” com o ocupante,
ou com o regime de Vichy seu aliado, na denúncia, detenção, prisão e deportação
de cidadãos que lutavam contra essa ocupação. Destarte, os cidadãos
russófonos e pró-russos de Donbass são falaciosamente assimilados, pelo governo
de Zelensky, a vulgares “traidores à pátria” ‒ a
“pátria” que os oprime, bombardeia e mata há 8 anos consecutivos
e que eles repudiam ‒ que, por isso, merecem ser assassinados. Se Zelensky
fosse presidente (ou rei) de Espanha, organizaria, seguindo a mesma ordem de
ideias, o assassinato daqueles galegos (e creio que são muitos) que desejam que
a Galiza faça parte de Portugal ‒ ou forme com ele uma federação ou uma confederação
⎼ e não da
Espanha.
5 de Julho de 2014. Soldados do Batalhão Azov interrogam habitantes suspeitos de separatismo de um vilarejo perto de Mariupol, em Donbass. Foto: Carl Ridderstråle. |
Quando falo da iniciativa do governo ucraniano de organizar
o assassinato dos habitantes russófonos e pró-russos de Donbass não estou a
exagerar. O Daily Mail, um diário londrino, na sua edição de 5 de
Outubro de 2022, é bem mais explícito do que o New York Times acerca da
sorte que Zelensky e o seu governo reservam para as populações russófonas e
pró-russas de Donbass:
Kyiv já abriu investigações sobre 1.309
suspeitos de traição e organizou 450 processos judiciais contra
colaboracionistas acusados de trair a sua própria nação e os seus vizinhos.
Outros estão a ser perseguidos e abatidos por combatentes da resistência [entenda-se, membros dos serviços
especiais do SSU, N.E.]. Uma lista transmitida
a este jornal por uma fonte do governo de Kyiv identifica 29 dessas mortes por
retaliação, e mais 13 tentativas de assassinato que deixaram feridos alguns dos
alvos.
«Foi declarada uma caça aos
colaboracionistas e a sua vida não está protegida pela lei», disse Anton Gerashchenko,
conselheiro do Ministério do Interior [19]. «Os nossos serviços
secretos estão a eliminá-los, matando-os como porcos» [destaque, por meio de negrito, acrescentado ao original, N.E.] [20].
Sede dos Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla ucraniana), em Kiev. 29.000 empregados (2017). Foto:Kyianka. |
O governo ucraniano é, como se constata, um governo que persegue, ataca e assassina não apenas cidadãos estrangeiros a residirem no seu país natal, mas também os seus próprios concidadãos russófonos, quando estes têm a ousadia de discordarem da sua actuação. Destarte, é um governo cujos membros fazem lembrar, pelo seu comportamento, os Dons
da Cosa Nostra (a Máfia siciliana e
americana) que, eles também, tratam de eliminar os seus adversários “matando-os como porcos”. Há outros governos cujos
membros tem uma actuação semelhante. O que distingue este governo é, porém, a
sem-cerimónia, a jactância e o descaramento com que o faz, sem ter sequer uma base material
(económica e militar) autónoma que lhe garanta a impunidade. Não nos esqueçamos que este é um
governo que vive literalmente à custa de milhares de milhões de dólares, euros
e libras esterlinas que lhe têm sido fornecidos ininterruptamente desde há seis
meses pelos EUA, a UE e o Reino Unido.
8. Conclusão
As duas perguntas que formulei na introdução deste
artigo ficaram cabalmente respondidas, pelo que ficou também cabalmente respondida
a pergunta que serve de título a este artigo.
No entanto, estou ciente de que o que foi dito não
esgota o assunto. Deixei de lado uma questão (que pode ser desdobrada em duas) que
é importante não só do ponto de vista policial, mas também ‒ e principalmente ‒
do ponto de vista político:
― Por que razão os mandantes do assassinato de Darya
Dugina (que sabemos agora terem assento no governo ucraniano) a escolheram como
sua vítima entre mais de 146 milhões de russos? E se a vítima visada não era
ela, mas o seu pai, Aléksandr Dugin, que tem esse homem de especial para ter sido
escolhido pelos governantes ucranianos como alvo de um crime hediondo que acabou
por vitimar não ele, mas a sua filha?
Admitindo que estas perguntas possam interessar a alguns leitores, como me interessaram a mim, publicarei, na semana que vem, um texto que escrevi para lhes responder. Será um COMPLEMENTO deste artigo, porque extravasa o seu tema central — que é a identidade dos assassinos — e não (como será o caso) a identidade das suas vítimas e as razões que terão levado os assassinos a seleccioná-las.
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NB . Este é o 4º. artigo da série Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia! [a série continua].
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Notas e referências bibliográficas
[1] É possível fazer um exercício
semelhante em relação aos governantes do outro regime beligerante nas guerras
da Ucrânia: Vladimir Putin e os demais membros do seu governo. Mas essa tarefa
já foi realizada com grande abrangência (muitíssimo mais vasta do que a deste
artigo) e competência por Jacques Baud em dois dos seus livros mais recentes
(v. L’Affaire
Navalny: Le complotisme au service de la politique étrangère. Éditions
Max Milo, 2021; Poutine: Maître du jeu ? Éditions Max Milo, 2022).
[2] O SFS é uma agência militar com múltiplas
funções — umas militares, outras policiais; umas secretas, outras não. Além de
assegurar a segurança do Estado russo e a contraespionagem, está encarregado da
luta contra o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de drogas.
[3] Não consegui identificar o autor
desta foto.
[4] Colhi estas informações do relatório
policial do SFS no artigo de Philip M. Giraldi, “A Death in Moscow.” The UNZ
Review, August 30, 2022.
[5] “«Execução
realizada pelos serviços secretos russos»: o que diz a Ucrânia da morte de
Darya Dugina.”Lusa, 23-08-2022.
[6] “O que ganha a Rússia com a morte de Dugina? As respostas de Podolyac.” Notícias
ao Minuto, 24-08-2022. Reuters e José Volta e Pinto, “Filha de
aliado de Putin morta em explosão de carro. Viatura terá sido armadilhada.” Público, 21 de Agosto 2022.
[7]
Julian E. Barnes, Adam
Goldman, Adam Entous, Michael Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were Behind an Assassination in Russia”. New
York Times, 5 October 2022.
[8] Os serviços secretos dos EUA abrangem, pelo menos, as seguintes agências
federais especializadas: Office of Naval
Intelligence (ONI), Coast Guard
Intelligence (CGI), Bureau of Intelligence and Research (BIR), Central
Intelligence Agency (CIA), Sixteenth Airforce (16
AF), National Security Agency (NSA), Central Security
Service (CSS), National Reconnaissance Office (NRO), Defense
Intelligence Agency (DIA), Military Intelligence Corps (MIC), Office
of Intelligence and Counterintelligence (OICI), Marine Corps
Intelligence (MCI), National Geospatial-Intelligence Agency (NGA), Office
of Terrorism and Financial Intelligence (TFI), Intelligence
Branch (IB) [do FBI], Office of National Security Intelligence (ONSI), Office
of Intelligence and Analysis (I&A), Space Delta 7 (DEL7), U.S.
Army Intelligence and Security Command (INSCOM). Na realidade, essas 19 agências estatais são apenas a ponta do iceberg. Em 18 de Junho de 2011, numa
entrevista que deu ao programa Frontline da televisão pública americana PBS,
a jornalista Dana Priest do Washington Post, que investigou a fundo o
submundo dos serviços secretos americanos, resumiu assim a comunidade dos
espiões americanos: «ela emprega agora [2011] quase 1
milhão de pessoas em 1.900 firmas privadas e 1.100 organizações do Estado
federal. Estes são edifícios gigantescos que vieram para ficar».
[9] Artigo “Central Intelligence Agency.” Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Central_Intelligence_ Agency). Minha
tradução.
[10] Julian E. Barnes, Adam Goldman, Adam Entous, Michael
Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were
Behind an Assassination in Russia”. New York Times, 5 October
2022.
[11] Por exemplo, os EUA fizeram perto de 400 intervenções militares no estrangeiro desde a sua fundação, em 1776. Metade destas intervenções tiveram lugar após 1950 e 25% tiveram lugar após a implosão da União Soviética e o concomitante fim da chamada Guerra Fria. Ver Sidita Kushi & Monica Duffy Toft, “Introducing the Military Intervention Project: A New Dataset on US Military Interventions, 1776–2019” (Journal of Conflict Resolution, August 2, 2022).
[12] Julian E. Barnes, Adam Goldman, Adam Entous, Michael Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were Behind an Assassination in
Russia”. New York Times, 5 October 2022.
[13] Na gíria diplomática, denominam-se “telegramas” as
mensagens transmitidas dos postos diplomáticos (embaixadas, consulados, etc.) para
a entidade superior competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros na capital
do respectivo país. Embora sejam, hoje em dia, mensagens electrónicas, mantêm,
por tradição, o nome decorrente do sistema de envio de mensagens telegráficas.
[14] O telegrama de William Burns de 2008
situa-o claramente na linhagem daquela facção da elite dirigente dos EUA que,
na década anterior (especialmente nos anos 1995-1998), se opôs vigorosamente à
expansão da OTAN (NATO para os anglófonos e anglófilos) depois da implosão da
União Soviética, mas que foi derrotada pela facção maioritária — aquela que o
sociólogo americano Wright Mills apelidou de “realistas
chanfrados” (Ingl. crackpot realists). A figura mais proeminente
dessa facção hostil ao alargamento da OTAN ‒ em especial aos países ex-membros
do Pacto de Varsóvia e mais ainda aos países (como a Ucrânia e a Geórgia) que
foram outrora repúblicas da União Soviética ‒ foi George Kennan (1914-2005),
que qualificou esse alargamento como “erro fatídico”
e “erro trágico”. Descrevi as posições da
facção Kennan (como me proponho chamá-la, à falta de melhor termo) na secção 4
[O grande
cisma estratégico na elite dirigente americana] do meu artigo A guerra na
Ucrânia.1ª. parte. Crónica de uma guerra pré-anunciada (Tertúlia Orwelliana. 7 de Maio de 2022).
[15] Cable: 08MOSCOW265_a. WikiLeaks. Public Librart
of US Diplomacy. Divulgado em 13 de Maio de 2014.
[16] Alexandre Martins, “Ucrânia nega
atentado contra filha de Alexander Dugin: «Não somos um Estado criminoso».” Público, 21 de Agosto de 2022.
[17] Dan Sabbagh
& Luke Harding, “Ukraine aiming to create chaos within Russian forces,
Zelenskiy adviser says”. The Guardian, 16 de Agosto de 2022.
[18] Julian
E. Barnes, Adam Goldman, Adam Entous, Michael Schwirtz, “U.S. Believes Ukrainians Were Behind an Assassination in Russia”. New York
Times, 5 October 2022; “Estados
Unidos acreditam que os ucranianos foram responsáveis pela morte de Darya
Dugina.” Público, 5 de Outubro de 2022.
[19] Em 20 de Outubro de 2022, um comentador da CNN Portugal, o major-general Isidro Morais Pereira, defendeu, nesta estação de televisão, uma posição semelhante à de Anton Gerashchenko como sendo perfeitamente legítima.
[20] Ian Birrell, “«We’re hunting them down and shooting them like pigs»: How the Ukrainians are taking brutal revenge on the collaborators who've betrayed their neighbours ‒ and country ‒ to the Russians”. Daily Mail, 5 October 2022.