temas 1 e 2
notícias forjadas, agitprop e informação fidedigna
José Manuel
Catarino Soares
Desde o fim do mês de Dezembro de 2018 que os contribuintes/ beneficiários e os beneficiários
da ADSE têm vindo a ser bombardeados por uma série de informações e declarações
alarmantes sobre este subsistema de saúde. A grande maioria delas são notícias
forjadas — o que os anglófonos designam por fake
news e os francófonos por information fallacieuse, ou, de modo muito mais breve mas opacamente, por infox (um híbrido braquissémico de infos [abreviatura de informations] + intox [abreviatura de intoxication])
— uma praga da globalização capitalista.
Foto de Paulete Matos
1. Notícias forjadas
Eis alguns
exemplos de notícias forjadas, divulgadas pela comunicação social (p.ex., Lusa, 28-12-2018; Expresso, 6-02-2019, 8-02-2019, 12-02-2019, 13-02-2019, 14-02-2019, etc.):
(A) Dois grandes grupos da
hospitalização privada — José de Mello Saúde (rede de hospitais CUF), e Luz
Saúde (rede de hospitais Luz), cujo accionista maioritário é a seguradora
Fidelidade, do grupo chinês Fosun — declararam a sua intenção de romper as
convenções que têm com a ADSE a partir de meados do próximo mês de Abril de
2019.
(B) Em
seguida, três outros
grupos da hospitalização privada — a rede de hospitais e clínicas Lusíadas, a
rede de hospitais Trofa Saúde e a rede Hospital Particular do Algarve-Saúde —
declararam que tinham também a intenção de seguir as pisadas dos seus
congéneres, referidos em (A), se, entretanto, a posição da ADSE não se alterasse.
A verdade
factual é bem diferente:
(C) Nenhum dos cinco grupos
supramencionados fez chegar à direcção da ADSE, até à data (18-02-2019),
qualquer comunicação oficial com o teor descrito em (A) e (B).
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ENCARTE 1
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ADSE NÃO É UM PRIVILÉGIO DOS TRABALHADORES E DOS
APOSENTADOS DA FUNÇÃO PÚBLICA, COMO POR IGNORÂNCIA OU MÁ FÉ SE AFIRMA
1 - Um dos
ataques comuns aos trabalhadores da Função Pública é que eles são uns
privilegiados porque têm a ADSE. Este tipo de ataques só pode ter como base a
ignorância ou a má fé, como vamos provar.
2 - Em primeiro
lugar a ADSE faz parte do Estatuto Laboral dos trabalhadores das Administrações
Públicas (Central, Local e Regional) e, como acontece em várias empresas e
setores, o empregador tem responsabilidades. Por ex., no caso da banca, esta
contribui com cerca de 5% do valor dos salários para o SAMS [Serviços de Assistência Médico-Social]. Na CGD e BdP há
uma situação semelhante. Na ADSE isso não acontece.
3 -
Contrariamente ao que muitas vezes se diz por má fé ou por ignorância,
atualmente o Orçamento do Estado não transfere
qualquer importância para a ADSE. Apenas as Autarquias ainda transferem uma
pequena importância. São fundamentalmente os descontos feitos nos salários dos
trabalhadores e nas pensões dos aposentados que financiam a ADSE. Em 2018, os
trabalhadores e os aposentados da Função Pública descontaram para a ADSE 592
milhões €.
4 - Portanto,
os trabalhadores e os aposentados da Função Pública pagam impostos como
quaisquer portugueses, com os quais é também financiado o SNS. E, para além
disso, descontam para a ADSE 3,5% dos seus salários e pensões, e o Orçamento do
Estado não transfere nada para a ADSE. Contrariamente ao que acontece com os
outros portugueses, pagam duplamente a saúde. Afirmar, como muitos fazem, que
são uns privilegiados por terem a ADSE, só por má fé ou ignorância e mais
depois de informados e esclarecidos.
Fonte: Eugénio Rosa, ADSE:
o que é, qual é a sua situação actual e quais são os seus desafios futuros.
www.eugeniorosa.com
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2. Agitação e propaganda
O que esses
grupos da hospitalização privada fizeram foi servirem-se dos meios de
comunicação social para “plantarem” ou sugerirem notícias forjadas. Essas
notícias forjadas foram feitas de modo a que pudessem ser interpretadas de dois
modos distintos: como ameaças explícitas ao Conselho Directivo da ADSE de que esses grupos teriam a intenção de romper as
convenções que têm com a ADSE a partir de meados de Abril, e como um anúncio
aos beneficiários da ADSE de que essa ameaça já se tinha convertido num facto
consumado. Foi uma acção de “agitprop” (agitação e propaganda) muito bem
concebida e executada. Mais adiante (secção 7), veremos quais são os seus reais motivos e reais
objectivos.
3. Repor a verdade factual (1ª parte)
De momento,
cabe perguntar: como é que nos podemos certificar da veracidade da informação (C) ?
De três
maneiras distintas, mas convergentes: (i) indo ao sítio electrónico da ADSE,
onde se pode ler o comunicado que reproduzo mais abaixo, (ii) ouvindo as declarações
da presidente da ADSE, entrevistada na edição da noite da SIC Notícias, em 13
Fevereiro de 2019 (a entrevista pode ser vista na íntegra em https://sicnoticias.pt/pais/2019-02-13-A-entrevista-a-presidente-da-ADSE),
e ainda (iii) através da informação fornecida pela APRe! [Associação de
Aposentados, Pensionistas e Reformados] aos seus associados (para quem,
evidentemente, seja sócio desta organização, que tem um representante no
Conselho Geral e de Supervisão da ADSE). Todas estas fontes idóneas corroboram
o que é afirmado em (C).
Foto Lusa (arquivo)
Comunicado da ADSE (06/02/2019)
A ADSE comunica aos seus beneficiários
que a notícia publicada no Expresso sobre
a denúncia das convenções dos grandes grupos privados não tem fundamento.
Existem prazos contratuais que constam das convenções que têm que ser cumpridos
quando se procede à denúncia de uma convenção.
A ADSE não recebeu, formalmente, de
nenhum destes grupos a comunicação da denúncia ou resolução das convenções em
vigor.
Se esta denúncia vier a acontecer a ADSE
acautelará todas as situações de beneficiários que se encontram em tratamento,
ou com atos médicos ou cirúrgicos já agendados nestes prestadores.
A ADSE está atenta aos acontecimentos e
face ao crescimento significativo da oferta privada de cuidados de saúde
em Portugal irá fazer novas convenções com outros prestadores se se
vier a concretizar esta ameaça.
4. Mais agitprop
Estes esclarecimentos não puseram termo
às manobras de agitação e propaganda em torno da ADSE, como está bem patente nos
seguintes excertos do jornal Público:
O líder do PSD [Rui Rio] disse nesta
quarta-feira que, se o Governo quer destruir a ADSE, que “presta um bom serviço
aos funcionários públicos”, segue uma “estratégia suicida”. Mas ressalvou que
concordará se a preocupação do executivo for “negociar” para “acabar com os
abusos que sempre houve”. Se for isso, “estão a ver bem a questão e devem ir
por esse caminho”, disse Rui Rio aos jornalistas, no final de uma reunião com
sindicatos de professores.
O PSD já tinha feito saber, na
terça-feira, que está disponível para ajudar o PS a alterar a lei que o
anterior Governo [o governo Passos Coelho-Portas] mudou
em 2014 e que permite que a ADSE exija a regularização de valores cobrados em
excesso pelas entidades privadas. Esta regularização está prevista na lei desde
2009 mas o seu âmbito foi alargado em 2014. “Altere-se o que houver a alterar,
porquanto se defendam os interesses dos cidadãos. Se a lei não funciona...
julgo que o que está aqui a falhar é a capacidade de o Governo fazer a
aplicação da lei”, apontou o deputado social-democrata Adão Silva (Público,
14-02-2019).
Assunção Cristas acusa o Governo das
“esquerdas unidas” de estar “interessado em destruir a ADSE” ao “pôr em causa
os portugueses que descontam” para este subsistema e ao mesmo tempo “engrossar
as filas” do Serviço Nacional de Saúde. Criticando as “esquerdas unidas” de
verem “o filme ao contrário”, a líder do CDS alerta que alguns dos funcionários
públicos poderão vir a contratar seguros privados e que quem não tem
possibilidades de o fazer “vai ficar reduzido ao SNS”, defendendo que o sistema
deveria ser aberto a todos os utentes.
A líder dos centristas falava no final
de uma reunião com o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização
Privada, Óscar Gaspar, no Parlamento, a propósito da intenção de grupos privados de terminarem
as convenções com a ADSE (Público, 14-02-2019)
Nestes excertos há várias notícias forjadas:
(D) «O governo quer
destruir a ADSE.»
(E) «As “esquerdas unidas”
querem destruir a ADSE.»
(F) «O que está a falhar na relação entre a ADSE e os hospitais privados é a
capacidade do governo fazer a aplicação da lei.»
5. Repor a verdade factual (2ª
parte)
Começemos pela afirmação (D). Não se trata sequer de uma
acusação, razão pela qual não é necessário rebatê-la. É apenas uma insinuação. Mas,
como insinuação, é destituída de qualquer verossimilhança. O governo actual seria
o governo mais estúpido do mundo se tivesse a intenção de destruir a ADSE, pois
estaria a adoptar — como reconhece o próprio Rui Rio, o autor da insinuação — uma
estratégia suicidária. Mas, mesmo que (por hipotética e extravagante estupidez suicidária)
o governo (este ou qualquer outro) quisesse destruir a ADSE, como insinua Rui
Rio, não poderia fazê-lo porque o governo (este ou qualquer outro que o venha
substituir) não é dono da ADSE. A ADSE pertence exclusivamente aos seus “beneficiários
titulares”, ou seja, aqueles beneficiários que são, também, os seus únicos
contribuintes, ao descontarem mensalmente 3,5% do seu salário ou da sua pensão
de aposentação para a ADSE, consoante sejam trabalhadores no activo ou
aposentados.
Passemos a (E). Desta vez, trata-se de uma acusação, mas destituída de
qualquer prova, bem ao estilo de quem a faz. O mais interessante, porém, é que
se fica na dúvida do que mais devemos admirar em Assunção Cristas: se o seu
desembaraço em acusar sem provas, se o seu desplante, tendo em conta que a acusação
que faz pode ser virada contra ela própria e, isso feito, corroborada com
provas insofismáveis.
Não nos esqueçamos que Assunção Cristas
foi ministra do governo Passos Coelho-Paulo Portas das “direitas unidas”
(PSD+CDS), o governo anterior ao actual. Ora, encontramos um bom sumário das
práticas desse governo relativamente à ADSE no relatório nº8/2016 do Tribunal de Contas, intitulado Auditoria de Seguimento das Recomendações formuladas no Relatório de
Auditoria ao Sistema de Protecção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas
(Relatório n.º 12/2015 – 2ª Secção), que passo a citar:
2. Verificou-se a apropriação, pelo Governo da República, dos excedentes da
ADSE, provenientes do aumento da taxa de desconto para 3,5%, para financiar o
Serviço Regional de Saúde da Madeira, tendo assim sido utilizados € 29,8
milhões dos excedentes da ADSE, consignados aos quotizados da ADSE, para
financiar necessidades públicas, descapitalizando a ADSE. Foram ainda
suportados pela ADSE encargos que devem ser suportados pelo Estado, tal como o
faz para os restantes cidadãos.
3. Verificou-se a retenção ilegal dos descontos dos quotizados da ADSE por
parte de organismos do Governo Regional da Madeira, e sua utilização indevida
para fins de âmbito regional, em prejuízo da sustentabilidade e da
solidariedade em que o sistema de proteção da ADSE se baseia.
4. O aumento da taxa de desconto para 3,5% gerou excedentes, financiados
pelos próprios quotizados, que foram e continuam a ser utilizados para
maquilhar as contas públicas, num contexto de necessidade de atingir as metas
acordadas para o défice orçamental.
E é a chefe de um dos partidos que,
quando era governo, prejudicou gravemente a ADSE da maneira que nos é descrita
pelo Tribunal de Contas neste relatório, que vem agora acusar, sem qualquer
prova, as “esquerdas unidas” de quererem destruir a ADSE!
Resta a afirmação (F). É não só uma acusação feita sem qualquer prova, mas também uma
falsa acusação, como veremos de seguida. O que está a falhar na relação da ADSE
e dos hospitais privados não é capacidade do governo aplicar a lei, como
insinua o deputado Adão Silva. Desde logo, porque não compete ao governo gerir a ADSE e porque a gestão da ADSE não está sequer submetida à direcção do governo.
Aliás, a ADSE não deveria ser um alvo (mesmo longínquo) de interferência política do governo ou dos deputados da Assembleia da República. Façamos um pequeno aparte para refrescar a memória ao senhor deputado Adão Silva.
Aliás, a ADSE não deveria ser um alvo (mesmo longínquo) de interferência política do governo ou dos deputados da Assembleia da República. Façamos um pequeno aparte para refrescar a memória ao senhor deputado Adão Silva.
6. Um lembrete
Hoje em dia, a ADSE deveria ser uma associação mutualista de utilidade pública,
totalmente independente do poder político — não só, como é óbvio, do poder
político não electivo (tribunais e ministério público), mas também, e por
maioria de razão, do poder político electivo (Governo da República, Assembleia da República,
Presidente da República, autarquias locais) — e integralmente administrada e
gerida pelos seus associados titulares. Porquê? Porque a ADSE é, desde 2014, uma
associação de adesão voluntária, integralmente financiada pelas quotizações daqueles
seus beneficiários — os chamados “titulares”— que são também os seus contribuintes.
O governo não mete lá um cêntimo dos impostos pagos pelos portugueses, neles se
incluindo os impostos pagos pelos titulares da ADSE.
Por
Por que é que, então, a ADSE não é uma
associação mutualista de utilidade pública? Por duas razões. Primeira, porque
todos os partidos com assento parlamentar (repito, todos, sem excepção) não
quiseram que assim fosse. Mesmo o PS, que inscreveu no seu programa de governo
essa perspectiva, meteu-a rapidamente na gaveta, com a anuência explícita ou tácita
de todos os demais partidos parlamentares. Segunda, porque a esmagadora maioria
dos titulares (= contribuintes/beneficiários) da ADSE vive completamente
alheada da vida interna da associação a que aderiram voluntariamente. A essa
grande massa de titulares só uma coisa parece interessar: fruir dos benefícios
que lhes são conferidos pelas quotas que pagam. Como garantir a boa gestão, a
continuidade dos bons serviços prestados e a sustentabilidade financeira da
ADSE é um assunto que não parece interessá-los. Uma prova (a meu ver bem
eloquente) desse alheamento e desse desinteresse foram as eleições realizadas
para o Conselho Geral e de Supervisão da ADSE em 19 de Setembro de 2017. Votaram
apenas cerca de 18.421 beneficiários titulares (2,2%) num universo de 832.827!
Nestas condições, foi fácil ao governo
(com a anuência de todos os partidos parlamentares) afastar sem qualquer
dificuldade (entenda-se: sem qualquer oposição significativa por parte da esmagadora
maioria dos titulares da ADSE) a opção de transformar a ADSE numa associação
mutualista de utilidade pública.
Acresce que muitas pessoas daquela pequena minoria de titulares que se preocupam com a organização da ADSE repudiam esta solução porque a confundem com a transformação da ADSE numa companhia privada de seguros de saúde. Nada mais errado. Uma associação mutualista rege-se exclusivamente pelos princípios da entreajuda e da solidariedade; uma companhia privada de seguros de saúde rege-se exclusivamente pelo princípio do lucro. A ADSE já é hoje, em grande medida, na prática, uma associação mutualista (v. encarte 2), mas não o é completamente, porque estatutariamente não são os seus titulares contribuintes que a gerem democraticamente.
Acresce que muitas pessoas daquela pequena minoria de titulares que se preocupam com a organização da ADSE repudiam esta solução porque a confundem com a transformação da ADSE numa companhia privada de seguros de saúde. Nada mais errado. Uma associação mutualista rege-se exclusivamente pelos princípios da entreajuda e da solidariedade; uma companhia privada de seguros de saúde rege-se exclusivamente pelo princípio do lucro. A ADSE já é hoje, em grande medida, na prática, uma associação mutualista (v. encarte 2), mas não o é completamente, porque estatutariamente não são os seus titulares contribuintes que a gerem democraticamente.
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ENCARTE 2
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DIFERENÇAS ENTRE A ADSE E UM SEGURO
DE SAÚDE
• 1 - Num seguro de saúde todos
pagam uma importância chamada prémio,
incluindo os familiares (por ex. os filhos); na ADSE os familiares (325.753 em
2017) e os isentos (53.400 em 2017 com pensão inferior ao SMN [salário mínimo nacional]) não pagam nada,
mas têm os mesmos direitos.
• 2 - Num seguro de saúde, os
valores dos prémios em euros aumentam com idade; na ADSE o valor do desconto
diminui em euros aquando da aposentação do trabalhador, porque a pensão é
inferior ao salário (cerca de 70%) e a taxa de desconto –
3,5% – é sempre a mesma, e nessa altura a despesa com saúde sobe mais devido ao
aumento da idade.
• 3 - Num seguro de saúde, há
limite de despesa anual (“plafond”) por beneficiário e, logo que é atingido, o seguro não paga mais nada, expulsa-os para o SNS, como os doentes com cancro; na ADSE isso não acontece, há beneficiários com custos saúde
superiores a 100.000€/ano e a sua contribuição para a ADSE não aumenta com
isso.
• 4 - Num seguro de saúde, os
copagamentos, o que beneficiário paga quando utiliza um serviço de saúde (ida
ao Hospital), são o dobro ou o triplo dos copagamentos na ADSE (ex.: uma consulta
no regime convencionado na ADSE o beneficiário paga 3,99€, num seguro paga 15€,
ou seja, 3,8 vezes mais).
Fonte: Eugénio Rosa, ADSE: o que é, qual é a sua situação actual e quais são os seus
desafios futuros. www.eugeniorosa.com
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Todavia, como era demasiadamente escandaloso
que um organismo integralmente financiado pelas quotizações voluntárias dos
seus associados titulares continuasse a ser gerido como uma mera direcção-geral, como tinha
sido durante décadas, foi preciso desenhar para a ADSE um estatuto especial.
Tratava-se de desenhar um estatuto institucional que mantivesse a tutela governamental sobre a ADSE, mas garantindo-lhe simultaneamente uma autonomia de gestão participada que fosse suficiente para deflectir as críticas dos defensores da sua transformação em associação mutualista de utilidade pública.
Tratava-se de desenhar um estatuto institucional que mantivesse a tutela governamental sobre a ADSE, mas garantindo-lhe simultaneamente uma autonomia de gestão participada que fosse suficiente para deflectir as críticas dos defensores da sua transformação em associação mutualista de utilidade pública.
A criação da ADSE, I.
P., vai, também, ao encontro das recomendações do Tribunal de Contas, tendo em
conta que a missão e os objetivos da ADSE não se confundem com o
exercício de funções que competem ao Estado, considerando necessária a
alteração do regime jurídico que regula o esquema de benefícios da ADSE e a
responsabilidade financeira da mesma por cuidados prestados aos seus
quotizados, atribuindo-lhe um regime jurídico de autonomia administrativa e
financeira, e de participação dos quotizados na sua governação, ao nível das
decisões estratégicas e de controlo financeiro (do Preâmbulo do decreto-lei nº 7/2017, que criou a ADSE, I.P. [o destaque em letras gordas é meu, J.M.C.S])
Foi assim que a ADSE passou a ser, desde Janeiro de 2017, um instituto público [I.P.] de
regime especial e gestão participada e, como tal, um organismo autónomo da administração pública.
A gestão autónoma da ADSE incumbe a um
conselho directivo (um presidente e dois vogais) que responde perante um
Conselho Geral e de Supervisão onde têm assento, em maioria, representantes dos
beneficiários. A interferência dos governos na ADSE é bem real, mas limitada. Faz-se principalmente através da prerrogativa que consiste em nomear o presidente e um dos vogais do
Conselho Directivo da ADSE (o outro é eleito pelo Conselho Geral e de
Supervisão da ADSE), assim como o seu fiscal único. Por esta via, a ADSE está
sujeita a uma dupla tutela: a do ministério da Saúde (a principal, porque tem
influência na política de saúde) e a do ministério das Finanças (que é de
importância secundária, porque a ADSE teria de ter uma fiscalização apertada
das suas contas, qualquer que fosse o seu estatuto jurídico).
Não obstante, a ADSE já não é uma correia
de transmissão dos governos. A pilhagem, por um governo, do dinheiro das quotizações dos sócios titulares da ADSE descrita no relatório
nº8/2016 do Tribunal de Contas, já não seria possível hoje em dia, três anos volvidos. A estrutura actual da ADSE, em particular a existência do Conselho
Geral e de Supervisão, não permite que possam ser cometidos tais crimes e que os seus autores fiquem impunes.
7. O que faz correr os hospitais
privados
Regressemos a (F). Ao contrário do que afirma o deputado Adão Silva, é porque a
ADSE está a cumprir a lei em defesa dos seus associados, que as sociedades
comerciais que possuem os grupos da hospitalização privada mencionados em (A) e (B) se concertaram numa espécie de cartel para melhor lhe resistir.
Explico-me.
O acesso dos beneficiários da ADSE aos
cuidados de saúde que são oferecidos fora da rede pública do Serviço Nacional
de Saúde pode ser feito de duas formas distintas: (a) o regime convencionado,
em que o beneficiário faz um pequeno co-pagamento a um prestador privado
(consultório, hospital, clínica, laboratório, IPSS, etc.) que tenha celebrado um convénio com a ADSE e esta paga directamente o resto da despesa a esse prestador, e (b) o regime livre, em que
beneficiário paga o serviço prestado por inteiro a um prestador não
convencionado e pede depois o seu reembolso à ADSE. O regime convencionado é o
maior. Em 2017, por exemplo, custou cerca de 390 milhões de euros, contra 150 milhões para o regime
livre. Foi no regime convencionado que estalou o conflito com os
privados. Em ambos os casos, a prática, durante dezenas de anos, consistia na
aplicação de tabelas gerais de custos definidas pela ADSE e nas quais se baseava
para garantir os reembolsos aos seus beneficiários no regime livre ou os pagamentos
directos aos seus prestadores convencionados.
Em 2009, por reivindicação dos grupos
privados que operam na saúde, a ADSE substituiu o modelo das tabelas gerais
para os custos relacionados com cirurgias em ambulatório e cirurgias com
internamento, passando os privados a definir livremente os preços destes actos
cirúrgicos. Ulteriormente, numa base anual, seria realizado um acerto de
contas, sendo devolvido o pagamento em excesso quando os preços praticados
fossem superiores à média em 10%.
Entre 2011 e 2014 este processo de
regularizações decorreu normalmente, tendo os grupos privados devolvido à ADSE
cerca de 4,9 milhões de euros.
Para uniformizar as tabelas e as
práticas, foi feita uma revisão profunda dos procedimentos em 2014, pelo
governo PSD [Passos Coelho]-CDS [Paulo Portas]. Por meio dessa revisão da lei, alargou-se
o processo das regularizações aos medicamentos oncológicos e às próteses
intraoperatórias. Esta mudança foi aceite
sem contestação pelos grupos da hospitalização privada.
Tudo mudou de figura no início de 2018,
quando a Associação de Hospitalização Privada interpôs uma providência cautelar
contra as regularizações, alegando a sua ilegalidade. Isso aconteceu quando se
verificou que os grupos privados
deveriam devolver 38 milhões de euros à ADSE por sobrefacturação feita durante
os anos de 2015 e 2016. Convém saber
que os cinco maiores grupos privados da saúde, já mencionados em (A) e (B), facturaram
à ADSE 878 milhões de euros entre 2015 e 2018, 58,3% da despesa total que a
ADSE teve com o regime convencionado, segundo um estudo do economista Eugénio
Rosa.
A providência cautelar da Associação de
Hospitalização Privada não teve provimento. Mais, no final de 2018, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um parecer que reconhecia a
legalidade das regularizações. A afirmação da PGR é peremptória: “Os métodos de
regularização dos pagamentos, são não só legais, como exigíveis em obediência
aos princípios que regem a actuação da ADSE, IP.” Por outras palavras, a regularização
dos pagamentos não é só uma obrigação legal para os grupos privados da saúde que
acolhem beneficiários da ADSE. É também uma exigência legal para o Conselho Directivo
e para o Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, que estão obrigados a combater
a sobrefacturação para defender os direitos e interesses dos seus
beneficiários, em particular dos seus beneficiários/contribuintes, os que
sustentam financeiramente todo o sistema da ADSE.
Alguém acredita que Rui Rio, Assunção
Cristas e Adão Silva não estejam perfeitamente cientes de tudo isto? Seria
necessário padecer de uma ingenuidade angélica para responder com sinceridade
pela afirmativa.
Já agora, anote-se que, contrariamente
ao que tem sido propalado, a ADSE não paga com um atraso de quase 300 dias as suas
contas aos prestadores convencionados, nem lhes exige que pratiquem preços abaixo do normal. Essas são duas outras
notícias forjadas (v. encarte 3).
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ENCARTE 3
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CHAMPALIMAUD QUER MAIS DOENTES DA
ADSE: “PREÇOS E PRAZOS SÃO OS NORMAIS”
Fundação Champalimaud garante que prazos de pagamento [da ADSE] são muito mais
baixos do que têm dito os hospitais privados.
A Fundação Champalimaud afasta-se completamente das críticas feitas na
última semana pelos hospitais privados que anunciaram o fim dos acordos com o
subsistema de saúde dos funcionários públicos e familiares.
O vice-presidente da fundação afirma à TSF que a relação com a ADSE é
perfeitamente normal, igual à que têm com as empresas de seguros de outros
doentes. João Silveira Botelho diz mesmo que não têm qualquer problema com este
subsistema de saúde e contraria completamente os prazos de pagamento, de quase 300 dias,
que têm sido referidos pelos hospitais que anunciaram o fim dos acordos com a ADSE.
João Silveira Botelho detalha que “há muito tempo que a ADSE tem prazos de
pagamento que andam entre os 90 e 120 dias, ou seja, o mesmo que os seguros de
saúde”. Em resumo, “os preços são razoáveis e os prazos são os normais”.
Cerca de um quinto dos doentes acompanhados pela Fundação Champalimaud
(mais de 40 mil) têm origem na ADSE e o vice-presidente admite que terão sempre
interesse em receber cada vez mais beneficiários do subsistema de saúde dos
funcionários públicos e seus familiares.
A Fundação Champalimaud é uma fundação privada de interesse público, com
investigação científica e médica, mas que também presta cuidados de saúde,
sobretudo na área do cancro.
Fonte: TSF, 14 de Fevereiro de 2019
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Como vimos mais acima, nos anos de 2015,
2016, 2017 e 2018, quase 60% da despesa total que a ADSE teve com o regime
convencionado (em que os prestadores privados têm uma relação contratual com a ADSE
estabelecida por convenção) foi para cinco grupos privados, precisamente aqueles
que agora ameaçam romper as convenções com a ADSE: Luz Saúde, José de Mello
Saúde, Lusíadas, Trofa Saúde e Hospital Privado do Algarve.
A ameaça que estes grupos agora fazem de romperem as
convenções que celebraram livremente com a ADSE visa, como se tornou patente, três
objectivos: (i) assustar os beneficiários da ADSE, acenando com o bicho-papão
da ruptura das convenções com a ADSE, (ii) obter uma anulação, ou pelo menos uma
redução substancial, da dívida de 38 milhões de euros que têm para com a ADSE, e
(iii) conseguir um aumento substancial dos preços pelos serviços que cobram nas
próximas convenções a celebrar com a ADSE.
Já conseguiram alcançar o primeiro
objectivo (i). Veremos se conseguirão
alcançar os outros dois, (ii) e (iii), que são verdadeiramente os que lhes
interessam. O primeiro é apenas um modo de alcançar os outros dois. No curto
prazo talvez o consigam, graças ao elevadíssimo grau de concentração que representam na
prestação de serviços convencionados à ADSE e que foram adquirindo ao longo dos
anos, o que lhes confere um enorme poder de pressão. Este é tanto maior quanto maior
é o profundo alheamento em que vivem os titulares da ADSE relativamente
à vida interna de uma organização que lhes pertence, mas perante qual se
comportam como se pertencesse ao governo, aos partidos políticos e aos
sindicatos. Quantos titulares da ADSE terão conhecimento das informações
constantes dos encartes que foram inseridos neste texto?
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ENCARTE 4
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SERÁ QUE OS BENEFICIÁRIOS DA ADSE
TÊM O DIREITO AO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE COMO QUAISQUER OUTROS PORTUGUESES?
É uma pergunta que muitos trabalhadores e aposentados da Função Pública me
têm colocado e que interessa também esclarecer.
• 1 - Os trabalhadores e os aposentados da Função Pública
são portugueses e pagam impostos como quaisquer portugueses, e esses impostos
também são utilizados para financiar o SNS. Por estas razões, eles tem direito
ao SNS como qualquer outro português. O acesso ao SNS a todos os portugueses é
um direito consagrado na Constituição da República, e criar dificuldades a esse
acesso aos trabalhadores e aposentados da Função Pública, e também aos seus familiares,
com o pretexto de que eles têm a ADSE é uma violação clara da Constituição da
República e não deve ser aceite e [deve ser] com firmeza combatido pelos
beneficiários.
• 2 - Mas é verdade também, e muitos trabalhadores me têm
relatado, que em várias unidades do SNS, se souberem que o utente tem ADSE
procuram empurrá-lo para a ADSE. O objetivo é evitar que essa despesa seja
suportada pelo orçamento dessa unidade pública de saúde e seja paga pela ADSE.
O trabalhador ou aposentado se aceitar isso está a pagar duas vezes o cuidado
de saúde: através dos impostos que pagou com os quais é também financiado o
SNS, e com os descontos que faz para a ADSE, e também a contribuir para o
aumento da despesa da ADSE e das suas dificuldades.
• 3 - O Conselho Geral de Supervisão da ADSE, onde estão os
representantes dos beneficiários, solicitou ao anterior ministro da Saúde que
mandasse retirar da base de dados do SNS a informação de quem eram os
beneficiários da ADSE, para que estes não fossem objeto de discriminação no
SNS, e ele prometeu que daria orientações nesse sentido, mas nunca isso foi
feito, com a desculpa que era necessário mudar o programa informático e era
muito caro.
• 4 - Aconselhamos os beneficiários da ADSE a não darem
essa informação no SNS – são dados privados que não são obrigados a dar – e se
forem mesmo assim confrontados com uma tentativa de discriminação, devem
opor-se com firmeza a ela, pois pagam impostos e é um direito
constitucional.
Fonte: Eugénio Rosa, ADSE: o que é, qual é a sua situação actual e quais são os seus
desafios futuros. www.eugeniorosa.com
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8. Sacudir o torpor
A primeira e a mais urgente tarefa na defesa da ADSE é, portanto, a de sacudir o torpor dos seus titulares, para que, uma vez despertos, se possam reapropriar de uma organização que é sua e só sua. Este artigo é uma pequena contribuição para esse fim. Se é titular ou tão-somente beneficiário da ADSE, e se gostou de o ler, divulgue-o a outros titulares e beneficiários.
Uma contribuição bem mais importante é o estudo do economista Eugénio Rosa que citámos abundantemente neste texto. Eugénio Rosa é actualmente um dos três membros do conselho directivo da ADSE. Foi eleito para essa função pelos representantes dos beneficiários no Conselho Geral e de Supervisão da ADSE. O seu estudo (ADSE: o que é, qual é a sua situação actual, e quais são os seus desafios futuros), publicado em Fevereiro de 2019 e disponível em www.eugeniorosa.com, é de leitura obrigatória para quem queira ficar bem ciente dos desafios que se colocam à ADSE — e não são poucos nem fáceis, como veremos numa outra oportunidade.
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