Neste blogue discutiremos 5 temas: 1. A segurança social. 2. A linguagem enganosa. 3. As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 4. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 5. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

12 setembro, 2019


Temas 2 e 3


“Hackers”, “crackers” e “whistleblowers”


José Manuel Catarino Soares


Clara Ferreira Alves (CFA, para abreviar) define-se como «uma sujeita que vende opiniões.» 

«Como toda a gente sabe, eu vendo opiniões. Há quem as dê, quem as registe, quem as tome como quem toma um remédio ou um elixir. Eu vendo» (CFA, Estado de Guerra, 2012). 

A opinião sobre J. Assange de uma sujeita e de um sujeito que vendem opiniões

Em 12 de Abril de 2019, CFA vendeu à SIC-Notícias a sua opinião sobre Julian Assange e sobre a sua prisão:

Assange começou por ser um hacker cotadíssimo, cometendo vários crimes enquanto hacker. Depois passou a ser guru de um movimento internacional, voltando a cometer mais crimes, até passar a ser o chefe dos trolls do sr. Putin e com uma manobra obviamente encomendada e paga por Moscovo, a divulgação dos mails da sra. Clinton, destruiu qualquer hipótese de ela ser eleita e elegeu o sr. Trump, que lhe deve estar grato,  porque esse factor, entre outros factores, foi fundamental para eleger Donald Trump. O sr. Assange, em minha opinião, hoje é um lunático que está convencido que é [???? palavras ininteligíveis]. Foi apanhado. Só tenho dúvidas que ele deva ser extraditado. Mas, enfim, as leis são para se cumprir.

Mas não é um dia negro para a liberdade? pergunta o moderador do programa Eixo do Mal.

É um dia negro, responde CFA, porque ele próprio [Assange] está a ver sair o fumo por debaixo da porta. Os Estados Unidos, seja quem for que esteja na Casa Branca, nunca desistem de ir atrás dos seus inimigos. Basta ver a história da Alcaida e do sr. Bin Laden. O sr. Assange vai dormir mal a partir de agora. Não vai ter a sorte de Chelsea Manning.

Ouçamos agora Paulo Portas (PP, para abreviar), um sujeito que também vende opiniões, como diria CFA, mas numa estação de televisão concorrente. Em 14 de Abril de 2019, PP disse o seguinte sobre Julian Assange na TVI:

Falemos com franqueza: este senhor é mais herói ou mais vilão? Eu nunca achei que ele fosse herói (…) Há uma coisa que me escapa: por que é que roubar uma loja é um crime e roubar documentos não é um crime e passa às vezes por ser uma proeza?  (…) Depois, como ele [Assange] é muito narcisista, transformou-se, como é normal nas pessoas muito narcisistas, num manipulador. Ele foi muito acolhido pela esquerda ocidental quando fez a divulgação de documentos do departamento de Estado e de segredos de Estado sobre a questão do Afeganistão e do Iraque, mas depois o feitiço virou-se contra o feiticeiro, porque ele é um dos principais responsáveis pelo desastre da campanha de Hillary Clinton. Ele fez sair 30.000 emails roubados ao Partido Democrata e eu diria o mesmo verbo, roubar, porque é isso que é, vamos lá ser claros, se acontecesse com o Partido Republicano. A acusação americana [que agora lhe é feita] é de conspiração para ser um hacker ou ajudar um hacker, e o que é mais curioso é que ele, que pretende ser um herói da liberdade de expressão no mundo inteiro, é hoje em dia, tal como Snowden, muito protegido. Por quem? Por Putin. Que cada um tire as lições que quiser…

Com certeza, vamos então a isso. Mas, primeiro que tudo, convém restabelecer os factos que CFA e PP omitem ou truncam.

Um rapto e um sequestro inéditos

Em 11 de Abril último, o australiano Julian Assange, fundador e director da WikiLeaks, foi arrebatado da Embaixada do Equador em Londres por agentes à paisana de uma polícia secreta britânica, sequestrado numa carrinha e levado para parte incerta sob o olhar complacente de alguns bobbies fardados. Assange vivia há 7 anos nessa embaixada, onde tinha sido acolhido como refugiado político em 19 de Junho de 2012, temendo ser deportado para a Suécia e, a partir desse país, ser entregue ao Departamento de Justiça e ao FBI americanos, que investigavam a WikiLeaks.

Inicialmente, as autoridades governamentais do Reino Unido afirmaram que o motivo deste rapto e sequestro seria o facto de Assange ter desobedecido, há 7 anos, às condições da sua fiança, quando, em vez de aguardar em prisão domiciliária a decisão de um tribunal britânico sobre um pedido de extradição feito pelas autoridades judiciais suecas, optou por entrar na embaixada equatoriana para receber asilo político. Porém, em Maio de 2017, as autoridades judiciais suecas arquivaram definitivamente o seu processo contra Assange e revogaram o pedido de extradição por terem reconhecido a inconsistência das queixas de teor sexual que lhes tinham dado origem. A justificação oficial britânica para o rapto e sequestro era, pois, patentemente falsa. Menos de uma hora depois, a Polícia Metropolitana de Londres emitiu um comunicado reconhecendo que Assange foi preso a pedido do governo americano, que fez um pedido de extradição para os Estados Unidos, onde ele é acusado de «conspirar para violar um computador ao ter concordado em quebrar a senha de um computador do governo americano

A acusação refere-se à revelação pela WikiLeaks, transmitida a 6 grandes jornais ‒ de Espanha (El País), França (Le Monde), Alemanha (Der Spiegel), Reino Unido (The Guardian), EUA (The New York Times) e México (La Jornada) ‒ de 250 mil telegramas do Departamento de Estado dos EUA, ocorrida em 2010. Chelsea Manning (na altura Bradley Manning), uma analista de informação do Exército dos EUA, foi acusada de ser a fonte da entrega dos documentos à WikiLeaks, assim como de documentos referentes às guerras do Iraque e do Afeganistão que atestam torturas e muitos crimes de guerra cometidos contra civis pelas tropas americanas, como o vídeo “Collateral Murder.” Por esta conduta, Manning foi condenada, num julgamento secreto, a 35 anos de prisão por um tribunal militar. Cumpriu 7 anos de prisão antes da sua pena lhe ter sido comutada pelo ex-presidente Obama. Saiu em liberdade em 17 de Janeiro de 2017, mas foi de novo presa em 8 de Março último e confinada a uma cela solitária por negar-se a testemunhar contra Assange no mesmo caso.

Os inimigos da liberdade de expressão e de informação só têm a força das armas do seu lado

As revelações que deram fama mundial à WikiLeaks, a Julian Assange e a Chelsea Manning, granjearam-lhes também, como se vê, poderosos inimigos, entre os quais, os governos dos EUA (desde 2007), os governos do Reino Unido (desde 2010) e o actual governo do Equador.

Assange sempre afirmou que temia ser extraditado para os EUA se fosse extraditado para a Suécia, razão pela qual pediu asilo político na embaixada do Equador. Foi acusado, por isso, de ser paranóico e de se dar ares de mártir da liberdade de expressão. A acusação e o pedido de extradição do governo Trump mostram, porém, que fez uma avaliação certeira dos perigos que o ameaçam. Se for extraditado para os EUA, arrisca-se a ser falsamente acusado de mais “crimes”, além daquele que lhe é imputado actualmente, à luz do Espionage Act de 1917, os quais lhe poderiam valer a prisão perpétua e, no pior dos casos, a pena de morte. Isso não impediu um juíz britânico, um tal Michael Snow, de declarar numa audiência preliminar com Assange que teve lugar uns dias depois do seu rapto e sequestro: «o comportamento do sr. Assange é o de um narcisista que não consegue ir além dos seus próprios interesses egoístas

O juíz Michael Snow talvez não saiba, por nunca ter lido o parecer nº 54/2015 do GTDA, mas comportamentos como o seu são um motivo de vergonha e embaraço para o escol da sua profissão, por ilustrarem bem a prepotência pseudolegal com que o governo, as polícias e os tribunais britânicos têm tratado Julian Assange nos últimos 9 anos.

O Grupo de Trabalho da ONU Contra Detenções Arbitrárias (GTDA, para abreviar) é constituído por eminentes especialistas em Direito Internacional de várias nacionalidades que são independentes de qualquer governo e que trabalham pro bono no âmbito do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, sem receber qualquer salário.

Em Dezembro de 2015, o GTDA, divulgou o seu parecer nº 54/2015. Nele se reprova o comportamento dos governos da Suécia e do Reino Unido por violarem reiteradamente os artigos 7, 13, 14, 18, 19, 20 e 21 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; os artigos 12, 18, 19, 21, 22, 25, 26 e 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o artigo 6 da Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades fundamentais; e a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, ao condenarem Julian Assange a uma (i) detenção arbitrária, primeiro, em Dezembro de 2010, quando o mantiveram preso e isolado durante 10 dias, entre 7 e 10 de Dezembro de 2010; (ii) em seguida, quando o condenaram a prisão domiciliária durante 550 dias; (iii) e, finalmente, ao manterem uma vigilância apertada, durante anos a fio, em torno da embaixada londrina do Equador, com a ameaça constante de prender e extraditar Assange se este se atrevesse a pôr um pé fora dela. Esta actuação configura uma violação reiterada dos direitos de asilado político de Assange e uma privação arbitrária da sua liberdade, concluiu o GTDA. O parecer do GTDA foi enviado aos governos da Suécia e do Reino Unido em 22 de Janeiro de 2016.

O rapto de Assange dentro da embaixada ‒ dentro do território ‒ do Equador em Londres e o seu sequestro subsequente na prisão Belmarsh de alta segurança só foi possível com a colaboração empenhada do actual presidente do Equador, Lenin Moreno Garcés, actualmente a ser investigado pela Assembleia Nacional e pela procuradora geral do Equador pelo seu alegado envolvimento num escândalo de corrupção de grandes dimensões (Christian Zurita Ron e Fernando Villavicencio, “El laberinto offshore del circulo presidencial.” La Fuente, 19-02-2019). Moreno começou por revogar o asilo político de Assange que estava em vigor desde 2012. Pouco depois, o governo equatoriano também revogou a cidadania que havia sido concedida a Assange em 2017. A revogação ocorreu 5 dias antes de uma visita de Moreno a Washington por 6 dias e 15 dias antes de uma visita oficial que estava agendada do Relator da ONU sobre Tortura à embaixada do Equador em Londres para verificar as condições de saúde de Assange, que era mantido em isolamento dentro da embaixada pelo governo equatoriano há um ano, sem assistência médica, sem internet, sem comunicação e com visitas reduzidas.

Bangladesh, Abril de 2019. Um manifestante exibe um cartaz com uma modificação do primeiro verso do poema de Martin Niemöller. © Reuters, Mohammad Ponir Hossain.

O anterior presidente do Equador, Rafael Correa, cujo governo concedeu asilo político a Julian Assange, observou que Lenin Moreno, o seu ex-vice-presidente e o seu sucessor (a partir de 2017),

tentou, de todas as maneiras, que Assange saísse da embaixada, torturando-o física e psicologicamente, tentando quebrá-lo como ser humano. E agora permitiu que a polícia britânica entrasse na embaixada, o que é uma violação grosseira da soberania de um país. É algo absolutamente inédito na história mundial.

É legal que um país retire um asilo político já concedido?

Não, não, não, de maneira nenhuma. O princípio do asilo garante que o Estado que dá asilo não pode jamais entregar o asilado a quem o persegue. E além disso, para retirar uma cidadania, é preciso que haja uma investigação que prove que houve fraude. Assange cumpriu com todos os requisitos, reside há mais de 5 anos em território equatoriano – que é a embaixada. E vai contra decisões do Grupo [de Trabalho] das Nações Unidas contra Detenções Arbitrárias, e também contra toda a ética e contra a nossa Constituição. (Pública, Agência de Jornalismo Investigativo, 11-04-2019)

Em 21 de Dezembro de 2018, o GDTA já tinha emitido uma declaração onde afirmava:

É tempo do sr. Assange, que já pagou um alto preço por exercer pacificamente os seus direitos à liberdade de opinião, de expressão e de informação e por promover o direito à verdade no interesse do público, recupere a sua liberdade.

Bem dito. Examinemos então os epítetos com que CFA e PP mimosearam Assange. 

Metáforas gastas

Algumas metáforas hoje correntes foram de tal modo deformadas que já nada têm que ver com o seu significado original, mas sem que as pessoas que as empregam tenham consciência desse facto.

George Orwell, o autor desta frase, achava que o emprego dessas metáforas era um dos muitos ultrajes à língua inglesa que tornavam a moderna prosa inglesa feia, imprecisa e desleixada. Creio que ele aprovaria as palavras que escolhi como exemplos de metáforas gastas: hacker, cracker e whistleblower, que não existiam no seu tempo.

Whistleblowers são pessoas que, no seu posto de trabalho, se deparam com qualquer coisa que elas acreditam estar errada ou ser prejudicial e que, perante a indiferença ou a hostilidade reiterada dos seus superiores hierárquicos, contraposta à importância que dão ao caso, decidem levá-lo ao conhecimento do público, dentro ou fora (ou dentro e fora) da organização onde trabalham, correndo os riscos inerentes a esse gesto.

Pessoas dessa índole existem há muito tempo, mas só recentemente lhes foi dado esse nome em Inglês. A expressão whistle blowers foi usada com o significado banal que essas duas palavras veiculam (“apitos” ou “assobios” e “sopradores”) antes de se juntarem numa só e adquirirem o sentido figurado que agora têm. Esse salto semântico deve-se à ubiquidade de “assobiar” ou “apitar” no mundo anglófono. Diz-se dos falcoeiros que eles whistle down the wind quando deixam os seus falcões amestrados voar livremente à procura de uma presa. Diz-se dos marinheiros à cata de um vento que tire o seu veleiro da imobilidade forçada que eles bem gostariam de chamar com um simples assobio, whistle for it. E há muitas outras expressões com “assobios” e “apitos”:  as clean as a whistle, dog-whistle politics, whistle in a graveyard, etc. Os antepassados próximos dos whistleblowers contemporâneos foram os agentes da polícia inglesa que sopravam (e sopram) com toda força nos seus apitos para dar o alerta sobre qualquer coisa que acreditem constituir um sério motivo de preocupação

Hackers são pessoas que têm uma habilidade especial para construir coisas novas a partir de coisas velhas, desmontando-as e tornando-as a montar de uma forma inovadora, ou para descobrir defeitos e virtudes ocultas em máquinas e maquinetas de toda a espécie. Incluem-se neste conceito, a partir dos anos 1960, as pessoas que concebem, elaboram  e modificam programas informáticos, computadores e redes de computadores, quer desenvolvendo funcionalidades novas, quer adaptando as antigas a novos usos.

Os hackers foram responsáveis por muitas inovações na informática, incluindo a linguagem de programação C (Dennis Ritchie), o sistema operacional Unix (Dennis Ritchie, Ken Thompson), o editor de texto emacs e a licença de uso livre de software GNU (Richard Stallman), o sistema GNU/Linux (Linus Torvalds), o motor de busca/indexador Google (Larry Page e Sergey Brin), os sistemas de criptografia de chave pública (como o RSA de Ron Rivest, Adi Shamir e Leonard Hadleman). Os hackers também revelaram muitas fragilidades em sistemas de criptografia e segurança em eleições por voto digital (Rop Gonggrijp), em cartões de cidadão com microprocessador incorporado, nos discos Blue-Ray, no bloqueio de telemóveis, etc.

Não há espaço para documentar aqui o caminho tortuoso que levou do verbo hack (cortar com um cutelo, um facão ou um machado) ao nome substantivo hacker1 (talhador, cortador) e ao nome substantivo hacker2 (no sentido figurado descrito mais acima). O que é importante sublinhar é que os hackers não são malfeitores. Para isso, existe outro termo, cracker, proposto pelos próprios hackers.

Como devemos então traduzir estas metáforas que perderam quase todo o (escasso) poder evocativo e que são usadas, na língua original, por pessoas como Paulo Portas e Clara Ferreira Alves apenas porque lhes permitem exibir um conhecimento fictício do Inglês, amalgamarem conceitos distintos, caluniarem pessoas que detestam e confundirem o público nas suas charlas televisivas ? Sugiro alertador, como em Espanhol e em Francês (lanceur d’alertes) ou divulgador de revelações de interesse público para whistleblower; engenhocas informático para hacker, e arrombador informático, vândalo informático e gatuno informático (conforme o caso) para cracker.

É fácil rebater os caluniadores

Julian Assange não é um herói nem um vilão. É um engenhocas informático que se tornou um jornalista divulgador de revelações de interesse público quando criou a WikiLeaks em 2006. A WikiLeaks não é um movimento internacional de arrombadores, vândalos e gatunos informáticos. É uma gigantesca biblioteca virtual dos documentos (mais de 10 milhões) mais perseguidos do mundo. «Damos asilo a esses documentos, analisamo-los, publicitamo-los e arranjamos mais» (J.Assange, entrevista, Spiegel On Line, 20-07-2015). Pela sua meritória actividade, J. Assange e a WikiLeaks já ganharam os seguintes prémios de jornalismo:

   Economist New Media Award (2008)
   Amnesty New Media Award (2009)
  TIME Magazine Person of the Year, People’s Choice (highest global vote) (2010)
  Sam Adams Award for Integrity (2010)
  National Union of Journalists Journalist of the Year (2011)
   Sydney Peace Foundation Gold Medal (2011)
  Martha Gellhorn Prize for Journalism (2011)
  Blanquerna Award for Best Communicator (2011)
  Walkley Award for Most Outstanding Contribution to Journalism (2011)
  Voltaire Award for Free Speech (2011)
  International Piero Passetti Journalism Prize of the National Union of Italian    Journalists (2011)
  Jose Couso Press Freedom Award (2011)
  Privacy International Hero of Privacy (2012)
  Global Exchange Human Rights People’s Choice Award (2013)
  Yoko Ono Lennon Courage Award for the Arts (2013)
  Brazillian Press Association Human Rights Award (2013)
  Kazakstan Union of Journalists Top Prize (2014)
GUE/NGL Award for Journalists, Whistleblowers and Defenders of the Right to Information (2019)

assim como uma nomeação para o United Nations Mandela Prize (2015) e nomeações em cinco anos consecutivos (2011-2016) para o Prémio Nobel da Paz.

Este não é o currículo de um “lunático”, de um “narcisista”, de um “guru” ou de um “ladrão de documentos”, como afirmam caluniosamente CFA e PP. Assange não ganhou estes prémios por “roubar documentos” (como afirma PP), ou por “cometer crimes” como hacker (como afirma CFA). Ganhou-os por divulgar publicamente revelações, nunca desmentidas, sobre toda a espécie de crimes e abusos de poder cometidos por gente tão poderosa quanto pérfida.

As revelações que a WikiLeaks fez sobre a actuação de Hillary Clinton em 2016 e 2018 são um bom exemplo. Ficámos a saber que esta senhora (i) trabalhou para influenciar  as primárias do partido republicano de modo a favorecer a nomeação de Donald Trump (que ela considerava ser o candidato republicano mais fácil de derrotar); (ii)  torpedeou a campanha de Bernie Sanders, seu rival no partido democrata; (iii) fez discursos em privado aos banqueiros de Wall Street, prometendo-lhe zelar pelos seus interesses se fosse eleita; (iv) aceitou milhões de dólares como donativo das monarquias do Catar e da Arábia Saudita à sua fundação, sabendo que são dos maiores financiadoras do jihadismo e, em particular, do chamado Estado Islâmico; (v) autorizou  a maior venda de armas de sempre ao regime totalitário da Arábia Saudita (80.000 milhões de dólares), armas que estão a ser usadas na guerra contra o Iémen (que já fez mais de 60.000 mortos e provocou uma crise humanitária); (vi) conseguiu convencer os seus colegas de governo e, sobretudo, o seu chefe (Barak Obama) a bombardear a Líbia e a destruir o regime de Kadafhi (o que deixou a Líbia num caos e fez cerca de 40.000 mortos) por estar convencida que isso ajudaria a estabelecer a sua reputação como futura candidata à presidência dos EUA.

Que CFA e PP lamentem que estas revelações tenham vindo a público fala por si. E não surpreende, por isso, que ambos escondam que a WikiLeaks já publicou mais de 660.000 ficheiros secretos sobre a Rússia, incluindo o Kremlin e Putin, revelando mais sobre as maquinações do poder de Estado nesse país do que toda a imprensa anglo-americana.

É toda a diferença que separa o jornalismo parceiro da verdade e do escrutínio, do jornalismo parceiro da mentira e da censura, aquele género de jornalismo que o australiano John Pilger, uma lenda viva do jornalismo, apodou de jornalismo Vichy — uma alcunha alusiva ao regime do marechal Pétain que governou uma parte da França, durante a 2ª guerra mundial, com a protecção dos exércitos de ocupação da Alemanha nazi.

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N.B. Este texto foi originalmente publicado (com algumas modificações alheias à vontade do autor) em A Página da Educação, série II nº 213, 2019. 

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