Temas 2 e 3
Chickens have come home to roost
José Catarino Soares
Um dos passatempos favoritos de TODOS os Presidentes dos EUA (Barack Obama incluído) desde o fim da 2ª Guerra Mundial (para não irmos mais atrás) é o de ordenarem golpes de Estado, bombardeamentos, invasões, assassinatos, atentados, raptos, extradições, perseguições, bloqueios e espionagem em terra alheia. O que não impediu, ontem, o director de um dos nossos jornais de referência de qualificar os EUA como «o farol do mundo livre» (Público, 7 de Janeiro 2021).
Mas, desta vez houve uma novidade de monta. O presidente em exercício dos EUA decidiu patrocinar um simulacro de golpe de Estado na sua terra para mostrar aos seus apoiantes que fez tudo, até à 25ª hora, para se perpetuar no poder e barrar a entrada do senhor que se lhe segue [1]. Presumivelmente, julgou que, ao fazê-lo, reforçaria a confiança que nele depositaram os 74 milhões de eleitores que nele votaram e que aumentaria, desse modo, as suas probabilidades de regressar ao poder daqui a 4 anos [2]. Mas as coisas não correram exactamente como esperava.
Donald Trump, 45º Presidente dos EUA |
«Chickens have come home to roost»; «to get a taste of your own medicine», foram dois velhos adágios muito utilizados por comentadores anglófonos para caracterizar o episódio da invasão do Capitólio por apoiantes de Donald Trump. Ambos são perfeitamente adequados e têm os seus equivalentes em Português: «o feitiço virou-se contra o feiticeiro» ou «cá se fazem, cá se pagam»; «provar o seu próprio veneno», respectivamente.
Agora os americanos já não poderão dizer que não sabem o que é que a Casa Branca e os seus inquilinos gastam fora de portas quando sentem o seu poder ameaçado. Basta-lhes descontar do que viram dia 6 de Janeiro de 2021 no Capitólio os aspectos de bufonaria, (que só são reais no seu país) e imaginar que os manifestantes vinham armados com armas de fogo, não com telemóveis.
6 de Janeiro de 2021. Apoiantes de Trump assaltam o Capitólio, sede do Congresso (senado + câmara dos representantes) dos EUA. Foto: Shannon Stapleton. Reuter. |
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Notas
[1] Convém explicar por que razão emprego a expressão «simulacro de golpe de Estado». A esmagadora maioria dos comentadores e dos orgãos de comunicação social nos EUA, aqui em Portugal, como também um pouco por esse mundo fora, apressou-se, em uníssono, a qualificar a invasão do Capitólio por uma turbamulta desarmada de apoiantes de Trump como um “golpe de Estado”, como uma “intentona” ou como uma “insurreição” contra a “democracia” americana. Esses orgãos e comentadores fingem que não sabem o significado dessas palavras (voltarei em breve a este assunto com mais pormenor), procurando comer-nos as papas na cabeça, e fazem-no com um propósito. O artigo de Michael Tracey Only In Your Imagination Was That An Attempted “Coup” revela esse propósito. Esse artigo pode ser lido clicando na seguinte hiperligação:https://mtracey.medium.com/ only-in-your-imagination-was-that-an-attempted-coup-8bb8cc9fb39b. Para quem não domina o Inglês, transcrevo aqui a sua conclusão:
Há muitas pessoas que estão em posições de poder que gostariam de nos fazer
acreditar que uma “insurreição” a sério está de facto em andamento, e de
nos levar a desenvolver uma espécie de compreensão mítica exagerada do que
aconteceu no Capitólio. Porque isso lhes permitirá obter poderes adicionais — não
através de um “golpe”, mas exagerando enormemente uma alegada ameaça, que é
sempre a maneira como actuam.
[2] Trump teve, em 2020, mais 12 milhões de votos do que em 2016, quando foi eleito. 2016 — 62.984.828 votos (46,1% dos votos expressos ); 2020 — 74.216.722 votos (46,9% dos votos expressos).
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