Temas 2 e 3
Em 9 de Abril de 2022,
Zelensky preferiu a guerra à paz
pelos motivos mais
mesquinhos
José Catarino Soares
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10.º artigo da série
Tanta mentira, tanta omissão deliberada, tanta falsidade, tanta
confusão de ideias sobre as guerras na Ucrânia!
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1. Introdução
Este artigo elucida ⎼ fornecendo-lhe o necessário contexto e uma chave interpretativa ⎼ as recentes confidências de Davyd Arakhamia, também conhecido como David Braun, chefe do grupo parlamentar do partido Servente do Povo, o partido fundado pelo presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia, maioritário no parlamento ucraniano.
Que eu saiba,
nenhum órgão português do sistema mediático dominante de comunicação social noticiou
ou comentou as declarações do senhor Arakhamia sobre os importantes episódios de que
ele foi protagonista — uma variante laica da história bíblica de Jonas e a baleia,
mas com um Jonas pusilânime. Mas é muito importante conhecê-las e dá-las a
conhecer, porque elas lançam uma luz forte sobre as zonas mais recônditas da
segunda guerra na Ucrânia (a que começou em 24 de Fevereiro de 2022) e, em
particular, sobre as pesadíssimas responsabilidades de Zelensky na continuação dessa
guerra até aos dias de hoje.
2. As negociações de Março/Abril de 2022
Na secção 9.2 [“As responsabilidades de Zelensky”] do meu livro Dissipando a
Névoa Artificial da Guerra: um roteiro para o fim das guerras na Ucrânia, a paz
na Europa e o desarmamento nuclear universal (editora Primeiro Capítulo,
Agosto 2023), descrevi sucintamente as negociações que ocorreram em Março de
2022, na Turquia, entre a Ucrânia e a Rússia, com vista a celebrar um acordo de
paz entre os dois países beligerantes.
Estava em causa uma
solução negociada que permitisse alcançar dois objectivos:
(i) pôr fim ao conflito
armado entre as duas Repúblicas da Donbass – República Popular de Donetsk (RPD)
e República Popular de Lugansk (RPL) ⎼ e a Ucrânia, resultante
do desrespeito dos Acordos de Minsk (2014-2015) — sistemática e cientemente violados
pela Ucrânia com a cumplicidade, como ficámos recentemente a saber, de dois dos
seus mediadores e padrinhos (França e Alemanha) [1];
e
(ii) garantir a neutralidade militar (incluindo a renúncia ao armamento nuclear) da Ucrânia, ameaçada pela intenção reiteradamente declarada da Ucrânia, expressa pela boca e pelos actos dos seus governantes pós-golpe de Estado de Maidan (Fevereiro de 2014), de abandonar a sua neutralidade militar (que se comprometera a respeitar ao assinar o Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança, em 1994), instalar armas nucleares (de fabrico próprio ou alheio) no seu território e aderir à OTAN (NATO no acrónimo inglês) — intenção essa que a Rússia encarava, fundadamente, como uma gravíssima ameaça à sua existência [2].
Essas negociações entre
a Rússia e a Ucrânia ocorreram em Antália e Istambul, na Turquia, e chegaram a
bom porto, como o atestam todos os testemunhos, incluindo os dos seus mediadores
— Mevlut Cavusoglu (ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia), Gerhard Schröeder
(ex-chanceler da Alemanha) e Neftali Bennett, à época primeiro-ministro de
Israel.
Turquia, 29 de Março de 2022. Na foto vêm-se vários membros da delegação ucraniana nas negociações russo-ucranianas. O segundo homem a contar da esquerda, é Davyd Arakhamia, chefe dessa delegação e chefe do grupo parlamentar do partido Servente do Povo (o partido fundado pelo presidente Volodymyr Zelensky). Foto: Lokman Akkaya/Anadolu Agency via Getty Images. |
Mais: chegou-se a
um acordo entre as duas partes beligerantes que era muito favorável à Ucrânia.
«Os principais pontos do
plano eram um cessar-fogo e a retirada russa [do território ucraniano], e a adopção pela Ucrânia de um
estatuto de neutralidade semelhante ao da Áustria. A Ucrânia renunciaria a qualquer
plano futuro de adesão à OTAN e prometeria não acolher instalações de armas
ou bases militares estrangeiras, em troca de novas garantias de segurança de
outros países. A língua russa
seria também reconhecida como uma língua oficial na Ucrânia. Os pontos de atrito da Rússia
envolviam a natureza das garantias de segurança e que países as forneceriam,
e os pormenores de como o futuro da Crimeia e das duas Repúblicas Populares em
Donbass seria decidido. Mas os contornos de um acordo de paz estavam em
cima da mesa»
[3].
Gerhard Schröeder, ex-chanceler da
Alemanha (1998-2005) ⎼ que foi também mediador em Istambul (a pedido da Ucrânia) entre a Ucrânia e a Rússia, e que tem
acesso fácil ao Kremlin devido às suas funções profissionais [4] ⎼ foi ainda mais explícito sobre o teor
do acordo. Numa entrevista recente [5], Schröeder revelou que o acordo
russo-ucraniano alcançado na Turquia em Março/Abril de 2022 incluía os
seguintes pontos:
― A Ucrânia abandonaria as suas pretensões
de vir a pertencer à OTAN;
― A revogação, pelo parlamento
ucraniano pós-golpe de Estado de Maidan (2014), da lei que garantia o
bilinguismo oficial (ucraniano + russo) [a lei Kivalov-Kolesnichenko
de 2012] seria revertida;
― A região da Donbass [onde se situavam
a RPD e a RPL] permaneceria na Ucrânia, mas como uma região autónoma (Schröeder:
“Como o Tirol do Sul” relativamente à Itália);
― O Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha deveriam fornecer à Ucrânia as garantias de segurança que ela pedia e a que tem direito.
O ex-chanceler alemão também falou sobre
a Crimeia — uma república autónoma da ex-União Soviética que a Ucrânia anexou
em 1995 [6]. Considerou-a uma parte da história russa.
«Há quanto tempo é que a
Crimeia é russa? Para a Rússia, a Crimeia não é apenas uma região, mas uma
parte da sua história. A guerra poderia ter terminado se não estivessem em jogo
interesses geopolíticos», afirmou
Gerhard Schröeder.
3.
A opinião de
Davyd Arakhamia em 3 de Abril de 2022
O chefe da delegação ucraniana de
negociadores, Davyd Arakhamia, considerou as negociações de Março/Abril de 2022,
na Turquia, um êxito retumbante para a Ucrânia.
O The Telegraph (o jornal que
apoia o Partido Conservador do Reino Unido, o partido actualmente no poder) deu
conta disso mesmo ao publicar a seguinte manchete no dia 3 de Abril de 2022:
A manchete vinha acompanhada da
seguinte fotografia e legenda.
A Agência Lusa noticiou na mesma altura algo que
permite dar às palavras de Davyd Arakhamia a sua verdadeira dimensão.
«Kiev [entenda-se:
o governo de Zelensky, n.e.] propõe a
neutralidade da Ucrânia e a renúncia à adesão à NATO, desde que a sua segurança
seja garantida por vários países, tendo proposto ainda um período de
negociações para resolver o estatuto da região da Donbass e da Crimeia.
“Na realidade, todos os acordos obtidos em Istambul nada
mais são do que aquilo que Rússia tem exigido desde 2014”, notou Medinsky [o
chefe da delegação russa, n.e.], apontando para
questões como a neutralidade ucraniana, a proibição de bases militares
estrangeiras e a presença de tropas estrangeiras ou qualquer tipo de sistemas
de mísseis» [7].
4.
A
visita-surpresa de Boris Johnson a Kiev
Poucos dias depois do acordo alcançado
na Turquia, Boris Johnson, à época primeiro-ministro do Reino Unido (RU), fez
uma visita-surpresa a Kiev com dois potentes engodos na pasta: (i) uma
promessa de 100 milhões de libras esterlinas em armamento britânico do mais
moderno e outras avultadas benesses financeiras, e (ii) um recado seu e de
Joe Biden, o chefe incontestado do “Ocidente alargado”.
Perante o resultado que se conhece
dessa visita de Johnson [8], não é difícil conjecturar qual terá sido o
teor fundamental desse recado a Zelensky que o próprio Johnson se encarregou de
transmitir à sua maneira. Poderá ter sido algo como isto:
“Senhor Presidente. O senhor é livre, bem entendido, de fazer esse acordo de paz com a Rússia. Mas tem de estar ciente que, se o fizer, nós (RU, EUA, OTAN, UE — o núcleo duro do “Ocidente alargado” tão caro ao nosso saudoso mestre Zibgniew Brzezinski) deixaremos de o apoiar. Mas não há necessidade nenhuma disso acontecer. A Rússia não é um parceiro confiável. Putin é um criminoso de guerra. Se o senhor recusar esses cantos de sereia de Putin, nós apoiá-lo-emos em tudo ⎼ armas, munições, treino de tropas, informações militares estratégicas e operacionais, logística, dinheiro, apoio diplomático ⎼ e pelo tempo que for preciso. Eu trago-lhe hoje um cheque-promessa de mais de 100 milhões de libras esterlinas [=120 milhões de euros = 130 milhões de dólares americanos ao câmbio de então, n.e.] em armamento britânico da mais alta qualidade, além de um empréstimo de 500 milhões de dólares americanos do Banco Mundial, elevando assim a 100 mil milhões de dólares a garantia total de empréstimos do Reino Unido à Ucrânia. É uma prova concreta do nosso apreço por si e da nossa confiança no futuro da Ucrânia. E permita-me, sr. Presidente, que lhe diga mais uma coisa da máxima importância: a Ucrânia pode ganhar esta guerra contra a Rússia com o nosso apoio inabalável. Porque o nosso apoio inabalável ao seu país, não é apenas militar, financeiro e diplomático; é também económico. Nós vamos infligir sanções económicas à Rússia de Putin de uma dureza e numa escala nunca vistas, que, juntamente com a constante pressão militar, obrigarão Putin a claudicar e/ou a enfrentar uma revolta da sua própria população que o poderá derrubar”.
5. O
papel pernicioso da dupla Johnson/Biden
Seja como for, uma coisa é certa: antes da visita-surpresa
de Boris Johnson em 9 de Abril de 2022, a Ucrânia e a Rússia tinham chegado a
um acordo de paz que ambas as partes beligerantes consideravam altamente
satisfatório. Depois dessa visita, esse acordo foi recusado pela Ucrânia.
Não se trata de uma mera coincidência. Em 5 de
Maio de 2022, os jornalistas ucranianos Iryna Balachuk e Roman Romaniuk, do Ukrayinska
Pravda, escreveram:
«De acordo com fontes do Ukrayinska Pravda próximas de Zelensky, o Primeiro-Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que apareceu na capital quase sem aviso prévio, trouxe duas mensagens simples: a primeira é que Putin é um criminoso de guerra, deve ser pressionado e não trazido para negociações; e a segunda é que, mesmo que a Ucrânia esteja pronta para assinar alguns acordos de garantias com Putin, eles [os membros do “Ocidente alargado”, n.e.] não estão.
A posição de Johnson era a de que o
Ocidente alargado, que em Fevereiro tinha sugerido que Zelensky se rendesse e
fugisse, sentia agora que Putin não era tão poderoso quanto imaginavam e que esta
era uma oportunidade para o “pressionar”.
Três dias depois de Johnson ter
partido para a Grã-Bretanha, Putin veio a público dizer que as conversações com
a Ucrânia “tinham-se transformado num beco sem saída”»[9].
Por sua vez, Gerhard Schröeder confidenciou na
sua entrevista ao Berliner Zeitung:
«As únicas pessoas que podem
resolver a guerra da Ucrânia são os americanos. Durante as conversações de paz
em Março de 2022, em Istambul, com Rustem Umierov [actual Ministro da Defesa da Ucrânia, n.e.],
os ucranianos não concordaram com a paz porque não lhes foi permitido.
Tiveram, primeiro, de coordenar tudo o que disseram com os americanos».
O antigo chanceler afirmou ainda, depois ter
falado com Umierov e em “tête-à-tête com Putin”:
«No entanto, acabou por não
acontecer nada. A minha impressão é que nada podia acontecer porque tudo o
resto foi decidido em Washington. Foi fatal». [o realce, por meio de traço grosso, foi acrescentado ao original, n.e.]
6. 14 meses
depois: o testemunho de Putin
Em 16 e 17 de Junho de 2023, uma delegação de governantes
de vários países africanos ⎼ África do Sul, Egipto, Zâmbia, República do
Congo, Senegal, Uganda, União das Comores ⎼ visitou, sucessivamente, Kiev
e Moscovo para apresentar aos presidentes da Ucrânia e da Rússia um plano em 10
pontos destinado a pôr termo ao conflito armado entre esses dois países e para oferecer
os seus préstimos como mediadora nas negociações que viessem a ocorrer nesse sentido.
Numa conferência de imprensa conjunta em Kiev, após
a reunião com a delegação africana, Zelensky negou qualquer possibilidade de
negociações com a Rússia e reiterou a posição do seu país de que as
conversações de paz só poderão prosseguir depois de a Rússia se retirar
completamente de todos os territórios ucranianos.
Durante a reunião com a delegação africana, o presidente russo, Vladimir Putin, mostrou o projecto final de acordo com a Ucrânia, elaborado em Março de 2022 em Istambul, que já descrevi na secção 2 deste artigo. Putin disse nessa ocasião:
«Gostaria de
chamar a vossa atenção para o facto de que, com a ajuda do Presidente [Tayyip] Erdogan, como sabem, teve lugar na
Turquia uma série de conversações entre a Rússia e a Ucrânia, a fim de elaborar
tanto as medidas de reforço da confiança que mencionaram, como o texto do
acordo. Não acordámos com a parte ucraniana que este tratado seria
confidencial, mas também nunca o apresentámos [publicamente], nem o comentámos [publicamente]. Este projecto de acordo foi rubricado pelo chefe da
equipa de negociação de Kiev [o sr. Davyd Arakhamia, n.e.]. Ele colocou nele a sua assinatura. Aqui está ela» — disse o Presidente russo, mostrando o documento à
delegação africana.
De acordo com Putin, o projecto de acordo sobre a
neutralidade militar permanente da Ucrânia (incluindo a componente nuclear) e as
garantias de segurança da Ucrânia continha 18 artigos, com um anexo onde «tudo está especificado, desde o número de unidades de equipamento
militar até ao pessoal das Forças Armadas», disse.
«Assim que a Rússia, conforme tinha
prometido, retirou as suas tropas das cercanias de Kiev [num gesto de boa vontade demonstrativo do seu empenho no êxito do acordo, n.e.], a Ucrânia atirou o acordo para o caixote do lixo da história» — acrescentou Putin.
A intervenção completa de Putin nesta ocasião,
com legendas em Inglês, pode ser vista e ouvida aqui [https://x.com/onlydjole/status/1670141702797967361?s=20].
O sistema mediático dominante de comunicação
social do chamado “Ocidente alargado” deu pouca
ou nula cobertura noticiosa a este discurso de Putin e os seus comentadores
encartados dispensaram-se de comentar o seu conteúdo e as suas implicações.
Quando o fizeram foi, o mais das vezes, para emitirem dúvidas quanto à
autenticidade do documento exibido por Putin nessa ocasião. Veremos mais
adiante (secções 8 e 9) quais as razões desse comportamento.
7. 19 meses
depois: Arakhamia, outra vez
Cinco meses volvidos sobre as declarações de Putin
à delegação africana sobre as negociações russo-ucranianas na Turquia e 18
meses volvidos sobre essas negociações, eis que o mesmo senhor David Arakhamia ⎼ que
continua a ser o chefe do grupo
parlamentar do partido Servente do Povo ⎼ decide dar uma
entrevista ao canal de televisão ucraniano 1+1, na qual…confirma tudo o que já sabíamos
pela boca de
Mevlut Cavusoglu, Ibrahim Kalin (porta-voz presidencial da Turquia) [10], Neftali Bennett, Vladimir Medinsky, Vladimir Putin, Gerhard Schröeder e do próprio Davyd Arakhamia!
A grande diferença, porém, é que, desta vez, a
confirmação vem de alguém que esteve no ventre da baleia; alguém que participou
directamente nas negociações de paz que tiveram lugar na Turquia como membro da
parte que se apresenta como agredida; alguém que chefiou a delegação ucraniana nessas
negociações; alguém que é um dos dirigentes mais proeminentes do partido Servente do Povo, o partido governante da
Ucrânia; alguém em quem Zelensk tem plena confiança e que é um dos seus mais
próximos colaboradores. Por isso, não é possível descartar o depoimento de Arakhamia
afirmando que se trata do depoimento de um inimigo de Zelensky, de alguém que
lhe quer mal, de alguém que pretende difamá-lo.
A entrevista a Arakhamia foi feita pela jornalista Natalia Moseichuk e, para quem saiba ucraniano, pode ser vista aqui [https://www.youtube.com/watch?v=6lt4E0DiJts]. Os trechos seguintes das declarações feitas por Arakhamia durante essa entrevista foram extraídos da transcrição feita pelo jornal ucraniano Ukrayinska Pravda na sua edição inglesa, em 24 de Novembro de 2023.
«Arakhamia: Eles [os membros da delegação russa, n.e.] estavam esperançados, e mantiveram essa esperança até quase ao último momento, que nos obrigariam a assinar um acordo desse género para que assumíssemos a neutralidade. Era o mais importante para eles. Estavam dispostos a acabar com a guerra se nós concordássemos com a neutralidade — como outrora fez a Finlândia — e nos comprometêssemos a não aderir à NATO [= OTAN, n.e.]. De facto, esse era o ponto-chave. Tudo o resto era apenas retórica e “tempero político” sobre a desnazificação, a população de língua russa e blá-blá-blá» [o realce, por meio de traço grosso, foi acrescentado ao original, n.e.]
Quando lhe foi perguntado porque é que a Ucrânia não concordava com esse ponto-chave, Arakhamia respondeu que os ucranianos [entenda-se: o governo ucraniano] não tinham confiança nos russos [entenda-se: no governo russo], porque eles estavam dispostos a prometer qualquer coisa.
«Arakhamia: Em primeiro lugar, para chegar a acordo sobre esse ponto, é necessário alterar a Constituição. O nosso caminho para a NATO está inscrito na Constituição. Em segundo lugar, não havia confiança nos russos de que eles fariam o que prometeram. Isso só seria possível se houvesse garantias».
Dois comentários que vêm a talho de foice.
1.º) O parlamento da Ucrânia inscreveu o desejo deste
Estado de aderir à OTAN/NATO em 3 artigos da Constituição da Ucrânia (artigos 85,
102 e 116). A Constituição da Ucrânia já foi revista 6 vezes desde a sua
aprovação (1996). Nada impede que seja revista uma 7.ª vez para desinscrever esse
desejo que só trouxe morte e destruição em doses maciças a esse país e cuja
realização, aliás, não depende sequer da vontade exclusiva da Ucrânia, mesmo que
esse desejo não tivesse tais óbices. Como se sabe, um Estado só pode ser aceite
na OTAN (i) se cumprir um certo número de requisitos e (ii) se os
demais membros dessa organização estiverem de acordo por unanimidade, mesmo que
o país candidato à adesão cumpra tais requisitos na íntegra. Que o diga a
Suécia, por exemplo, que cumpre todos os requisitos exigidos, mas que continua
à espera de entrar por causa da oposição da Turquia e da Hungria.
2.º) O que Arakhamia afirma sobre a falta de garantias
de segurança que tinham sido pedidas pela Ucrânia não corresponde à verdade, a
fazer fé no que Schröeder nos revelou na sua entrevista ao Berliner
Zeitung. Segundo Schröeder, as partes puseram-se de acordo sobre quem
forneceria essas garantias: a Alemanha e o Conselho de Segurança da ONU, como
vimos.
Prossigamos. Arakhamia acrescentou que os
parceiros ocidentais estavam a par das negociações e que leram os rascunhos dos
documentos que foram redigidos enquanto as negociações duraram, mas que não
tentaram substituir-se à Ucrânia tomando uma decisão por ela. O que fizeram,
isso sim, foi dar conselhos, disse.
«Arakhamia: Na
verdade, aconselharam-nos a não aceitar garantias de segurança efémeras [da
parte dos russos — nota editorial da Ukrainska Pravda], que
não poderiam de modo nenhum ser dadas nessa altura».
Mas, logo a seguir, acabou por confidenciar que,
vindos de quem vêm, os conselhos desta natureza são ordens para os “Serventes
do Povo”:
«Arakhamia: Além disso, quando regressámos de Istambul, Boris
Johnson veio a Kiev e disse que não íamos assinar com eles [os russos, n.e.] coisíssima nenhuma,
vamos mas é lutar contra eles» [o
realce, por meio de traço grosso, foi acrescentado ao original, n.e.]
8. As pesadíssimas responsabilidades de Zelensky
Basta cotejar a avaliação que Arakhamia fez do
acordo de paz russo-ucraniano de Março de 2022, em duas ocasiões distintas ⎼ em 3 de Abril
de 2022 (“excelente!”) e em 24 de Novembro de
2023 (“péssimo!”) ⎼ para se
perceber que este homem é um pau-mandado. É possível vê-lo (é o meu caso) como um
Jonas a quem foi dada uma oportunidade única de reflectir sobre a sua
experiência quando esteve no ventre protector da baleia, mas que renegou tudo o
que aprendeu durante esse período, logo que a baleia o expeliu de volta às ondas
revoltas do mar.
Seja como for, as cabriolas opinativas de
Arakhamia não alteram os factos que este artigo pretende destacar, que Arakhamia
confirmou na sua entrevista e para a existência dos quais o mesmo Arakhamia contribuiu
com a sua quota-parte, malgrado a sua pusilanimidade.
O facto principal a destacar é este. Em 3 de Abril de 2022, Davyd Arakhamia, chefe da delegação ucraniana nas
conversações de paz com a Rússia, assinou livremente e em nome do seu governo, um
acordo com o governo russo que teria permitido ao seu país:
― Beneficiar de um cessar-fogo imediato;
― Evitar a morte em combate de centenas de
milhares de soldados ucranianos;
― Evitar que centenas de milhares de soldados ucranianos
fossem feridos, capturados como prisioneiros de guerra, dados como desaparecidos
em combate ou que ficassem estropiados para o resto da vida;
― Evitar a
fuga de milhões de ucranianos para o estrangeiro e a deslocação de milhões de
outros dentro do seu país [11].
― Evitar a morte de milhares de civis ucranianos (incluindo centenas de crianças) [12], vítimas colaterais tanto dos bombardeamentos russos como, sobretudo, da política dita de “defesa total” do governo de Zelenzky, que aboliu a distinção basilar das leis da guerra entre combatentes e civis e transformou os civis ucranianos das cidades em escudos humanos das tropas e das instalações militares ucranianas [13].
― Evitar danos físicos ou funcionais e destruições nas suas infraestruturas físicas (barragens, pontes, aeródromos, viadutos, estradas, ferrovias, centrais eléctricas térmicas não-nucleares, postos de transformação eléctrica, instalações portuárias), no seu parque habitacional e até, por vezes, no seu património edificado, com todo o seu cortejo de efeitos indirectos.
Uma ponte destruída pela guerra na Ucrânia. |
Além disso, o acordo firmado na Turquia pela delegação ucraniana e pela delegação russa teria permitido preservar a integridade territorial da Ucrânia tal como esta existia à data da sua declaração de independência (24 de Agosto de 1991) — ou seja, teria evitado a secessão definitiva da RPL e da RPD na região de Donbass (substituída por uma autonomia à tirolesa no âmbito da Ucrânia), a sua adesão ulterior à Federação Russa e a incorporação dos oblasts de Zaporíjia e Kherson na Federação Russa. Este aspecto do conteúdo do acordo ⎼ a fazer fé na exactidão das confidências de Gerhard Schröeder ⎼ seria, sem dúvida, a cereja em cima do bolo para os nacionalistas ucranianos, pelo menos para os mais moderados, e um sapo que seria engolido sem grandes dificuldades pelos mais ferrenhos, incluindo os ultranacionalistas neonazis seguidores de Stepan Bandera.
Mas o presidente Volodymyr Zelensky e o seu regime repudiaram tudo isto. Preferiram aceitar, cheios de gratidão, a conta à ordem e o tapete rolante de material bélico que lhes foram oferecidos pelos seus patronos anglo-americanos (Johnson e Biden) e os seus prestimosos ajudantes europeus (Olaf Scholz, Charles Michel, Ursula von der Leyen, Emmanuel Macron, Joseph Borrell, Jens Stoltenberg). Em troca de quê? Do cumprimento de um mandato camicase destinado a «enfraquecer a Rússia» (Lloyd Austin, ipse dixit [14]), cujo teor foi muito bem resumido por Andrés López Obrador, o presidente do México: «Nós [Ucrânia] fornecemos os mortos; vós [Ocidente alargado] forneceis as armas».
9. A derrocada de uma pseudo-explicação
O primeiro efeito da entrevista de Davyd Arakhamia é, portanto, o de revelar, da maneira mais terra a terra que é possível, o
modo como Zelensky e os seus colaboradores arrastaram cientemente o seu país para
uma guerra devastadora que poderiam facilmente ter evitado, não fora o breviário
onde procuram inspiração e conselho para a sua actuação como governantes — um inebriante
cacharolete de ignorância crassa, esperteza saloia, ganância, mesquinhez e hubris.
O segundo efeito dessa entrevista que convém
destacar é o de fazer ruir, como um piparote num castelo
de cartas, a pseudo-explicação favorita das guerras na Ucrânia (em particular a
segunda) que é avançada pelos comentadores do sistema mediático dominante de
comunicação social do “Ocidente alargado”. Para fins mnemónicos, podemos
denominar essa pseudo-explicação como sendo a de “Putin,
o conquistador” — uma explicação que faz dele um émulo russo de Dom Afonso Henriques
(o primeiro rei de Portugal) nos dias de hoje.
Fiona Hill ⎼ uma historiadora anglo-americana
e assessora política de vários presidentes americanos ⎼ expressou
muito clara e sucintamente essa pseudo-explicação na seguinte passagem:
«O presidente da Rússia invadiu a Ucrânia não por se sentir ameaçado pela expansão da NATO ou por “provocações” ocidentais. Ele ordenou a sua “operação militar especial” porque acredita que a Rússia tem o direito divino de governar a Ucrânia, de acabar com a identidade nacional do país e de integrar o seu povo numa Grande Rússia» [15].
Já desmontei e refutei, longamente, a tese do
“expansionismo da Rússia” ou das alegadas “ambições territoriais de Putin” (em
suma, “Putin, o conquistador”) no meu livro Dissipando a
Névoa Artificial da Ucrânia: um roteiro para fim das guerras na Ucrânia, a paz
na Europa, e o desarmamento nuclear universal (cf. nota 10, pp.153-157).
Não vou repetir aqui o que disse nesse livro, porque isso não serviria nenhum
propósito útil.
Mas vale a pena dar aqui a conhecer, na íntegra, os
argumentos principais que John Mearsheimer desenvolveu contra essa pseudo-explicação
num artigo recente. Os seus argumentos vão no mesmo sentido que os meus,
apesar das grandes diferenças que nos separam no plano epistemológico e no
plano político [16].
«Segundo todos os relatos, essas
negociações [entre a Ucrânia e Rússia, na Turquia, n.e.], que tiveram lugar em Março-Abril
de 2022, estavam a fazer progressos reais quando o Reino Unido e os EUA
disseram ao presidente ucraniano Zelensky para as abandonar, o que ele fez.
A cobertura destes acontecimentos
centrou-se na insensatez e irresponsabilidade que foi o Presidente Joe Biden e o
primeiro-ministro Boris Johnson terem posto fim a estas negociações, tendo em
conta toda a mortandade e destruição que a Ucrânia tem sofrido desde então —
numa guerra que Kiev provavelmente perderá.
No entanto, um aspecto
especialmente importante desta história, relativo às causas da guerra na
Ucrânia, tem recebido pouca atenção. A opinião convencional bem enraizada no
Ocidente é que o Presidente Putin invadiu a Ucrânia para conquistar o país e
torná-lo parte de uma Grande Rússia. Depois, seguiria em frente e conquistaria
outros países da Europa de Leste. O contra-argumento, que goza de pouco apoio
no Ocidente, é que Putin foi motivado para invadir principalmente pela ameaça
de a Ucrânia aderir à NATO e se tornar um baluarte ocidental na fronteira da
Rússia. Para ele e para outras elites russas, a adesão da Ucrânia à NATO era
uma ameaça existencial.
As negociações de Março-Abril de
2022 tornam claro que a sabedoria convencional sobre as causas da guerra está
errada e que o contra-argumento está certo, por duas razões principais.
Em primeiro lugar, as conversações
centraram-se diretamente na satisfação da exigência da Rússia de que a Ucrânia
não fizesse parte da OTAN e, em vez disso, se tornasse um Estado neutro. Todos
os envolvidos nas negociações compreenderam que a relação da Ucrânia com a OTAN
era a principal preocupação da Rússia.
Em segundo lugar, se Putin
estivesse empenhado em conquistar toda a Ucrânia, não teria concordado com
estas conversações, uma vez que a sua própria essência contradizia qualquer
possibilidade de a Rússia conquistar toda a Ucrânia. Poder-se-ia argumentar que
Putin participou nestas negociações e falou muito de neutralidade para mascarar
as suas ambições maiores. No entanto, não há provas que sustentem esta linha de
argumentação, para além de que: 1) a pequena força de invasão da Rússia
não era capaz de conquistar e ocupar toda a Ucrânia; e 2) não teria
feito sentido atrasar uma ofensiva maior, pois isso daria tempo à Ucrânia para
construir as suas defesas.
Em suma, Putin lançou um ataque
limitado à Ucrânia com o objectivo de coagir Zelensky a abandonar a política de
alinhamento de Kiev com o Ocidente e a não levar, por fim, a Ucrânia para
dentro da OTAN. Se o Reino Unido e o Ocidente não tivessem intervindo para
estragar as negociações, há boas razões para pensar que Putin teria atingido
este objetivo limitado e concordado em acabar com a guerra.
Também vale a pena lembrar que a
Rússia só anexou os oblasts ucranianos de Donetsk, Luhansk, Kherson e
Zaporíjia em Setembro de 2022, muito depois de as negociações terem terminado.
Se tivesse sido alcançado um acordo, a Ucrânia controlaria quase de certeza uma
parte muito maior do seu território original do que aquela que controla
actualmente. É cada vez mais claro que, no caso da Ucrânia, o nível de
insensatez e desonestidade das elites ocidentais e dos principais meios de
comunicação ocidentais é pasmoso »[17].
............................................................................................................................................................................................
Notas e Referências
[1] A ex-chanceler da
Alemanha, Angela Merkel, e o ex-presidente da França, François Hollande,
mediadores e garantes dos Acordos de Minsk 2 por parte da Ucrânia, deram
recentemente entrevistas (Merkel ao Der Spiegel [1-12-2022] e ao Die
Zeit [7-12-2022]; Hollande ao The Kyiv Independent [28-12-2022] e ao
Frankfurter Allgemeine [24-03-2023]) durante as quais afirmaram que nunca
foi sua intenção fazê-los cumprir. A sua única intenção foi, confessaram, a de permitir
que o presidente Poroshenko da Ucrânia ganhasse o tempo necessário para poder
construir, com a ajuda dos EUA e dos países da OTAN, umas Forças Armadas
poderosas, capazes de destruir a RPD e a RPL, subjugar de novo a população
russófona da Donbass e confrontar-se vitoriosamente com as Forças Armadas russas,
caso estas viessem em socorro daquelas repúblicas.
[2] Os apologistas da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) costumam alegar, em seu abono, que esta é uma aliança benigna, puramente defensiva. Destarte, argumentam, a Rússia nada teria a temer com a expansão da OTAN em 5 ondas sucessivas (1999, 2004, 2009, 2017, 2020) em direcção às fronteiras russas e a eventual adesão da Ucrânia e da Geórgia seria apenas mais um episódio dessa inofensiva expansão da OTAN. Mas basta evocar as intervenções militares ofensivas da OTAN (Jugoslávia 1995 e 1999, Afeganistão 2003, Líbia 2011) e observar o rasto sangrento de morte e destruição que deixaram para verificar que essas alegações são uma facécia para consumo jornalístico.
[3] Medea Benjamin & Nicolas Davies, War in Ukraine:
Making Sense of a Senseless Conflict [“Guerra na Ucrânia: para entender
um conflito que não se entende”]. OR Books, December 21, 2022.
[4] Schröeder ocupa actualmente o cargo
de presidente do conselho de administração da Rosneft, uma empresa pública
russa, e de presidente do conselho de administração da Nord Stream 2, uma subsidiária
da Gazprom, uma empresa pública russa.
[5]
“Gerhard Schröeder im
Interview: So scheiterten dienFriedensverhandlungen zwischen Ukraine und
Russland”. Berliner Zeitung, 21-10-2023; “Former German Chancellor
claims he ‘mediated’ situation between Ukraine and Russia in 2022”. Ukrayinska
Pravda, October 21, 2023 [reproduzido em Yahoo! News].
[6] Consultar, a este propósito, o
capítulo 3 (“A colossal patranha da anexação da
Crimeia pela Rússia”) do meu livro Dissipando a Névoa Artificial da
Guerra: um roteiro para o fim das guerras na Ucrânia, a paz na Europa e o desarmamento
nuclear universal” (Editora Primeiro Capítulo, 2023).
[7] “Rússia fala em lento cumprimento dos
acordos de Istambul por Kiev”. Lusa, 3 de Abril
de 2022.
[8]
Robert Sermones, “Former
Israeli PM: West Blocked Russo-Ukraine Peace Deal”. The European
Conservative, February 7, 2023; Iryna Balachuk &
Roman Romaniuk, “Possibility of talks between Zelenskiy and Putin came to
halt after Johnson’s visit — UP sources”. Ukrayinska Pravda, 5 May,
2022.
[9]
Iryna Balachuk & Roman
Romaniuk,“Possibility of talks between Zelenskiy and Putin came to halt after
Johnson’s visit — UP sources”. Ukrayinska Pravda,
5 May, 2022.
[10] «Numa
entrevista ao jornal diário Hurriyet, o
porta-voz presidencial [da Turquia], Ibrahim
Kalin, afirmou que as partes estavam a negociar seis pontos: A neutralidade da
Ucrânia, o desarmamento e as garantias de segurança, a chamada “desnazificação”,
a eliminação dos obstáculos à utilização da língua russa na Ucrânia, o estatuto
das repúblicas separatistas na região da Donbass e o estatuto da Crimeia» (“Russia,
Ukraine ‘close to agreement’ in negotiations, says Turkey». Aljazeera,
20 March 2022).
[11] Segundo os últimos dados do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em 21 de Novembro de
2023, havia mais de 6 milhões (6.338.100) de refugiados ucranianos noutros
países, e mais de três milhões (3.674.000) deslocados internos em 3 de Novembro
de 2023, segundo os dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) das
Nações Unidas
[12] Pelo menos, 10.000 civis, incluindo mais
de 560 crianças, foram mortos e mais de 18.500 ficaram feridos desde o início
da 2.ª guerra na Ucrânia, em 24 Fevereiro de 2022, segundo o relatório de 24 de
Novembro de 2023 do ACNUR.
[13] O emprego de escudos humanos é um
crime de guerra, expressamente proibido pelo Direito
Internacional Humanitário, também conhecido como Direito Internacional dos Conflitos Armados (vulgo, “as leis da guerra”) — nomeadamente pela Terceira Convenção de Genebra (relativa aos
prisioneiros de guerra), pela Quarta Convenção de
Genebra (relativa aos civis protegidos), pelo Protocolo Adicional I
(relativa aos civis em geral), assim como pelo estatuto do Tribunal Penal
Internacional. Tanto a Ucrânia como a Rússia subscreveram estas convenções e os
seus protocolos adicionais.
Por “emprego de escudos humanos” entende-se,
especificamente, «o emprego da presença (ou do
movimento) de civis ou outras pessoas protegidas para tornar certos pontos ou
áreas (ou forças militares) imunes às operações militares ou ainda, uma
colocação intencional de civis ou pessoas fora de combate [tais como
pessoal médico e paramédico, bombeiros, prisoneiros de guerra, n.e.] junto a objectivos militares [tais como bivaques militares, obuses, baterias DCA, carros de combate, depósitos de munições, radares, centros de comando e controlo, n.e.] com a
finalidade específica de tentar evitar os ataques a esses objectivos (Jean-Marie
Henckaerts & Louise Doswald-Beck, Direito Internacional Humanitário Consuetudinário.
Volume 1. Normas. Comité Internacional da Cruz Vermelha. 2007, pp.381-2).
O emprego, numa guerra, de civis como escudos humanos é uma das violações mais
cínicas da abolição da distinção entre combatente e civil (ou pessoa fora de
combate), a qual constitui a base de sustentação de todo o moderno edifício do
direito internacional humanitário — a sua Norma nº.1.
«Norma
1. As partes em conflito devem distinguir
entre civis e combatentes em todas as circunstâncias. Os ataques só podem ser
dirigidos contra os combatentes. Os ataques não podem ser dirigidos contra os
civis»
(Henckaerts & Doswald-Beck, op.cit., p.3).
Zelensky não hesitou, desde o início da segunda guerra na Ucrânia, em violar a Norma Nº.1 do Direito Internacional Humanitário, empregando civis ucranianos, sobretudo nas cidades, como escudos humanos para defender as tropas e as instalações militares ucranianas dos ataques das tropas russas. Este é um facto praticamente desconhecido do grande público. Esse desconhecimento deve-se ao silêncio noticioso e comentarístico que o sistema mediático dominante da comunicação social tem feito sobre este assunto, salvo raras excepções. Esta é uma delas: Susan Raghavan, “Russia has killed civilians in Ukraine.” Kyiv’s defense tactics add to the danger.” Washington Post. March 22, 2022.
[14] «Numa conferência de imprensa na Polónia, após a sua visita [a Kiev], Austin [ministro da Defesa dos EUA, n.e.] disse aos jornalistas que os EUA querem ver “a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisas que fez ao invadir a Ucrânia”». Matt Murphy, “Ukraine war: US wants to see a weakened Russia”. BBC News, 25 April 2022.
[15]
Fiona Hill &
Angela Stent, “The World Putin Wants. How Distortions
About the Past Feed Delusions About the Future.” Foreign Affairs. September/October 2022. Published on August 25, 2022.
[16]
John J. Mearsheimer é
professor de politologia e relações internacionais na Universidade de Chicago,
EUA, desde 1982. No domínio das relações internacionais, é
o principal teórico da corrente denominada “realismo ofensivo”, uma variante da
doutrina do realismo político.
[17] John J. Mearsheimer, “The Myth that Putin Was Bent on Conquering Ukraine and Creating a Greater Russia.” Substack, 27-11-2023.
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