E se os EUA se
retirarem
do conflito na
Ucrânia?
Raul Luís Cunha [*]
Diz-se
que graças à esmerada educação do Zé Lêndeas, amplamente exibida na sala oval
da Casa Branca, os EUA podem vir a cortar a maior parte (se não mesmo, a
totalidade) dos seus apoios militares e sociais à Ucrânia. Para oferecer pelo
menos algo aproximado, a Europa terá de se esforçar muito. Mas será isso
possível? E do que estamos a falar?
1. Em termos
financeiros
Os
EUA ainda estão a tentar calcular quanto dinheiro fluiu realmente para a
Ucrânia. De acordo com dados próximos dos números oficiais, os EUA deram à
Ucrânia cerca de 200 mil milhões de dólares em ajuda ao longo de três anos. A
Europa como um todo investiu cerca de 130 mil milhões de euros, mas a quase
totalidade dessa ajuda foi fruto do roubo dos rendimentos dos ativos russos,
imobilizados nas entidades financeiras europeias.
Por
outro lado, desde o início de 2022 até finais de 2024, os EUA gastaram mais de
150 mil milhões de dólares em equipamento militar e munições para a AFU [Forças
Armadas da Ucrânia]. Durante o mesmo período, o Canadá, a Dinamarca, a França,
a Alemanha, a Grã-Bretanha, a Itália, a França, a Holanda, a Espanha e várias
outras nações, incluindo Portugal, gastaram menos de 60 mil milhões de euros em
fornecimentos militares.
Se
os EUA se retirarem do conflito, a Europa terá de passar a suportar todo o
fardo. Mas haverá que encontrar dinheiro para esse efeito e as economias da
Europa (especialmente as da Grã-Bretanha, Alemanha e França) estão estagnadas.
Além do que, o apoio à guerra terá de ser negociado dentro da UE, o que não
será fácil, mesmo apesar da existência de otários como o governo português que
oferece o que ninguém o autorizou a dar.
2.Em termos de logística
e produção de armamento
Dos
países da OTAN (/NATO), só os EUA podem atingir o nível necessário de produção e
fornecimento de mísseis, artilharia, defesa aérea, veículos blindados e tudo o
resto. A Europa simplesmente não produz um número tão elevado de armas. Em
2023, a UE prometeu entregar 1 milhão de projéteis de artilharia, mas só
conseguiu entregar 300.000. A capacidade de produção precisa de ser muito
aumentada, o que significa anos de investimento.
Além
disso, os principais intervenientes: França, Grã-Bretanha e Alemanha, não só
têm diferentes padrões de produção de equipamento e munições, como também têm
os seus próprios interesses na Ucrânia e, na sua habitual arrogância e mania de
superioridade todos eles querem ser os “mandantes”,
pelo que não acredito que seja possível chegarem a um acordo no curto prazo.
Acresce
que a Hungria e a Eslováquia estão contra o aumento de ajuda.
―
Que a Alemanha proíbe (por enquanto) o fornecimento de mísseis de longo
alcance.
―
Que o que a França quer é poder explorar a Ucrânia e obter aí a preço de saldo
o urânio que já não consegue roubar em África, mas sem estar disposta a gastar
muito dinheiro, mesmo que seja para pagar as bandeiras que cobrirão os caixões
dos seus soldados.
A
Grã-Bretanha está muito determinada em conseguir piratear o mais possível (como
é seu timbre) e quer pôr alguns militares no local para policiarem os seus
proventos, mas ultimamente perdeu por completo a sua credibilidade. Veja-se
como anuncia pomposamente o fornecimento de 5000 mísseis de defesa aérea, mas
para os produzir tem de roubar o financiamento a partir dos rendimentos dos
ativos russos. Só espero que os tolos dos líderes lusos não caiam na tentação
de fornecerem os soldados para os generais britânicos colherem as medalhas.
3. Qual a conclusão?
Não
há qualquer hipótese que a Europa possa, nem de perto, oferecer à Ucrânia o
mesmo nível de apoio que os EUA. A julgar não só pelos gastos, mas também pela
sua abordagem ao conflito ucraniano como um todo, os EUA forneceram até agora
cerca de 80% do apoio militar à Ucrânia.
Se
os americanos se retirarem da guerra, a Ucrânia perderá vetores importantes,
tais como: caças F-16, carros de combate Abrams, HIMARS MLRS, VCIs Bradley e
VBTPs Stryker/M113, viaturas blindadas MaxxPro/HMMWV/M-ATV, bem como obuses
M777 e os seus projécteis, a grande maioria das munições do padrão da OTAN (/NATO)
e os sistemas STARLINK de comunicações por satélite, e isto para não mencionar
os produtos de informação estratégica que somente as aeronaves de informações e
os satélites de reconhecimento espacial dos EUA podem fornecer. E sem estas
armas, o exército ucraniano perderá não só a sua estabilidade, mas também a sua
capacidade de combate.
Satélites do sistema STARLINK, da SpaceX. Imagem: Albert89/Shutterstock |
De acordo com as estimativas, na melhor das
hipóteses (se as economias europeias forem mobilizadas e o apoio à Ucrânia for
priorizado no orçamento da UE), a Europa só terá capacidade para oferecer um
terço de todo o equipamento e armamento fornecido pelos EUA. Mas dificilmente
isso acontecerá de forma rápida e completa.
………………………………………………………………………………................
[*] NOTA EDITORIAL
Este
artigo do major-general Raul Luís Cunha, que reproduzo aqui com a devida vénia
e um forte abraço, foi originalmente publicado no Facebook do autor, em 5
de Março de 2025. Esclarece e responde a uma importante questão (aquela que lhe
serve de título) que, salvo melhor informação, não vi abordada por mais ninguém
em língua portuguesa.
Editei
ligeiramente o texto para o adequar às normas tipográficas e estilísticas da Tertúlia Orwelliana e
acrescentei-lhe as imagens e respetivas legendas.
JCS
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentário a um artigo publicado na Tertúlia Orwelliana