Neste blogue discutiremos 4 temas: 1. A linguagem enganosa. 2 As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 3. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 4. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

08 março, 2025

 

E se os EUA se retirarem

do conflito na Ucrânia?

Raul Luís Cunha [*]

 

Diz-se que graças à esmerada educação do Zé Lêndeas, amplamente exibida na sala oval da Casa Branca, os EUA podem vir a cortar a maior parte (se não mesmo, a totalidade) dos seus apoios militares e sociais à Ucrânia. Para oferecer pelo menos algo aproximado, a Europa terá de se esforçar muito. Mas será isso possível? E do que estamos a falar?


Volodymyr Zelensky declarou recentemente não saber do paradeiro de 100 mil milhões de dólares da ajuda que os EUA lhe forneceram até agora — metade ou mais de metade do total dessa ajuda, segundo as suas próprias contas.


1. Em termos financeiros

Os EUA ainda estão a tentar calcular quanto dinheiro fluiu realmente para a Ucrânia. De acordo com dados próximos dos números oficiais, os EUA deram à Ucrânia cerca de 200 mil milhões de dólares em ajuda ao longo de três anos. A Europa como um todo investiu cerca de 130 mil milhões de euros, mas a quase totalidade dessa ajuda foi fruto do roubo dos rendimentos dos ativos russos, imobilizados nas entidades financeiras europeias.

Por outro lado, desde o início de 2022 até finais de 2024, os EUA gastaram mais de 150 mil milhões de dólares em equipamento militar e munições para a AFU [Forças Armadas da Ucrânia]. Durante o mesmo período, o Canadá, a Dinamarca, a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha, a Itália, a França, a Holanda, a Espanha e várias outras nações, incluindo Portugal, gastaram menos de 60 mil milhões de euros em fornecimentos militares.

Se os EUA se retirarem do conflito, a Europa terá de passar a suportar todo o fardo. Mas haverá que encontrar dinheiro para esse efeito e as economias da Europa (especialmente as da Grã-Bretanha, Alemanha e França) estão estagnadas. Além do que, o apoio à guerra terá de ser negociado dentro da UE, o que não será fácil, mesmo apesar da existência de otários como o governo português que oferece o que ninguém o autorizou a dar.

2.Em termos de logística e produção de armamento

Dos países da OTAN (/NATO), só os EUA podem atingir o nível necessário de produção e fornecimento de mísseis, artilharia, defesa aérea, veículos blindados e tudo o resto. A Europa simplesmente não produz um número tão elevado de armas. Em 2023, a UE prometeu entregar 1 milhão de projéteis de artilharia, mas só conseguiu entregar 300.000. A capacidade de produção precisa de ser muito aumentada, o que significa anos de investimento.

Além disso, os principais intervenientes: França, Grã-Bretanha e Alemanha, não só têm diferentes padrões de produção de equipamento e munições, como também têm os seus próprios interesses na Ucrânia e, na sua habitual arrogância e mania de superioridade todos eles querem ser os “mandantes”, pelo que não acredito que seja possível chegarem a um acordo no curto prazo.

Acresce que a Hungria e a Eslováquia estão contra o aumento de ajuda.

― Que a Alemanha proíbe (por enquanto) o fornecimento de mísseis de longo alcance.

― Que o que a França quer é poder explorar a Ucrânia e obter aí a preço de saldo o urânio que já não consegue roubar em África, mas sem estar disposta a gastar muito dinheiro, mesmo que seja para pagar as bandeiras que cobrirão os caixões dos seus soldados.

A Grã-Bretanha está muito determinada em conseguir piratear o mais possível (como é seu timbre) e quer pôr alguns militares no local para policiarem os seus proventos, mas ultimamente perdeu por completo a sua credibilidade. Veja-se como anuncia pomposamente o fornecimento de 5000 mísseis de defesa aérea, mas para os produzir tem de roubar o financiamento a partir dos rendimentos dos ativos russos. Só espero que os tolos dos líderes lusos não caiam na tentação de fornecerem os soldados para os generais britânicos colherem as medalhas.

3. Qual a conclusão?

Não há qualquer hipótese que a Europa possa, nem de perto, oferecer à Ucrânia o mesmo nível de apoio que os EUA. A julgar não só pelos gastos, mas também pela sua abordagem ao conflito ucraniano como um todo, os EUA forneceram até agora cerca de 80% do apoio militar à Ucrânia.

Se os americanos se retirarem da guerra, a Ucrânia perderá vetores importantes, tais como: caças F-16, carros de combate Abrams, HIMARS MLRS, VCIs Bradley e VBTPs Stryker/M113, viaturas blindadas MaxxPro/HMMWV/M-ATV, bem como obuses M777 e os seus projécteis, a grande maioria das munições do padrão da OTAN (/NATO) e os sistemas STARLINK de comunicações por satélite, e isto para não mencionar os produtos de informação estratégica que somente as aeronaves de informações e os satélites de reconhecimento espacial dos EUA podem fornecer. E sem estas armas, o exército ucraniano perderá não só a sua estabilidade, mas também a sua capacidade de combate.

Satélites do sistema STARLINK, da SpaceX. Imagem: Albert89/Shutterstock


De acordo com as estimativas, na melhor das hipóteses (se as economias europeias forem mobilizadas e o apoio à Ucrânia for priorizado no orçamento da UE), a Europa só terá capacidade para oferecer um terço de todo o equipamento e armamento fornecido pelos EUA. Mas dificilmente isso acontecerá de forma rápida e completa.

………………………………………………………………………………................

[*] NOTA EDITORIAL

Este artigo do major-general Raul Luís Cunha, que reproduzo aqui com a devida vénia e um forte abraço, foi originalmente publicado no Facebook do autor, em 5 de Março de 2025. Esclarece e responde a uma importante questão (aquela que lhe serve de título) que, salvo melhor informação, não vi abordada por mais ninguém em língua portuguesa.

Editei ligeiramente o texto para o adequar às normas tipográficas e estilísticas da Tertúlia Orwelliana e acrescentei-lhe as imagens e respetivas legendas.

JCS

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comentário a um artigo publicado na Tertúlia Orwelliana