Neste blogue discutiremos 5 temas: 1. A segurança social. 2. A linguagem enganosa. 3. As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 4. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 5. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

07 agosto, 2021

 (Temas 2, 3 e 4)


“Esquerda” e “Direita” trocadas por miúdos

do ponto de vista da democracia (3ª parte) —

A igualdade em relação ao poder político

José Catarino Soares


9. A igualdade em relação ao poder explícito

A democracia afirmei no último parágrafo da 2ª parte deste ensaio não consegue assegurar a igualdade (a identidade contingente) entre os seres humanos em âmbitos muito numerosos e diversos, porque não há nem pode haver igualdade nesses âmbitos.

É possível, porém, instituir a igualdade (a identidade contingente) entre os cidadãos relativamente às duas vertentes do poder explícito: a vertente política e a vertente económica. A razão é simples, embora seja raramente ou nunca enunciada (o leitor encarregar-se-á, se quiser, de descobrir a razão desta omissão). 

O poder político – o poder executivo (ou governativo), o poder legislativo e o poder jurisdicional – pertence ao âmbito das entidades participáveis. Por isso, é possível realizar a igualdade de todos os cidadãos em relação ao poder político. Basta, para tanto, que tal igualdade seja entendida como identidade contingente à participação no poder governativo, no poder legislativo e no poder jurisdicional.

O poder económico – a propriedade e a posse (i.e., o controlo efectivo) dos meios industriais de produção (incluindo as terras de agricultura e de silvicultura e as minas) de bens e serviços pertence ao âmbito das entidades compartilháveis, mutualizáveis. Por isso, é possível realizar a igualdade de todos os cidadãos em relação ao poder económico. Basta, para tanto, que tal igualdade seja entendida como identidade contingente ao compartilhamento, à mutualização dos meios industriais de produção [23].

Vejamos então, mais de perto, em que consiste a igualdade em relação a cada uma das duas vertentes do poder explícito.

10. A igualdade em relação ao poder político

Os Atenienses dos séculos V e IV a.C. mostraram-nos concretamente como proceder para realizar a igualdade de todos os cidadãos relativamente ao poder político. Deram-lhe o nome de isonomia.

10.1. Isonomia/anisonomia

Isonomia (Gr. íσονομία/isonomia, íσος/isos, “igual”, mas também, “justo” + νόμος/nomos; “lei”, “convenção”, “instituição”, proveniente de νέμω/nemô, “compartilhar”, “distribuir”) é um termo criado e usado pelos gregos do século VI a.C. em domínios tão díspares como a cosmologia, a medicina, a arquitectura e a reforma agrária [24]. Como já foi dito, o termo foi depois usado pelos democratas atenienses dos séculos V e IV a.C. para denominar a igualdade política dos cidadãos.

É frequente lermos e ouvirmos a afirmação segundo a qual a isonomia significava, para os Atenienses dessa época, a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, e/ou leis iguais para todo o tipo de cidadãos (ricos e pobres, por exemplo), e/ou o  primado da lei relativamente aos caprichos dos indivíduos e às injunções de monarcas, tiranos ou oligarcas — aforismos tidos como sendo mais ou menos equivalentes e apresentados como sendo a tradução prática, trocada por miúdos, do que se designa actualmente como Estado de direito (Ingl. rule of law; Fr. État de droit, Al. Rechtsstaat). Esta é, por exemplo, a interpretação de Friedrich Hayek no seu tratado The Constitution of Liberty [“A Constituição da Liberdade”] [25], o livro de cabeceira de Margaret Tatcher, Ronald Reagan, Georges H.W. Bush e outros expoentes do chamado “neoliberalismo[26].

1984Margaret Tatcher (1925-2013), chefe do Partido Conservador (1975-1990), primeira-ministra do Reino Unido (1979-1990), e Friedrich Hayek (1899-1992), economista e filósofo. Hayek exibe a medalha da Ordem dos Companheiros de Honra (Order of the Companions of Honor) que a Rainha Isabel II lhe atribuiu por proposta de Tatcher. Durante uma visita que Tatcher fez ao Departamento de Investigação Conservadora, um centro de estudos do seu partido, no Verão de 1975, um orador do seu partido tinha preparado uma comunicação explicando por que é que uma “política de centro”, que evitasse os extremos da esquerda e da direita, era o caminho mais seguro para o Partido Conservador chegar ao poder. Antes de ele terminar a sua intervenção, Tatcher abriu a sua mala de mão e tirou de lá um livro que exibiu de braço no ar para toda a gente ver. Era A Constituição da Liberdade de F. Hayek, «Isto», exclamou a senhora Tatcher peremptoriamente, «é aquilo em que nós acreditamos!» e pespegou o livro com estardalhaço em cima da mesa [27] .

Mas essa interpretação é muito deficiente e potencialmente enganadora. Sim, é verdade que, para os Atenienses dos séculos V e IV a.C., isonomia significava o princípio da igualdade política. Todavia, a igualdade política em causa na isonomia não se confundia com o primado da lei sobre os caprichos dos indivíduos, a que os atenienses chamavam eunomia [28]. A eunomia, como veremos, é uma consequência da isonomia. A isonomia não era também apenas, nem principalmente, a igualdade dos cidadãos perante a aplicação da lei, mas o igual direito de todos os cidadãos exercerem as suas prerrogativas de cidadãos na feitura das leis, e, por conseguinte, o igual direito de todos os cidadãos ao exercício de todas as magistraturas em todos os ramos do poder político — governativo, legislativo e jurisdicional [29].

1983Ronald Reagan, presidente dos EUA, aperta a mão a Friedrich Hayek. Hayek foi considerado o inspirador da política neoliberal do presidente Reagan e o guru dos seus principais mentores no seu governo presidencial (1981-1989): Martin Anderson, o principal conselheiro de Reagan para a política interna, e Paul Craig Roberts, secretário de Estado adjunto do Tesouro, seu principal conselheiro para a política económica.

Por outras palavras, a isonomia era o igual direito de todos os cidadãos atenienses  participarem e a igual probabilidade de todos os cidadãos atenienses serem chamados a participar nas instituições do poder político (legislativo, jurisdicional e executivo), como magistrados; o igual direito de decidirem e a igual probabilidade de serem chamados a decidir soberanamente o teor das leis pelas quais queriam reger-se colectivamente em conformidade com o princípio da eunomia [o primado da lei sobre os caprichos individuais]; o igual direito de decidirem e a igual probabilidade de serem chamados a decidir soberanamente as alterações às leis e às instituições anteriormente estabelecidas; o igual direito de se ocuparem e a igual probabilidade de serem chamados a ocuparem-se efectivamente, no dia-a-dia, de todos os assuntos do domínio público (i.e., o domínio da polis [30]).

No caso da Atenas democrática dos séculos V e IV a.C., o número e a diversidade de cargos/funções que um cidadão era chamado a desempenhar eram muito grandes. Os nomes respectivos desses cargos/funções eram também numerosos: archai, ephetai (éfetas), bouleutai (bouleutas), nomothetai (nomótetas), prytaneis (pritanos), logistái, politái, etc. Porém, para simplificar, podemos reparti-los grosso modo em quatro categorias: membros de um júri no Tribunal do Povo (no caso do poder jurisdicional), membros do Conselho dos Quinhentos (no caso do poder governativo), membros de um conselho ou comissão de jurisconsultos (no caso do poder legislativo), membros de uma comissão ou de um colégio de administradores (no caso da dimensão executiva-administrativa das decisões dos três poderes explícitos).

Por facilidade de expressão, empregarei o termo magistrado como denominação genérica de todos esses cargos e, por extensão, de todo e qualquer cargo político ou função política que um cidadão possa exercer temporariamente numa sociedade democrática.  A isonomia era assegurada pelo método principal de escolha dos magistrados: a tiragem à sorte.

[Na polis ateniense] [t]odos os cargos políticos [entenda-se, todos os cargos de magistrado] são atribuídos por sorteio; e os incumbidos têm de prestar contas pelo que fazem durante o seu mandato, e a assembleia geral [de todos os cidadãos, a Eclésia] arbitra em todos os conselhos (Heródoto, III, 80 [31]).

A afirmação de Heródoto não é exacta. Não eram todos, mas antes a grande maioria dos magistrados atenienses que eram escolhidos por sorteio. A excepção eram as magistraturas que exigiam uma competência técnica específica e que constituíam uma pequena minoria relativa. Nesses casos, a selecção era feita por eleição e não por sorteio.

Era o caso dos comandantes militares – os 10 stratégoi [estrategas] ou seja, generais; os 10 taxiarchoi [taxiarcas], oficiais de infantaria comandantes de regimentos; os 10 phyliarchoi [filiarcas], oficiais de cavalaria comandantes de esquadrão, e o kosmétés [prefeito encarregado do treino militar dos efebos] – dos 10 tesoureiros (helénotamiai) dos tributos federais da Liga de Delos (478-404 a.C.), dos embaixadores (não havia embaixadores permanentes, eram todo encarregados de missões diplomáticas específicas), e do superintendente das fontes, encarregado do abastecimento de água à cidade (épimilétés tons crépon), função que seria desempenhada hoje em dia por um engenheiro sanitário e ambiental. Todos estes magistrados eram eleitos anualmente pela Assembleia do Povo (Ekklésia) onde tinham assento todos os cidadãos.

Mas é preciso acrescentar que a citação de Heródoto faz parte de uma explicação das diferenças mais marcantes entre tirania, oligarquia e democracia. E não há qualquer dúvida que a diferença mais marcante entre a democracia e as outras formas de instituição do poder político é a isonomia, tal como se traduz nomeadamente na igualdade dos cidadãos perante a lei, na igual participação dos cidadãos nas magistraturas por sorteio e rotação dos cargos e na obrigatoriedade dos magistrados prestarem contas (no plano financeiro, moral e político) pelos seus actos no termo dos seus mandatos.

Estela grega representando o povo a ser coroado pela democracia,
cerca de 336 a.C.
A igualdade dos cidadãos perante a lei é, sem dúvida, um aspecto importante da isonomia, da igualdade política. Mas é um aspecto relativamente menor, um corolário da igualdade política que não precisava sequer de ser invocado e encarecido na Atenas dos séculos V e IV a.C., uma vez que era óbvio e tido como ponto assente pelos atenienses: como poderiam os cidadãos não serem iguais perante a lei, se a dita lei era o resultado de um processo de elaboração e aprovação em que todos os cidadãos tinham (tido) igual direito de participação?

A eunomia, o primado da lei, é também, sem dúvida, um aspecto importante da isonomia, da igualdade política dos cidadãos em todos os planos. Mas é uma consequência dela, uma vez que, se queremos ser cidadãos livres, só devemos sujeitar-nos a leis correctamente feitas (como dizia Aristóteles, cf. nota [30]), e tais leis só poderão ser feitas correctamente com a participação, em pé de igualdade, de todos os cidadãos. 

A anisonomia (Gr. αν-/an-, “des-” [prefixo de negação/privação] + íσος/isos, “igual” + νόμος/nomos, “lei” + isos + nomos) é o dual da isonomia. Significa a desigualdade política, o desigual direito dos cidadãos de exercerem e a desigual probabilidade de serem chamados a exercer todas as suas prerrogativas de cidadãos na feitura e na aplicação das leis, e, por conseguinte, o desigual direito e a desigual probabilidade dos cidadãos na participação (no acesso e no exercício de todas as magistraturas em todos os ramos do poder político — governativo, legislativo e jurisdicional.

Na Atenas democrática dos séculos V e IV a.C., a anisonomia existia na prática relativamente às mulheres atenienses (como veremos na 4ª parte deste ensaio, secção 11), mas não era reconhecida conceptualmente nem na linguagem. O termo anisonomia é, salvo melhor informação, uma criação moderna, assim como o emprego que dele faço aqui como sinónimo de desigualdade política [32].

10.2. Isegoria, isopsefia e isocracia

Para falar de igualdade política, os Atenienses da época democrática tinham vários termos, além de isonomia, todos compostos também com o prefixo iso-: isegoria (igualdade no uso da palavra na assembleia geral do povo e em todos os conselhos, colégios e comissões de magistrados), isopsefia (todos os votos individuais têm o mesmo valor, não há votos de qualidade), isocracia (igualdade de acesso a todas as magistraturas) e isogonia (igualdade pelo nascimento).

Para os propósitos deste ensaio, podemos considerar a isegoria, a isopsefia e a isocracia como sendo três aspectos particulares e indispensáveis da isonomia. Resta a isogonia, que suscita um problema muito antigo e muito controverso: os seres humanos nascem iguais? Sim? Então, são iguais em quê? São iguais até que ponto?

10.3. Isogonia

Um bom ponto de partida para a discussão é o parágrafo introdutório da Declaração dos treze Estados unidos da América (1776), mais conhecida como Declaração de Independência dos Estados-Unidos da América:

Consideramos estas verdades evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre eles estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade.

Como se constata, para os autores desta Declaração, os direitos inalienáveis dos seres humanos são uma consequência da igualdade pelo nascimento (isogonia), mas tanto a isogonia como os direitos inalienáveis que dela resultam são atribuídos a uma mesma fonte, que é descrita como uma entidade extra-social, extra-humana, todo-poderosa: o “Criador.”

Um grande passo em frente, filosoficamente falando, foi dado 13 anos depois, em França, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), cujo artigo primeiro reza assim:

Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser fundamentadas com base na utilidade pública.

Representação alegórica da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. À esquerda, a França, segurando nas mãos as correntes quebradas da tirania. À direita, o génio da nação com o ceptro do poder na mão direita a apontar para um triângulo luminoso com o olho supremo da razão no centro (uma iconografia maçónica). Estas duas figuras femininas rodeiam o preâmbulo e os 17 artigos da declaração. Estes últimos tomam a aparência e a solenidade religiosa das Tábuas da Lei que Moisés trouxe do monte Sinai (ou do monte Horebe), separados por um feixe de lictor romano (símbolo da união e da força), coroadas por um barrete frígio (símbolo da liberdade) e por uma serpente a morder a cauda (símbolo da eternidade) e ornados com folhas de louro (símbolo da glória). Esta tela a óleo foi pintada por Jean-Jacques-François Le Barbier, 1789. Encontra-se no Museu Carnavalet, em Paris.

Desapareceu o “Criador” que os independentistas americanos invocavam como magnânimo doador da igualdade, da liberdade e dos demais direitos inalienáveis dos seres humanos. Agora, o nascimento dos seres humanos é encarado como um facto tão natural – e tão cheio ou isento de mistério – como o nascimento de qualquer outro animal. Por outro lado, o sintagma preposicional “[livres e iguais] em direitos” não deixa qualquer dúvida: ele mostra que os deputados constituintes franceses de 1789 atribuíam à liberdade e à igualdade entre os seres humanos um conteúdo normativo, não um conteúdo descritivo. A sua posição neste particular é exactamente a mesma que Abraham Lincoln, presidente dos EUA, assumirá mais de meio século mais tarde, no seu discurso de Springfield em 1857, quando comentou:

Os autores deste nobre utensílio [Lincoln refere-se à Declaração de Independência de 1776, N.E] não tencionavam declarar os homens iguais em todos os pontos.

Cerca de 2.200 anos antes, já Aristóteles (384-322 a.C.) tinha formulado, no livro V do seu tratado sobre A Política, uma posição semelhante que não era só a sua, mas dos Atenienses seus contemporâneos e antepassados próximos.

A democracia surgiu de as pessoas imaginarem que, se são iguais num aspecto qualquer, são também absolutamente iguais (porque supõem que, por serem todas igualmente livres, são todas absolutamente iguais); e, por conseguinte, os democratas, ao considerarem-se iguais, pretendem participar em tudo [o que diz respeito ao poder político] em pé de igualdade [33].

O ponto a reter nesta citação é o da compreensão clara de que a isogonia não tem uma fonte extra-social ou extra-humana, não é um “dado” da biosfera. É, isso sim, um produto da imaginação humana criadora de significado no campo social-histórico, uma ideia reguladora sociohistoricamente contingente — Cornelius Castoriadis diria: uma criação do imaginário social instituinte, uma significação imaginária social, respectivamente [34]. E o mesmo se aplica a todas as outras declinações da isonomia (igualdade política) – isogoria, isopsefia, isocracia – e também, claro, à liberdade (autonomia) de que falaremos em mais pormenor mais adiante (v. 7ª parte deste ensaio). São, todas elas, significações imaginárias sociais, ideias reguladoras sociohistoricamente contingentes, produtos do imaginário social instituinte. É isso que nos permite afirmar sem receio de sermos refutados: 

Os homens não nascem nem livres, nem não-livres, nem iguais, nem não-iguais. Nós é que os queremos (nós é que nos queremos) livres e iguais numa sociedade justa e autónoma — sabendo que o sentido destes termos nunca poderá ser definitivamente definido, e que a ajuda que a teoria nos poderá trazer para esta tarefa é sempre radicalmente limitada e essencialmente negativa [35].

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N.B. Este ensaio está dividido em 8 partes, sendo esta a terceira:

1ª parte. Os critérios e os conceitos principais

2ª parte. Um excurso sobre o poder explícito

(3ª parte. A igualdade em relação ao poder político)

4ª parte. A desigualdade em relação ao poder explícito

5ª parte. A igualdade em relação ao poder económico

6ª parte. O poder explícito numa oligarquia electiva e liberal

7ª parte. O poder explícito numa democracia

8ª parte. A esquerda inexistente

que podem ser encontradas, por esta ordem, no Arquivo do Blogue, 2021, Agosto,

no fim da coluna da direita do blogue.

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Notas

 [23] Sobre a distinção entre participável (Fr. «participable») e partilhável (Fr. «partageable») ver Cornelius Castoriadis, “Valeur, égalité, justice, politique de Marx à Aristote et d’Aristote à nous”, em Les carrefours du labyrinthe (Paris: Éditions du Seuil, 1978).  Nesse seu texto, Castoriadis não se refere ao compartilhável. Concentra-se exclusivamente (seguindo na peugada de Aristóteles em A Política) no partilhável, o que se compreende porque o idioma francês não dispõe de palavras equivalentes a compartilhar e compartilhável. Ora, o que está em causa na igualdade em relação ao poder económico não é o que é partilhável, mas o que é compartilhável. Partilhar e compartilhar não são sinónimos. Voltarei a este assunto no texto principal.  

[24] Para o conceito de isonomia (não o termo) na cosmologia de Anaximandro de Mileto (c. 575 a.C.) e para o conceito e o termo de isonomia na medicina de Alcmeão de Crotona, e na arquitectura de Hipódamo de Mileto, na época anterior às reformas democráticas de Clístenes, no primeiro caso, ou sensivelmente na mesma época nos dois outros casos, ver Vlassos Gregory, “Isonomia” (The American Journal of Philology, 1953, Vol. 74, No. 4. 337–366), Paul M. Shepard, Language, truth and power in ancient Greek thought: prolegomena to Nietzsche (1993). Doctoral Dissertations 1896-February, 2014 (https://scholarworks.umass.edu/dissertations_1/1922), pp.113-125; Szilvia Horváth, “The community of equals: Rereading an early democratic concept” (In State and Equality, ed. Attila Károly Molnár-Milán Pap. Budapest: Dialóg-Campus, 2018), pp.21-44. Para o conceito de isonomia como princípio subjacente à isomoira – a divisão equitativa de bens materiais por um grupo de pares – ver Vincent Azoulay, “Rethinking the Political in Ancient Greece” (Annales. Histoire, Sciences Sociales. Volume 69, Issue 3, 2014), p.401-02.

[25] Friedrich A. Hayek, The Constitution of Liberty (1960) (Chicago: The University of Chicago Press 1978, pp.164-66).

[26] O neoliberalismo é uma mudança acentuada da doutrina baseada na crença na beneficência superlativa da “liberdade da iniciativa privada”, da “livre concorrência no mercado” e no “governo mínimo”, conhecida como liberalismo clássico. No liberalismo clássico, os capitalistas (os proprietários dos meios sociais de produção e de troca) pediam ao Estado (o aparelho hierárquico e burocrático detentor do monopólio legal da guarda e do uso das armas de guerra e do uso legal da coerção e da violência física) e ao poder político que o tutela que protegessem os seus direitos de propriedade através de leis e instituições adequadas e, sempre que necessário, através da repressão e da guerra. Ao mesmo tempo, reclamavam do Estado e do poder político a «garantia dos nossos prazeres privados» (Benjamin Constant, De la liberté de anciens comparée à celle des modernes [Sobre a liberdade dos antigos comparada com a dos modernos], 1815) e procuravam fixar os limites da acção do Estado para que não impedisse a fruição desses prazeres privados. Em suma, a doutrina liberal clássica pode ser resumida assim: «Queremos que o governo, o parlamento e a administração pública, assim como os tribunais e os demais órgãos do aparelho de Estado, protejam as nossas propriedades, garantam os nossos prazeres privados, nos deixem actuar sem entraves e não metam o bedelho onde não são chamados». O neoliberalismo vai mais longe ao proclamar que o poder político precisa ser pró-activo na organização do “bom funcionamento do mercado” à escala global. As condições de funcionamento da economia capitalista mundial precisam de ser reconquistadas e defendidas politicamente contra os “excessos” proteccionistas e garantistas do chamado “Estado social” (Ingl. “Welfare State”; Fr. “État-Providence”) — um oximoro inventado para denominar a segurança social pública, a rede pública de infantários e de escolas de todos os graus de ensino, a rede pública de cuidados de saúde (SNS), a emergência e protecção civil, e ainda outros serviços de âmbito universal a preços de equilíbrio, como, por exemplo, os transportes públicos, os correios e telecomunicações públicos, a radiodifusão e a radiotelevisão públicas. Para o neoliberalismo, este acervo de serviços a preços de equilíbrio ou tendencialmente gratuitos (isto é, financiados pelo imposto) constituem grilhões presos a uma bola de ferro que impedem a marcha triunfante da livre iniciativa privada dos capitalistas à escala planetária. Por conseguinte, esses enclaves de economia não-lucrativa devem ser profundamente reestruturados e, se possível, desmantelados, de modo a expandir as bases sólidas a um “mercado livre” em crescimento contínuo. Mas isso não basta. Todos os aspectos dos regimes políticos electivos, do tamanho das circunscrições eleitorais, às decisões dos governos, parlamentos e tribunais, passando pelo âmbito, competências e garantias de isenção das administrações públicas devem ser submetidos à análise económica de custo/benefício em termos monetários. Tudo o que não for rendível deve ser eliminado. Os legisladores são intimados a aprovar um conjunto de incentivos e de leis alegadamente fixo, neutro e universal que permita as “forças de mercado” operarem espontaneamente e sem entraves. O programa político de um governo nunca pode prevalecer sobre o “mecanismo automático de ajustamentos” – isto é, o sistema de preços de mercado, que não é apenas eficiente como maximiza a liberdade dos investidores e dos trabalhadores, assim como as oportunidades para os consumidores fazerem as suas livres escolhas de consumo.

[27] Este episódio é relatado por John Ranelagh em Thatcher’s People: An Insider’s Account of the Politics, the Power, and the Personalities (Fontana, 1992, p. ix).

[28] No seu tratado A Política, Aristóteles afirma que eunomia [à letra, “boa ordem”] significa que «a lei correctamente feita deverá ser o único soberano» e noutra passagem acrescenta: «onde as leis [nomoi] não governam não há comunidade política [politeia]» (Aristotle, Politics [traduzido por Ernest Baker. New York: Oxford University Press, 1967], 1282b19 e 1292a32). Por outras palavras, são as leis elaboradas e aprovadas pelos cidadãos, não um ou alguns cidadãos, que devem governar. Se não for esse caso, não há colectividade política, não há cidadãos propriamente ditos, mas súbditos.  Na sua discussão sobre a questão de saber se a eunomia (o primado da lei) é preferível ao governo do melhor indivíduo (= monarquia), Aristóteles responde afirmativamente, argumentando que, sob a eunomia, «todas as pessoas são homens livres, nada fazem [em princípio] que contrarie a lei, e só actuam fora da alçada da lei em assuntos que a lei, pela sua natureza, é obrigada a omitir». (Ibid., 1286a9).

[29] Ver, a este propósito, Vlassos Gregory, “Isonomia” (The American Journal of Philology, 1953, Vol. 74, No. 4. 337–366) ; Jean-Pierre Vernant, As Origens do Pensamento Grego (Bertrand Brasil, 2002), p.38 ; Mogens H. Hansen, La Démocratie athénienne à l’époque de Démosthène (Paris : Éditions Thalandier, 2009, pp.109-14, 440) ; Cornelius Castoriadis, La cité et les lois. Ce qui fait la Grèce (Paris : Éditions du Seuil, 2008) ; Hannah Arendt, On Revolution (New York : Viking Press, Inc., 1963, pp. 22-23) ; David Kreider, Isonomy.The Greek idea of freedom (Graduate Student Theses, Dissertations, & Professional Papers. 5244. https://scholar works.umt.edu/etd/5244). Athanassios Vamvoukos, Fundamental Freedoms in Athens of the fifth century [B.C.] (Revue Internationale des Droits de l’Antiquité, 3e Série, Tome XXVI, 1979).

[30] Aristóteles define a polis como «uma comunidade [koinoina] de cidadãos [politai] que participam num regime político» ou «sistema político» [politeia]» (Politics, book III, 1276b, tradução de Carnes Lord, University of Chicago Press, 2013, 2nd Edition).

[31] Herodotus: Histories (Book III and IV, Vol. II. Translated by A. D. Godley. London – New York, William Heinemann – G. P. Putnam Sons, 1928). 

[32] Na verdade, não encontrei este termo no dicionário A Greek-English Lexicon, de Henry George Liddell & Robert Scott (revised and augmented throughout by Sir Henry Stuart Jones,  with the assistance of Roderick McKenzie. Oxford. Clarendon Press. 1940), nem nos outros dicionários de Grego que estão disponíveis na www (https://www.lexilogos. com/english/greek_ancient_dictionary. htm). Por esta razão, não posso excluir a possibilidade de ser eu o autor desse neologismo ou do seu emprego nesta acepção. Se assim for, surpreende-me muito a existência desta lacuna lexical.

[33] Aristóteles, Politics, livro V (translated by H. Rackham. Cambridge, MA, Harvard University Press; London, William Heinemann Ltd. 1944) 1301a[20]. Minha tradução.

[34] Para a elucidação das noções de significação imaginária social, imaginário social instituinte e imaginário social instituído ver de Cornelius Castoriadis, L’Institution Imaginaire de la Société (Paris: Éditions du Seuil, 1975), “Imaginaire et imagination au carrefour (1996), em Figures du Pensable (Paris : Éditions du Seuil, 1999).

[35] Cornelius Castoriadis, Valeur, égalité, justice, politique de Marx à Aristote et d’Aristote à nous, em Les carrefours du labyrinthe (Paris: Éditions du Seuil, 1978), p.412. 

 (Temas 2, 3 e 4)


Esquerda” e “Direita” trocadas por miúdos

do ponto de vista da democracia (4ª Parte) —

A desigualdade em relação ao poder explícito 

José Catarino Soares

 

11. A desigualdade em relação ao poder explícito

No que respeita aos atenienses nativos (Gr. astoi), a democracia ateniense caracterizava-se pela total anisonomia entre os homens atenienses (detentores de todos os direitos de participação igualitária no poder político) e as mulheres atenienses (desprovidas de qualquer direito de participação no poder político), ainda que dotadas de muitos direitos “cívicos” [36].

11.1. Carácter restrito e parcial da democracia ateniense

Não há notícia sequer de nenhum retor (nome dado aos cidadãos dotados de invulgares talentos na enunciação e defesa de políticas públicas) que tivesse questionado a exclusão das mulheres atenienses da cidadania. Só temos conhecimento das críticas veladas de alguns filósofos sofistas (como Górgias) e os remoques de alguns dramaturgos, sob a forma corrosiva da comédia (como Aristófanes).

Os Atenienses também nunca desenvolveram políticas públicas destinadas a permitir a aquisição da cidadania pelos metecos (os estrangeiros domiciliados em Atenas) em tempo de paz, sem, todavia, comprometer a coesão cultural e a segurança militar da polis — um assunto, sem dúvida, melindroso, mas debatível.

A concessão de naturalização a um meteco foi sempre entendida como uma distinção honorífica só reservada a quem tivesse prestado (ou pudesse vir a prestar) inestimáveis serviços à polis ateniense, nunca como um direito que se poderia adquirir mediante o preenchimento de certos requisitos alcançáveis por pessoas comuns. Só em duas ocasiões é que os Atenienses concederam a cidadania a fortes contingentes de metecos: aos habitantes de Plateias, em 427 a.C., e aos habitantes de Samos, em 405 a.C., ambas durante a guerra do Peloponeso. Em ambos os casos, fizeram-no não por generosidade, mas para recompensar extraordinários sacrifícios e actos de bravura desses seus lealíssimos aliados.

estela funerária de Hegeso (410-400 a.C.) é um dos melhores exemplos das estelas funerárias da Ática. A partir, grosso modo, do ano 450 a.C. os monumentos funerários representam cada vez mais as mulheres atenienses, à medida que a sua importância cívica vai aumentando. Fonte:  Wikipedia.

Por outro lado, e passando agora para o plano económico, a democracia ateniense também nunca questionou a escravidão. Foi preciso que Filipe da Macedónia os tivesse esmagado em 338, para que os cidadãos atenienses tivessem mudado de ideias no intervalo de alguns dias, prometendo a liberdade aos escravos e a cidadania aos metecos. Ora, bastou que soubessem, entretanto, que Filipe da Macedónia estava disposto a negociar uma paz honrosa, para imediatamente darem o dito por não dito e anularem as suas promessas [37]. Em tempo de paz, houve sempre poucas libertações de escravos e poucas naturalizações de metecos na Atenas democrática.

O ponto importante a destacar neste particular não é, porém, a existência de numerosos metecos nem de numerosos escravos na polis ateniense. A presença de artistas, artesãos, comerciantes, marinheiros e colonos estrangeiros em cidades e países muito distantes das suas terras de origem, assim como a presença de escravos entre as populações livres, eram realidades comuns em todo o mundo antigo pós-gentílico, não apenas na Grécia. O ponto importante é a democracia ateniense (baseada na isonomia) nunca ter questionado a exclusão das mulheres atenienses da cidadania, a escravidão e a recusa de uma integração mais ampla dos metecos na cidadania.

Os cidadãos atenienses da era democrática também nunca questionaram a desigualdade económica entre ricos e pobres, uma desigualdade que, aliás, abrangia não apenas os cidadãos, mas também os metecos e até os escravos [38]. A polis ateniense limitou-se a taxar os cidadãos ricos e os metecos ricos com um imposto sobre a fortuna (denominado eisphora) e com o pagamento de uma espécie de serviços de mecenato semi-obrigatórios (denominados liturgias) para financiar o teatro, as festas da cidade e a manutenção da frota de guerra. Os metecos (tanto homens como mulheres) que não eram ricos tinham também de pagar um imposto chamado métoikion. A propriedade privada dos meios sociais de produção e de troca dos bens e serviços, na origem da desigualdade de rendimento e património entre ricos e pobres, nunca foi posta em causa, salvo como motivo de escárnio e risota (como na Assembleia das Mulheres de Aristófanes).

Tudo isto prova que a polis ateniense nunca foi uma democracia integral, que reconhecesse a igualdade de todos os seus naturais em relação tanto ao poder político como ao poder económico. Foi sempre uma democracia restrita, mesmo no âmbito político – visto que a cidadania e a isonomia estavam reservadas apenas aos Atenienses do sexo masculino, e, entre estes, apenas aos que fossem filhos de pai e mãe ambos também, comprovadamente, naturais de Atenas –, e foi sempre uma democracia parcial, truncada, pela sua recusa de questionar a desigualdade em relação ao poder económico.

O valor da democracia ateniense (que é imenso), não é, porém, o de constituir um modelo a copiar, mas o de ter constituído um gérmen de democracia, um exemplo concreto da possibilidade de superar os obstáculos que uma sociedade enfrenta para se auto-instituir explicitamente como sociedade autónoma e justa. 

11.2. A desigualdade posta em causa

No mundo antigo pós-gentílico, a actividade política (a actividade colectiva,  explícita, consciente) instituinte era praticamente inexistente e mesmo na Grécia democrática, mesmo na Atenas democrática dos séculos V e IV a.C., essa actividade ficou fortemente limitada ao domínio estritamente político, como acabámos de ver.

Após um longo interregno de 1.600 anos, tudo começou a mudar neste particular na Europa ocidental, a partir, grosso modo, do século XIII, e mais ainda nos tempos modernos. Nas Repúblicas italianas de Florença, Veneza, Bolonha, Novara, Vicenza e Pisa dos séculos XIII e XIV [39] e, em particular, na revolta dos cardadores e tintureiros de lã de Florença em 1378-1382, conhecida como a revolta dos Ciompi [40]; na grande insurreição dos camponeses-caseiros e artesãos urbanos em 1381 na Inglaterra; na generalização da ensaculação nas cidades de Gerona (1467), Barcelona (1498), Perpignan (1499) e Tarragona (1501) do reino de Aragão [41]; nas guerras camponesas na Alemanha, Áustria e Suíça do século XVI; nos true levellers [genuínos niveladores] (também conhecidos por diggers [escavadores]) na Inglaterra do século XVII; na Constituição da Pensilvânia de 1776 nos EUA; nos Direitos do Homem (1791) de Thomas Paine durante a revolução francesa de 1789-1792 e no Manifesto dos Iguais de Grachus Babeuf e Sylvain Maréchal em 1796, encontramos precisamente o questionamento aberto tanto da desigualdade política como da desigualdade económica. E esse questionamento, tomando embora formas diversas, umas incipientes outras mais desenvolvidas, nunca mais cessou desde então.

Os movimentos emancipadores modernos, com especial destaque para o movimento pró-igualitário das mulheres, que ficou conhecido como o movimento das sufragistas, e sobretudo para os movimentos trabalhistas (cartistas, socialistas, comunistas, anarquistas), puseram a questão: pode haver democracia, pode haver igual oportunidade de participação  para todos os adultos que querem participar no poder político, numa sociedade em que as mulheres estão, por lei ou costume, excluídas da cidadania e onde existe e se reconstitui constantemente  uma tremenda desigualdade económica, que ainda por cima se traduz imediatamente em desigualdade de poder político?

Um comício de mulheres pró-igualdade (ditas sufragistas) em Caxton Hall, Manchester, Inglaterra em 1908. Emmeline Pethick-Lawrence e Emmeline Pankhurst ocupam o centro da plataforma. Foto do arquivo do New York Times,

Estas questões não desapareceram. Em certo sentido, pode dizer-se que se tornaram mais abrangentes e homogéneas dada a hegemonia mundial que o modo capitalista de produção conseguiu alcançar, adquirindo assim uma nova acuidade.

Manifestação dos Industrial Workers of the World (IWW) em Nova Iorque em 1914.

Hoje em dia – inclusivamente na Europa, na América do Norte, no Japão, na Austrália e na Nova Zelândia, onde as condições de vida e de trabalho da população trabalhadora são (comparativamente às de outros continentes) melhores e mais amenas graças a mais de dois séculos de duras lutas dos trabalhadores assalariados e, no caso da Austrália e da Nova Zelândia, devido à escassez relativa de força de trabalho (“mão de obra”) assalariável – é impossível ignorar as tremendas desigualdades económicas que existem entre podres de rico, ricos, remediados e pobres, para utilizar as categorias empíricas do senso comum.

Emmeline Pankhurst, a principal activista do movimento pró-igualdade das mulheres na Inglaterra, é detida e levada em braços por um polícia em frente ao palácio de Buckingham quando tentava apresentar uma petição ao rei George V, em Maio de 1914. E. Pankhurst disse uma vez: «A situação do nosso sexo é tão deplorável que é nosso dever infringir a lei para chamar à atenção para as razões do que fazemos». Foto do arquivo do New York Times.

11.3. A desigualdade económica

Para fixar ideias, chamemos multimilionários aos indivíduos com “activos” superiores a 1 milhão de dólares americanos [42], centi-multimilionários aos indivíduos com “activos” superiores 100 milhões de dólares americanos, e mega-multimilionários aos indivíduos com “activos” superiores a 1000 milhões de dólares americanos. Pois bem, em 2020, existiam no planeta 49,1 milhões de multimilionários com “activos” entre 1 milhão e 5 milhões de dólares americanos; 4,5 milhões de multimilionários com “activos” entre 5 e 10 milhões de dólares americanos; 2,5 milhões de multimilionários com “activos” superiores a 10 milhões de dólares americanos; 513.444 multimilionários  com “activos” superiores a mais de 30 milhões de dólares americanos e 215.030 multimilionários com “activos” superiores a  50 milhões de dólares americanos. Estes multimilionários somam, todos juntos, 56,1 milhões de pessoas (1,1 % dos adultos do planeta) mas possuem conjuntamente uma fortuna de 191,6 biliões de dólares que representa 46% da riqueza monetizável mundial [43].

Uma análise mais fina revela que existiam 68.010 centi-multimilionários, dos quais 5.332 possuíam mais de 500 milhões de dólares americanos [44] e 2.189 mega-multimilionários que possuíam mais de 1000 milhões de dólares americanos. Estes 2.189 mega-multimilionários, com uma fortuna total avaliada em 10,2 biliões de dólares, [45] têm mais “activos” do que 4.600 milhões de pessoas (60% da população do planeta) [46]. Em 2018, os 26 mega-multimilionários mais ricos do mundo tinham mais “activos” do que 3.800 milhões de pessoas, quase metade da população mundial actual [47]. Em 2019, os 1% mais ricos (56,1 milhões de multimilionários) tinham mais “activos” do que 6.900 milhões de pessoas, 87% da população mundial [48].

Consideremos, por exemplo, um desses mega-multimilionários, Jeff Bezos, o fundador, director executivo e principal accionista da firma transnacional de comércio electrónico Amazon, da firma aeroespacial Blue Origin, do jornal Washington Post e da firma de capital de risco Bezos Expeditions. Com uma fortuna calculada em 200 mil milhões de dólares americanos em Junho de 2021, é actualmente o homem mais rico do mundo. Para termos uma ideia do que isso representa, bastará dizer que 1% da sua fortuna em 2018 (quando ainda “só” tinha 112 mil milhões de dólares americanos) era equivalente ao orçamento da saúde da Etiópia desse ano, um país com 105 milhões de pessoas [49].

Eis, porém, um auspicioso sinal dos tempos: ninguém acreditará, presumo, que Bezos deve a sua fortuna ao facto de ele ser mais inteligente, mais inventivo, mais criativo, mais empreendedor, mais trabalhador do que as demais 7.873 milhões de pessoas que existem actualmente (dia 20 de Junho de 2021) no planeta. Também poucos serão os que acreditarão que a imensa fortuna de Bezos se deve a uma sorte inaudita,  como a que os gregos antigos acreditavam estar na origem da imensa fortuna do rei Creso (que se teria banhado nas mesmas águas do rio Pactolo em que o rei Midas teria lavado as mãos para se livrar do seu toque que tudo transformava em ouro), ou que se deve à origem divina do próprio Bezos, como os egípcios antigos acreditavam ser a razão de ser da imensa fortuna e poder dos seus faraós.

Jeff Bezos, fotografado no dia (21 de Julho de 2021) em que foi viajar até ao espaço suborbital.  Pagou 5.500 milhões de dólares por essa viagem, que durou 4 minutos. “Quero agradecer a todos os empregados de Amazon e a todos os clientes da Amazon porque foram vocês, malta, que pagaram tudo isto”, lê-se na legenda irónica da foto desta capa satírica (e inventada) da edição inglesa Penguin Classic do Capital de Karl Marx. Com o mesmo dinheiro, Bezos poderia ter financiado duas vezes a Covax, que pretende assegurar a distribuição gratuita de 2.000 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 nos países mais pobres no ano que vem. Como a Covax é uma iniciativa humanitária, conseguiu obter o preço de 1 dólar e 60 cêntimos por cada dose, em vez dos 7 dólares do seu preço de mercado. Para conseguir atingir o seu objectivo, a Covax precisa de 2.600 milhões de dólares, um pouco mais de metade do que Bezos gastou na sua excursão.

 

E quem diz Bezos, diz os outros 2.189 mega-multimilionários que constam do relatório anual Report On Billionaire Wealth (2020) do banco suíço UBS e da consultora PWC, da lista anual The World’s Billionaires da revista Forbes e do índice diário Bloomberg Billionaires Index; e diz também os 56,1 milhões de multimilionários que são referidos no Global Wealth Report do banco suíço Crédit Suisse e no Wealth Report da firma imobiliária Knight Frank.

Por outro lado, é impossível fazer vista grossa sobre estes factos dizendo que tudo o que nos interessa é a política e que a compaixão pelos pobres deve ficar a cargo da “sociedade civil” (seja lá o que isso for [50]) sem interferências do poder político ou, pelo contrário, que a luta contra a pobreza deve ser objecto de políticas públicas transversais e bem articuladas (emprego, habitação, educação, segurança social, etc.). A questão não é de ter ou não ter compaixão pelos pobres, ou de ter ou não ter políticas públicas de combate contra a pobreza. A questão é que o crescimento constante das desigualdades entre podres de rico, ricos, remediados e pobres é uma consequência inevitável do regime capitalista que reina supremo em todos os países a nível mundial e que falar de igualdade (económica ou política) numa tal sociedade é um logro.

11.4. A desigualdade económica como garante a desigualdade política

De resto, não há nem poderia haver igualdade política nas condições que conhecemos, com uma tal concentração de poder económico e com tudo o que essa concentração implica, quer o poder económico tome a forma clássica de firmas capitalistas privadas (sociedades anónimas [S.A.], sociedades por quotas, sociedades por comandita, etc.), quer haja confusão entre poder político e poder económico entre as mãos de uma tecnoburocracia gestionária seleccionada e respaldada pelos governos em exercício — como, por exemplo (em Portugal), firmas como a Infraestruturas de Portugal, S.A.; a Parvalorem, S.A.; a Caixa Geral de Depósitos, S.A.; a Administração do Porto de Lisboa, S.A.; a TAP-Air Portugal, no sector empresarial do Estado.

O melhor exemplo disso são os EUA, o país capitalista mais poderoso do mundo e aquele onde existem mais mega-multimilionários em número absoluto –110.850, ou seja, 55% do número total de mega-multimilionários à escala mundial – e o 3º país do mundo com o maior número de multimilionários relativamente à população total — 8% de multimilionários, só ultrapassado pela Austrália (9,4%) e pela Suíça (14, 9%) [51]. 

Em 1895, Mark Hanna – o muito insinuante e muito rico capitalista-gestor do carvão e do aço e o muito bem-sucedido director de companhas eleitorais e senador do partido republicano (era conhecido por “king-maker” [fazedor de reis]) – disse esta frase memorável: «Há duas coisas que são importantes em política. A primeira é dinheiro e da segunda não consigo lembrar-me» [52]. Um exemplo importante deste aforismo é a compra-de-eleições-pela-compra-de-candidatos nos EUA, de que Mark Hanna é um bom exemplo, pois foi ele que assegurou a eleição do 25º presidente dos EUA, William McKinley (1897-1901) por meio de um maciço apoio financeiro da oligarquia industrial (incluindo o seu) ao candidato que seria eleito, cujos montantes atingiram níveis desconhecidos até então.

 O senador, multimilionário e capitalista industrial Mark Hanna em 1896. Hanna,  conhecido como “king-maker”, é o autor do aforismo que explica como funcionam as eleições americanas há mais de 100 anos: «Há duas coisas que são importantes em política. A primeira é dinheiro e da segunda não consigo lembrar-me». Foto de W.J. Root.

Este é um assunto que foi estudado a fundo, desde o seu livro de 1995 (Golden Rule: The Investment Theory of Party Competition, Chicago: The University of Chicago Press), pelo politólogo Thomas Ferguson nos EUA — um país que se presta muito bem para isso, pois são um exemplo acabado de um regime de oligarquia electiva liberal (conhecido do grande público pelas denominações erróneas “democracia representativa” e “democracia liberal) há mais de um século. A investigação de Ferguson e dos seus colegas mostraram que a capacidade de alguém se fazer eleger para o Congresso (Câmara de Representantes + Senado) e para os cargos governamentais (vulgo, cargos executivos) – governadores dos Estados federados, presidentes das câmaras municipais [mayors], procuradores gerais da República [state general attorneys] em 43 dos 50 Estados onde estes são eleitos e, sobretudo, presidentes da República – pode ser prevista, com uma notável precisão, por meio de um única variável: o montante dos gastos da respectiva campanha eleitoral.

Todo o sistema político americano funciona na base do princípio “quanto mais dólares, mais votos”, e não, como apregoam os seus defensores, na base do princípio, “1 cidadão, 1 voto”. Este é um veredicto sobre uma tendência muito forte que vem de um passado remoto na história política americana e que se tem mantido até aos dias de hoje, incluindo as últimas eleições — para a Câmara dos Representantes de Novembro de 2020 e para a presidência da República de Novembro de 2020 [53].

Basicamente, um indivíduo consegue a percentagem de votos que corresponde à percentagem de dinheiro que gastou [na sua campanha eleitoral]. É uma relação espantosamente densa e é muito directa e vale para centenas de eleições.

Foi assim que Thomas Ferguson resumiu para o grande público o resultado das suas investigações [54].

Se o resultado das eleições americanas é previsível (como é, de facto) seguindo o rasto e medindo o montante de dinheiro que cada candidato consegue angariar para a sua campanha eleitoral, não admira que a agenda política e as políticas públicas que irão ser adoptadas sejam decididas e configuradas de modo a favorecer maciçamente os mesmos interesses que conseguem fazer eleger os candidatos que apoiam.

Foi o que mostraram Martin Gilens e Benjamin I. Page, em 2014, com base numa análise estatística multivariada de variáveis-chave relativas a 1.799 iniciativas de política pública entre 1980 e 2002 [55]. Em 2017, Gilens e Page analisaram cerca de 2000 decisões de política pública a nível federal e descobriram que as firmas mais ricas e os grupos de interesses organizados tinham tido muito mais êxito em conseguir que as suas políticas públicas preferidas fossem aprovadas e concretizadas do que os Americanos comuns [56].

Nos EUA, os nossos achados indicam que a maioria não manda — pelo menos no sentido causal de determinar realmente resultados de política pública. Quando a maioria dos cidadãos discorda das elites económicas e/ou dos interesses organizados, ela geralmente perde. Mais ainda, […] mesmo quando maiorias bem amplas de Americanos favorecem uma mudança de políticas, elas geralmente não a conseguem obter [57]

Foi assim que Gilens e Page resumiram para o grande público o resultado das suas investigações.

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N.B. Este ensaio está dividido em 8 partes, sendo esta a quarta:

1ª parte. Os critérios e os conceitos principais

2ª parte. Um excurso sobre o poder explícito

3ª parte. A igualdade em relação ao poder político

(4ª parte. A desigualdade em relação ao poder explícito)

5ª parte. A igualdade em relação ao poder económico

6ª parte. O poder explícito numa oligocracia electiva liberal

7ª parte. O poder explícito numa democracia

8ª parte. A esquerda acomodatícia

que podem ser encontradas, por esta ordem, no Arquivo do Blogue, 2021, Agosto,

no fim da coluna da direita do blogue.

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Notas

[36] Apesar de excluídas da cidadania, as mulheres atenienses não eram um elemento amorfo da polis, bem longe disso, por várias razões. Por um lado, elas pertenciam a um oikos (= agregado familiar), a primeira forma de existência institucional do dêmos (povo), sem o qual não haveria nem pólis nem politeia, «e, ao mesmo tempo, um primeiro campo onde se realiza[va] um certo tipo de poder: o poder do homem sobre a mulher e sobre as crianças, e o poder do homem e da mulher sobre os escravos» (C. Castoriadis, La Cité et les Lois. Ce qui fait la Grèce. 2. Paris : Éditions du Seuil, 2008, p.178). Por outro lado, as mulheres  atenienses tinham o direito de assistir às peças de teatro, e as mulheres casadas participavam na pólis através das festas religiosas, que eram festas cívicas, como as Panateneias e as Tesmofórias, através do sacerdócio (os cargos sacerdotais eram cargos públicos) e – ponto politicamente muito  importante – através da maternidade, porque a legislação a partir de Péricles obrigava a que o cidadão ateniense fosse filho não só de pai ateniense, mas também de mãe ateniense. Só isso lhes conferia o estatuto de astenoi (atenienses de gema). As mulheres livres, mas metecas [= não-atenienses], mesmo que fossem casadas com cidadãos atenienses, geravam meninos que eram notoi (bastardos), mas não astenoi, e, por conseguinte, potencialmente cidadãos. As mulheres atenienses pobres desempenhavam também um importante papel socioeconómico porque tinham de trabalhar fora do oikos para ajudarem no sustento das suas famílias. Desempenhavam muitas profissões nesse âmbito. Eram tecedeiras, lavadeiras, enfermeiras, parteiras, merceeiras, vendedeiras de tecidos e produtos de beleza. E algumas mulheres, tanto atenienses como metecas, conseguiam influenciar o debate político pela sua inteligência, saber e perspicácia. Eram as chamadas hetáirai (cortesãs), de que o exemplo mais conhecido é o da meteca Aspásia de Mileto, a companheira de Péricles depois deste se ter divorciado e, na prática, a sua segunda esposa.

[37] Mogens H. Hansen, op.cit., p.117.

[38] Seria um grave erro tratar os escravos como uma classe (socioeconómica) única, porque um pequeno número deles pertencia à classe rica e exploradora. Eram banqueiros, comandantes de navios comerciais, empreiteiros, contramestres, feitores que dirigiam outros escravos que trabalhavam às suas ordens. Por exemplo, o homem mais rico de Atenas, no início do século IV a.C., era Pásion, que tinha sido escravo, se tinha tornado meteco, e que só conseguiu adquirir o estatuto de cidadão no fim da sua vida. Seria igualmente um grave erro tratar os metecos como uma classe (socioeconómica) única, porque muitos deles pertenciam à classe rica e exploradora. Por exemplo, a maior manufactura de Atenas no século V a.C. era uma fábrica de escudos de guerra que empregava cerca de uma centena de escravos. Os seus donos eram os irmãos Lísias e Polémarco, ambos metecos (cf. Hansen, op.cit., p.116). Por último, seria um grave erro tratar os cidadãos como uma classe (socioeconómica) única porque a maioria deles eram jornaleiros, artesãos, marinheiros, remadores, pescadores, feirantes e pequenos agricultores cujos rendimentos eram amiúde tão modestos que lhes conferiam o direito de ficarem isentos de pagamento dos impostos cobrados aos cidadãos e metecos ricos: a eisphora e as liturgias.

[39] O método da tiragem à sorte para a selecção de magistrados está documentado relativamente a todas estas comunas livres e repúblicas italianas durante os séculos XIII e XIV. Ver Yves Sintomer, Petite histoire de l’expérimentation démocratique. Paris : Éditions La Découverte, 2011.

[40] Gene A. Brucker, «The Ciompi Revolution», em Nicolai Rubinstein (dir.), Florentines Studies. Politics and Society in Renaissance Florence, op. cit. ; Alessandro Stella, La Révolte des Ciompi, éditions de l’EHESS, Paris, 1993.

[41] A ensaculação era um método de tiragem à sorte de magistrados a partir de um saco onde eram previamente depositados os nomes das pessoas a serem sorteadas. Cf. Yves Sintomer, op.cit.

[42] Na gíria financeira, os “activos” são valores patrimoniais positivos, representativos de créditos, direitos ou bens que o agente económico seu titular possui ou tem a haver.

[43] Fonte: James Davies, Rodrigo Lluberas e Anthony Shorrocks, “Crédito Suisse Global Wealth Databook 2021”, Global Wealth Report (2021), do banco suíço Crédit Suisse e da consultora PWC.

[44] Fonte : Global Wealth Report (2021). Crédit Suisse/ PWC.

[45] Fonte. Riding the Storm. UBS/PWC Billionaire Report 2020

[46] Fonte: Time to Care. Oxfam Briefing Paper. 2020. A Oxfam fala em 2.153 mega-multimilionários em 2019.

[47] Fonte: Time to Care. Oxfam Briefing Paper. 2020.

[48] Cálculos da Oxfam em Public Good or Private Wealth? (Oxfam Briefing Paper, January 2019), baseados no relatório da Forbes, The World’s Billionaires (2018) e no relatório do Crédit Suisse, World Wealth Report Databook (2018). Para mais pormenores ver “nota metodológica” http://dx.doi.org/10.21201/2019.3651.

[49] Cálculos da Oxfam em Public Good or Private Wealth? Oxfam Briefing Paper, January 2019. Para os cálculos do orçamento da Saúde da Etiópia ver P. Espinoza Revollo et al. (2019). Public Good or Private Wealth? Methodology Note. http://dx.doi.org/10.21201/2019.3651.

[50] Sociedade Civil foi uma expressão forjada pelo filósofo escocês Adam Ferguson, no seu Ensaio Sobre a História da Sociedade Civil (1767), para significar o oposto ao indivíduo isolado, ou seja, a situação em que vivem os seres humanos numa cidade. Os filósofos Emmanuel Kant e Friedrich Hegel encarregaram-se de deturpar o seu sentido original. Kant empregou-a para denominar uma sociedade baseada no direito, por oposição a uma, anterior, designada por “estado de natureza”, onde supostamente vigoraria o lema “cada um por si”. Hegel, no seu livro Elementos da Filosofia do Direito (1827), traduziu-a para alemão como bürgerliche Gesellschaft e empregou-a, por sua vez, para denominar uma fase ou estado intermediário no relacionamento “dialéctico” entre os opostos percebidos por Hegel, a macro-comunidade do «Estado» e a micro-comunidade da «família». De acordo com este autor, a sociedade civil (bürgerliche Gesellschaft) era constituída por associações, comunidades e corporações que teriam um papel normativo e fundamental na relação entre os indivíduos e o Estado. A partir de Hegel foram forjadas uma infinidade de definições de sociedade civil, todas elas glosando a mesma ideia. Por exemplo, esta: «Sociedades civis são frequentemente povoadas por organizações tais como instituições de caridade, organizações não governamentais de desenvolvimento, grupos comunitários, organizações femininas, organizações religiosas, associações profissionais, sindicatos, grupos de auto-ajuda, movimentos sociais, associações comerciais, coligações e grupos activistas», Centre for Civil Society. London School of Economics (http://www.lse.ac.uk/ collections/CCS/).

[51] Fonte: Global Wealth Report (2021). Crédit Suisse/ PWC.

[52] Citado por Noam Chomsky (https://www.globalpolicyjournal.com/blog/23/11/2018/noam-chomsky-moral-depravity-defines-us-politics), 23 de Novembro de 2018.

[53] Sobre as eleições para o Congresso ver Thomas Ferguson, Paul Jorgensen, & Jie Chen, “How Money Drives US Congressional Elections: More Evidence”, Institute for New Economic Thinking Annual Conference, Paris, April 2015; “How Money Drives US Congressional Elections”, Working Paper Nº. 48, Institute for New Economic Thinking, 2016; “How money drives US congressional elections: Linear models of money and outcomes”, Structural Change and Economic Dynamics. Available online 20 September 2019; “Big Money Drove the Congressional Elections — Again”, Institute for New Economic Thinking, February 11, 2021. Sobre as eleições presidenciais, ver Thomas Ferguson, Paul Jorgensen, & Jie Chen, “Party Competition and Industrial Structure in the 2012 Elections: Who’s Really Driving the Taxi to the Dark Side”, Roosevelt Institute, October 21, 2013;  “Industrial Structure and Political  outcomes : the case of the 2016 US presidential election”, em I. Cardinale and R. Scazzieri (Eds.), The Palgrave Handbook of Political Economy, London, Palgrave Macmillan, 2018;  “Industrial Structure and Party Competition in an Age of Hunger Games: Donald Trump and the 2016 Presidential Election,” Working Paper Nº. 66, Jan. 2018, Institute for New Economic Thinking; Thomas Ferguson, Benjamin Page, Jacob Rothschild, Arturo Chang, & Jie Chen, “The Economic and Social Roots of Populist Rebellion: Support for Donald Trump in 2016”, Working Paper Nº. 83, Institute for New Economic Thinking, October 2018.

[54] Eric Galatas, “Report: Stark New Evidence on Role of Money in Congressional Races”, Public News Service, August 29, 2016 (https://www.publicnewsservice.org/2016-08-29/campaign-finance-reform-money-in-pol/report-stark-new-evidence-on-role-of-money-in-congressional-races/a53759-1).

[55] Martin Gilens & Benjamin I. Page, “Testing Theories of American Politics: Elites, Interest Groups, and Average Citizens”, Perspectives on Politics, 2014 September 2014, Vol. 12/Nº. 3.

[56] Martin Gilens & Benjamin I. Page, Democracy in America? What Has Gone Wrong and What We Can Do About It (University of Chicago Press, 2017).

[57] Gilens & Page, op.cit., 2017.