Esta é 4ª entrada do Diário Intermitente da pandemia do novo coronavírus
SARS-CoV-2 (ver a sua apresentação nos arquivos deste blogue, Março de
2020, no fundo da coluna à direita deste texto).
Gostaria de conseguir escrever este diário fazendo jus ao lema que encerra
a resposta à seguinte adivinha (que me foi contada pelo meu amigo João Viegas
Fernandes): «Qual é a semelhança entre um
pára-quedas e a mente humana? É o facto de tanto um como a outra só nos serem
úteis, salvando-nos a vida, se estiverem bem abertos».
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A
reabertura das creches em 18 de Maio (ou em 1 de Junho) é uma medida que
comporta riscos cujas consequências ninguém sabe avaliar nem evitar
José Manuel Catarino Soares
Um infantário consiste num espaço extrafamiliar destinado ao cuidado
e acompanhamento pedagógico de crianças com idades compreendidas entre os 3
meses e os 6 anos. Dos 3 meses aos 3 anos (inclusive) as crianças encontram-se
na valência de creche, transitando para a valência de jardim-de-infância
dos 4 aos 5 anos (inclusive).
Em Portugal, por causa da pandemia da Covid-19, os infantários foram
encerrados pelo governo no dia 16 de Março, tal como as escolas do ensino
básico, do ensino secundário e os centros de Actividades de Tempos Livres. A
decisão foi tomada em 12 de Março. Os estabelecimentos de ensino superior
(universidades e institutos politécnicos) tomaram idêntica decisão.
Em 30 de Abril, o governo aprovou um «plano de
desconfinamento». Uma das medidas
previstas nesse plano foi a da reabertura das creches em 18 de Maio. Em 1 de
Junho, abrirão os jardins-de-infância e em 15 de Junho abrirão os centros de
Actividades de Tempos Livres (ATL).
Os pais que não queiram que os seus filhos de tenra idade retornem às
creches em 18 de Maio têm a opção de o fazerem em 1 de Junho, continuando a
beneficiar de uma ajuda pecuniária para acompanhamento dos filhos até ao fim de
Maio. A Direcção-Geral de Saúde (DGS) publicou uma orientação (nº 025/2020) em
13 de Maio, sobre as condições de segurança sanitária que deverão ser respeitadas
nas creches para que a sua reabertura pudesse ocorrer em 18 de Maio.
1.
A favor e contra a reabertura das creches
1.1.
APEI
No passado mês de Abril, a pedido da Secretaria de Estado da Ação Social, a
Associação dos Profissionais de Educação de Infância (APEI) tomou posição
pública sobre a reabertura das creches em 18 de Maio. Tornou a tomar posição em
10 de Maio sobre o mesmo assunto.
A posição da APEI é ambígua. Por um lado, criticou a decisão governamental
de abertura das creches numa data diferente de reabertura dos
jardins-de-infância.
O regresso das crianças às instituições de educação de
infância (creches), apenas é equacionado na necessidade de libertar os
respetivos pais para o regresso ao trabalho presencial, para uma retoma
progressiva da atividade económica (argumento ao qual a APEI também é,
obviamente, sensível) pois, do ponto de vista exclusivo dos interesses da
criança, esse regresso não deveria, de todo, acontecer.
No entanto e tendo em conta a necessidade de ser retomada
progressivamente a atividade económica normal, o que implica que os pais tenham
que voltar aos seus locais de trabalho, não se compreende como pode ser
equacionado o regresso das crianças dos 0-3 anos à creche e não se pensar, de
igual modo, no regresso das crianças em idade pré-escolar (e do 1º ciclo do
ensino básico), pois é difícil conceber que crianças ente os 3 e os 10 anos de
idade possam ficar sozinhas em casa. Permitir que as crianças até aos 3 anos
regressem à creche, mas impedir que as de pré-escolar o façam, vai colocar um
número significativo de pais num dilema difícil de resolver, tanto mais que, é
importante referir, mais de metade da resposta na educação pré-escolar é
garantida pela rede pública.
Por outro lado, exprimiu um conjunto de preocupações sobre a reabertura das
creches:
• As crianças em creche, ao contrário do que muitas vezes
é o senso comum, contactam fisicamente muito umas com as outras. Longe vai o
tempo de termos bebés em berçários confinados a camas de grades, em isolamento
dentro de parques ou em cadeiras de tabuleiro. Atualmente, excecional e
ocasionalmente utilizam-se esses equipamentos, mas é mais comum os bebés
moverem-se livremente no espaço da sala, contactando e interagindo com os seus
pares.
• Por outro lado, a creche é uma valência que acolhe
crianças entre os 0-3 anos, ou seja, crianças desde os 4 meses mas que, no
limite, podem ir até aos 3 anos e 11 meses (quase 4 anos). Muitas crianças
deixam de usar fraldas ainda durante a creche, comem sozinhas, sobem e descem
escadas, recolhem o material para a sua higiene e sobem para o muda-fraldas
autonomamente, pelo que não será possível equacionar situações em que as
crianças estejam confinadas a espaços em que não convivam com os adultos ou com
outras crianças, sem isso trazer severas consequências para o seu bem estar e desenvolvimento.
• Também ao contrário do que muitas vezes se pensa (por
quem não está por dentro da rotina de uma creche), os adultos em creche não
conseguem manter um maior distanciamento das crianças, pois o adulto tem de
estar sempre próximo (pegar ao colo, cuidar, alimentar, …). No regresso de
crianças tão pequenas à creche, que estiveram dias consecutivos e integrais com
os seus pais durante quase dois meses, haverá muito conforto e consolo a dar,
(muita lágrima e baba para limpar!), não sendo possível equacionar a utilização
de máscara pelos adultos, em que nem a expressão possa ser vista e sentida. Há
crianças que vão voltar e trazer os hábitos de afeto que os tranquilizam e que
podem ir desde os objetos afetivos, aos hábitos de tocar no adulto de
referência (adormecer enrolando o cabelo, mexendo na cara,…), o que torna
impossível conceber, por todas estas razões, uma distância física entre adultos
e crianças.
• Por razões ligadas ao seu desenvolvimento, é mais fácil
que crianças de mais idade interiorizem as regras de distanciamento social do
que a crianças de creche. Estas, para além de precisarem muito do contacto
físico para se relacionarem, exploram tudo fisicamente e a boca é um dos órgãos
preferenciais para a sua relação com o mundo (com os objetos e com os outros),
pelo que não é possível imaginar crianças destas idades a usar máscara ou luvas
e cumprir regras de distanciamento.
• Por outro lado, sabendo que o efeito da COVID19 em
crianças destas idades é menor, na verdade o perigo de contágio, pelas razões
referidas anteriormente, é muito maior. Para além disso, por razões diversas, é
frequente as crianças terem alguma temperatura igual ou superior aos 37ºC, o
que poderá levantar o alarme duma possível infeção e as consequências que daí
advirão (isolamento, quarentena para toda a creche, …).
• Se, na verdade, segundo os dados disponíveis, há poucas
consequências do contágio para as crianças, um número significativo de creches
da rede solidária coabita com adultos em centros de dia, cujas consequências da
COVID19 são devastadoras para esse grupo etário.
• Por consequência, não deveriam ser os avós a levar as
crianças à creche e o contacto de crianças e idosos, deveria estar fortemente
limitado ou mesmo impedido, para evitar desencadear cadeias de contágio.
• Dada a enorme diversidade de contextos organizacionais
em que a creche funciona (corredores apertados, salas e espaços contíguos, com
centros de dia,…), é muito difícil generalizar regras comuns a todos, que
salvaguardem as condições de segurança de crianças e adultos, pelo que as
orientações a emitir deveriam ser de geometria variável, de modo a salvaguardar
essa diversidade de contextos.
Creche no município de Povoação, Açores. |
Apesar destas reservas e críticas, a APEI não se opôs liminarmente à
reabertura das creches em 18 de Maio.
O ponto de partida para que a APEI considere a reabertura
das instituições que prestam serviço no âmbito da educação de infância (0-6
anos), em maio, será estarem garantidas todas as condições de segurança do
ponto de vista de saúde pública para as crianças e famílias envolvidas, o que
só a Direção-Geral de Saúde poderá atestar. (…)
Apesar dos argumentos apresentados inicialmente,
considerando a possibilidade duma abertura apenas da creche, deveriam
incluir-se os profissionais de toda a educação de infância (0-6 anos), de modo
a que os educadores de infância e os auxiliares de educação fossem mobilizados
em simultâneo, sendo que os educadores e auxiliares da educação pré-escolar
apoiariam os educadores em creche, de forma a aumentar o rácio adulto-criança,
facilitando, assim, a regulação de comportamentos adequados à situação vigente.
Em 10 de Maio, a APEI reafirmou as suas preocupações do seguinte modo:
Na sequência da anunciada decisão de reabrir as creches a
18 de Maio e da forma como essa reabertura se irá verificar, a APEI manifesta a
sua profunda preocupação por todo este processo, uma vez que considera que as
recomendações emanadas aos profissionais de educação de infância [a APEI parece estar a referir-se,
aqui, às medidas que a DGS e a Secretaria da Acção Social do Estado sugeriram
numa sessão informativa realizada em 8 de Maio, N.E.] são profundamente desadequadas e que os
colocam num dilema ético e profissional difícil de resolver pois, garantindo o
seu cumprimento, estão objetivamente a lesar o desenvolvimento das crianças, no
ano em que, paradoxalmente, se celebram os 30 anos da ratificação por Portugal
da Convenção dos Direitos da Criança. [N.E.= Nota editorial]
Assim, por exemplo :
Manter uma distância física de dois metros entre cada
criança e impedir que possam interagir entre si, evitar o toque em superfícies,
dispor mesas em linha ou crianças colocadas de costas umas para as outras,
evitar a partilha de brinquedos e outros objetos, ter adultos de referência
(educadoras e auxiliares), com os quais as crianças mantêm vínculos profundos,
a usar máscaras, são medidas reveladoras de um desconhecimento sobre a
realidade do trabalho educativo em creche e sobre o desenvolvimento das
crianças com menos de 3 anos.
Pegar ao colo, olhar nos olhos e deixar que a criança
crie empatia através da expressão facial, falar perto da sua cara e acariciar o
seu rosto são afetos que constroem e cimentam as interações e o vínculo entre
criança e educador/cuidador. Impedir estas manifestações de afeto ou
artificializá-las, com máscaras e distância física, é violentar a relação.
Como é «violentar» a criança — prossegue
a APEI — «aprisioná-la» em mesas,
espreguiçadeiras ou parques, quando essa criança está na fase da progressiva
autonomia, de explorar os espaços e os materiais e a relação com os outros.
É difícil compreender como é possível pensar em reabrir
as creches com este tipo de recomendações que, é bom clarificar, vão abranger
as crianças maioritariamente oriundas de famílias com condições sociais de
maior vulnerabilidade e desigualdade socioeconómica, precisamente as que não
terão alternativa a não ser a creche, pois as restantes irão optar por
mantê-las em segurança, na sua casa.
A APEI, nesse comunicado, não apontava soluções para o problema, mas dizia estar
a promover uma reflexão para preparar um documento sobre a matéria. (Por isso, eu
disse, mais acima, que a posição da APEI sobre a reabertura das creches é
ambígua).
Esse documento acabou por ser publicado pouco depois, sob o título Contributo para
assegurar a a qualidade Pedagógica em Creche (0-3 anos) em tempo de Covid-19
(Maio 2010). Desse documento, de 13 páginas, extraí os seguintes excertos que
me parecem indicar uma aceitação (embora a contragosto) das medidas de
segurança preconizadas na orientação nº 025/2020 da DGS de 12 de Maio.
• Observar o aconselhamento técnico transmitido pela Direção-Geral
da Saúde, em que o uso de máscara é recomendado. No entanto, as equipas
educativas devem criar dinâmicas pedagógicas prévias em relação ao uso de
máscaras, visto que estas ocultam as expressões e a leitura de emoções (por
exemplo, em videoconferências que aconteçam, começar a mostrar as máscaras
colocadas com sorriso simpático desenhado ou pedir a colaboração das famílias
para o uso e desmistificação das mesmas; “cu-cu”/“esconde-esconde” ou
brincadeiras de faz-de-conta com o uso da máscara para que possam, de alguma
forma, minimizar o ambiente hostil e de receio provocado pela cara
coberta,...).
• Desenvolver estratégias para que as crianças reconheçam
que, por detrás da máscara, está alguém que conhecem e em quem confiam,
aliviando o uso deste equipamento (sempre com a garantia do devido
distanciamento de segurança e das normas de manuseamento), em determinados
momentos do dia (por exemplo quando se conta uma história, nos momentos de
exterior ou mostrando o rosto alternadamente entre os diferentes elementos da
equipa, no interior e com o devido distanciamento,…).
1.3.
Duas educadoras de infância sem papas na língua
Estas recomendações escamoteiam o problema principal. Apesar de as crianças
mais novas não serem consideradas um grupo de risco para a COVID-19, e de serem
também a faixa etária que apresenta menos complicações perante a esta doença, o
grande perigo que estas crianças representam é a possível ausência de sintomas
da doença, que as pode tornar em veículos silenciosos de propagação do vírus.
“Se eu tiver uma criança assintomática numa sala, ela vai
contaminar as outras, que vão contaminar os pais, e por aí fora. Também vai
contaminar os profissionais que trabalham nas creches, e o ciclo de contágio
vai intensificar-se”, refere Vanessa Biléu. A educadora alerta que este
contágio pode ganhar proporções ainda mais graves, dado que muitas pessoas que
trabalham nestas instituições, desde as educadoras até ao pessoal auxiliar e da
cantina, são mais velhas e “podem pertencer a grupos de risco”.
Para Marta Parracho, as cantinas são também um foco de
contágio muito perigoso. A educadora explica que muitas creches em Portugal são
instituições particulares de sociedade social (IPSS), que têm na sua
constituição outras valências sociais como apoio domiciliário, por exemplo. “O
refeitório onde estão dezenas de crianças a comer é o mesmo refeitório onde são
feitas as refeições para o apoio domiciliário, onde os funcionários vão
levantar as refeições para entregar às pessoas que necessitam do apoio, que são
muitas vezes idosos e fazem parte do grupo de risco. Logo aqui existe uma
sobreposição dos universos que o primeiro-ministro não quer que aconteça, quando
justifica a decisão de abrir as creches para depois retomar as aulas
presenciais dos alunos do ensino secundário, os tais universos opostos. Mas na
própria creche, já está a acontecer uma sobreposição. Acho que se está a
esquecer disso.” (Educadores contra reabertura das creches. “São lugares de
afetos. É impossível existir distanciamento social”, MAAG, 24 de
Abril de 2020).
1.4.
ACPEEP
Em 10 de Maio, na sequência da sessão informativa realizada no dia 8 de
Maio de 2020 para apresentação das Medidas para Reabertura das Creches preconizadas pela
Direção Geral de Saúde e pela Secretaria de Estado da Acção Social, a
Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino (ACPEEP) reiterou a sua posição de que «algumas das medidas propostas não são
exequíveis nem adequadas para a resposta social de CRECHE, solicitando a
respetiva revisão e adaptação. Referimo-nos,
em concreto às seguintes medidas:
1) As crianças não podem partilhar o seu
brinquedo/os materiais didáticos com os colegas, os materiais devem ser
unipessoais (funcionalmente impossível e pedagogicamente inaceitável);
2) As mesas devem estar viradas para o
mesmo sentido, as crianças não devem estar em U (desapropriado, as crianças
estão sentadas no chão/no tapete ou em pequeno grupo a imitar/repetir o que a
educadora e os colegas fazem, é assim que aprendem, têm que se ver umas às
outras, não se mantêm no mesmo lugar e na mesma posição por muito tempo, muito
menos sentadas);
3) As crianças devem manter um
distanciamento social entre elas, de cerca de 2m (não conseguimos, nem
queremos restringir os movimentos das crianças e a sua aproximação dos colegas,
não podemos impedir ou orientar as suas deslocações, as interações entre
crianças são necessárias ao seu desenvolvimento);
4) Os catres e os berços devem estar a uma
distância de 2m entre eles (as salas não têm dimensões suficientes para tal);
5) É preciso haver espaços, que não
estejam a ser utilizados, para dividir ou reduzir turmas (na maioria das
creches não existem espaços que não estejam a ser utilizados. Além disso, ao
dividir os grupos, as crianças deixam de estar com os adultos de referência);
6) Cada bebé deve ter a sua própria
espreguiçadeira (não há espaço na sala parque para colocar tantas espreguiçadeiras,
mas mesmo se assim fosse, as crianças iriam gatinhar por cima das
espreguiçadeiras, porque ficariam sem espaço para exploração);
7) A definição de circuitos de circulação
com entradas e saídas distintas, para não haver cruzamento de pessoas, poderá
obrigar as pessoas a percorrer mais espaços dentro da instituição. O ideal é
não passarem das entradas.
Assumimos que estas medidas não são
exequíveis, pelo que os diretores das creches não se podem responsabilizar pela
sua implementação. Consideramos
que, apesar de tudo, podem existir condições e procedimentos adequados para
minimizar o risco de contágio do Covid19 nas creches, sendo que há
riscos que nunca poderão ser eliminados, pelo que temos que aprender a conviver
com eles.
Duas meninas e um menino a brincar numa creche |
Convém salientar que a DGS só publicou a sua orientação para as creches no
dia 13 de Maio. Dela constam algumas das medidas da DGS consideradas como sendo
«inexequíveis» pela ACPEEP. É o caso, nomeadamente,
das medidas 4, 5, 6 e 7.
Não tenho conhecimento de nenhuma creche associada à ACPEEP que não tenha
aberto em 18 de Maio por decisão dos seus proprietários. Podemos, pois, presumir
que essas medidas não estão em vigor nessas creches.
1.5.
IPSS’s
A União das Misericórdias Portuguesas (UMP) tem sob a sua tutela 218
creches e jardins-de-infância espalhadas pelo país, com o estatuto de IPSS
(instituição pública de solidariedade social).
Graças a este estatuto jurídico, estes infantários recebem do erário
público, através do Orçamento de Estado, um apoio financeiro mensal de 274
euros por criança, actualizado para 283 euros em 6 de Abril de 2020 (portaria
nº 88-C/2020). Por outro lado, a portaria nº 85-A/2020 de 3 de Abril, permitiu-lhes
recorrer ao lay-off simplificado, com a concomitante redução de 1/3 do
salário dos seus trabalhadores (educadores de infância, auxiliares de educação,
etc.), e à extensão do período de extensão de
isenção do IVA durante o período
de emergência (alínea a do nº10 do artigo 15º do código do IVA).
A UMP já tinha defendido em Abril, pela voz do seu presidente, Manuel
Lemos, que as creches deveriam poder abrir em meados de Maio para poderem acompanhar o regresso dos pais ao trabalho nos diversos
sectores que, ao longo do mês de Maio, vão retomar a actividade — desde as
várias unidades fabris mas também vários tipos de estabelecimento comercial (Público,
29 de Abril).
Em vez de uma data fixa para a abertura de todas as creches, Manuel Lemos, preferia uma solução “à dinamarquesa”:
que as creches e jardins-de-infância pudessem abrir progressivamente, logo a
partir de meados de Maio, consoante as necessidades e a vontade manifestadas
pelos pais das crianças.
Numa zona fabril, cujas unidades começam a reabrir no
início de Maio, como em Vizela, por exemplo, há muitos pais que estão a falar
com as Misericórdias para se poderem reabrir as creches, porque não têm onde
deixar os filhos. E, com cautela e testes, acho que estas creches têm o dever
de reabrir, para ajudar a economia.
Apontando o exemplo dinamarquês — «que são os
‘latinos’ da Europa do Norte» — o presidente da UMP admitia, já nessa
altura, que estes equipamentos possam aumentar a distância entre crianças de
dois para seis metros quadrados, para diminuir o risco de contágio, dizendo
acreditar que tal possa acontecer sem necessidade de regulamentação específica.
«Vai haver mais gente desempregada, que deixa de
precisar de recorrer aos equipamentos e muitos pais que não o quererão e
arranjarão outras soluções», admitiu, para considerar que «abrir tudo no dia 1 de Junho, ‘à bruta’, pode não ajudar
naquilo que se quer seja a responsabilização dos pais no combate ao contágio»
pelo novo coronavírus (Público, ibidem).
O governo parece tê-lo ouvido, visto que decidiu abrir as creches em duas
fases: a partir do dia 18 de Maio (alegadamente para os pais mais afoitos ou
mais necessitados) e a partir do dia 1 de Junho (alegadamente para os pais mais
receosos ou menos necessitados).
1.6.
Pais
Os pais com crianças em idade de creche parecem estar divididos em dois
grupos — chamemos-lhes o grupo X e o grupo Y — relativamente à
reabertura das creches em 18 de Maio. Não tenho os meios de avaliar com rigor o
tamanho relativo deste dois grupos, mas o grupo X parece ser largamente
maioritário, a fazer fé no número de peticionários.
—
Grupo Y: a favor da reabertura das creches em 18 de Maio
De um lado, estão aqueles pais que precisam imperiosamente das creches para
poderem regressar ao trabalho e que, por isso, estão dispostos a arriscar
deixar os filhos ao cuidado das creches que frequentavam antes da pandemia da
Covid-19.
Esses pais fizeram 5 petições que recolheram 814 assinaturas. Reproduzo
abaixo as duas petições que recolheram mais assinaturas, Designá-las-ei por
petição D (382 assinaturas) e petição E (359 assinaturas).
Petição D: ABERTURA DO PRÉ-ESCOLAR E BÁSICO DIA 18 DE MAIO 2020
Para: Assembleia da República, Governo e Presidente da
República
Pela abertura do ensino Pré-escolar e Básico no dia 18 de
Maio de 2020
Sabemos agora, com certeza científica, que
este vírus não apresenta qualquer risco significativo para as crianças.
Especialmente nos mais novos, não existe risco acrescido quando comparado com
outras doenças que, nestas idades, matam bem mais do que a COVID-19 como: a
meningite, a gastroenterite, as gripes A e B, a pneumonia, as bronquites ou a
bronquiolite. E não se fecham as escolas por isso. Não há registo de casos
graves de crianças abaixo de 9 anos em todo o mundo, abaixo dos 18 são
raríssimos.
O Canadá mudou de estratégia e vai abrir as escolas, dos
mais novos para os mais velhos. A Dinamarca, a França e a Holanda também. A
Suécia nunca as fechou. A Suíça também vai abrir.
Os mais jovens são peças fundamentais à
imunidade de grupo, têm infecção ligeira logo pouco risco de contagiar outros.
Tornam-se barreiras à propagação do vírus, fundamentais para os pais voltarem a
trabalhar.
Também não há qualquer recomendação da OMS para fechar as escolas! O governo
deverá abrir as escolas, recomendando o afastamento das crianças dos grupos de
risco por mais 2 semanas.
O teletrabalho é uma opção para quem está em casa sozinho
ou com crianças mais velhas, não com crianças com menos de 10 anos que requerem
atenção permanente.
Tememos pelo desenvolvimento dessas crianças. Pais a
trabalhar ao mesmo tempo em teletrabalho dificilmente as podem acompanhar nas
suas actividades e até darem a atenção sócio-afetiva de que elas tanto
necessitam.
O próprio Jorge Torgal, médico e especialista em saúde
pública, e porta-voz do Conselho de Saúde Pública afirma: “Não há inconveniente
de maior em abrir creches e infantários.” Defendendo que as escolas deveriam
reabrir mais cedo.
Apelamos portanto à abertura o quanto antes do
Pré-escolar e do Básico, dado não haver razão nenhuma científica e
epidemiológica que prove o contrário.
Cada um deve ter a escolha e a liberdade para poder
decidir o que é melhor para si e para os seus filhos. Quem não os quiser levar
para a escola deve ser respeitado.
Petição E: REABERTURA DE ESCOLAS, CRECHES E ATL’S
Para: Exmo. Sr. Presidente da República, Exmo. Sr.
Primeiro Ministro, Exmo. Sr. Ministro da Educação, Exmo. Sr. Ministro de Estado
e Finanças
Excelências,
Nós, Encarregados de Educação, Pais, e Trabalhadores (de
todas as áreas), vimos, pelo presente, rogar a reabertura das DE ESCOLAS,
CRECHES E ATL'S a partir do dia 01 de Maio de 2020.
Não se compreende que o Governo apele sucessivamente a
que “não se deixe de trabalhar”, bem como assim que se perspective a reabertura
da economia, MAS que não pondere, igualmente, a reabertura das escolas, creches
e ATLs.
É impossível esquecer que não somos só Pais. Somos a
força trabalhadora de Portugal. E, o sustento das nossas casas. Como irá ser
possível assegurar que os nossos filhos tenham qualidade de vida, se o Estado
obriga que alunos/crianças (dos 03 anos aos 12 anos), permaneçam em casa horas
a fio, a estudar, onde já encontram enclausurados desde o dia 13/03/2020?
Nós, os Pais, temos consciência que, permanecendo assim;
em casa, o nível de concentração e atenção dos N/ Filhos é completamente
diferente.
As escolas existem porque as crianças precisam de um espaço
para a aprendizagem. E, também para o convívio social; e a necessária
interacção humana.
É impossível um crescimento saudável sem a interacção
humana. Sem aprender com os outros, e sem estar com os outros.
Não é aceitável exigir que as N/ casas se tornem escolas,
e os Pais docentes a tempo inteiro; ou, que os N/Filhos sejam obrigados a
permanecer, em casa, sentados, cinco dias por semana, das 9h às 16h, a estudar
e a realizar trabalhos. Cuja carga, aliás, fazemos saber, é de todo irrazoável.
A pressão psicológica é já difícil de suportar. Dentro em
pouco será insustentável. E, os danos emocionais irreversíveis. E, não falamos
apenas dos N/ Filhos. Também nós, os Pais, estamos a ser fortemente afectados.
“Ficar em casa” não é um mundo cor-de-rosa. Não é um
Paraíso; onde se pratica a arte de fazer pão e panquecas! Não é um tempo de
férias! É um tempo de angústia e preocupações!
O ensino à distância, resumido ao encarceramento em casa,
não é a solução.
Para justificar tal decisão, argumenta-se
que as crianças são consideradas o grupo principal portador do vírus. Não
discordamos. Mas, e os pais, também não o são? Nós, os Pais estamos, também, a sofrer todas as pressões
psicológicas imagináveis; com toda a insegurança que trás o Futuro, em relação
a postos de trabalho e negócios encerrados.
E ainda, temos uma questão não menos relevante: e as
crianças que não têm possibilidade de ter um computador, ou acesso a
computador, ou à Internet? O recurso aos CTT é apontado como a solução. Mas,
como é público, muitas localidades nem sequer dispõem de posto CTT; sendo
obrigadas a deslocar-se a localidades vizinhas. Esta solução parece-Vos uma
opção razoável?! Pensamos que NÃO.
Tudo o que foi decidido não faz sentido, sendo certo e
inquestionável que as crianças têm que ter o espaço escolar, bem como assim o
espaço casa. Ambos são necessários ao seu desenvolvimento pessoal. Não se criam
Seres Humanos quando se aniquila o convívio pessoal; a interacção, o “olhar no
olhar”.
As crianças NÃO são criminosos (mas, estão a ser tratadas
como tal), obrigadas a uma pena de encarceramento (ainda que em casa), e a uma
pena de estudo (dada a carga de TPC a que estão sujeitas), sem contacto com
colegas (que não virtual; nos casos em tal é possível), sem contacto com amigos
(que não virtual; nos casos em que tal é possível), impedidos de sair, de
correr ao ar livre, … E, até quando???
Obrigam-se os Pais a serem Docentes. Obrigam-se os Pais a
serem Psicólogos. Mas, também se lhes exige que “não parem de trabalhar”!
E, quanto aos Pais que são também professores? E, que têm
filhos? Não têm seguramente o dom da duplicação!
Como é possível que se lhes exija que prestem assistência
aos Filhos; das 9h às 16h (como Docentes dos seus Filhos), e, em simultâneo,
que dêem aulas (como trabalhadores que “não podem deixar de trabalhar”), e que
preparem aulas para o dia seguinte. E, que também cuidem da casa, cumpram todas
as tarefas domésticas, que preparem refeições; e que vão às compras, …
Ainda: para que os Filhos permaneçam em casa, os Pais
também têm que lá estar. O que oferece o estado em contrapartida? Um valor
correspondente a um salário mínimo no valor de 635€! Perguntamos: como irá
possível sobreviver? Como irão as nossas Famílias sobreviver apenas com 635€?
Há contas a pagar; que não param de chegar (ou que, no
limite são “empurradas para a frente” onerando o sobrecarregando o futuro):
rendas de casa, contas de água, de electricidade, de gás, alimentação e
telecomunicações. Contas que duplicam e engordam a cada dia de confinamento, e
apenas em proveito dos rendimentos de empresas privadas com elevados recursos;
e sem que sem que o Estado sequer se atreva a impor restrições ou limites.
Ainda: muitos Pais trabalham a recibos verdes, e, neste
caso, os apoios não são suficientes, ou são de todo inexistentes. E, aqueles
que são pequenos empresários, com negócios? Esses nada recebem.
Tudo isto irá conduzir, e muito em breve, a uma situação
generalizada de pobreza extrema. O número de desempregados é já um indicador
daquilo que irá ocorrer no futuro. É isto o que se deseja para Portugal?
Como será possível pensar na recuperação da Economia, se
não houver trabalhadores; porque estes têm que estar em casa a ser pais e
professores e cuidadores?
Por sua vez, o como poderão as empresas laborar, se lhes
faltar recursos humanos?
Estamos todos ligados!
Exmos. Srs., queiram perceber que nós, os Portugueses,
temos cumprido com todas as medidas, temos aceite as mesmas. Mas, há igualmente
que perceber que o País não pode parar, e que as crianças também têm que viver
o seu dia a dia, e que não podemos continuar a manter crianças fechadas em
casa, findo o estado de emergência. E, que os Pais não podem continuar em casa;
que somos necessários à recuperação da Economia.
Noutros países, as escolas começam a reabrir. Porque é
que o nosso País não adopta idênticas medidas?
Finalizando, esta petição prende-se com o PEDIDO DE
REABERTURA DE ESCOLAS, CRECHES E ATL´S.
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Grupo X: contra a reabertura das creches em 18 de Maio
Do outro lado, estão aqueles pais (incluindo pais que precisam
imperiosamente das creches para poderem regressar ao trabalho) que não arriscam
deixar os seus filhos ao cuidado das creches que frequentavam antes da
pandemia da Covid-19, por entenderem que se trata de um risco demasiadamente
elevado.
Esses pais fizeram 30 petições que recolheram um total de 74.072
assinaturas. Reproduzo abaixo as três petições que recolheram mais assinaturas.
Vou designá-las por petição A (21.919 assinaturas), petição B (20.970 assinaturas) e petição C (12.241
assinaturas), respectivamente.
Petição
A: ENCERRAMENTO DE CRECHES E PRÉ-ESCOLAR ATÉ SETEMBRO 2020
Para: Assembleia da República Ministério Saúde
Ministério Educação País Filhos Encarregados de educação
Abrindo as creches e pré escolar, crianças dos 0-6 anos
não têm condições, dado o seu desenvolvimento psico social, para manter as
medidas sanitárias impostas pelo sistema nacional de saúde e adequadas a este
momento de pandemia.
Petição
B: NÃO ABERTURA DE CRECHES, PRÉ-ESCOLAR E ATL’S, PELO MENOS ATÉ SETEMBRO
Para: Exmo. Senhor Presidente da República Marcelo Rebelo
de Sousa e Sr. Primeiro-ministro António Costa.
Como Mães e Pais preocupados com o bem-estar dos nossos
filhos, apelamos desta forma, à não reabertura de creches e jardins de
infância/pré-escolar em Maio. Mantenha as instituições, pelo menos, fechadas
até ao final do ano lectivo.
As crianças não podem, NEM SABEM manter a
distância de segurança, não percebem o porquê de não se poderem abraçar, beijar
ou pedir colo. Aliás, estão constantemente em contacto direto com os colegas,
educadores e auxiliares. Mesmo lavando as mãos regularmente, nunca estão limpas
pois, mexem no chão, nos brinquedos e incluindo, a sola dos sapatos que vêm da
rua e poderão assim, conter o vírus Covid-19 ou até, outros vírus que os levem
a ficar mais vulneráveis.
Todos nós sabemos que as crianças levam as
mãos à boca, ao rosto, ao nariz, etc. Todos sabemos, ou deveríamos, que as
crianças são transmissoras dos agentes patogénicos que causam virose e afins,
mesmo que com poucos sintomas ou nenhuns. Basta vermos que quando uma criança
está doente, maioritariamente todas as que sejam da mesma sala ficam, seja à
vez ou não. Infetando também as educadoras e auxiliares que, por sua vez,
também vão infetar familiares. Não será preciso explicar que a partir daqui
serão várias as cadeias de transmissão.
É normal quererem retomar a economia, mas não comecem pelo fim ou acabarão com confinamento e com medidas mais severas, e a economia terá novo pico decrescente! Como se costuma dizer, será pior a emenda que o soneto! Apelamos ao vosso bom senso. Quando as crianças ficam doentes, os pais recorrem a baixa paga a 100%, é mais que 66%! Não assassinem de vez a economia (devido a novo surto por levantamento prematuro de certas medidas) e não mandem para a guerra as crianças, que por si só, já têm sido uns HERÓIS. Por Favor, não ponham quem ainda não se sabe defender, na linha da frente!
É normal quererem retomar a economia, mas não comecem pelo fim ou acabarão com confinamento e com medidas mais severas, e a economia terá novo pico decrescente! Como se costuma dizer, será pior a emenda que o soneto! Apelamos ao vosso bom senso. Quando as crianças ficam doentes, os pais recorrem a baixa paga a 100%, é mais que 66%! Não assassinem de vez a economia (devido a novo surto por levantamento prematuro de certas medidas) e não mandem para a guerra as crianças, que por si só, já têm sido uns HERÓIS. Por Favor, não ponham quem ainda não se sabe defender, na linha da frente!
Creche Portugal dos Pequeninos II. Associação de Socorros Mútuos S. Francisco de Assis de Anta, Espinho |
Petição
C: ABRIR JÁ CRECHES E POSTERIORMENTE O PRÉ-ESCOLAR, É O MAIOR ERRO QUE PODEM
COMETER...
Para: Assembleia da República, profissionais de educação
e famílias
Excelentíssimos Sr. Presidente da Républica, Sr. Primeiro
Ministro, caras e caros colegas e Famílias:
Venho por este meio, e com argumentos válidos, apelar à
não reabertura das creches, Jardins de Infância e ATL’s já em Maio, por
considerar precoce a tomada dessa decisão que poderá colocar em causa todo o
esforço realizado até ao momento.
Temos todos que nos unir e chamar o nosso governo à
razão, por todos os meios possíveis...
Se vão abrir a valência de creche...abram toda a
escolaridade, porque começar pelas crianças de mais tenra idade é uma bomba
relógio...
Estão a iniciar o processo pela ordem inversa... Lá
porque outros países decidiram tomar, irresponsavelmente, essa decisão, isso
não significa que seja a correcta.
A Letalidade nas crianças mais pequenas, pode ser menor,
mas isso não significa que não sejam infectadas e como todos sabem são um
importante vector de propagação do virus, mesmo que assintomáticos em alguns
casos. No entanto, é do conhecimento geral que existem diversos casos de
crianças infetadas e hospitalizadas, o que deita por terra a teoria de que as
crianças são imunes. Não, não são e sim...podem ficar em estado grave o que já
aconteceu levando um recém-nascido a desenvolver uma septicemia que felizmente
está a evoluir de forma positiva.
O problema aqui não é reabrir as escolas...
é sim a ordem pela qual estão a iniciar este processo. Todos nós sabemos que o país terá
gradualmente que voltar a uma "suposta normalidade" e não poderemos
ficar confinados eternamente. Abrir inicialmente o comercio, onde os clientes
são (como tem sido feito até aqui) atendidos um a um, mantendo o distanciamento
obrigatório, De seguida e aqui sim relacionado com a educação, abrir faculdades…seguidamente
o ensino secundário (jovens adultos e adolescentes que entendem a necessidade
de existir esse distanciamento e que são autónomos, conseguem usar uma máscara
e entendem o porquê de ter que o fazer). Seguidamente abrir o 3º Ciclo e ir
avaliando o progresso desse retorno, também estes entendem a necessidade de
usar uma máscara e de manter a distância de segurança. E progressivamente abrir
em sentido descendente, até se chegar finalmente ao ensino pré-escolar e às
creches.
O que pretendem fazer é descabido...em
vez de começarem pelos que têm mais maturidade (os mais crescidos), não...
começam pelos mais vulneráveis... aqueles que fazem tudo ao contrário do que
lhes dizemos... aqueles cuja primeira palavra que aprendem e a que mais usam é
o "não"... os que passam grande parte do tempo ao colo....os que
precisam de ajuda para tudo... os menos autónomos... aqueles que põem tudo na
boca...os que devido ao facto de terem os dentinhos a romper, estão
constantemente a babar-se...e passam o dia a pôr as mãos na boca e a manusear
os objectos.... e que devido ao facto de terem uma imunidade mais baixa (sim
uma imunidade mais baixa, e a prova disso é que quando as crianças entram para
a creche passam a maior parte do tempo doentes, e quando uma criança fica
doente... toda a sala fica...incluindo adultos que por tão grande necessidade
de proximidade também não se conseguem proteger, apesar de todos os cuidados).
Os profissionais das salas passam o dia a limpar narizes sem fim... querem mais gotículas??? E a trocar fraldas... e a dar comer à boca... crianças de 1 e 2 anos, comem muitas vezes com as mãos e apesar de toda a atenção possível, dois adultos por vezes não conseguem impedir que 14 crianças vão ao prato umas das outras...
Os profissionais das salas passam o dia a limpar narizes sem fim... querem mais gotículas??? E a trocar fraldas... e a dar comer à boca... crianças de 1 e 2 anos, comem muitas vezes com as mãos e apesar de toda a atenção possível, dois adultos por vezes não conseguem impedir que 14 crianças vão ao prato umas das outras...
Nas creches as crianças não estão paradas senhor primeiro
ministro... nas creches as crianças não ficam onde as colocamos... a creche não
é só o berçário... a partir do momento em que iniciam a marcha, as crianças
desta faixa etária não param quietas... saltam... trepam... abraçam...
beijam... mordem... exploram o mundo com as mãos e com a boca...o facto de
colocarem tudo na boca... facilita a propagação do vírus... ou teremos que
tirar todos os brinquedos das salas, já por si pequenas... sim...porque a
realidade das salas de creche em Portugal, não é igual à da Suécia, senhor
primeiro ministro.
E terão as nossas entidades empregadoras capacidade para
nos fornecer equipamento de protecção adequado para podermos desenvolver o
nosso trabalho em segurança? É que às vezes quase não há para o básico...
omeletes sem ovos já nós fazemos todos os dias... agora ao menos que tenhamos
segurança... e duvido que neste momento nos consigam dar essa segurança.
E já agora...se um pai trouxer uma criança ao colo...
vamos pedir-lhe que a ponha no chão... como se ela ali ficasse quietinha...e
que se afaste 2 metros... para que possamos sacar dos nossos braços de Dr.
Gadget... “vai, vai braço gadget...” e colocar a criança dentro da sala.....
uma em cada canto porque têm que manter a distância de segurança...(como se
isso fosse possível com crianças até aos 3 anos, aliás até mesmo aos 6 ou
mais)... tirar todos os brinquedos da sala parece-me pouco viável. As crianças
põem tudo na boca... e não temos um... temos 14... ou 18... depende da sala em
creche...e de 20 a 25 no pré-escolar. Somos dois adultos por sala solicitados
constantemente para TUDO, e aqui não dá para dizer “por favor espere pela sua
vez sem se aproximar mais que 2 metros”. No que toca ao uso de máscaras
expliquem-me por favor como se coloca uma máscara numa criança de 1 e 2 anos e
até mais e que a mesma a mantenha na cara... acreditem... não fica lá nem 3
segundos... logo... não se aplica em creche...
Já agora aproveito para esclarecer que nestas idades
ainda não existe essa coisa bonita apelidada de etiqueta respiratória... por
mais que lhes digamos...as crianças tão pequenas, espirraram e tossem para cima
de quem estiver à sua frente... (O que é normal... ainda não há maturidade,
capacidade de compreensão... as crianças desta idade não têm noção do
perigo)...
Entenderam agora que nesta, mais do que em qualquer outra
faixa etária, não só é dificil, como é aliás impossível manter o distanciamento
social???
Não existe creche sem colo... nem aqui nem na China... A
vertente afectiva é a mais relevante nesta faixa etária. Esta é a etapa do
desenvolvimento em que a criança mais depende do adulto e em que o contacto
físico é determinante na relação. As crianças e ainda mais as mais pequenas,
necessitam de afecto e da proximidade do adulto. As crianças são emotivas e não
dispensam um abraço e um carinho... a creche é um lugar de afectos.
Acordem... os países que tomaram essa decisão...
infelizmente irão arrepender-se... e ter como base opinião de senhores doutores
de gabinete, que não fazem a mínima ideia do que é o trabalho no terreno… que
não conhecem a realidade das creches…
Querem agora pôr em risco as boas decisões que tomaram
até ao momento, abrindo prematuramente as creches? Algumas localizadas no mesmo
espaço físico que lares da 3ª idade?
É pena que não haja a menor noção do que é trabalho em
creche... nem respeito pelas crianças, famílias e profissionais que com elas
trabalham. A abertura das creches irá criar cadeias de transmissão sem fim…
crianças, famílias, profissionais...etc.
Assinem esta petição e façamos chegar a mesma a quem tem
poder para reconsiderar sobre este assunto.
Desde já o meu muito obrigada.
2.
Caracterização da reabertura das creches em 18 de Maio
2.1.
Uma medida descabida e imprevidente
A decisão de reabertura das creches em 18 de Maio (e o mesmo vale dizer
para a data de 1 de Junho) é uma medida descabida e imprevidente, como os autores
da petição B e da petição C o mostram muito bem:
As crianças não podem, NEM SABEM manter a distância de
segurança, não percebem o porquê de não se poderem abraçar, beijar ou pedir
colo. Aliás, estão constantemente em contacto direto com os colegas, educadores
e auxiliares. Mesmo lavando as mãos regularmente, nunca estão limpas pois,
mexem no chão, nos brinquedos e incluindo, a sola dos sapatos que vêm da rua e
poderão assim, conter o vírus Covid-19 ou até, outros vírus que os levem a
ficar mais vulneráveis.
Todos nós sabemos que as crianças levam as mãos à boca,
ao rosto, ao nariz, etc. Todos sabemos, ou deveríamos, que as crianças são
transmissoras dos agentes patogénicos que causam virose e afins, mesmo que com
poucos sintomas ou nenhuns. Basta vermos que quando uma criança está doente,
maioritariamente todas as que sejam da mesma sala ficam, seja à vez ou não.
Infetando também as educadoras e auxiliares que, por sua vez, também vão
infetar familiares. Não será preciso explicar que a partir daqui serão várias
as cadeias de transmissão.[petição B]
O problema aqui não é reabrir as escolas... é sim a ordem
pela qual estão a iniciar este processo (…) Em vez de começarem pelos que têm
mais maturidade (os mais crescidos), não... começam pelos mais vulneráveis...
aqueles que fazem tudo ao contrário do que lhes dizemos... aqueles cuja
primeira palavra que aprendem e a que mais usam é o “não”... os que passam
grande parte do tempo ao colo....os que precisam de ajuda para tudo... os menos
autónomos... aqueles que põem tudo na boca...os que devido ao facto de terem os
dentinhos a romper, estão constantemente a babar-se...e passam o dia a pôr as
mãos na boca e a manusear os objectos.... e que devido ao facto de terem uma
imunidade mais baixa (sim uma imunidade mais baixa, e a prova disso é que
quando as crianças entram para a creche passam a maior parte do tempo doentes,
e quando uma criança fica doente... toda a sala fica...incluindo adultos que,
por tão grande necessidade de proximidade, também não se conseguem proteger,
apesar de todos os cuidados)…[petição C]
2.2. Uma
medida descabida e imprevidente, mas não irreflectida
A decisão da reabertura das creches em 18 de Maio é uma medidas descabida e
imprevidente, mas NÃO é uma medida irreflectida, como os autores da petição D e
da petição E fizeram questão de o vincar:
Para justificar tal decisão [de encerramento
dos infantários e das escolas], argumenta-se que as crianças
são consideradas o grupo principal portador do vírus. Não discordamos. Mas, e
os pais, também não o são? [petição E]
Sabemos agora, com certeza científica, que este vírus não
apresenta qualquer risco significativo para as crianças. Especialmente nos mais
novos, não existe risco acrescido quando comparado com outras doenças que,
nestas idades, matam bem mais do que a COVID-19 como: a meningite, a
gastroenterite, as gripes A e B, a pneumonia, as bronquites ou a bronquiolite.
E não se fecham as escolas por isso. Não há registo de casos graves de crianças
abaixo de 9 anos em todo o mundo, abaixo dos 18 são raríssimos. [petição D]
Mas se, como vimos nas secções anteriores, as crianças das creches não são
capazes de respeitar as regras sanitárias básicas (lavagem frequente das mãos,
distância proxémica de 2 metros,
etiqueta respiratória, uso de máscara de protecção individual) e
podem, por conseguinte, ser facilmente infectadas pelo novo coronavírus; se
as crianças
infectadas, mas assintomáticas, podem ser veículos silenciosos de contágio de
outras crianças, dos profissionais de educação de infância que delas cuidam e
dos pais; e se as cantinas das creches IPSS podem facilmente transformar-se num
foco de contágio comunitário, porquê, então, reabrir as creches ?
Há duas
respostas possíveis e que não se excluem mutuamente. Uma delas é a que os
autores da petição E apontaram sem rebuço:
Como será possível pensar na recuperação da Economia, se
não houver trabalhadores; porque estes têm que estar em casa a ser pais e
professores e cuidadores? Por sua vez, o como poderão as empresas laborar, se
lhes faltar recursos humanos?
Ou seja, «é a economia, estúpido» — como
diria Bill Clinton, ex-presidente dos EUA — que justifica a reabertura das
creches, não o bem-estar das crianças.
A outra resposta, complementar da primeira, é a que os autores da petição D indicaram com uma mistura inextricável
de ignorância atrevida e maquiavelismo patego.
Os mais jovens são peças fundamentais à imunidade de
grupo, têm infecção ligeira logo pouco risco de contagiar outros. Tornam-se
barreiras à propagação do vírus, fundamentais para os pais voltarem a trabalhar
[petição D]
Como se vê, a inversão de valores é total. Às crianças é atribuída a missão
de proteger os pais do novo coronavírus SARS-CoV-2, através da chamada
imunidade de grupo, em vez de serem os pais a proteger as suas crianças.
A argumentação dos signatários da petição D é semelhante à de
Anders Tegnell, o epidemiologista-chefe responsável pela resposta à pandemia da
Covid-19 desenvolvida pela Agência de Saúde Pública da Suécia, a qual, neste
país (e por imperativo constitucional) decide e actua sem interferência do
governo em tudo o que diz respeito à saúde pública, contrariamente ao que sucede com a DGS portuguesa, que tem uma autonomia limitada.
2.3. Imunidade de grupo vs imunidade de rebanho
A política do senhor Anders Tegnell na Suécia visa obter um efeito apelidado por muitos comentadores, e por ele próprio, de “imunidade de grupo”. Mas trata-se de uma designação equivocada.
A imunidade de grupo é uma forma de protecção indirecta contra doenças infecciosas que ocorre quando uma grande percentagem da população se torna imune a uma dada doença infecciosa, quer (i) através da vacinação massiva quer, (ii) residualmente, através de indivíduos que foram infectados por não estarem vacinados, mas nos quais a infecção não teve um resultado fatal.
A via (ii) é residual, visto que só uma parte desses indivíduos adquire anti-corpos suficientes para lhes conferir uma imunidade mais ou menos duradoura. A imunidade de grupo confere, assim, uma protecção indirecta a indivíduos que não foram vacinados e que não estão imunes, mas que não querem ser vacinados (ou que não tiveram ainda a ocasião de serem vacinados, por esta ou aquela razão). Esta imunidade de grupo é sempre um efeito colateral de uma política eficaz (porquanto cientificamente concebida e eficientemente executada) de prevenção e protecção individual contra o contágio por um agente patogénico altamente infeccioso.
A via (ii) é residual, visto que só uma parte desses indivíduos adquire anti-corpos suficientes para lhes conferir uma imunidade mais ou menos duradoura. A imunidade de grupo confere, assim, uma protecção indirecta a indivíduos que não foram vacinados e que não estão imunes, mas que não querem ser vacinados (ou que não tiveram ainda a ocasião de serem vacinados, por esta ou aquela razão). Esta imunidade de grupo é sempre um efeito colateral de uma política eficaz (porquanto cientificamente concebida e eficientemente executada) de prevenção e protecção individual contra o contágio por um agente patogénico altamente infeccioso.
A política de resposta à pandemia que Anders Tegnell preconizou para a Suécia, não tem estas características, visto que, na ausência de uma vacina eficaz contra a Covid-19 (que só poderá estar disponível, na melhor das hipóteses, daqui a 1 ano), faz uma aposta deliberada em conseguir obter pela via (ii) o que só pode ser obtido pela via (i). Por essa razão, a sua política merece uma outra designação. Imunidade de rebanho (Ingl. Herd immunity) parece-me ser um nome adequado, uma vez que trata as pessoas como se fossem ovelhas ou cabras.
Insisto na diferença abissal entre a imunidade de grupo e a imunidade de
rebanho. A primeira é um efeito colateral de uma política de saúde que tem como
objectivo central obter a melhor prevenção e a melhor protecção imunitária (nomeadamente através de uma adequada cobertura vacinal da população) contra o contágio generalizado por um agente patogénico
altamente infeccioso. A segunda é o efeito desejado de uma política de saúde
que tem como objectivo central mitigar a expansão generalizada de um agente patogénico
altamente infeccioso.
Lembremos em que consistiu, até à data, a política sueca de resposta à
pandemia da Covid-19. As mercearias, os minimercados e os supermercados permaneceram sempre abertos
na Suécia, tal como em Portugal. Porém, contrariamente ao que sucedeu em
Portugal, os infantários e as escolas básicas (mas não as escolas secundárias,
dos 15 anos em diante, e as universidades) permaneceram também abertos, tal
como os restaurantes, os bares, os cafés, as lojas, os cabeleireiros, os
cinemas, os ginásios, as piscinas públicas, as bibliotecas e os clubes
nocturnos. Proíbidos foram, apenas, os ajuntamentos de mais de 50 pessoas e as
visitas a lares de idosos. As pessoas com mais de 70 anos, as pessoas pertencentes a grupos de risco e as pessoas que
adoeçam foram aconselhadas a não sair de casa. A distância proxémica (de 1m e 82cm entre as mesas de um restaurante/café/bar, não especificada entre as pessoas) é recomendada, mas não o uso de máscara em espaços
públicos fechados ou muito frequentados.
Anders Tegnell, o responsável por esta política, é um homem muito parco e cuidadoso com as palavras. Nunca o ouvimos dissertar sobre a imunidade de rebanho e não é de esperar que alguma vez o faça. A explicação mais longa e explícita que fez sobre esse aspecto central da sua política de saúde foi a seguinte:
A imunidade de rebanho não é uma política pública, é um
estado de coisas que se pode conseguir. Nós queremos que as pessoas sejam
infectadas no menor número possível, a uma cadência lenta, para que o serviço de
saúde consiga aguentar (Jenny Anderson.
The Road not really
taken. Sweden’s very different approach to Covid-19.
Quartz, April 27, 2020).
Mesmo assim,Tegnell diz esperar que em Estocolmo, onde existe a mais alta densidade populacional da Suécia, possa haver algum tipo de imunidade de rebanho brevemente, conjecturando que esta possa durar até seis meses. Que provas existem que corroborem esta conjectura? Nenhumas. Qual é a percentagem da população que tem de ser infectada para que possa haver imunidade de rebanho ? Tegnell não nos diz e julgo que nunca o dirá (ver-se-á porquê mais adiante) .
Mas o seu colega, Sir Patrick Vallence, conselheiro científico principal do governo britânico de Boris Johnson, foi bem mais directo e explícito quando declarou à estação de televisão Sky News, no dia 13 de Março de 2020, que seria necessário que o coronavírus SARS-Cov-2 infectasse 60% da população do Reino Unido para se conseguir a almejada imunidade de rebanho nesse país (https://www.youtube.com/ watch?reload=9&v= 2XRc389TvG8; a parte relativa a esta declaração começa aos 4 minutos e 45 segundos).
Para termos uma ideia do que isto significa concretamente, nada melhor do que raciocinar sobre um exemplo. Nova Iorque foi a cidade dos EUA mais atacada pelo novo coronavírus. Cerca de 12,3 % da população já tinha anti-corpos contra este vírus no princípio de Maio (e, portanto, já tinha sido infectada por ele numa data anterior), segundo um inquérito feito pelo gabinete do governador do Estado de Nova Iorque (https://www.governor.ny.gov/news/amid-ongoing-covid-19-pandemic-governor-cuomo-announces-results-completed-antibody-testing). Se admitirmos, como afirmou Sir Patrick Vallence, que a imunidade de rebanho se consegue quando 60% da população cria anti-corpos capazes de a protegerem do vírus sem necessitar para isso de uma vacina, isso significa que Nova Iorque ainda só percorreu pouco mais de um sexto do caminho para chegar a essa meta. Ora, como até agora morreram de Covid-19, na cidade de Nova Iorque, cerca de 250 pessoas por 100 mil habitantes, e como há ainda milhões de habitantes dessa cidade susceptíveis de apanhar e de transmitir o vírus, isso significa que muitas dezenas de milhares terão de morrer até se conseguir alcançar a mirífica imunidade de rebanho...
Mas o seu colega, Sir Patrick Vallence, conselheiro científico principal do governo britânico de Boris Johnson, foi bem mais directo e explícito quando declarou à estação de televisão Sky News, no dia 13 de Março de 2020, que seria necessário que o coronavírus SARS-Cov-2 infectasse 60% da população do Reino Unido para se conseguir a almejada imunidade de rebanho nesse país (https://www.youtube.com/ watch?reload=9&v= 2XRc389TvG8; a parte relativa a esta declaração começa aos 4 minutos e 45 segundos).
Para termos uma ideia do que isto significa concretamente, nada melhor do que raciocinar sobre um exemplo. Nova Iorque foi a cidade dos EUA mais atacada pelo novo coronavírus. Cerca de 12,3 % da população já tinha anti-corpos contra este vírus no princípio de Maio (e, portanto, já tinha sido infectada por ele numa data anterior), segundo um inquérito feito pelo gabinete do governador do Estado de Nova Iorque (https://www.governor.ny.gov/news/amid-ongoing-covid-19-pandemic-governor-cuomo-announces-results-completed-antibody-testing). Se admitirmos, como afirmou Sir Patrick Vallence, que a imunidade de rebanho se consegue quando 60% da população cria anti-corpos capazes de a protegerem do vírus sem necessitar para isso de uma vacina, isso significa que Nova Iorque ainda só percorreu pouco mais de um sexto do caminho para chegar a essa meta. Ora, como até agora morreram de Covid-19, na cidade de Nova Iorque, cerca de 250 pessoas por 100 mil habitantes, e como há ainda milhões de habitantes dessa cidade susceptíveis de apanhar e de transmitir o vírus, isso significa que muitas dezenas de milhares terão de morrer até se conseguir alcançar a mirífica imunidade de rebanho...
2.4.
Os resultados da Suécia
Bem entendido, a declaração de Sir Patrick Vallence foi feita antes do Reino Unido (e com ele a Holanda) ter
arrepiado caminho perante os resultados da sua estratégia de imunidade de
rebanho, deixando a Suécia sózinha.
Foi um tempo difícil para a Suécia, porque antes tínhamos
o Reino Unido do nosso lado, ou do mesmo lado. Para mim, era mais fácil dizer:
“Estamos a fazer o mesmo que a Inglaterra.” Mas, de repente, quando apareceu o
famoso artigo científico do Imperial College, fizeram uma inversão de 180
graus. Isso foi mau para nós (Público,
3 de Maio de 2020)
Este foi o desabafo do médico e epidemiologista sueco Johan Giesecke,
professor emérito do Instituto Karolinska, em Estocolmo, consultor da Agência
de Saúde Pública da Suécia, que ajudou a definir a estratégia de Anders
Tegnell. Tanto Giesecke como Tegnell afirmam que o número de mortos por
Covid-19 não deve ser contado agora, mas só daqui a dois anos, e que, nessa
altura, o número de mortes será quase o mesmo em quase todos os países da
Europa. Veremos se assim é.
O que vale a pena salientar é a razão de ser da preocupação destes dois
homens em adiar um veredicto sobre a sua política para daqui a dois anos. É que
os resultados actuais dessa política são desastrosos. Em 30 de Maio, a Suécia tinha 435 mortes (por Covid-19)
por 1 milhão de habitantes. Pior, na Europa, só a Bélgica (816 mortes por 1 milhão de
habitantes), a Espanha (580 mortes por 1 milhão de habitante), o Reino Unido (566
mortes por 1 milhão de habitantes) e a Itália (551 mortes por 1 milhão de
habitantes). Na mesma data, a Suécia tinha um total de casos confirmados de infecção
pela Covid-19 de 3.377 casos por 1 milhão de habitantes. Pior, na Europa, só a
Espanha (6.024 casos por 1 milhão de habitantes), a Bélgica (5.022 casos por 1
milhão de habitantes), o Reino Unido (4.021 casos por 1 milhão de habitantes) e
a Itália (4.448 casos por 1 milhão de habitantes).
A comparação com Portugal — que só esteve numa situação idêntica à da
Suécia antes de 16 de Março e que só estará de novo numa situação de
desconfinamento semelhante à da Suécia a partir de 1 de Junho (se fizermos abstracção do uso obrigatório de
máscara em recintos públicos fechados) — é instrutiva, porque Portugal e Suécia têm aproximadamente a mesma
população (10.293.800 habitantes e
10.175.214 habitantes, respectivamente, segundo a Pordata), embora a densidade populacional da
Suécia (20,6 habitantes por Km2), seja muito menor do que a de
Portugal (111,5 habitantes por Km2). Acresce que mais de metade dos lares suecos são constituídos por um único adulto, sem crianças. Este facto e a baixa densidade populacional deveriam favorecer muito a Suécia, relativamente a Portugal, no combate a uma pandemia provocada por um vírus que se propaga principalmente por meio de gotículas inaláveis. Mas não é isso o que constatamos.
30 de Maio 2020.
Fonte Worldometer |
Nº de casos confirmados da
Covid-19
|
Nº de mortes Covid-19
|
Nº de doentes Covid-19 internados
em cuidados intensivos
|
Nº de recuperados
|
Nº de mortes por 1 milhão de
habitantes
|
Nº de testes por 1 milhão de
hab.
|
Suécia
|
37.113
|
4.395
|
190
|
4.971
|
435
|
23.658
|
Portugal
|
32.203
|
1.396
|
66
|
19.186
|
137
|
78.030
|
.
Nem todos os peritos de saúde suecos concordam com a abordagem de Tegnell.
Numa carta aberta, dois mil cientistas pediram à Agência de Saúde Pública da
Suécia que reconsidere e imponha medidas mais estritas. «Quantas mais vidas estão dispostos a sacrificar só para não
termos isolamento e arriscar efeitos na economia?», perguntou Joacim
Rocklöv, professor de epidemiologia da Universidade Umea (Maria João Guimarães.
A
experiência arriscada da Suécia com a Covid-19. Público, 31 de
Março de 2020).
Um parque no centro da capital sueca, Estocolmo, durante a pandemia da Covid-19. © EPA, Henrik Montgomery |
2.5. Veredicto
Temos agora elementos suficientes para apreciar a justeza do veredicto de
uma das educadoras de infância com quem já nos cruzámos na secção 1.3,
sobre o modo de encarar a reabertura das creches em 18 de Maio (ou em 1 de Junho).
«Acho que devíamos esperar mais, é precipitado abrir já»,
diz a educadora Marta Parracho, tendo em conta que «todos os critérios que nos
garantem a não propagação do vírus não são exequíveis de ser realizados» na
creche.
É um facto.
No entanto, a educadora de infância acredita que a
abertura já em maio pode ter outro motivo. «Eu sei que nós não estamos todos em
casa para prevenir o contágio, mas sim para atenuar a curva e para que isto
aconteça de forma gradual. Por isso não sejamos hipócritas, se calhar o que
se quer com isto é mesmo contagiar e começar pelos mais pequenos, que não têm
uma taxa de complicações tão grande» (Educadores
contra reabertura das creches. “São lugares de afetos. É impossível existir
distanciamento social”, MAAG, 24
de Abril de 2020).
Esta conjectura de Marta Parracho
— segundo a qual há quem considere a reabertura das creches em 18 de Maio (ou
agora, em 1 Junho) como um excelente meio para promover a imunidade de rebanho
— pode parecer, à primeira vista, fantasiosa. Porém, essa impressão
desvanece-se se levarmos em linha de conta as afirmações dos signatários da petição D, que
citei no fim da secção 2.2, sobre “os mais jovens como peças
fundamentais à imunidade de rebanho”, e a experiência sueca que tais afirmações
parecem glorificar.
3.
Sobre as Medidas de Prevenção e Controlo da DGS
As medidas de prevenção e controlo em creches, creches familiares e amas
que a Direcção-Geral de Saúde (DGS) emitiu em 13 de Maio para permitir a sua
reabertura a partir de 18 de Maio suscitaram, como vimos, várias críticas.
Mas há críticas e críticas. Salvo melhor informação, tenho para mim que a melhor
crítica (a mais completa e pertinente) que foi feita a essas medidas da DGS tem
por autora a professora Ana Bela Baptista da Silva, uma amiga e ex-colega que é
uma especialista nesta matéria, coisa que eu não sou. Os leitores interessados
poderão consultar o seu último livro, “Bebés Exploradores e Cientistas Curiosos”: O Nosso
Bebé, Lisboa, Chiado Editora, 2014.
Pedi-lhe autorização para reproduzir aqui dois textos seus (Carta Aberta
e Regressar à creche), que me foi prontamente concedida. Aqui ficam esses
textos, com a devida vénia.
……………………………………………………………………………..
Carta Aberta
Caros
Colegas e amigos Educadores de Infância
Desejo sinceramente
que se encontrem bem e cheios de força para a elaboração deste vosso trabalho.
Começo apenas por
referir, de modo muito sincero, o que penso sobre alguns aspetos que me têm
preocupado, nestes tempos difíceis para todos nós e que precisamos de encarar
com coragem e muita responsabilidade enquanto educadores de infância.
Exprimo a minha
admiração e respeito por saber que estão hoje a elaborar um trabalho muito
sério e fundamentado em defesa dos mais pequenos. Contudo, não posso deixar de
referir a minha preocupação por não nos termos antecipado, dando assim
oportunidade à divulgação de medidas a tomar e ao estabelecimento de datas para
abertura de creches e jardins de infância no nosso país.
Como não sou
técnica de saúde e respeito aqueles que sabem mais do que cada um(a) de nós
sobre esta nova doença que afeta hoje o nosso mundo, resta-me acreditar que as medidas inicialmente preconizadas pela DGS, ouvidos os serviços
da Segurança Social e de outras entidades, Associações, Direções de estabelecimentos,
etc., preconizam aquilo que consideraram
essencial para preservar a saúde física
das nossas crianças — crianças
com idades consideradas, até ao momento, pela generalidade dos técnicos, pouco vulneráveis à perigosidade deste vírus.
Contudo, casos recentes começam a pôr em dúvida esta aparente evidência, uma
vez que o vírus pode atingir gravemente
crianças muito jovens como é o caso da doença Kawasaki (caso em internamento no Hospital de Dona
Estefânia) e que, segundo Cuomo 2020, é
uma «síndrome que representa um risco
emergente para as crianças … antes
consideradas… imunes a casos graves da Covid-19, doença respiratória
causada por (este) vírus».
Sei bem que me
poderão dizer: “em Portugal é só um”,
mas eu sinto que deverei responder: “em Portugal é já um”!
Mas voltando ao que
dizia antes; desde há alguns dias tenho publicado na minha página do Facebook
várias questões que me levam a discordar em absoluto da abertura das creches
neste momento. As razões alegadas têm sido por mim mencionadas e não as irei
referir de novo.
Embora compreenda a
necessidade das famílias que vão trabalhar e mesmo aceitando que este possa não
ser o momento de pensar na creche como sendo prioritariamente um Direito da
criança, julgo que, se tivesse havido uma posição atempada pela parte dos Educadores
de Infância, talvez as medidas económicas de apoio às famílias de crianças de
creche pudessem ter sido prolongadas mais uns tempos, evitando-se tornar pública
esta aparente concessão da nossa parte.
Apercebi-me, agora,
que a DGS já recuou em algumas normas como, por exemplo, o uso das máscaras em
crianças com menos de 10 anos (norma que ficou no tinteiro) e o distanciamento
de 2 m entre as crianças, que passou para 1,5 m. Mas pergunto: o que adianta
esta última alteração, digam lá? Enfim, o bom senso deve prevalecer, mas o que
é objetivamente o bom senso para cada um de nós? Redução dos grupos? Para
quantas crianças por grupo? Divisão dos grupos? Noutras salas? Com que pessoas?
Redução do número de horas de permanência? Entrada dos pais com precaução?
Entrada do objeto de apego? E a chucha de casa? Tudo isso podemos pensar …Mas
mais do que isso, mesmo que apenas tenhamos 3 crianças na sala (uma vez que o
bom senso dos pais parece estar a emergir), como evitar que se toquem, que
explorem o espaço em conjunto, que respirem umas para as outras, que espirrem,
tussam, chorem?
Bom senso, a meu
ver, será pensar que, depois de dois meses de confinamento com os pais em casa,
uma integração na presença das famílias se impunha; mas a entrada das famílias
não será um risco para a saúde de todos?
Se sim, como podemos assumir que os pais devem permanecer na sala? E se
surgir a doença? Quem tem a responsabilidade se tal acontecer porque propusemos
esta alteração?
Amigas, quanto à
creche e às necessidades das crianças até aos 3 anos, tenho escrito na minha
página de Facebook alguns textos que aqui já não vou colocar, porque sei
do conhecimento e sabedoria de todas vós sobre esta matéria. Assim, resta-me
terminar pedindo desculpa por não enviar sugestões para a abertura da creche, uma
vez que discordo em absoluto com tal medida, neste momento.
No que respeita o
jardim de infância, considero ser uma questão bastante diferente, embora
reconheça as enormes dificuldades que se colocam a todos os colegas a trabalhar
nesta valência. Assim penso que a maioria das recomendações da DGS devem ser
escrupulosamente cumpridas, com exceção do distanciamento físico das crianças,
por ser impossível, mas com a atenuante de que, neste caso, as crianças não têm de
usar máscara. Daí a minha primeira sugestão:
Antes da vinda das crianças:
Começar já a
contactar com as famílias de modo a que os pais, de uma forma lúdica, possam
começar a incentivar as crianças, em casa e nos passeios, a usar sempre a
máscara, a tirá-la preferencialmente apenas para comer e dormir. Este poderá
ser um hábito saudável a ir construindo com as crianças, com o apoio das
famílias.
Em toda a
instituição, começar antecipadamente a preparar com todos os requisitos
de saúde indicados pela DGS, assim como ir formando todo o pessoal para os
procedimentos necessários.
Na sala
Estando as
educadoras e as auxiliares de máscara, esta barreira protectora poderá ser o
pretexto que permita, eventualmente, começar a preparar alguns jogos em que a
máscara é protagonista.
Começar a preparar
novas áreas e materiais que incentivem as crianças a brincar simbolicamente em
pequenos grupos — p. ex. área dos bombeiros, dos enfermeiros com fatos de
plástico, aventais, pequenas máscaras para as bonecas, etc.
Outras áreas como a
das expressões, com outros materiais que incentivem à construção e à expressão,
que possam ajudar as crianças a expressar muitos sentimentos.
A seleção dos livros …
Novos materiais
para as dramatizações são também muito importantes …
Mas todas vós
sabeis tanto ou mais do que eu e se coloco aqui algo é apenas para, mais uma
vez, marcar a diferença entre as duas valências. Em relação às crianças da
creche, sabemos que a sua aprendizagem está na exploração boca, mãos, corpo
todo, no toque e na interação, ao passo que no jardim de infância (embora elas
precisem de tudo isso) a riqueza do jogo simbólico poderá ajudar a colmatar
algumas destas dificuldades que a defesa da saúde das crianças nos impõe.
Então, no
caso dos jardins de infância, arrisco acrescentar mais algumas condições que
acharia importantes a uma eventual abertura a partir do dia 1 de Junho:
Horários – horário
estabelecido para a rede pública extensível às instituições particulares com ou
sem fins lucrativos.
Número de crianças – Redução do número
de crianças desdobramento dos grupos ou por salas ou por turnos.
Penso que é tudo.
Desejo a todos um
bom trabalho e muita coragem, porque tudo isto é ainda desconhecido, não se
trata de uma gripe, mas de um vírus novo sobre o qual os cientistas, com
humildade, referem ainda pouco saber.
Resta ainda dizer o
seguinte: o cuidado com as crianças
hoje, o fazer o que conscientemente considerarmos ser o mais adequado, é o que
nos é pedido e eu sei que vocês, educadores a trabalhar no terreno, estão
sempre dispostos a assumir tudo com ética, conhecimento e amor pelas CRIANÇAS.
A todos, BEM HAJA.
Ana Bela Baptista da Silva
Lisboa, 12 de Maio
de 2020. Esta carta foi revista e actualizada em 29 de Maio de 2020.
Creche do infantário O Paião, 2016. |
REGRESSO
À CRECHE
Chamo-me Manel e tenho quase 17 meses. Amanhã vou
regressar à minha creche. Estou cheio de alegria, vou brincar com os meus
amigos e com a nossa querida Maria. A mochila já está pronta com tudo o que eu preciso:
almofada para me sentar, onde a mãe colou um coração e o meu nome, a bola
macia com que gosto de dormir, a minha chucha, a minha garrafa de água e a
caixa das bolachinhas. . .
Hoje acordei muito cedo, estou com pressa de chegar e,
depois do pequeno almoço, de dizer adeus à mamã e ao mano, lá vou eu para o
carro, com a mochila às costas. Na cadeirinha de trás do carro, eu só quero
conversar, mas o papá nada diz, parece preocupado. Eu vou portar-me muito bem,
digo eu para o animar, mas ele às vezes ainda não percebe muito bem as minhas
palavras.
Chegada
Num instante chegamos à porta da creche. Tenho pressa de
sair do carro para entrar e mostrar a minha linda sala ao papá e mostrar o papá
à Maria e aos amigos.
Mas, quando chegamos à porta da creche fiquei com o
coração um pouco apertado. Não estava a
conhecer a minha creche, o que teria acontecido? No chão, umas fitas vermelhas
que o pai não podia pisar, e por mais que eu o puxasse ele não quis entrar. A
Isabel estava à porta com a cara toda tapada. Eu nem a conheci logo e só me
lembrei que era ela quando me disse, «olá, querido
Manel! Que bom te ver por cá». Eu quis logo abraçá-la, mas ela fugiu de mim, tirou-me os sapatos, e a
mochila, que foi dada de novo ao papá. A mochila não podia entrar. Eu comecei a
chorar e o papá fugiu de mim, que mal teria eu feito? Até o papá estava triste.
Ainda lhe quis pedir desculpa, mas ele já tinha partido.
Cheguei
à minha linda sala
Finalmente, ia ver os meus amigos e a minha querida
Maria. O meu coração já estava contente de novo, só de pensar poder a todos
abraçar.
A sala estava diferente. Tinha um cheiro esquisito de que
não gostei muito. Tinha sido tudo mudado. Parecia mais triste a minha querida
sala, sem brinquedos pelo chão. Para onde teriam ido os meus brinquedos
preferidos? E as massas de muitas cores
para eu poder brincar, devia estar tudo noutros sítios. Mais importante eram os
amigos e a Maria. Eram poucos os amigos, só estavam lá o João, a Sónia e a
Cláudia. Não pareciam muito felizes com o jogo que a Maria estava a jogar,
todos sentados numa roda esquisita em que não se podiam tocar. A Maria não me
veio abraçar. Vi nos seus lindos olhos tristes que gostava de me ver. Também
tinha a cara tapada. Mas que jogo tão esquisito!!
O João chorava muito, a Claúdia não queria tirar a mão da
boca, sem parar de querer chuchar, a Sónia fazia birra pois não se queria
sentar. Eu lá fui para o pé deles, gostava de ir para o lado do João, mas fui
rapidamente afastado para não lhe poder tocar. Depois desse jogo estranho, que
não gostei de jogar, a Maria falou connosco com a sua linda voz que serviu para
me acalmar. O que disse não percebi bem, apenas que não devemos brincar muito
juntos, e os jogos que mais gostamos de jogar, ou seja, rebolar no chão,
abraçar, beijar, apanhar …não podíamos jogar!!
Depois começou a cantar e foi bom mesmo bom, mas durou
pouco tempo — a Cláudia sempre a chuchar, a Sónia a fugir, a correr e a rebolar
e o João a chorar. Depois pudemos ouvir a música a tocar e eu dancei muito.
Queria dar as mãos à Maria para podermos dançar, mas ela não lhe apeteceu e eu
lá pulei e dancei sozinho por toda a sala; não foi mau. Assim foi correndo a
manhã, veio a maçã para comer, a fralda fomos mudar e o momento mais divertido
ia agora chegar. Lavar as mãos com outro menino ao nosso lado era o que
costumávamos fazer, mas tivemos de ir à vez porque, ao que percebi, a casa de
banho é pequena e ficaríamos muito perto dos amigos. Mas lavar as mãos, de que
tanto gosto … e já sei fazer bem, não foi assim tão divertido. A Isabel esteve
a ensinar a ensaboar bem as mãos com cuidado para não molhar as pantufas da
sala. Cara lavada, fralda mudada, peixinho e sopa comida…teria sido mesmo bom
se a Cláudia não continuasse a chorar. «Mamã!
Mamã!»
gritava ela. A Isabel perdia a paciência e a Maria tentava acalmá-la: «A mamã vem
logo, agora vais comer um bocadinho, depois dormir e depois vem a mamã».
Mas ela é mesmo bebé e continuava a chuchar nos
dedos … até que começou a vomitar. A Isabel pegou nela e ela a espernear puxou
a máscara à Isabel, vomitou para cima dela … ela ficou muito aflita. Enfim, uma
cena muito feia de se ver!
A Maria levou-nos para a cama…, mas, afinal, a minha cama
com a minha bola de dormir não estava lá. Fiquei assustado. Talvez fosse um
novo jogo. Tentei acalmar-me. As camas eram colchões. No colchão mais perto do
meu ficou o João, mas eu só lhe via os pés … onde estaria a cabeça do
João? [1] Resolvi ir procurar. Sentei-me, o
João sentou-se ao mesmo tempo e começou a gatinhar e foi mesmo giro quando
chocámos os dois. Começámos a rir. A Maria não gostou do nosso jogo. Ficou
muito zangada e mandou-nos deitar. Não percebo porque é que a Maria está tão
triste; ela não costumava ser assim. Fiquei preocupado e prometi não ser mau
mais nenhuma vez. O sono não vinha, mas eu não me mexia. A Sónia começou a
fugir … a Cláudia não parava de chuchar e o João de chorar e eu não me quis
mexer. Fingi adormecer para não aborrecer a minha querida Maria. Depois da
sesta tudo se repetiu. O iogurte e a bolachinha bem boa que gostei de comer, a
fralda mudada e as mãos a lavar, sempre com a Isabel a ensinar. Eu já sabia, mas nada disse. Depois foi de novo cantar.
Eu queria fazer um desenho para o meu irmão e a Maria deixou. Gostei tanto
daquele bocadinho que até parece que o dia passou mais depressa. Eu queria
regressar para oferecer o meu desenho ao meu mano.
Não
quero voltar àquela creche
O papá chegou logo e de imediato, lá fui eu a correr para
o abraçar. Mas na linha vermelha tive de parar. Depois, foi descalçar os
sapatos e calçar as botas, pegar na mochila que estava guardada para lá da
linha vermelha com o meu papá. Com o desenho na mão já estava quase a sair,
quando a Isabel me disse que o desenho não podia ir. Foi aí que a birra chegou
esperneei sem parar. Quando cheguei a casa ainda estava tão zangado pedindo,
suplicando para amanhã não voltar àquela creche que não conhecia e de que já
não gostava.
Ana Bela
Baptista da Silva
Lisboa, 14 de Maio de 2020. Este texto foi revisto em 29 de Maio de 2020.
Nota
[1] Esta passagem alude à seguinte medida da
DGS: «8.c. Os catres (colchões) devem ser separados, de
forma a assegurar o máximo de distanciamento físico possível, mantendo as
posições dos pés e das cabeças das crianças alternadas» (orientação nº 025/2020).
Perguntei à professora Ana Bela Baptista da Silva,
através do correio electrónico, qual era a sua opinião sobre esta medida, que a
Directora-Geral da Saúde, dra. Maria da Graça Gregório de Freitas, apresentou como
sendo uma solução muito óbvia e prática para manter a distância física das
crianças durante a sesta, numa das habituais conferências de imprensa diárias
da DGS sobre a Covid-19. A resposta que ela me deu foi a seguinte:
«Na minha opinião, e até por alguma experiência, as
crianças, quando estão nos colchões, tendem a levantar-se, principalmente
nestas circunstância em que estão de novo a integrar-se na creche. Se se
puserem os colchões a uma distância conveniente, elas podem olhar-se e
comunicar cara a cara umas com as outras, sentindo-se mais calmas. Claro que
também podem começar a querer falar um bocadinho — o que a meu ver não fará
muito mal — falarem um pouco, rir ... até vir o sono (e como estão a uma
distância de segurança, não correm risco de as partículas respiratórias se
misturarem) se a educadora se mantiver a
calma, e os acalmar. Com a inversão de posições, as crianças apenas vêem os pés
da criança mais próxima e pode haver a tentação de se sentarem, ou mesmo de se
levantarem para ir ter com os amigos cara a cara. Claro que isto pode ser
discutível, mas é assim que penso e acredito. Um abraço».
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