Temas 2 e 3
As lágrimas de crocodilo dos dignitários do
“Ocidente alargado” por Alexei Navalny
José Catarino Soares
1. As reacções à morte de Alexei Navalny
As reacções à morte de Alexei Navalny
dos altos dignitários do chamado “Ocidente alargado”
foram unânimes.
Joe Biden, Antony Blinken, Kamala
Harris, Olaf Scholz, Rishi Sunak, Emmanuel Macron, Ursula von der Leyen, Charles
Michel, Josep Borrell, Roberta Metsola, Jens Stoltenberg, Hillary Clinton, etc.,
todos lamentaram a morte do “grande paladino da liberdade
e da democracia na Rússia” e “grande opositor
de Putin”. E todos apontaram o dedo a Putin porque ‒ como disseram Biden
e Zelensky, esses conhecidos poços de virtudes ‒ “é óbvio”
que foi Putin quem o mandou matar.
2. A lógica e os factos
Esta gente não se enxerga. Para eles
a lógica é uma redonda batata e o respeito pelos factos uma gargalhada. Contam,
como sempre, com a credulidade e a ignorância do grande público. Se não
vejamos.
Navalny estava a cumprir 19 anos de
prisão numa colónia penal no Árctico por várias acusações, incluindo
reabilitação do nazismo e atracção de menores de idade para participar em acções
perigosas. Deixemos de lado, por agora, a questão (importante) de saber se
essas acusações eram justas ou injustas. Concentremo-nos numa única questão: “Cui bono?” Que ganharia Putin em mandá-lo matar na
prisão, eliminando assim o assustador aviso que a longa pena de prisão e a dura
condição prisional de Navalny (no Árctico a temperatura média no Inverno pode baixar
até aos -40.° C) constituíam para todos quantos o quisessem imitar?
Não parece mais plausível aceitar o que declarou o Serviço Penitenciário Federal russo? Cito:
«No dia 16 de fevereiro de 2024, na colónia penal número 3, o recluso Alexei Navalny sentiu-se mal depois de uma caminhada, perdendo quase imediatamente a consciência. O pessoal de saúde da instituição chegou imediatamente e foi chamada uma equipa de ambulância. Foram tomadas todas as medidas de reanimação necessárias, que não produziram resultados positivos. Os médicos da ambulância declararam a morte do condenado. As causas da morte estão a ser apuradas».
Dmitry
Peskov, porta-voz do Kremlin, garantiu também que as causas da morte serão investigadas, em
declarações citadas pela Reuters.
Deixemos, então, esse ponto para os
médicos-legistas e façamos a pergunta fundamental.
3. Quem era Navalny?
Quem era realmente Navalny? Quem
queira saber a resposta a esta pergunta tem à sua disposição o excelente livro
do coronel Jacques Baud (ex-agente dos Serviços Secretos suíços): “L’affaire Navalny:
le complotisme au service de la politique étrangère” (Éditions Max Milo,
Julho de 2021) [tradução inglesa: The Navalny case: conspiracy to serve foreign policy [Max Milo Editions, February 10, 2023]. O livro baseia-se em documentos oficiais americanos,
britânicos, russos, franceses e alemães para mostrar, por a+b, que Navalny era um advogado corrupto e sem
escrúpulos, de ideologia neonazi, que a CIA aliciou ‒ pelo menos a partir de 2010
‒ para ser o seu cavalo de corrida na Rússia.
Mas não é preciso, sequer, ler Jacques Baud para chegar à conclusão que Navalny era tudo menos “o mais acérrimo defensor da democracia russa” (Rishi Sunak) ou um “resistente” [à opressão] (Daniel Oliveira, um jornalista português). Basta ver, por exemplo, os três vídeos indicados mais abaixo (os dois primeiros vídeos são idênticos, salvo na legendagem que um tem e o outro não) que evocam os seus tempos de confesso entusiasta neonazi, numa época em que não tinha qualquer pejo em incitar os seus simpatizantes a matarem os imigrantes e compatriotas muçulmanos (os chechenos, por exemplo, são muçulmanos) com uma pistola e a esmagá-los como baratas.
Não admira, pois, que as mesmas carpideiras que choram Navalny não tenham vertido nenhuma lágrima pelo cidadão e jornalista americano Gonzalo Lira, que morreu há poucas semanas numa prisão ucraniana aonde foi parar sem ter cometido qualquer crime e onde permaneceu sem qualquer julgamento até morrer; nem vertam nenhuma lágrima pelo cidadão e jornalista australiano Julian Assange, que está há quase cinco anos a apodrecer numa prisão britânica por ter denunciado crimes de guerra cometidos por tropas americanas no Iraque.
Alexei Navalny. Foto extraída do primeiro vídeo indicado mais abaixo |
https://www.youtube.com/watch?v=oVNJiO10SWw [em Russo]
https://www.youtube.com/watch?v=tD8hjfrE_js&t=38s [o mesmo vídeo, mas com legendas em Francês]
https://www.youtube.com/watch?v=Yba-LJ8clgc [em Inglês]
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P.S. [20-02-2024]
Não foi apenas a CIA que investiu em Navalny. O Serviço Secreto Britânico (SIS), comumente conhecido como MI6, também o fez.
«Há muito tempo que há suspeitas que a ONG [Organização Não-Governamental] de Navalny, a Fundação Anti-Corrupção (FAC), trabalha para os serviços secretos britânicos. O diplomata britânico James Ford, que o FSB [o Serviço de Segurança Federal da Rússia] afirma ser um agente do MI6 [serviços secretos do Reino Unido], foi apanhado numa escuta-vídeo com Vladimir Ashurkov, o braço direito de Navalny e director-executivo da FAC, em que este lhe pedia 10 ou 20 milhões de dólares americanos para financiar a campanha de Navalny. Ashurkov também pediu a Ford que lhe fornecesse qualquer material comprometedor que os Britânicos pudessem ter sobre governantes russos» (Glenn Diesen, The Think Tank Racket: Managing the Information War with Russia. Clarity Press, 2023).
A escuta-vídeo referida nesta citação pode ser vista e ouvida aqui :
https://www.youtube.com/watch?v=NMClZowgU-0
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P.S.-2 [21-02-2024]
Acrescento mais um vídeo de Navalny em que
ele, vestido de dentista, compara os seus compatriotas muçulmanos do Cáucaso e
os imigrantes da Ásia Central a cáries dentárias que é necessário remover.
«Recomendo
um saneamento total. Tudo o que se atravessa no nosso caminho deve ser
cuidadosamente mas decisivamente removido através da deportação», diz Navalny, a dado passo deste vídeo.
A tradução desta frase,
é da insuspeita Radio Free Europe/Radio Liberty (RFERL), uma
estação de rádio montada e financiada pelos EUA, através da US Agency For
Global Media (cf. Matthew Luxmoore; “Navalny’s Failure To Renounce His
Nationalist Past May Be Straining His Support”. RFERL, February 25,
2021).
https://www.youtube.com/watch?v=ICoc2VmGdfw
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P.S.-3 [21-02-2024]
Vale a pena acrescentar
que é escusado tentar refazer uma virgindade a Navalny, alegando ‒ como o sistema mediático dominante da comunicação social
do “Ocidente alargado” se tem esforçado por fazer ‒ que as suas posições neonazis, bem patentes nos três vídeos indicados, foram parvoíces de
juventude, há muito ultrapassadas, que deram lugar a um amor acrisolado pela liberdade e a democracia.
Numa entrevista que
Navalny deu à revista alemã Der Spiegel em 2020, os
entrevistadores perguntaram-lhe: “As suas posições mudaram?” e Navalny respondeu: “As minhas posições são as mesmas que tinha
quando entrei na política” («Russian Opposition
Leader Alexei Navalny on His Poisoning: “I Assert that Putin Was Behind the
Crime”», Interview Conducted by Benjamin Bidder und Christian Esch, Der
Spiegel, 01-10-2020).
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