Neste blogue discutiremos 5 temas: 1. A segurança social. 2. A linguagem enganosa. 3. As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 4. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 5. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

09 dezembro, 2024

 Temas 2 e 3


Três exemplos de interferência descarada da

 União Europeia na expressão da vontade

 popular: Geórgia, Roménia e Moldávia

 

Seguem-se quatro textos sobre este tema comum. O primeiro é meu (JCS); os outros três são do major-general Raul Cunha, aqui republicados com a devida vénia. O título do terceiro texto foi acrescentado por mim.


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Não votaram bem.

Temos de repetir a votação…

José Catarino Soares

 

Na Geórgia, os protestos contra o governo do partido “Sonho Georgiano” (recentemente reeleito, em 26 de Outubro de 2024,  com 53,93% dos votos contra 37,79% de uma aliança de partidos da oposição) transformaram-se em motins violentos, à semelhança do EuroMaidan em Kiev, em 2014, que precedeu o golpe de Estado de 22 de Fevereiro de 2014 — a origem da primeira guerra na Ucrânia: a que começou em 2 de Maio de 2014, até se fundir com a que começou em 24 de Fevereiro de 2022 e que se prolongou até hoje, sem fim à vista.

Um homem mascarado com uma bandeira da UE no meio de barricadas a arder; uma cena comum na Geórgia em Novembro e Dezembro de 2024. Foto de Daro Sulakauri.


Qual é a razão dos protestos? A decisão da UE de suspender indefinidamente o processo de pedido de adesão da Geórgia, devido à aprovação, em Junho, de uma “lei da Transparência” — entenda-se, uma lei sobre as organizações influenciadas e financiadas pelo estrangeiro. A lei georgiana obriga a que todas as organizações não governamentais ou meios de comunicação social do país que recebam pelo menos 20% do seu financiamento do estrangeiro se registem como grupos “ao serviço dos interesses de uma potência estrangeira”.

A hipocrisia e a russofobia da UE são patentes. Esta lei georgiana, que a UE diz ser inspirada numa lei russa de 2012 e ser contrária aos princípios e valores da UE, foi feita à semelhança de leis do mesmo teor que existem não apenas na Rússia, mas também em muitos outros países que a UE considera como campeões da liberdade e da democracia (“Lei dos agentes estrangeiros: ferramenta política usada dos EUA à Venezuela”, Público, 10 de Março de 2023).

É o caso, por exemplo, dos EUA, que têm uma lei semelhante desde 1938, a Lei do Registo de Agentes Estrangeiros (FARA, no acrónimo em inglês), que foi emendada nos anos 1960 para englobar grupos de influência e empresas que promovam interesses de governos estrangeiros. É o caso também do Canadá e da Austrália, que têm leis semelhantes, baseadas na lei americana.

Na União Europeia, países como a Hungria e a Bulgária aprovaram leis semelhantes nos últimos cinco anos E, pasme-se, até Israel e a Ucrânia (em 2018), que a UE considera como exemplos máximos do respeito pelos direitos humanos (excepto, naturalmente, em Gaza, Cisjordânia, Lugansk, Donetsk, Zaporíjia, Quérson, “territórios infestados de terroristas que têm de ser exterminados”, como proclamam os seus dirigentes), têm também as suas leis de registo de agentes estrangeiros.

Mas tudo isso pouco importa aos georgianos amotinados, que culpam o governo georgiano ― que é declaradamente pró-UE, mas que se recusou a adoptar sanções económicas contra a Rússia e que pretende manter boas relações com ela ‒‒ pela decisão da UE de suspender o processo de adesão do país a esta organização por causa dessa lei. Têm o apoio da presidente cessante, Salome Zourabichvili, uma diplomata francesa [!] com uma carreira de mais de 30 anos ao serviço do Estado francês, que muitos suspeitam que não terminou com a sua eleição como presidente da Geórgia.

Esta senhora anunciou a sua recusa em abandonar o cargo, que termina este ano, enquanto não forem marcadas novas eleições legislativas no país, porque não lhe agradaram os resultados das que se efectuaram em Outubro de 2024. Belo exemplo de respeito pelo voto popular…Diz a senhora Salome que a Geórgia foi vítima da pressão de Moscovo contra a adesão à UE e instou os Estados Unidos e a UE a apoiarem os motins (!!).  Ou seja, instou a UE e os EUA a fazerem… aquilo que acusa a Rússia de fazer: a interferência descarada nos assuntos internos da Geórgia!!

Acusação sem provas, convém acrescentar. Para que são necessárias provas quando se trata de defender “a ordem internacional baseada em regras” (ditadas pelos EUA), sobretudo contra a Rússia? É óbvio que para os seus defensores vale tudo.


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Votar

até que votem bem…

Raul Cunha

(in Facebook, 7-12-2024)


Na Roménia, o Ocidente deixou cair totalmente a máscara. Quando um candidato anti-guerra ganhou a primeira volta das eleições presidenciais, os gritos de indignação ouviram-se até Washington.  Começaram logo a surgir ameaças de sanções — porque, aparentemente, a democracia deixa de ser democrática quando não está alinhada com os planos de guerra da OTAN. E só para que fique bem claro, o tribunal constitucional da Roménia interveio dois dias antes da segunda volta, declarando o processo inválido e determinando que fosse refeito.

E assim, anulou os resultados da primeira volta das eleições presidenciais devido a uma alegada interferência russa ... através do (atenção, que não dá para acreditar)... TikTok. 🤡

 ▪️Na prática, esta decisão equivale a um golpe de Estado, só porque não gostaram do possível vencedor.

 ▪️O que é engraçado é que, por alguma estranha razão, esta gentalha sente-se no direito de perorar sem parar e de dar palestras sobre Democracia.

 ▪️Pode ser vista em seguida a primeira declaração de Călin Georgescu (o vencedor e suspeito de ser pró-russo) após o cancelamento das eleições presidenciais:

Neste mesmo dia, o Estado romeno tomou a nossa democracia numa anedota e calcou-a (...) O sistema corrupto na Roménia mostrou a sua verdadeira face e fez um pacto com o diabo.”

Antes de ser cancelada a 2ª volta das eleições, Georgescu estava com uma vantagem de 63% nas sondagens contra 37% de Lasconi, portanto os pró-Ocidente estavam prestes a perder e por isso mesmo tinham de impedir esse facto [*].

A própria Elena Lasconi (à direita na foto), que ficou em segundo lugar na primeira volta das eleições presidenciais, protestou contra a sua anulação pelo Tribunal Constitucional da Roménia.

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[*] Nota editorial (n.e). O argumento principal usado pelos seus adversários contra a inadmissibilidade da eleição de Georgescu, é o de que ele é um político de “extrema-direita”. Mas com esse argumento especioso, a porta fica aberta para banir (se necessário for com um golpe de Estado) todo e qualquer candidato eleito que não caiba no molde fabricado pelo “centrão”.


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Se és Moldavo na diáspora podes votar,

mas se viveres na Rússia não podes,

como compreenderás…

Raul Cunha

(in Facebook, 5-11-2024)


Se disseres a verdade, não tens de te lembrar de nada [“If you tell the truth, you don't have to remember anything.”] ―Mark Twain.

 

A União Europeia foi cúmplice de uma fraude maciça nas eleições que ocorreram na Moldávia, no referendo sobre a adesão à UE e na 1.ª e 2.ª voltas da eleição do Presidente.

No dia 3 de Novembro, ocorreu a segunda volta das eleições presidenciais na Moldávia. De acordo com dados preliminares da Comissão Eleitoral Central da Moldávia (controlada pela UE), a atual chefe de Estado M. Sandu venceu, obtendo 55 % dos votos.

Não é exagero afirmar que esta foi a campanha eleitoral mais antidemocrática em todos os anos da independência da Moldávia.

As suas características mais salientes foram:

― Uma repressão sem precedentes, por parte das autoridades, contra a oposição e os meios de comunicação independentes, em especial os de língua russa,

― Uma interferência descarada das lideranças ocidentais no processo eleitoral, especialmente da Comissão Europeia e da Roménia,

― A utilização em larga escala de recursos administrativos pelas autoridades, em favor da atual liderança do País.

Merece um especial destaque a discriminação oficial de Chisinau [capital da Moldávia, n.e.] contra os eleitores moldavos que vivem na Rússia. Para a diáspora moldava nesse país, cujo número, segundo várias estimativas, chega a 500 mil pessoas, apenas foram abertas duas assembleias de voto, tal como na primeira volta. Para efeitos de comparação, note-se que na Europa Ocidental e na América do Norte, onde também vivem cerca de 500 mil moldavos, foram formadas mais de 200 assembleias de voto e, em vários países, os cidadãos moldavos foram inclusivamente autorizados a votar pelo correio.

Os resultados da contagem dos votos permitem concluir que, tal como nas últimas eleições presidenciais de 2020, a vitória de M. Sandu foi assegurada pelos votos da diáspora moldava que vive nos países ocidentais, enquanto a maioria dos residentes da própria Moldávia votou, de facto, contra a atual presidente e o rumo enviesado e sectário das autoridades no poder.

Especialistas e cientistas políticos apontam inúmeras violações e falsificações por parte das autoridades. Chamam a atenção para a organização opaca do voto pelo correio, que abre oportunidades para fraudes.

As violações durante o processo eleitoral foram tão massivas e óbvias que mesmo a missão de observação da OSCE/ODIHR, conhecida pela sua parcialidade, não conseguiu fechar os olhos a tal facto nas suas conclusões preliminares. Foi flagrante o desrespeito de Chisinau pelas normas internacionais.

Votação no referendo sobre a adesão à UE, de 20 de Outubro de 2024, na Moldávia.


Os resultados desta segunda volta das eleições presidenciais confirmaram a existência de uma divisão profunda na sociedade moldava, que se manifestou também durante a primeira volta e no referendo sobre a adesão à UE.

Esta polarização foi provocada pelas políticas sectárias da liderança do país e pela contínua interferência grosseira das lideranças ocidentais nos processos políticos internos da Moldávia.


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Democracia de fachada,

mas controlo da verdade!

Raul Cunha

(in Facebook, 8-12-2024)

 

Moldávia. Roménia. Geórgia. É o mesmo guião, reescrito para diferentes fases. O Ocidente adora a democracia, mas apenas quando esta apresenta os resultados desejados. Quando o povo vota contra a narrativa aprovada...? Caiem as máscaras e o mecanismo de coação entra em funcionamento: bloqueios de estradas, tribunais, protestos, manifestações, sanções. Não importa a vontade do povo; o que está em causa é a vontade de Bruxelas e de Washington.

Isto é a democracia, ao estilo ocidental — uma roleta manipulada onde a casa ganha sempre. A Moldávia, a Roménia e a Geórgia são apenas os últimos nessa mesa, com a sua soberania vendida pela ilusão de escolha. A mensagem é clara: “Pode votar como quiser, mas se não escolher corretamente, nós escolheremos por si!”



02 dezembro, 2024

Temas 2 e 3 

Reviravolta estratégica na guerra em curso na Ucrânia 

 (da atoarda sobre os soldados norte-coreanos ao míssil 

balístico hipersónico Orechnik)


José Catarino Soares

 

1. Introdução

O mês de Novembro de 2024 foi muito rico em acontecimentos relativos à 2.ª guerra na Ucrânia, em curso há mais de 1.000 dias desde o seu início, em 24 de Fevereiro de 2022.

Embora importantes, vou deixar de lado alguns desses acontecimentos. É o caso, por exemplo, (i) dos avanços das tropas russas (600 km2) nas 4 zonas russófonas e maioritariamente russófilas que foram integradas na Rússia, após referendos realizados de 23 a 27 de Setembro de 2022, mas cujo território a Rússia só controla parcialmente até à data; e (ii) do regresso voluntário de mais de 100 mil habitantes dessas zonas aos territórios controlados pela Rússia [1]. Refiro-me às repúblicas de Lugansk e Donetsk, na bacia hidrográfica do Donets conhecida por Donbass, e aos oblasti de Zaporíjia e Quérson.

17 de Novembro de 2024As zonas de cor verde-claro delimitadas por uma linha contínua a vermelho são as zonas supramencionadas que estão sob o controlo administrativo e militar da Ucrânia. As zonas de cor bege são as zonas que estão sob o controlo militar e administrativo da Rússia. Da esquerda para a direita e de baixo para cima: Quérson, Zaporíjia, Donetsk e Lugansk. Fonte: Jacques Baud.

Vou concentra-me nos acontecimentos mais decisivos, mas de interpretação menos óbvia: a alegada existência de 11 mil soldados norte-coreanos no campo de batalha da Ucrânia e o emprego pela Rússia de uma nova arma na guerra em curso na Ucrânia: o míssil balístico hipersónico de alcance intermédio Orechnik [Port. “avelaneira”].  

Procurarei também mostrar que, no intervalo temporal que medeia entre estes dois acontecimentos (18 de Outubro de 2024-21 de Novembro de 2024), ocorreram outros acontecimentos, os quais, juntamente com eles, determinaram uma reviravolta estratégica na guerra em curso na Ucrânia.  

2. Uma data funesta

Em 17 de Novembro de 2024, o New York Times (NYT) noticiou que Joe Biden, o presidente cessante dos EUA, a dois meses de abandonar o cargo, decidiu “autorizar”, pela primeira vez em 2 anos e 9 meses de guerra na Ucrânia, as tropas ucranianas a empregarem mísseis americanos ATACMS na profundidade do território da Rússia para, alegadamente, ajudar a defender as posições que as tropas ucranianas (ainda) ocupam no oblast russo de Kursk.

Manchete do New York Times em 21 de Novembro de 2024. Em letras gordas pode ler-se: «Biden autoriza a Ucrânia a atacar a Rússia com mísseis americanos de longo alcance».

Imediatamente depois desta decisão, o governo de Keir Starmer (Reino Unido) e o governo de Emmanuel Macron (França) seguiram, pressurosa e obedientemente, na peugada de Biden, “autorizando”, também eles, para o mesmo efeito, o uso dos mísseis Storm Shadow (britânico) e Scalp (francês), respectivamente.

O aspecto importante a salientar nesta decisão é o seu carácter ultra-aventureiro e ultratemerário. Ela faz completamente abstracção de duas coisas fundamentais: (1) que a Rússia é não só uma potência nuclear, mas também a maior potência nuclear do planeta; (2) que a sua doutrina militar prevê expressamente o emprego de todos os meios bélicos necessários (incluindo as armas nucleares) para rechaçar e neutralizar qualquer ataque armado ao seu território que seja considerado uma ameaça existencial para a Rússia.

É o menosprezo deliberado por estas duas realidades que confere à decisão de Biden, anunciada pelo New York Times, o seu carácter ultra-aventureiro e ultratemerário e, por conseguinte, estapafúrdio, quando considerado de um ponto de vista exclusivamente racional, de autopreservação e que faz da data em que ela foi anunciada (17 de Novembro de 2024) uma data funesta.

3. Budanov puxa os cordelinhos nos bastidores

Mas com que argumento foi tomada esta decisão tão estapafúrdia? Com um argumento que lhes foi servido por Volodymyr Zelensky, que usurpa actualmente o cargo de presidente de Ucrânia (o seu mandato terminou em 21 de Maio de 2024). Zelensky alegou, com base nas “informações” que lhe foram fornecidas pelo ardiloso e sempre inventivo Kyrylo Budanov (chefe do HUR, os serviços secretos especiais do Ministério da Defesa da Ucrânia), que haveria 11 mil soldados norte-coreanos no campo de batalha da Ucrânia, a combater pela Rússia desde 1 de Novembro de 2024 [2].

Autorizar” e “autorizando” estão entre aspas, porque se trata de um eufemismo. Quem selecciona e marca os alvos na Rússia a atingir pelos mísseis ATACMS, Storm Shadow e Scalp e quem programa os seus lança-mísseis são militares americanos, britânicos e franceses — não militares ucranianos, que são meros faxinas seus neste particular. Entre outras razões, isto acontece  porque sem o Sistema de Posicionamento Global [Ingl. “Global Positioning System” ou GPS] militar um sistema composto de 24 satélites, cada um dos quais orbita em torno da Terra duas vezes por dia a uma altitude de 20.200 quilómetros, que é propriedade do Pentágono (o Ministério da Defesa dos EUA) e é por ele controlado e comandado a partir do Colorado (EUA) não seria possível obter a informação necessária à referenciação e à selecção dos alvos a atingir na Rússia por esses mísseis e ao seu guiamento até aos alvos [3].

4. Significado da decisão de Biden

Isto significa, na prática, que, a partir de 17 de Novembro de 2024, os EUA, o Reino Unido e a França (três potências nucleares) estão directamente em guerra contra a Rússia (outra potência nuclear ainda mais poderosa do que qualquer das anteriores).

Este estado de guerra de facto não foi (e esperemos que não venha nunca a sê-lo) formalmente reconhecido como tal ― ou seja, declarado de jure por estes três Estados. Não obstante, ele não deixa de ser um facto bem real, com todos os perigos que comporta de escalada para uma guerra global, cujo resultado, por conseguinte, seria, nessa eventualidade, a destruição mútua dos beligerantes, arrastando consigo o resto da humanidade para o inferno de um apocalipse nuclear.

Na verdade, assiste-se a uma tentativa de camuflar e minimizar a importância deste facto, dada a sua funesta gravidade, como se pode constatar por esta passagem do artigo do NYT supramencionado:

«Embora os governantes [da Casa Branca que fizeram as confidências ao New York Times] tenham afirmado que não esperam que a mudança altere fundamentalmente o curso da guerra, um dos objectivos da mudança de política, segundo eles, é enviar uma mensagem aos norte-coreanos de que as suas forças são vulneráveis e que não devem enviar mais forças. Os governantes disseram que, embora os ucranianos provavelmente usassem os mísseis primeiro contra as tropas russas e norte-coreanas que ameaçam as forças ucranianas em Kursk, Biden poderia autorizá-los a usar as armas em outros lugares».

Mais importante ainda é a circunstância da decisão de Biden de empregar os ATACMS na profundidade do território da Rússia não ter existência oficial. É em vão que a procuraríamos onde ela deveria ter sido publicada: no   Statements and Releases da Casa Branca. Tudo foi feito através de confidências de membros da Casa Branca, feitas sob anonimato, ao New York Times, repercutidas em seguida por outros jornais ditos de referência.

5. Desmontagem de uma atoarda

Tudo se resumiria então por parte dos EUA, RU e França a enfrentar a alegada nova ameaça representada pelos soldados norte-coreanos na Ucrânia. Todavia, nunca ninguém apresentou, até agora, qualquer prova material da existência desses soldados norte-coreanos no campo de batalha na Ucrânia.

O próprio Evgueny Mouravitch, correspondente russo da RTP em Moscovo há mais de 3 décadas, antiPutin dos quatro costados, se viu obrigado a assinalar o carácter fantasmagórico desse putativo exército de norte-coreanos, que tem todo o ar de ser mais uma atoarda da dupla Zelensky/ Budanov. Podemos ver e ouvir Mouravitch de viva-voz, aqui:  https://www.facebook.com/share/v/DCSByqDr6r9Un6e2/

Isso, porém, não impediu a CNN Portugal de afiançar num dos seus noticiários, em RODAPÉ (ver aqui: https://www.facebook.com/share/v/9iuVh3dEqPrNAzwW/ ), que os ditos soldados norte-coreanos estariam a combater em Mariupol. Ora, sucede que não há combates há mais de 2 anos (!!) em Mariupol. Mais: a cidade de Mariupol, na república de Donetsk, foi, entretanto, completamente reconstruída pela Rússia e os seus habitantes vivem hoje em paz [ver aquiMARIUPOL BEFORE AND AFTER COMPILATION 2024 e aqui: HOW MARIUPOL HAS CHANGED OVER THE LAST YEAR 

https://www.youtube.com/watch?v=UMf96E7mzA0 ]

Por sua vez, a pivô da CNN Portugal assegura-nos de viva-voz, durante o mesmo noticiário, que esses soldados estão... no oblast de Kursk. Ora, acontece que Kursk e Mariupol, distam entre si mais de 1.000 km (!!). O que levou o major-general Raul Cunha a concluir na sua página de Facebook: «os norte-coreanos devem ser hipersónicos... vão de Mariupol a Kursk numa mesma notícia!».

Como Sófia Puschinka nos informou na sua página do Facebook, tudo é falso nesta notícia da CNN Portugal. Os alegados soldados norte-coreanos que aparecem nas imagens da CNN Portugal são, de facto, «soldados do Laos que foram receber uniformes à Rússia», e os soldados que aparecem nas imagens anteriores, são do «exército Coreano, mas filmado na Coreia do Norte» (!!). «Norte-coreanos filmados na frente de batalha nem vê-los… Ah, mas calma, a fonte é credível, é o SBU [o Serviço de Segurança da Ucrânia], os mesmos que inventaram o Fantasma de Kiev [um piloto ucraniano que matava pilotos russos a seu bel-prazer] hahahahah». Na verdade, a fonte primeira é, como vimos, o HUR (um émulo do SBU).

O próprio Pentágono desmentiu, em 25 de Novembro de 2024, a presença de soldados norte-coreanos no campo de batalha na Ucrânia, como se pode ver aqui [https://euromaidanpress.com/2024/11/26/pentagon-denies-north-korean-troops-in-ukraine-says-they-are-in-russias-kursk-oblast/].

Repare-se que isto significa que o Pentágono desmentiu a Casa Branca [4], o que é, no mínimo, curioso; um sinal das lutas internas que se travam entre diferentes facções da oligarquia dirigente dos EUA, incluindo as que alguns denominam “Estado Profundo” (Ingl. Deep State) e outros Blob. O desmentido é, porém, parcial, porque logo a seguir a porta-voz do Pentágono afirmou que há soldados norte-coreanos estacionados na Rússia, no oblast de Kursk, a fazer não se sabe o quê.

Mais uma vez, esta alegação foi feita sem a apresentação de qualquer prova material da sua veracidade. Assim sendo, não há razão nenhuma para a tomarmos como verdadeira. Bem pelo contrário, se tivermos em conta antecedentes como, por exemplo, o das “armas de destruição maciça” que George W. Bush, Colin Powell, Dick Cheney, José Maria Aznar, Tony Blair, José Manuel Barroso e tantos outros nos afiançavam existirem na posse de Sadam Hussein e que, afinal, só existiam nas suas patranhas de mitómanos profissionais dispostos a tudo para justificar aos olhos do público a invasão do Iraque.

Mas há mais motivos para não acreditar na existência de soldados norte-coreanos a combater na Ucrânia do lado dos russos. O jornalista francês Regis le Sommier acaba de regressar de Kursk, onde esteve em reportagem durante 11 dias do lado russo. 11 mil soldados norte-coreanos equivalem a mais de duas brigadas, uma força muito considerável. Ora, Regis le Sommier, que percorreu todo o oblast de Kursk, não avistou um só soldado norte-coreano! (ver o seu depoimento aqui: https://www.youtube.com/watch?v=P4pdU6U2Pu8, a partir do momento 6m30 segundos, e aqui https://www.youtube.com/watch?v=Y3N-3p-iObA&t=68s, a partir do momento 2h14m18segundos).

6. Função da alegação sobre os soldados norte-coreanos

Resumindo:

a)há 11.000 soldados norte-coreanos a combater no lado russo no campo de batalha da Ucrânia? A resposta é, como vimos, um rotundo “não”.

b) ― há 11.000 soldados norte-coreanos estacionados em Mariupol ou em Kursk ou em Mariupol e em Kursk, a fazer não se sabe ao certo o quê?  [5] A resposta é, como vimos, um “não”, quase tão rotundo quanto o da resposta à pergunta a) [6].

Assim sendo, qual é, então, a função desempenhada pela alegação de que existem actualmente 11 mil ou 10 mil ou 8 mil soldados norte-coreanos (Budanov, Pentágono e Coreia do Sul rivalizam nas estimativas sobre o número exacto dos soldados invisíveis), os quais, em breve, seriam mesmo 100 mil soldados (!!), assegurou-nos Zelensky, [7] (presumivelmente por indicação do ardiloso Budanov, incansável inventor de patranhas) que estariam a combater, ou que estariam a preparar-se para combater, ao lado das tropas russas no campo de batalha da Ucrânia?  

Tudo indica que se trata de uma atoarda, que rapidamente ganhou tracção e respeitabilidade quando se transformou numa notícia fraudulenta (Ingl. fake newspublicada e divulgada pelo sistema mediático dominante de comunicação social do Ocidente  alargado. Tudo indica também que terá sido fabricada com o propósito de:

 (i) dar um semblante de racionalidade à participação directa dos EUA e dos seus comparsas (Reino Unido e França) na guerra por procuração da Ucrânia contra a Rússia, num momento em que as tropas ucranianas estão à beira de uma derrota inevitável e irremediável [8] e em que a Rússia adquiriu supremacia tecnológica, em áreas críticas do âmbito militar, sobre os EUA e, por conseguinte, sobre todo e qualquer outro Estado-membro da OTAN [/NATO] [9].

 (ii) dificultar ao máximo eventuais esforços que o novo presidente eleito dos EUA, Donald Trump, vier a fazer (como o prometeu, repetidamente, durante a campanha eleitoral) para pôr termo ao conflito armado na Ucrânia por meios diplomáticos;

(iii) acrescentar mais uma pedra à campanha de propaganda e agitação para persuadir o grande público e, sobretudo, a juventude, de que a guerra do “Ocidente alargado” contra a Rússia (e a China) é inevitável, mais tarde ou mais cedo, e que devemos começar a prepararmo-nos para ela em todas as dimensões (incluindo a psicológica).

7.  Propaganda do medo absurdo e da guerra iminente com a Rússia

Eis três exemplos muito claros deste último propósito.

A) O presidente do comité militar da OTAN [/NATO], almirante Rob Bauer (natural dos Países-Baixos), afirmou solenemente, no seu discurso de 20 de Novembro de 2024, que os novos planos militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) necessitam que os Estados-membros desta aliança militar gastem 3% do PIB (Produto Interno Bruto), acima do objectivo dos 2% pedidos actualmente aos Estados-membros.

 Almirante Rob Bauer discursando na Conferência de Segurança de Berlim, 20-11-2024.

No seu discurso, o Almirante Bauer pediu aos gestores de empresa e empresários dos Estados-membros da OTAN que se preparem para um cenário de guerra e ajustem a sua actividade e as suas linhas de produção de acordo com isso, para serem mais resistentes à “chantagem” por parte da Rússia e da China.

B) A declaração (ver foto) do almirante Gouveia e Melo, chefe do Estado-Maior da Armada portuguesa e presumível candidato à presidência da República portuguesa, feita no decurso de uma entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, realizada em 15 de Maio de 2024.

 Diário de Notícias, 15.05. 2024. Foto: Paulo Spranger/Global Images.

C) A brochura de 32 páginas que o governo da Suécia começou a distribuir à população residente no dia 18 de Novembro de 2024, em Sueco, Inglês e outros idiomas. Essa brochura aconselha os cidadãos da Suécia e os residentes estrangeiros nesse país a prepararem-se para a guerra.  

«O ministro da Defesa da Suécia, Pål Jonson, deu o alarme no mês passado, dizendo ao POLITICO que “a Rússia é a principal ameaça para a Suécia e constitui uma ameaça para toda a aliança [OTAN/NATO]”. Segundo Jonson, o risco de um ataque russo ao país “não pode ser excluído”» [10].


Capa da brochura (na sua versão em Inglês) sobre a guerra que o governo da Suécia começou a distribuir à população residente no dia 18 de Novembro de 2024.

Isto acontece numa altura em que os governos de dois outros países nórdicos (Noruega e Finlândia) adoptaram métodos semelhantes para ensinar as pessoas a prepararem-se para um potencial ataque russo (!!) e o governo da Alemanha está a trabalhar num plano para aumentar o número de abrigos subterrâneos fortificados [bunkers] disponíveis para civis, pelos mesmos motivos.

8. Desmistificando a propaganda do medo absurdo e da guerra iminente

O carácter patético desta última medida ressalta da comparação de três números. A Alemanha tem actualmente perto de 84 milhões de habitantes e dispõe de 579 bunkers públicos com capacidade para… 480 mil pessoas [11]. Seria preciso construir 96.500 bunkers (!!) para abrigar toda a população. Se fôssem construídos 579 bunkers por ano seriam necessários mais de 166 anos (!!) para completar a tarefa.

A natureza belicista das declarações e medidas que passámos em revista em A), B), e C), é evidente. A natureza mistificatória da sua premissa a de que é a Rússia, e não os EUA e a OTAN (o seu cavalo de Tróia na Europa), que desempenha o papel de principal promotor e fautor de guerras e ameaças de guerra como instrumento privilegiado de intervenção nas relações internacionais  é facilmente demonstrada por duas comparações simples.

Comparemos, então, (i) o número de guerras e intervenções militares e (ii) o número de bases militares no estrangeiro dos EUA e da Rússia/Federação Russa, respectivamente, e examinemos, para completar o retrato, a evolução numérica da OTAN [/NATO] desde a sua fundação (1949) e o número das suas intervenções militares a partir de 1989, data da queda do muro de Berlim e do fim da “Guerra Fria.

Os EUA estiveram envolvidos em 250 intervenções militares desde 1991 até 2022 — ou seja, depois do fim da Guerra Fria e da implosão da União Soviética (Cf. Barbara Salazar Torreon & Sofia Plagakis, “Instances of Use of United States Armed Forces Abroad, 1798-2022”. Congressional Research Service, March 8, 2022). Por seu lado, a Federação Russa esteve envolvida em 14 intervenções militares de 1991 a 2022 (“ List of wars involving Russia”, Wikipedia.  N.B. Este artigo da Wikipedia aponta 2014 como sendo o começo da intervenção militar da Rússia na Ucrânia, com base numa alegada anexação da Crimeia pela Rússia. Mas essa alegação é falsa, como demostrei noutro escrito [v.Quem anexou a Crimeia: foi a Rússia ou a Ucrânia?” in Tertúlia Orwelliana, 22 de Agosto de 2022, https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/2022/08/falsidades-e-mentiras-1.html]).

Durante o mesmo período (1990-2022), a OTAN (/NATO), alegadamente uma aliança militar “puramente defensiva”, fez 9 intervenções militares no Kuwait-Iraque (1990), de novo no Kuwait-Iraque (1991), na Bósnia e Herzegovina (1992), no Kosovo, no Montenegro e na Sérvia (1999), no Afeganistão (2003), no Iraque (2004), na Somália (2009) sem que nenhum dos seus Estados-membros tivesse sido atacado! (Benjamin Elisha Sawe, “Major NATO Military Interventions”, WorldAtlas, April 25 2017).

Por outro lado, a OTAN(/NATO), que foi, alegadamente, construída pelos EUA para conter a “ameaça militar da União Soviética” à Europa ocidental, alargou-se ainda mais e mais depressa…depois da dissolução da União Soviética ! Esse alargamento ocorreu   em 5 ondas sucessivas (1999, 2004, 2009, 2017, 2020) em direcção às fronteiras da Rússia. Destarte, a OTAN (/NATO) tem hoje o dobro de Estados-membros (32) do que tinha em 1991 (16) e está colada às fronteiras terrestres da Rússia através da Noruega, Finlândia, Polónia, Estónia, Letónia, Lituânia! Com a eventual entrada na OTAN (/NATO) da Ucrânia e da Geórgia ‒ que foram ambas convidadas pela OTAN a integrar-se nela em 2004 e cujos governos há muito que expressam essa intenção e se esforçam por concretizá-la ‒ a Rússia ficaria cercada por Estados-membros da OTAN (/NATO) ao longo de todas as suas fronteiras terrestres europeias, salvo na fronteira com a Bielorrússia, que não é membro dessa aliança militar com provas dadas do seu carácter belicista.

Assembleia Comemorativa dos 75 anos da OTAN/NATO. Foto: Nathan Howard.

Imagine-se qual seria a reacção dos EUA se a Rússia pertencesse a uma aliança militar do mesmo carácter com o Canadá e o México, ou tão somente com Cuba…

Comparemos agora o número de bases militares no estrangeiro dos dois Estados. Existem cerca de 750 bases militares americanas em pelo menos 80 países» (Hope O’Dell, “The US is sending more troops to the Middle East. Where in the world are US military deployed?”. Bluemarble, April 5, 2024). Em contraste, existem 20 bases militares russas em 9 países (“How Many Military Bases Does Russia Have Overseas?” Written by Everett Bledsoe / Fact checked by Brain Bartell. The Soldiers Project, October 1, 2023).

Basta reflectir nestes números para concluir imediatamente que Rob Bauer, Gouveia e Melo, Pöl Jonson e quejandos nos querem atirar areia para os olhos. Se observarmos objectivamente o seu comportamento teremos necessariamente de concluir que agem como propagandistas e agitadores profissionais do medo absurdo e da guerra iminente. E como o medo absurdo (“cuidado com Putin, o homem é louco!”) e a ameaça de uma guerra iminente (“a Rússia prepara-se para invadir os países vizinhos que são membros da OTAN/NATO. Quando isso acontecer temos de ir socorrê-los à luz do artigo 5.º do tratado!”) que propagandeiam são escabrosas invencionices [12], podemos equipará-los aos vulgares vendedores de banha da cobra, dos quais só se distinguem pelo grau superlativo de perfídia e perigosidade.

9. Uma reviravolta estratégica

Estamos agora em condições de abordar o elemento central que referi na introdução deste artigo: a natureza da reviravolta estratégica que ocorreu em Novembro de 2024 na guerra em curso na Ucrânia.

O momento mais importante dessa reviravolta foi a riposta que o governo russo deu aos primeiros ataques dos mísseis ocidentais de longo alcance na profundidade do território russo que tiveram lugar nos dias 19 e 21 de Novembro, na sequência da “autorização” que lhes foi dada em 17 de novembro de 2024 pelo seu homólogo americano, Joe Biden.

Essa riposta foi feita de duas maneiras, uma relativamente esperada (em 19 de Novembro) e outra inteiramente inesperada (em 21 de Novembro).

A maneira relativamente esperada consistiu na aprovação final das alterações à doutrina militar russa (incluindo a sua componente nuclear) que estavam em discussão desde Setembro de 2024. 

A doutrina russa agora estipula três novos princípios:

1.º) um ataque à Rússia por parte de um Estado não-nuclear, se for apoiado por uma potência nuclear, será tratado como um ataque conjunto de ambos: do Estado não-nuclear e da potência nuclear apoiante.

2.º) Um grande ataque à Rússia com mísseis convencionais, drones ou aviões poderá preencher os critérios para uma riposta nuclear, tal como um ataque à Bielorrússia ou qualquer ameaça crítica à soberania da Rússia.

3.º) Qualquer agressão contra a Rússia por parte de um Estado-membro de uma aliança ou coligação [por exemplo, a OTAN/NATO] será vista pela Rússia como uma agressão de todo o grupo de Estados-membros dessa aliança ou coligação.

A maneira inteiramente inesperada consistiu no emprego de um novo míssil balístico hipersónico de alcance intermédio: o Orechnik. Em 21 de Novembro último, este míssil, segundo vários testemunhos, terá destruído completamente o colossal complexo industrial de Pivdenmash (v. Andrei Martyanov, “Testimonies”. November 23, 2024; “More Testimonies”, November 25, 2024, no blogue Reminiscence of the Future).  A Pivdemash (o seu nome ucraniano actual) ou Yuzhmash (o seu nome russo original) é uma fábrica de mísseis, veículos de lançamento espacial, foguetes de combustível líquido, satélites, e maquinaria vária, construída, durante a era soviética, na cidade de Dnipro, no oblast de Dnipropetrovsk.

Segundo uma outra versão, da autoria de Julian Röpcke, jornalista do tablóide alemão Bild, a Pivdemash não foi destruída porque o míssil Orechnik que a atingiu em cheio não era portador, por vontade expressa do Kremlin, de cargas explosivas convencionais. Isto porque o míssil se destinaria simplesmente a demonstrar que (i) poderia destruir a fábrica se os seus programadores o tivessem armado com cargas explosivas e que (ii) nada (dada a sua velocidade hipersónica de mais de 10 Mach) o poderia interceptar, impedindo-o de atingir esse objectivo (Roman Petrenko, “New ballistic missile used by Russia to strike Dnipro on 21 November had no explosives and caused no destruction – Bild”. Ukrainska Pravda, 23 November 2024).

Mesmo que se admita que o míssil não transportava cargas explosivas, como argumenta Röpcke, não parece que daí se possa concluir que não terá causado danos avultados na fábrica Pivdemash, porquanto isso equivale a ignorar a sua tremenda energia cinética no momento do impacto. Seja como for e à falta de mais e melhor informação, não tenho (de momento, pelo menos) os meios de apurar qual dos dois relatos o de Martyanov ou o de Röpcke é o verdadeiro ou mais verdadeiro. Mas se tivesse de apostar neste instante, poria as minhas fichas no de Martyanov.

Sobre as características inéditas e extraordinárias do novo míssil hipersónico Orechnik e sobre o que ele representa estrategicamente no confronto geopolítico interestatal à escala internacional (dois vastos assuntos), começarei por citar um excerto de um comentário esclarecedor e muitíssimo interessante publicado na plataforma X.

«Até agora, quase ninguém no Ocidente compreende plenamente o sistema de armas Orechnik, recentemente demonstrado pela Rússia.  Fiz as contas à energia cinética das submunições (usando estimativas de massa) e estudei o que é publicamente conhecido sobre estas armas até ao momento.  A minha conclusão?  A OTAN [/NATO] está arrumada.

 Os países do Ocidente não fazem ideia do que os atingiu.  O sistema de armas Orechnik da Rússia é o xeque-mate para a OTAN [/NATO] e para os EUA. Todos os porta-aviões dos EUA podem ser destruídos em poucos minutos.  Todas as bases militares dos EUA, todos os bunkers subterrâneos, todos os locais de lançamento de mísseis balísticos intercontinentais, estaleiros navais, etc., podem ser destruídos com energia cinética NÃO-NUCLEAR através do Orechnik.  Não existem tratados vigentes (que eu saiba) que proíbam este sistema de armas, que não destrói as infra-estruturas circundantes nem aglomerações de civis. É uma arma de ataque cirúrgico devastadora e imparável que, basicamente, lança raios de metal do céu como o Martelo de Thor ou os cometas de Deus.  Ninguém tem qualquer defesa contra isto, e o alcance destas armas, uma vez montadas em propulsores intercontinentais, é global.

O Ocidente só pode agora recuar ou então passar ao nuclear.  Provavelmente escolherá a opção nuclear por desespero, por isso estejamos atentos. A Rússia acaba de mudar o rumo da guerra e alcançou o domínio global.  NINGUÉM na imprensa ocidental faz a mínima ideia. São demasiado estúpidos, demasiado “wokes” ou demasiado arrogantes para perceberem o que aconteceu. Isto é como jogar xadrez com Putin e pensar que se pode ser competitivo, e de repente a rainha de Putin dispara um lança-chamas no tabuleiro de xadrez e dá cabo de todas as peças do adversário, incendiando-as. Pensava-se que se estava a jogar “xadrez”, mas Putin estava a jogar um jogo diferente chamado “lança-chamas”. É tão importante quanto isto» (@HealthRanger, 26 November 2024).

Por outras palavras, com o seu novo míssil balístico hipersónico de alcance intermédio, o Orechnik, a Rússia não criou apenas uma nova, inédita e poderosíssima arma da qual detém actualmente (e pelo menos por alguns meses ou anos) o monopólio absoluto de fabrico e uso. Criou também, concomitantemente, um novo escalão ou patamar na riposta graduada que tem sido a sua até agora e que lhe tem permitido evitar uma escalada (na guerra que trava na Ucrânia contra o regime de Zelensky e os seus apoiantes no “Ocidente alargado”) que fôsse conducente a uma guerra total de máxima intensidade (uma guerra nuclear, por conseguinte) — um novo escalão ou patamar sobre cujo acesso a Rússia detém também, actualmente, o monopólio absoluto. O novo patamar ou escalão em causa é aquele que se intercala entre o patamar das armas convencionais mais poderosas e o patamar das armas nucleares [13].  

Em resumo, a Rússia tem actualmente, com o Orechnik, os meios de retaliar a qualquer ataque convencional (por mais poderoso que seja e seja qual for o seu país europeu de origem) que considere ser uma ameaça à sua existência enquanto Estado soberano e de o fazer com a maior precisão concebível, mas sem ter de recorrer para tanto às armas nucleares, cuja utilização precipitaria a humanidade no vórtice da sua extinção total.

Nenhuma base militar, nenhum centro de comando de nenhum Estado-membro europeu da OTAN, nenhum silo de mísseis, por mais fundo que esteja o seu bunker, está ao abrigo do Orechnik (que tem um alcance potencial de 3.500 a 5.500 km), se o seu governo participar directamente num ataque de grande envergadura à Rússia. E nenhum Estado-membro da OTAN, incluindo os EUA, tem os meios de interceptar o hipersónico Orechnik, que se desloca a uma velocidade superior a 10 Mach (12.300 km por hora).

Os tempos de voo do Oreschnik para diferentes capitais da Europa.
Fonte:coronel Daniel Davis, Deep Dive

Todavia, um ataque com o Orechnik não significa necessariamente um ataque nuclear porque as suas seis ogivas, cada uma das quais com seis submunições, podem ser preenchidas tanto com cargas explosivas nucleares como com cargas explosivas convencionais ou cargas destrutivas não explosivas. Mais ainda: sendo praticamente impossível interceptá-lo, em virtude da sua velocidade vertiginosa, o Orechnik confere aos seus utilizadores a possibilidade de avisarem com antecedência os civis para abandonarem a área em redor dos alvos.

Destarte, com uma produção de mísseis (incluindo uma panóplia de mísseis hipersónicos de vários tipos que é a única potência nuclear a possuir) dez vezes superior segundo declarou Putin à do conjunto dos Estados-membros da OTAN/NATO,  grandes avanços na capacidade de defesa aérea e na guerra electrónica (um elemento decisivo no uso militar dos drones), além de uma capacidade sem rival de produção de munições de  todo o tipo (tão importante numa guerra de atrição), a Rússia alcançou uma vantagem tecnológica e uma maleabilidade operacional que lhe conferem  simultaneamente a capacidade (i)  de se defender eficazmente contra qualquer ataque inimigo, (ii) de evitar o uso de armamento nuclear, como ultima ratio regum [14] e (iii) de cancelar efectivamente a sentença de morte que o uso desse armamento representaria para a humanidade no seu conjunto.

10. Húbris

Desengane-se, porém, quem pense que esta notícia será acolhida com um suspiro de alívio por todos os inimigos da Rússia. Para muitos deles, essa opção da Rússia é interpretada como um claro sinal de fraqueza, não como um vislumbre da possibilidade material de pôr termo a esta guerra e encetar um processo de negociações conducente a uma paz justa e duradoura.

É o caso, por exemplo, de um tal Jeffrey Lewis, director do “East Asia Nonproliferation Program at the James Martin Center for Nonproliferation Studies at the Middlebury Institute of International Studies” sediado na California. Este senhor foi solicitado pela Reuters, na sua qualidade de perito militar, a dar a sua opinião sobre o Orechnik. Um dos seus comentários desdenhosos foi este:

«Se [o Orechnik] fôsse intrinsecamente aterrador, Putin usá-lo-ia simplesmente. Mas isso não foi suficiente. Ele teve de o usar e depois fazer uma conferência de imprensa e depois fazer outra conferência de imprensa e dizer: “Ei, esta coisa é mesmo assustadora, vocês deviam ter medo”» [15].

Os gregos antigos chamavam a esta mistura de sobranceria, insolência e vistas-curtas húbris ou híbris, sempre má conselheira e sempre pronta a levar os seus cativos à perdição.

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P.S. [3 de Dezembro 2024, 11h47m]. Afinal, parece que eu tinha razão em apostar as minhas fichas na veracidade do relato de Andrei Martyanov sobre o que se passou realmente na fábrica Pivdenmash (ou Yuzhmash) em Dnipro, no dia 21 de Novembro de 2024. A minha interpretação da natureza da força destruidora do míssil russo Oreshnik que atingiu essa fábrica, nesse dia, foi independentemente corroborada por Stephen Bryen, um reputado analista militar americano, insuspeito de qualquer simpatia por Putin ou sequer pela Rússia.

Stephen Bryen é um ex-subsecretário adjunto da Defesa dos EUA.  É considerado como um dos principais especialistas em estratégia e tecnologia de segurança militar. Bryen escreve regularmente para as seguintes publicações: Asia Times, American Thinker, Epoch Times, Newsweek, Washington Times, entre outras, e tem o seu próprio blogue, Weapons and Strategy, alojado na plataforma Substack. Os excertos seguintes foram extraídos de um artigo publicado dia 25 de Novembro de 2024 no seu blogue, com o título Implications of the Oreshnik strike. A strong warning to the US, NATO and Ukraine [“Implicações do ataque do Orechnik. Um forte alerta aos EUA, à OTAN, e à Ucrânia”].

«Há muita especulação sobre os danos causados nas instalações da fábrica aeroespacial Yuzhmash, em Dnipro. No entanto, sabe-se o suficiente para deixar claro que este ataque às instalações da fábrica teve caraterísticas únicas. Testemunhas oculares que vivem na área perto da fábrica dizem que não houve fogo quando o ataque ocorreu, mas sentiram algo como um “terramoto” que “rachou” algumas casas a cerca de um quilómetro de distância. De igual modo, não se registou qualquer explosão no sentido convencional. O que é que aconteceu?

As oficinas da Yuzhmash que estão a funcionar (grande parte do complexo já não está operacional) são subterrâneas. O desafio para a carga útil do Oreshnik era saber se conseguiria desactivar as operações subterrâneas.

Embora não tenhamos uma contabilização da quantidade de material efetivamente destruído, mais uma vez as testemunhas afirmam que a parte operacional das instalações foi transformada em pó. Isto sugere que as submunições do Oreshnik [que talvez fôssem de um material muito duro e denso, como, por exemplo,  o carboneto de tungsténio, sugere Bryen neste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=j8xKjRpHpuc&list =WL&index=1] embateram a uma velocidade hipersónica nas oficinas e, simplesmente,  pulverizaram-nas. Não foi necessário recorrer a altos-explosivos para o efeito».

Stephen Bryen também corrobora a interpretação que apresentei do significado estratégico do Orechnik — um “game-changer” (algo capaz de virar o jogo), como o qualifica Bryen no mesmo vídeo.  No seu artigo diz isto:

«Os russos desenvolveram uma arma de ataque que utiliza a cinética para destruir instalações altamente protegidas no subsolo e à superfície. Actualmente, não existe um contra-ataque eficaz ao Orechnik ou a outros sistemas semelhantes que utilizam veículos planadores hipersónicos. A única limitação prática é que essas armas são muito caras e só aparecerão em números relativamente pequenos.

Isto tem implicações significativas para alvos subterrâneos noutros locais, como certamente os ucranianos compreenderam imediatamente. De facto, os russos colocaram uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de Zelensky, uma vez que ele actua a partir de um bunker subterrâneo. Isto sugere que o alvo de Yuzhmash foi bem escolhido para enviar um aviso aos governantes da Ucrânia.

Também enviou um aviso à OTAN/NATO. Como disse o Presidente russo, Putin, num discurso difundido à escala nacional, o Orechnik poderia atingir qualquer alvo na Europa. Assim, todas as bases, centros de comando e instalações de mísseis da NATO poderiam ser destruídos pelo Oreshnik.

Da mesma forma, os EUA receberam um aviso no que diz respeito às bases de mísseis e às defesas aéreas americanas. Grande parte da parte terrestre da tríade nuclear dos EUA é baseada em silos».

Os silos de mísseis balísticos são bunkers especiais. Ora, o Orechnik veio mostrar que não há silos de mísseis seguros, porque o Orechnik é, como Stephen Bryen diz no vídeo, um “rebentador de bunkers” (Ing.  «Bunker buster»).

 

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                                                 Notas e Referências

[1] Olena Hrazhdan, Over 100K Ukrainians Return to Russian-Occupied Donbas as Economic Hardship Grows”. Kyiv Post, November 23, 2024 

[2] Nate Ostiller, “Budanov says close to 11,000 North Korean troops in Russia, will be ‘ready to fight’ in Ukraine by Nov. 1”. The Kiev Independent, October 18, 2024.

[3] Carlos Matos Gomes, “O GPS e a mentira política”. Medium.com (e também in Estátua de Sal), 6-06-2024.

[4] Há especulações para todos os gostos sobre este assunto. Alguns aventam que os putativos soldados norte-coreanos estariam a apoiar operações de combate contra as forças ucranianas no oblast russo de Kursk; outros aventam que estariam a treinar-se para entrar em combate no Ucrânia, ao lado das tropas russas; outros ainda aventam que estariam a treinar-se para entrar em combate contra as tropas da Coreia do Sul numa guerra que terá lugar entre as duas Coreias num futuro próximo… 

[5] Na sua conferência de imprensa de 17 de Novembro de 2024, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jack Sullivan, declarou: «E, neste contexto [das conversações com Xi Jinping], o Presidente Biden reiterou a sua grande preocupação com o facto de a República Popular da Coreia do Norte ter enviado um número significativo de tropas para a Rússia Ocidental para participar na batalha contra a Ucrânia, na guerra contra a Ucrânia»  (On-the-Record Press Gaggle by APNSA Jake Sullivan on President Biden’s Meeting with President Xi Jinping. Press Briefings. The White House). Na sua conferência de imprensa de 21 de Novembro de 2024, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, tinha afirmado de modo igualmente peremptório: «A Coreia do Norte trouxe milhares de soldados das suas tropas para a linha da frente [da Ucrânia] e juntou-as a esta guerra» (Press Briefing by Press Secretary Karine Jean-Pierre. The White House).

[6] O poeta António Aleixo alertou-nos para uma constante:

«P’ra mentira ser segura

e atingir profundidade,

tem de trazer à mistura

qualquer coisa de verdade»

No caso em apreço, a “qualquer coisa de verdade” é o facto de que nada do que foi dito nos parágrafos anteriores deste artigo exclui, bem entendido, a possibilidade de existirem militares norte-coreanos na Rússia, seja como observadores interessados na arte da guerra, seja como instruendos, instrutores e técnicos. É mesmo muito plausível, por duas razões.

Primeira razão: a Coreia de Norte é “acusada” pelos EUA e pela Coreia do Sul de ter fornecido à Rússia, desde há mais de 2 anos,  uma grande quantidade de armas e munições — nomeadamente, obuseiros autopropulsionados “Koksan” de 170 milímetros, obuses de artilharia de 152 milímetros, mísseis balísticos de curto alcance Hwasong-11A, lança-foguetes múltiplos de 240 milímetros, mísseis antitanque e mísseis terra-ar portáteis (Lara Jakes, “What Weapons Is North Korea Accused of Supplying to Russia?”, New York Times, June 17, 2024; Hyung-Jin Kim e Kim Tong-Hyung, ambos da Associated Press, “North Korea sent more conventional weapons to Russia, South Korea says”, ABC News, November 20, 2024). “Acusada” está entre aspas porque os EUA e a Coreia do Sul são ambos grandes fabricantes e vendedores de armas de guerra. É caso par dizer: «Bem prega Frei Tomás. Faz o que ele diz, não faças o que ele faz».

Segunda razão: em 18 de Junho de 2024, a Rússia celebrou com a Coreia do Norte um tratado de segurança e defesa denominado “Tratado de Associação Estratégica Integral entre a Federação Russa e a República Popular da Coreia do Norte”, conhecido coloquialmente como “Tratado Moscovo-Pyongyang”.

Estas duas razões, ou apenas a segunda (para quem duvide da exactidão ou, até, do fundamento factual da primeira), são suficientes (é suficiente) para explicar um grande intercâmbio de militares dos dois países em múltiplos domínios de cooperação militar que não incluem, necessariamente, o combate armado num campo de batalha real. A cooperação militar entre os diferentes Estados-membros da OTAN/NATO fornece uma mina de exemplos concretos de como é que esse intercâmbio pode ocorrer. Basta admitir que o mesmo pode suceder com outros protagonistas de outras alianças militares — a Rússia e a Coreia do Norte, por exemplo.

Por último, convém lembrar que não se pode modificar o passado. Se, algures no futuro e por hipótese meramente especulativa, soldados norte-coreanos e soldados russos vierem (por razões que não conseguimos hoje vislumbrar) a combater lado a lado contra tropas ucranianas (seja no território da Rússia, seja no território da Ucrânia, tal como estavam configurados em 23 de Fevereiro de 2022), isso de modo nenhum pode ser invocado, retrospectivamente, como prova de que existiriam actualmente, e desde 1 de Novembro de 2024,  milhares de soldados norte-coreanos  a  combater no campo de batalha da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O futuro, quando se actualiza, acrescenta mais passado ao passado; não modifica o passado a que se acrescentou.

[7] “Zelenskyy says North Korea may send 100k troops to Ukraine, as war reaches 1,000 days”. The Guardian, 19 November 2024

[8] O carácter inevitável e irremediável da derrota militar da Ucrânia foi brilhantemente fundamentado, com factos e argumentos pertinentes, pelo coronel suíço Jacques Baud, no seu último livro, L’Art de la Guerre Russe — Comment l’Occident a conduit l’Ukraine à l’échec (Max Milo. Paris 2024).  

[9] A supremacia tecnológica da Rússia -- no plano dos mísseis hipersónicos [Kalibr, Sarmat, Khinzal, Zircon, Avangard, Orechnik], da produção de munições, da defesa aérea e da guerra electrónica -- sobre os EUA e a OTAN no continente europeu, é uma noção inteiramente à contra-corrente da crença na omnipotência do complexo militar-industrial [Ingl. Military-Industrial-Complex, ou MIC] dos EUA e na omnisciência do seu complexo militar-industrial-congressional-espionático--mediático-académico-consultorial [Ingl. Military-Industrial-Congressional-Intelligence-Media-Academia-Think-Tank, ou MICIMATT]  que acabará, creio, por se impor como tal nos próximos meses aos olhos dos analistas independentes do MICIMATT e quejandos. Dos peritos e consultores do MICIMATT e dos seus émulos no resto do “Ocidente alargado”, assim como, com maioria de razão, dos comentadores que enxameiam as estações de televisão não há nada a esperar (salvo raras excepções): continuarão a remodelar e a retocar interminavelmente a sua narrativa otaniana, até ao último soldado ucraniano. Voltarei a este assunto nas secções 9 e 10 deste artigo.

[10] “Sweden boosts defense spending to handle a «wartime situation»”. Politico, October 15, 2024.

[11] Alemanha prepara bunkers para tempo de guerra”. Correio da Manhã, 26 de Novembro de 2024.

[12] No livro Dissipando a Névoa Artificial da Guerra: um roteiro para o fim das guerras na Ucrânia, a paz na Europa e o desarmamento nuclear universal (Editora Primeiro Capítulo, Lisboa, 2023), explanei longamente (nota 10, pp.153-157) as razões pelas quais a Rússia não quer (até porque não precisa), e não teria capacidade (mesmo que quisesse) de conquistar qualquer país vizinho da Europa, incluindo a Ucrânia. No capítulo 1 do mesmo livro, explico as causas contribuintes da 1.ª guerra na Ucrânia (2 de Maio de 2014-24 de Fevereiro de 2022) que opôs o Estado ucraniano às República populares de Lugansk e Donetsk — as duas expressões mais avançadas da sublevação da população russa, russófona e, na sua maioria, russófila do Sudeste e Sul da Ucrânia contra o golpe de Estado de Maidan, em Quieve, no dia 22 de Fevereiro de 2014 (um golpe que derrubou inconstitucionalmente Victor Yanukovitch, o presidente livremente eleito) e contra o regime russófobo e liberticida que os golpistas instituíram na sequência desse golpe de Estado. No capítulo 2 explico as causas contribuintes da 2.ª guerra na Ucrânia, que opõe a Rússia à Ucrânia, um conflito a que não são de modo nenhum alheias as opções políticas e geopolíticas do regime vigente na Ucrânia resultante do golpe de Estado de Maidana e dos seus aliados (EUA, UE, OTAN).

[13] Esta linha de raciocínio militar, que faço minha, não foi desenvolvida por mim (não sou militar nem tenho conhecimento miliares suficientes para ter podido desenvolvê-la motu proprio). É da autoria do coronel Hervé Carresse (ver, p.ex., aquihttps://www.youtube.com/watch?v=4f_Hl1LLjPM&t=1584s, a partir do momento 26m10s), um analista militar francês muito sólido e arguto. Carresse é um dos poucos analistas militares (cerca de uma quinzena, contando nacionais e estrangeiros) que me habituei a escutar com atenção desde o início da segunda guerra na Ucrânia — a que começou em 24 de Fevereiro de 2022.  Acabo de ver (30 de Novembro de 2024) um vídeo de Pepe Escobar onde este desenvolve uma linha de raciocínio semelhante (cf. Pepe Café, Oreshnik: o jogo inteiro muda a 3 km/s,   https://www.youtube.com/watch?v=zy4Kv0gyFJ8 ).

[14] Ultima ratio regum [Port. “O último argumento do rei”), expressão latina que Luís XIV, rei de França, mandou gravar no cano dos seus canhões.  

[15] Gerry Doyle, Tom Balmforth & Mariano Zafra, “Enter «Oreshnik»”. Reuters, November 28, 2024.