Neste blogue discutiremos 5 temas: 1. A segurança social. 2. A linguagem enganosa. 3. As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 4. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 5. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

07 junho, 2020


Esta é 5ª entrada do Diário Intermitente da pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2 (ver a sua apresentação no Arquivo deste blogue, clicando em Março de 2020, no fundo da coluna à direita deste texto). As notas finais são grafadas entre parênteses rectos e em cor-de-laranja. Por exemplo, [1].

Gostaria de conseguir escrever este diário fazendo jus ao lema que encerra a resposta à seguinte adivinha (que me foi contada pelo meu amigo João Viegas Fernandes): «Qual é a semelhança entre um pára-quedas e a mente humana? É o facto de tanto um como a outra só nos serem úteis, salvando-nos a vida, se estiverem bem abertos».

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Haverá uma maneira de escapar ao dilema moral posto aos pais pela reabertura das creches frequentadas pelos seus filhos antes da pandemia?

José Manuel Catarino Soares

Este texto é um complemento e um seguimento do artigo publicado em 31 de Maio neste blogue [1]. Foi motivado por uma longa conversa com um amigo.

1. Uma crítica em três vertentes

Esse amigo criticou o mencionado artigo por incorrer numa «excessiva simplificação». A questão da reabertura das creches em 18 de Maio (ou em 1 de Junho) seria «muito mais complexa» do que a descrita nesse artigo. Em particular, eu não teria dado a devida importância aos problemas de «saúde mental» e de «violência doméstica» que o confinamento domiciliário veio agravar em muitas famílias. Tais factos justificariam que, para muitas crianças da faixa etária dos 3 meses aos 3 anos (inclusive), o regresso à creche — pese embora todos os riscos inerentes de contágio pelo novo coronavírus — pudesse ser uma opção melhor ou menos má do que a de continuarem em casa, onde estariam sujeitas a perigos ainda maiores ou mais imediatos.

Crianças numa creche à hora da sesta (antes da pandemia) 

Além disso — acrescentou o meu amigo — há muitas famílias trabalhadoras onde não há violência doméstica, nem perturbações mentais, mas que estão com os seus salários amputados em 1/3 na sequência da suspensão ou da redução dos seus contratos de trabalho, resultante do estatuto de «lay-off simplificado» requerido pela entidade patronal. Algumas (ou muitas) destas famílias sentiriam uma necessidade imperiosa de regressarem aos seus postos de trabalho e tornarem a auferir a totalidade dos seus salários para poderem fazer face a despesas fixas inerentes a responsabilidades contratuais que contraíram antes da pandemia, como, por exemplo, «o pagamento das prestações do crédito à habitação própria permanente».

Assim sendo — concluiu o meu amigo — os pais cujos filhos frequentavam creches antes da pandemia da Covid-19 ficaram a braços com um dilema muito complexo, suscitado pela reabertura das creches em 18 de Maio. Tiveram de ponderar muitos factores díspares e emaranhados para decidir o que fazer nessa data, ou, no melhor dos casos, em 1 de Junho. Com uma agravante: as alternativas (levar os filhos de novo para a creche ou mantê-los em casa até Setembro) a que estiveram confrontados, em 18 de Maio e/ou em 1 de Junho, eram ambas más e ambas igualmente más. A opção dos pais por uma delas só poderia ter sido pela que se lhes afigurasse, subjectivamente, menos má. Para uns pais a alternativa menos má seria uma. Para outros pais, a alternativa menos má seria a outra. Deste modo, não haveria nenhum critério susceptível de nos permitir determinar objectivamente qual delas seria a menos má.

2.  Concordância

Agradeço ao meu amigo F.V.J. (designei-o por meio destas iniciais fictícias para que ele possa utilizá-las se quiser escrever um comentário neste blogue sem ter de utilizar o seu nome próprio) as suas vigorosas, inteligentes e estimulantes críticas. Se outro mérito não tivessem (e têm muitos mais), elas teriam (como tiveram) um que se tornará muito óbvio no seguimento deste texto: o de me levar a aprofundar alguns aspectos desta questão que são da maior importância, mas que não foram abordados no artigo de 31 de Maio.

Começo por dizer que estou inteiramente de acordo com os seus argumentos sobre as situações de degradação da saúde mental dos pais e de violência doméstica como factores que a pandemia veio agravar e que podem afectar muito negativamente o bem-estar e o desenvolvimento das crianças, muito especialmente as crianças que frequentam as creches, as mais jovens de todas. Concebo perfeitamente que uma mãe ou um pai vítima de violência doméstica possa pensar que o seu filho está mais seguro (e até mais feliz) na creche do que em casa, apesar do risco de contágio pelo coronavírus SARS-CoV-2 ser mais elevado na creche do que em casa. Do mesmo modo, concebo perfeitamente que uma mãe ou um pai que coabite com um cônjuge que sofra de uma doença mental grave possa pensar que o seu filho está mais seguro (e até mais feliz) na creche do que em casa, apesar do risco de contágio pelo SARS-CoV-2 ser mais elevado na creche do que em casa.

Concordo também que a necessidade de trabalhar para superar a perda de rendimentos causada pelo «lay-off simplificado», pelo despedimento ou por qualquer outra circunstância gravosa causada pela pandemia da Covid-19, é um factor muito ponderoso na decisão dos pais relativamente ao regresso dos seus filhos à creche. Em 31 de Maio terminou o apoio de 66% da remuneração de referência que foi atribuído aos pais ou encarregados de educação que prestavam assistência aos filhos em casa por terem sido afectados pelo encerramento dos infantários. Para poderem regressar aos seus postos de trabalho, esses pais são praticamente forçados a fazer regressar os seus filhos ao infantário ou a encontrar uma solução equivalente.

Crianças lavam as mãos numa creche, sob o controlo de uma educadora (antes da pandemia)

Por fim, concordo que as duas alternativas do dilema moral que a reabertura das creches colocou aos pais são ambas más. Uma das alternativas (manter as crianças em casa) — designemo-la por alternativa A — é má porque impede os pais que trabalham fora de casa de retomarem as suas ocupações laborais, afectando gravemente desse modo os seus rendimentos. A outra alternativa (levar outra vez as crianças para as creches) — designemo-la por alternativa B — é má porque comporta um risco elevado de as tornar vítimas e vectores de transmissão do novo coronavírus nas creches que frequentam, nas famílias a que pertencem e nas comunidades em que as famílias estão inseridas.

3. Discordância
 
Onde não estou de acordo é na ideia de que as razões que se podem invocar para optar por uma das alternativas do dilema têm um valor (um peso valorativo) idêntico ao das razões que se podem invocar por optar pela outra alternativa do dilema. Procurei mostrar no meu artigo anterior que a permanência em casa das crianças dos 3 meses aos 3 anos é, na presente conjuntura pandémica da Covid-19, uma opção menos má do que a opção do seu regresso à creche. Voltarei mais tarde a este assunto, aduzindo mais argumentos em prol desta tese.  

De momento, pretendo salientar o seguinte: parece-me que a ideia contrária — a de que ambas as alternativas (A e B) são igualmente más, pelo que seria moralmente equivalente optar por uma ou por outra na presente conjuntura pandémica — é a ideia que constitui o fio condutor da argumentação do meu amigo F.V.J. Vejamos porquê.

3.1. O argumento do crédito à habitação própria permanente

Não é aceitável que se possa invocar a necessidade de trabalhar para pagar a prestação ao banco pelo empréstimo da casa como um argumento válido para justificar a decisão de fazer regressar um filho à creche que frequentava.


Creche «O Portugal dos Pequeninos II» (Associação de Socorros Mútuos de S. Francisco de Assis, Anta, Espinho) em 24 de Janeiro 2020 (antes da pandemia)

Este argumento não colhe na actual situação pandémica pela seguinte razão. Está em vigor, até ao dia 31 de Março de 2021, um regime de moratória (Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março e Plano de Estabilização Económica e Social (PEES), de 4 de Junho), aplicável, entre outros contratos, a contratos de crédito para habitação própria permanente celebrados com pessoas singulares:

(i) que estejam em situação de isolamento profiláctico ou de doença,

(ii) ou que prestem assistência a filhos ou netos, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, na sua redacção actual,

(iii) ou que tenham sido colocadas em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude do chamado «lay-off simplificado»,

(iv) ou que estejam em situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.,

(v) ou que sejam trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente, nos termos do artigo 26.º do referido decreto-lei,

(vi) ou que sejam trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou actividade tenha sido objecto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência.

Este regime prevê que a pessoa possa suspender o pagamento das prestações do crédito à habitação, entre o momento em que a moratória é solicitada ao banco e o dia 31 de Março de 2021. Os juros que se vençam durante o período da moratória serão capitalizados no valor em dívida do empréstimo. Ao abrigo deste regime, a pessoa pode solicitar apenas a suspensão do reembolso de capital (continuando a pagar juros do empréstimo). Neste caso, o valor em dívida no empréstimo mantém-se durante o período da moratória.

O prazo do empréstimo estende-se por um período igual ao da duração da moratória. Esta extensão do prazo de pagamento de capital, juros, comissões e demais encargos relativos aos contratos de crédito abrangidos pela medida não dá origem a incumprimento contratual ou activação de cláusulas de vencimento antecipado. Durante o período da moratória, mantêm-se válidas e eficazes as garantias concedidas pela pessoa (ou por terceiros) ao banco que lhe fez o empréstimo, as quais se prorrogam por igual período.

Centenas de milhares de pessoas pediram moratórias ao abrigo desta legislação, segundo informou o Banco de Portugal em 21 de Maio.  Só até 31 de Abril, já tinham sido aprovadas moratórias relativas a 355.541 contratos. Quase metade dos contratos objecto de moratória (162.492) dizem respeito a crédito concedido para aquisição de habitação própria permanente a pessoas que foram afectadas directa ou indirectamente pela Covid-19 — doença, isolamento profiláctico, assistência a filhos e netos, quebra de rendimentos por motivo de «lay-off simplificado» ou de despedimento.

3.2. O argumento da saúde mental e da violência doméstica

O confinamento domiciliário a que todos fomos forçados durante um mês e meio para quebrar as principais cadeias de transmissão comunitária do SARS-CoV-2 agravou muito todos os problemas sociais.

A pandemia e as medidas de confinamento domiciliário destinadas a combatê-la agravaram, nomeadamente, os problemas existentes de violência doméstica em muitas famílias, assim como os problemas de saúde mental e os problemas de solidão, em particular de pessoas de idade avançada que vivem sozinhas ou que residem em lares onde, para evitar o contágio por esse vírus, se viram impedidas de receber visitas de amigos e familiares durante mais de um mês e meio e que, mesmo agora, na fase de desconfinamento domiciliário, continuam a não poder sair como o faziam antes, pelas mesmas razões. Não minimizo de modo nenhum a importância destes problemas, que são parte integral dos efeitos sociais multifacetados da pandemia da Covid-19.

Não obstante, não é aceitável que se possa invocar a doença mental de um cônjuge, ou a violência doméstica exercida por um cônjuge, como um argumento válido para justificar, neste contexto pandémico, a decisão de fazer regressar um filho do casal à creche que frequentava antes da pandemia.

Este argumento não colhe pelas seguintes razões. Se essa criança estiver em risco de ser maltratada, agredida ou abusada em sua casa por um dos seus progenitores ou encarregados de educação, não é pelo facto de passar uma parte do dia na creche que estará a salvo. Só estará a salvo se o adulto agressor for corrido da casa onde coabita com a criança, ou se a criança for separada dos pais biológicos (no caso de ambos constituírem uma ameaça para a criança) e entregue a uma família de acolhimento. É para se conseguir proteger a integridade da criança em casa (nos casos em que ela esteja em risco) que o argumento da doença mental e o argumento da violência doméstica são válidos, e não para justificar o seu regresso à creche que frequentava antes da pandemia.

Creche «O Portugal dos Pequeninos II» (Associação de Socorros Mútuos de S. Francisco de Assis, Anta, Espinho) em 25 de Maio de 2020

3.3. O argumento da necessidade de trabalhar a tempo inteiro e fora de casa para poder sustentar a família

Não é aceitável que se possa invocar a necessidade de trabalhar a tempo inteiro e fora de casa para poder sustentar a família como um argumento válido para justificar o regresso de um filho à creche que frequentava antes da pandemia. Invocar o fim, em 31 de Maio último, do apoio de 66% da remuneração de referência que foi atribuído aos pais ou encarregados de educação afectados pelo encerramento dos infantários não confere validade acrescida ao argumento em causa, apenas o torna mais especioso.

Nenhum desses argumentos colhe, pelas seguintes razões. O direito à saúde e o direito à segurança (física e afectiva) das crianças de tenra idade — condições essenciais do seu bem-estar e do seu desenvolvimento — não podem ser postergados ou violados em nome do direito à saúde (física e mental) e do direito ao trabalho dos pais. A inversa é igualmente verdadeira: o direito à saúde e o direito ao trabalho dos pais não podem ser postergados ou violados em nome do direito à saúde e do direito à segurança das crianças. Estes direitos não se excluem mutuamente, antes se reforçam mutuamente.

O facto de os pais das crianças dos 3 meses aos 3 anos terem sido colocados, pela reabertura das creches em 18 de Maio, numa situação em que foram forçados a escolher entre abdicarem dos seus direitos mais básicos ou abdicarem dos direitos mais básicos dos seus filhos é um indício claro de que foram apanhados numa armadilha conceptual e socioeconómica.

Como sair dessa armadilha é o assunto que desenvolverei mais adiante. Antes, porém, gostaria de aduzir mais alguns factos e argumentos (para além daqueles que compilei na entrada anterior deste Diário) que corroboram a asserção feita no fim da secção 3: a continuação das crianças dos 3 meses aos 3 anos em suas casas, é, na actual conjuntura pandémica, uma opção menos má do que a opção do seu regresso à creche.

4. O testemunho de uma pediatra

Graça Gonçalves é uma conhecida médica pediatra. Trabalha há 36 anos. Todavia, em 36 anos de profissão, não se lembra de um período com tão poucos ranhos perenes, tosses, otites e viroses.

Com o encerramento das creches, os miúdos adoeceram menos?

Nunca passei por um período tão perfeito em termos de doenças. As crianças praticamente não adoeceram. Tive, em média, uma criança doente por semana, antes da Covid eram várias por dia. Não quer dizer que não haja uma que não apanhe uma otite, ou outra coisa, mas não transmitem como transmitiam antes. Normalmente percebemos logo quais são os vírus que andam por aí, porque ouvimos sempre as mesmas histórias. Desde que as creches fecharam, os miúdos quase não tiveram nada, foi uma bênção. As bronquiolites, as otites, os ranhos perenes, tudo isso praticamente desapareceu. Quando os miúdos entram na escola o aviso que eu faço aos pais é: atenção que ele vai começar a ficar ranhoso e, mais tosse menos tosse, mais febre menos febre, o ranho vai estar lá sempre. Vão pensar que é uma doença crónica, mas não é, porque na maioria das vezes estamos a falar de crianças saudáveis.

E isto acontece em todas as idades?

Quando vão para a escola é em todas as idades, mas se só entrarem aos três anos as coisas passam por eles de forma mais suave. Quando se entra com cinco, seis meses, os problemas ganham outra proporção. Depois, se são amamentados, no geral aguentam-se melhor, se têm problemas de base alérgica, corre pior. O primeiro ano é sempre o mais complicado, porque dois dias depois de terem febre ficam doentes outra vez. Isto perturba muito as noites, o bem-estar da criança e obriga a fazer muito mais medicações do que seriam necessárias. Só costumo ter acalmia em Julho, Agosto, mas nos últimos anos já nem Julho e Agosto eram fantásticos.

As crianças também passaram a estar menos medicadas com esta pandemia?

Muitos miúdos têm de fazer medicação crónica para bronquiolites, por exemplo, usam inaladores brônquicos diariamente e em alguns casos os pais perceberam que podiam parar. Há uns anos havia uma teoria que defendia que estas infecções eram importantes para diminuir as incidências de alergias, que os miúdos deviam ir para os infantários e ter estes problemas todos para ficarem imunes, mas isso não tem sido validado. Não faz nenhum sentido pedir-se a uma criança que fique doente. É tão desconfortável... Sempre com aqueles narizes obstruídos, sem conseguir respirar bem de noite, de vez em quando lá vem uma dor grande de uma otite. Como é que isso é bom?


Graça Gonçalves, médica pediatra


As doenças virais são as mais comuns nas crianças?

Mais de 90% dos problemas até aos 3 anos de vida são virais. Os miúdos acabam por ultrapassar isto com a idade, mas dos três anos para a frente o rácio de crianças por educador nas creches é ainda maior. A culpa não é das educadoras, que não podem fazer melhor. Talvez pudessem ir mais para a rua, mas também há pais que proíbem.

Proíbem como?

Há duas correntes: os pais que acham que estar na rua, andar ao sol, à chuva e saltar nas poças, é bom. E os pais que têm medo que os miúdos vão para a rua e se constipem, que acham que vão apanhar constipações por andarem descalços, por exemplo. Com a vontade que temos de os proteger, não os deixamos usufruir do corpo. E nos infantários, à conta disso, fecham-se janelas, põem-se ares condicionados e transformam-se estes espaços num viveiro maravilhoso para a bicharada.

Portanto, na sua opinião, quem conseguir deve manter os filhos em casa, em vez de os pôr já na creche ou no jardim de infância?

Para os miúdos que sigo estes meses foram o paraíso na terra. Num mundo ideal, se houver hipótese, e muita gente não tem mesmo hipótese, deixava-os em casa. Sobretudo até aos três anos, em que, com raras exceções, os miúdos não precisam de ir desenvolver-se para um infantário. O que eles precisam é de uma relação de um para um. Só recomendo creche antes dos três anos quando existem falhas ao nível da socialização ou da fala, por exemplo. (“Desde que as creches fecharam, as crianças quase não tiveram doenças”, entrevista com Graça Gonçalves. Sábado, 19-05-2020). [os destaques a cor-de- laranja foram acrescentados por mim, J.M.C.S]

Estes são apenas alguns excertos de uma entrevista toda ela muito interessante. Creio ser esta a sua mensagem principal:

Desde que as creches fecharam, os miúdos quase não tiveram nada, foi uma bênção. No início isto foi muito bem gerido, porque as medidas aplicadas foram medidas de saúde e não políticas. Agora acho que estamos a entrar em medidas um bocadinho economicistas. Por isso é que os pais têm de ir trabalhar e os miúdos vão para o infantário (ibidem).


5. Escapar à armadilha conceptual e socioeconómica

Recapitulando: a reabertura das creches em 18 de Maio colocou os pais das crianças que frequentavam esses estabelecimentos perante um dilema que não tem uma boa solução. As alternativas do dilema (A: retorno das crianças às creches, permitindo que os pais — quer os que estão na situação resultante do «lay-off simplificado», quer os que perderam o emprego, quer os que prestaram assistência aos filhos até 1 de Junho — possam regressar ao trabalho remunerado fora de casa,  versus B: permanência das crianças em casa, mas impedindo os pais de poderem regressar ao trabalho remunerado fora de casa a fim de sustentarem a família) são ambas más. A alternativa A enaltece o direito ao trabalho dos pais à custa do direito à saúde dos filhos. A alternativa B enaltece o direito à saúde dos filhos à custa do direito ao trabalho dos pais.

O facto de ambas as alternativas serem falaciosas e daninhas é uma prova concludente de que a reabertura das creches em 18 de Maio é uma armadilha conceptual e socioeconómica. Só é possível escapar a essa armadilha — evitando-a ou evadindo-se dela, conforme for o caso — recusando os termos do dilema.

Sugiro que isso pode ser feito em dois tempos. Num primeiro tempo, é necessário reconhecer que os pais que decidiram manter os seus filhos em casa em 18 de Maio e em 1 de Junho, em vez de os fazer regressar às creches que frequentavam antes do seu encerramento em 15 de Março, tomaram a decisão mais acertada, ou menos má, na presente conjuntura pandémica [2].

A decisão desses pais foi a menos má porque consistiu em tomar o partido da parte mais fraca e desprotegida — as crianças — colocando a salvaguarda dos interesses (a saúde e o bem-estar) dos seus filhos de tenra idade acima da salvaguarda dos interesses das “empresas” e da “actividade económica” (dois pseudónimos correntes de “patronato”). Por isso, a decisão desses pais equivale, na prática, a repudiar a reabertura das creches em 18 de Maio (e o dilema especioso que ela encerra) por ser uma medida descabida e imprevidente do ponto de vista da saúde e do bem-estar das crianças que mais carecem de protecção.

O texto que constitui a entrada anterior deste Diário ocupou-se longamente em fundamentar este veredicto com grande cópia de factos e argumentos, aos quais acrescentei, hoje, o testemunho da pediatra Graça Gonçalves, do qual só tomei conhecimento depois da publicação desse texto, em 31 de Maio. Julgo, por isso, não ser necessário voltar ao assunto.

Num segundo tempo, é necessário reconhecer que as crianças dos 3 meses aos 3 anos que frequentavam um creche antes da pandemia só poderão ficar em casa se, pelo menos, um dos seus progenitores (se formarem um casal), ou o único progenitor encarregado de educação (nas famílias monoparentais), ficar também em casa a cuidar delas, em vez de ter de sair de casa para ganhar a sua vida.

Por conseguinte, os 800.000 trabalhadores colocados actualmente em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude do regime de «lay-off simplificado» das empresas onde trabalham, não poderão regressar todos ao seu posto de trabalho ou ao seu horário de trabalho normal quando terminar esse «lay-off simplificado». O mesmo vale dizer dos que perderam o emprego depois do começo da pandemia e que poderão, entretanto, tornar a encontrar um emprego remunerado. Em Abril, estavam 392.323 pessoas inscritas num centro de emprego, segundo anunciou o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) no dia 19 de maio. Em termos líquidos, no período em análise, registaram-se mais 71.083 pessoas desempregadas em Portugal, comparando com o mesmo mês de 2019.

Há uma solução para este problema. Uns e outros — trabalhadores colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho em virtude do regime de «lay-off simplificado» e trabalhadores desempregados — se tiverem filhos que deixaram de ir à creche, deveriam ter um abono de família mensal extraordinário correspondente a 100% do salário médio líquido mensal. No caso dos trabalhadores que retomarem em pleno as suas funções e o seu horário de trabalho em virtude do fim do «lay-off simplificado», esse abono de família extraordinário deveria ser atribuído ao membro do casal [3], ou ao progenitor único (nas famílias monoparentais), que ficar em casa a cuidar das crianças até Setembro, pressupondo que já estarão asseguradas, nessa altura, as condições de segurança necessárias ao seu retorno às creches.

Só uma medida deste género permitirá que os trabalhadores cujos filhos frequentavam as creches até ao seu encerramento em 15 de Março possam escapar à armadilha conceptual e socioeconómica que a reabertura das creches em 18 de Maio representa.


Educadoras e crianças numa creche, depois de 18 de Maio de 2020

6. Uma objecção

A única objecção a esta medida que consigo antever é de carácter económico-financeiro. Consiste em dizer que é uma medida que custaria muito dinheiro ao erário público e que esse dinheiro (feliz ou infelizmente) não existe.

Essa objecção não colhe. Não é verdade que seja muito dinheiro nem que esse dinheiro não exista. Vejamos porquê.

6.1. Creches e frequência das creches

Em 31 de Dezembro de 2018, existiam, em Portugal continental, 2.570 creches, 76 % das quais propriedade de entidades não lucrativas. Destas 2.570 creches, 408 pertenciam à rede pública (Ministério da Educação e Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social) e 2090 pertenciam à chamada rede privada de solidariedade social (instituições particulares de solidariedade social [IPSS]). Estas creches ofereciam 117.300 lugares e eram frequentadas por um pouco mais de 100.000 crianças (Fonte: Carta Social-Rede de Serviços e Equipamentos. Relatório de 2018).

Não existem estatísticas actualizadas. Por isso, vamos supor que, em 12 de Março de 2020 (quando o governo decidiu o encerramento dos infantários, escolas e CATLs), existiam 100.000 crianças nas creches, e vamos supor também, para simplificar, que todas elas, meninos ou meninas, são filhos únicos.

Quanto custaria o abono de família extraordinário que propus mais acima?

Aqui, torna-se necessário fazer um aparte.

6.2. Salário médio líquido mensal

O salário médio líquido nacional era de 909 euros em 2019 (Fonte: INE, 5 de Fevereiro de 2020). Todavia, dos 4 milhões e 100 mil de trabalhadores por conta de outrem que existem em Portugal, mais de metade (2 milhões e 300 mil) recebe abaixo dessa média. Por escalão de rendimento, os dados mostram que 1 milhão e 900 mil trabalhadores por conta de outrem têm um rendimento médio mensal líquido entre 600 e 900 euros. Há ainda 100.500 trabalhadores a receber menos de 310 euros líquidos por mês e 307.800 trabalhadores cujo salário líquido médio mensal se situa entre 310 euros e os 600 euros. Por outro lado, menos de 70.000 trabalhadores recebem por mês mais de 2.500 euros líquidos em média, dos quais 37.900 mil recebem três mil euros ou mais.

Seja como for, vamos supor, para simplificar, que um abono de família extraordinário equivalente ao salário médio líquido mensal seria uma quantia considerada equitativa mesmo pelos pais que auferem um salário líquido mensal superior a essa quantia. Façamos então contas.

909 euros 100.000 = 90.900.000 (90 milhões e 900 mil euros). Este seria o custo mensal do abono de família extraordinário.

Como o abono de família extraordinário seria pago durante quatro meses (Junho, Julho, Agosto, Setembro), temos

90.900.000 x 4 = 363.600.000 euros

6.3. Custo do abono de família extraordinário

O custo total do abono de família extraordinário para as crianças das creches seria, portanto, de 363 milhões e 600 mil euros. Não é muito. Só o dinheiro transferido (1.037 milhões de euros, sendo 850 milhões de empréstimos públicos ao Fundo de Resolução), em Maio deste ano, do Orçamento de Estado de 2020 para o Novo Banco (propriedade em 75% do fundo de investimento Lone Star Funds, do multimilionário de origem norte-americana John Grayken) dava para prolongar o pagamento deste abono por mais 2 meses e meio, até ao começo das férias de Natal, e ainda sobrava muito.


John Grayken, proprietário da Lone Star Funds, à saída de um julgamento na Coreia do Sul, em 2011, no qual a Lone Star Funds foi condenada por manipulação bolsista. Foto de Chung Sung-Jun, Getty Images

No total, desde a resolução do BES em Agosto de 2014 até à transferência de Maio de 2020 (exclusive), o Orçamento de Estado injectou 5.180 milhões de euros no Novo Banco, através do Fundo de Resolução. Em 2014, com a resolução do BES, foram injectados 3.900 milhões de euros. Em 2017, com a venda do Novo Banco ao Lone Star Funds, foi acordada a disponibilização de mais 3.890 milhões de euros no âmbito do Mecanismo de Capital Contingente. Deste último montante, já foram utilizados, antes de Maio deste ano, 1.941 milhões de euros, dos quais 792 milhões de euros em 2018 e 1.149 milhões de euros em 2019 (Dinheiro Vivo, 17 de Dezembro 2019; Jornal de Negócios, 9 de Maio 2010).

7. Conclusão

Não há nenhuma dificuldade financeira, técnica ou social na adopção e aplicação de uma medida como esta, de elementar justiça e grande urgência. O único obstáculo à sua adopção (e é um obstáculo de monta) é o facto de não encontrar acolhimento nem no governo, nem nas centrais sindicais (CGTP, UGT), nem nos sindicatos, nem nos partidos com assento parlamentar, pelo menos naqueles (PS, Bloco de Esquerda, PCP, PAN, PEV) que as pessoas com a ingenuidade do jovem Cândido, no romance homónimo de Voltaire, poderiam esperar que fôssem os seus paladinos.

Salvo melhor informação, tanto estes partidos como os sindicatos não se pronunciaram liminarmente contra a reabertura das creches em 18 de Maio ou, nos raros casos em que o fizeram, não propuseram qualquer solução alternativa viável [4].


Notas


[1] A reabertura das creches em 18 de Maio (ou em 1 de Junho) é uma medida que comporta riscos cujas consequências ninguém sabe avaliar nem evitar [v. Arquivo do Blogue, Maio 2020]

[2] A reabertura das creches em 18 de Maio parece ter sido um  fiasco parcial. «Cerca de 70% das creches reabriram no dia 18 de Maio, de acordo com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho» (Diário de Notícias, 1 de Junho 2020). «No primeiro dia, 88% das creches [entenda-se: as que estão ligadas à ACPEEP, que são uma pequena minoria] reabriram, mas tiveram em média entre quatro a seis crianças», disse à Lusa Susana Batista, presidente da Associação de Creches e de Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), com base no inquérito realizado na segunda-feira junto dos associados. Houve 12% que não receberam qualquer criança porque os pais «não quiseram arriscar já esta semana com receio [da pandemia de covid-19], mas mesmo assim houve uma abertura administrativa», explicou à Lusa (Lusa, 19 de Maio de 2020). O inquérito da ACPEEP revelou ainda que, entre os pais que enviaram as crianças para a creche, a maioria (60%) tem filhos no 1.º ciclo, ou seja, em escolas que este ano lectivo vão continuar sem aulas presenciais e, por isso, terão de permanecer em casa.

Nos planos do governo, 1 de Junho era o dia de reabertura dos jardins-de-infância e também do regresso de mais crianças às creches, uma vez que terminava nesse dia o período de transição em que as creches estiveram abertas, mas as famílias puderam optar por ficar com os filhos em casa, mantendo o apoio financeiro do Orçamento de Estado. «No entanto, a perceção dos educadores dita que a afluência de crianças nestes estabelecimentos foi muito pouco significativa» (Diário de Notícias, 1 de Junho 2020). A reabertura dos jardins-de-infância em 1 de Junho — apesar de não suscitar, em minha opinião, objecções de princípio da mesma natureza do que as suscitadas pela reabertura das creches — parece ter sido também um fiasco. «Em grande parte dos estabelecimentos de pré-escolar, abertos a partir desta segunda-feira, o número de crianças presentes não chega a 20%, dizem diretores. Estatísticas que contrariam as expectativas». (Diário de Notícias, 1 de Junho 2020).

[3] Bem entendido, nada impede que a mãe e o pai compartilhem alternadamente essa tarefa, mês sim, mês não.

[4] No comunicado de 11 de Maio do secretariado nacional da Federação Nacional dos Professores (FENPROF), pode ler-se: «a FENPROF já solicitou uma reunião à Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para discutir as condições em que se prevê a reabertura das creches e que, a serem as que têm sido divulgadas, não poderão merecer o acordo da FENPROF». Porém, salvo melhor informação, o secretariado da FENPROF não tornou a pronunciar-se sobre este assunto.

A Federação Nacional da Educação (FNE) «defende que as normas para a reabertura das creches devem ser elaboradas em conjunto com os educadores de infância». «Assim como estão não são adequadas, nem exequíveis», disse ao PÚBLICO o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva (Público, 11 de Maio 2020). Porém, salvo melhor informação, o secretário-geral da FNE não tornou a pronunciar-se sobre o assunto.

A direcção do Sindicato de Todos os Professores (STOP), em parceria com o blogue ComRegras, realizou um inquérito intitulado “Regresso às Escolas”. Este inquérito foi respondido entre domingo,10 de Maio, e terça-feira, 12 de Maio, por 6.170 pessoas, a maioria profissionais de ensino (58%) e cerca de 2070 encarregados de educação (33,6%). Os resultados, publicados em 13 de Maio, revelam que 85,5% dos pais e 86,6% dos profissionais de ensino. inquiridos estão contra a reabertura das creches (e também do pré-escolar). Porém, salvo melhor informação, a direcção do STOP não propôs qualquer iniciativa que desse corpo a esta oposição.

31 maio, 2020


Esta é 4ª entrada do Diário Intermitente da pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2 (ver a sua apresentação nos arquivos deste blogue, Março de 2020, no fundo da coluna à direita deste texto).

Gostaria de conseguir escrever este diário fazendo jus ao lema que encerra a resposta à seguinte adivinha (que me foi contada pelo meu amigo João Viegas Fernandes): «Qual é a semelhança entre um pára-quedas e a mente humana? É o facto de tanto um como a outra só nos serem úteis, salvando-nos a vida, se estiverem bem abertos».

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A reabertura das creches em 18 de Maio (ou em 1 de Junho) é uma medida que comporta riscos cujas consequências ninguém sabe avaliar nem evitar

José Manuel Catarino Soares

Um infantário consiste num espaço extrafamiliar destinado ao cuidado e acompanhamento pedagógico de crianças com idades compreendidas entre os 3 meses e os 6 anos. Dos 3 meses aos 3 anos (inclusive) as crianças encontram-se na valência de creche, transitando para a valência de jardim-de-infância dos 4 aos 5 anos (inclusive).

Em Portugal, por causa da pandemia da Covid-19, os infantários foram encerrados pelo governo no dia 16 de Março, tal como as escolas do ensino básico, do ensino secundário e os centros de Actividades de Tempos Livres. A decisão foi tomada em 12 de Março. Os estabelecimentos de ensino superior (universidades e institutos politécnicos) tomaram idêntica decisão.

Em 30 de Abril, o governo aprovou um «plano de desconfinamento». Uma das medidas previstas nesse plano foi a da reabertura das creches em 18 de Maio. Em 1 de Junho, abrirão os jardins-de-infância e em 15 de Junho abrirão os centros de Actividades de Tempos Livres (ATL).

Os pais que não queiram que os seus filhos de tenra idade retornem às creches em 18 de Maio têm a opção de o fazerem em 1 de Junho, continuando a beneficiar de uma ajuda pecuniária para acompanhamento dos filhos até ao fim de Maio. A Direcção-Geral de Saúde (DGS) publicou uma orientação (nº 025/2020) em 13 de Maio, sobre as condições de segurança sanitária que deverão ser respeitadas nas creches para que a sua reabertura pudesse ocorrer em 18 de Maio.

1. A favor e contra a reabertura das creches

1.1. APEI

No passado mês de Abril, a pedido da Secretaria de Estado da Ação Social, a Associação dos Profissionais de Educação de Infância (APEI) tomou posição pública sobre a reabertura das creches em 18 de Maio. Tornou a tomar posição em 10 de Maio sobre o mesmo assunto.

A posição da APEI é ambígua. Por um lado, criticou a decisão governamental de abertura das creches numa data diferente de reabertura dos jardins-de-infância.

O regresso das crianças às instituições de educação de infância (creches), apenas é equacionado na necessidade de libertar os respetivos pais para o regresso ao trabalho presencial, para uma retoma progressiva da atividade económica (argumento ao qual a APEI também é, obviamente, sensível) pois, do ponto de vista exclusivo dos interesses da criança, esse regresso não deveria, de todo, acontecer.

No entanto e tendo em conta a necessidade de ser retomada progressivamente a atividade económica normal, o que implica que os pais tenham que voltar aos seus locais de trabalho, não se compreende como pode ser equacionado o regresso das crianças dos 0-3 anos à creche e não se pensar, de igual modo, no regresso das crianças em idade pré-escolar (e do 1º ciclo do ensino básico), pois é difícil conceber que crianças ente os 3 e os 10 anos de idade possam ficar sozinhas em casa. Permitir que as crianças até aos 3 anos regressem à creche, mas impedir que as de pré-escolar o façam, vai colocar um número significativo de pais num dilema difícil de resolver, tanto mais que, é importante referir, mais de metade da resposta na educação pré-escolar é garantida pela rede pública.

Por outro lado, exprimiu um conjunto de preocupações sobre a reabertura das creches:

• As crianças em creche, ao contrário do que muitas vezes é o senso comum, contactam fisicamente muito umas com as outras. Longe vai o tempo de termos bebés em berçários confinados a camas de grades, em isolamento dentro de parques ou em cadeiras de tabuleiro. Atualmente, excecional e ocasionalmente utilizam-se esses equipamentos, mas é mais comum os bebés moverem-se livremente no espaço da sala, contactando e interagindo com os seus pares.

• Por outro lado, a creche é uma valência que acolhe crianças entre os 0-3 anos, ou seja, crianças desde os 4 meses mas que, no limite, podem ir até aos 3 anos e 11 meses (quase 4 anos). Muitas crianças deixam de usar fraldas ainda durante a creche, comem sozinhas, sobem e descem escadas, recolhem o material para a sua higiene e sobem para o muda-fraldas autonomamente, pelo que não será possível equacionar situações em que as crianças estejam confinadas a espaços em que não convivam com os adultos ou com outras crianças, sem isso trazer severas consequências para o seu bem estar e desenvolvimento.

• Também ao contrário do que muitas vezes se pensa (por quem não está por dentro da rotina de uma creche), os adultos em creche não conseguem manter um maior distanciamento das crianças, pois o adulto tem de estar sempre próximo (pegar ao colo, cuidar, alimentar, …). No regresso de crianças tão pequenas à creche, que estiveram dias consecutivos e integrais com os seus pais durante quase dois meses, haverá muito conforto e consolo a dar, (muita lágrima e baba para limpar!), não sendo possível equacionar a utilização de máscara pelos adultos, em que nem a expressão possa ser vista e sentida. Há crianças que vão voltar e trazer os hábitos de afeto que os tranquilizam e que podem ir desde os objetos afetivos, aos hábitos de tocar no adulto de referência (adormecer enrolando o cabelo, mexendo na cara,…), o que torna impossível conceber, por todas estas razões, uma distância física entre adultos e crianças.

• Por razões ligadas ao seu desenvolvimento, é mais fácil que crianças de mais idade interiorizem as regras de distanciamento social do que a crianças de creche. Estas, para além de precisarem muito do contacto físico para se relacionarem, exploram tudo fisicamente e a boca é um dos órgãos preferenciais para a sua relação com o mundo (com os objetos e com os outros), pelo que não é possível imaginar crianças destas idades a usar máscara ou luvas e cumprir regras de distanciamento.

• Por outro lado, sabendo que o efeito da COVID19 em crianças destas idades é menor, na verdade o perigo de contágio, pelas razões referidas anteriormente, é muito maior. Para além disso, por razões diversas, é frequente as crianças terem alguma temperatura igual ou superior aos 37ºC, o que poderá levantar o alarme duma possível infeção e as consequências que daí advirão (isolamento, quarentena para toda a creche, …).

• Se, na verdade, segundo os dados disponíveis, há poucas consequências do contágio para as crianças, um número significativo de creches da rede solidária coabita com adultos em centros de dia, cujas consequências da COVID19 são devastadoras para esse grupo etário.

• Por consequência, não deveriam ser os avós a levar as crianças à creche e o contacto de crianças e idosos, deveria estar fortemente limitado ou mesmo impedido, para evitar desencadear cadeias de contágio.

• Dada a enorme diversidade de contextos organizacionais em que a creche funciona (corredores apertados, salas e espaços contíguos, com centros de dia,…), é muito difícil generalizar regras comuns a todos, que salvaguardem as condições de segurança de crianças e adultos, pelo que as orientações a emitir deveriam ser de geometria variável, de modo a salvaguardar essa diversidade de contextos.

Creche no município de Povoação, Açores. 

Apesar destas reservas e críticas, a APEI não se opôs liminarmente à reabertura das creches em 18 de Maio.

O ponto de partida para que a APEI considere a reabertura das instituições que prestam serviço no âmbito da educação de infância (0-6 anos), em maio, será estarem garantidas todas as condições de segurança do ponto de vista de saúde pública para as crianças e famílias envolvidas, o que só a Direção-Geral de Saúde poderá atestar. (…)

Apesar dos argumentos apresentados inicialmente, considerando a possibilidade duma abertura apenas da creche, deveriam incluir-se os profissionais de toda a educação de infância (0-6 anos), de modo a que os educadores de infância e os auxiliares de educação fossem mobilizados em simultâneo, sendo que os educadores e auxiliares da educação pré-escolar apoiariam os educadores em creche, de forma a aumentar o rácio adulto-criança, facilitando, assim, a regulação de comportamentos adequados à situação vigente.

Em 10 de Maio, a APEI reafirmou as suas preocupações do seguinte modo:

Na sequência da anunciada decisão de reabrir as creches a 18 de Maio e da forma como essa reabertura se irá verificar, a APEI manifesta a sua profunda preocupação por todo este processo, uma vez que considera que as recomendações emanadas aos profissionais de educação de infância [a APEI parece estar a referir-se, aqui, às medidas que a DGS e a Secretaria da Acção Social do Estado sugeriram numa sessão informativa realizada em 8 de Maio, N.E.] são profundamente desadequadas e que os colocam num dilema ético e profissional difícil de resolver pois, garantindo o seu cumprimento, estão objetivamente a lesar o desenvolvimento das crianças, no ano em que, paradoxalmente, se celebram os 30 anos da ratificação por Portugal da Convenção dos Direitos da Criança. [N.E.= Nota editorial]

Assim, por exemplo :

Manter uma distância física de dois metros entre cada criança e impedir que possam interagir entre si, evitar o toque em superfícies, dispor mesas em linha ou crianças colocadas de costas umas para as outras, evitar a partilha de brinquedos e outros objetos, ter adultos de referência (educadoras e auxiliares), com os quais as crianças mantêm vínculos profundos, a usar máscaras, são medidas reveladoras de um desconhecimento sobre a realidade do trabalho educativo em creche e sobre o desenvolvimento das crianças com menos de 3 anos.

Pegar ao colo, olhar nos olhos e deixar que a criança crie empatia através da expressão facial, falar perto da sua cara e acariciar o seu rosto são afetos que constroem e cimentam as interações e o vínculo entre criança e educador/cuidador. Impedir estas manifestações de afeto ou artificializá-las, com máscaras e distância física, é violentar a relação.

Como é «violentar» a criança — prossegue a APEI — «aprisioná-la» em mesas, espreguiçadeiras ou parques, quando essa criança está na fase da progressiva autonomia, de explorar os espaços e os materiais e a relação com os outros.

É difícil compreender como é possível pensar em reabrir as creches com este tipo de recomendações que, é bom clarificar, vão abranger as crianças maioritariamente oriundas de famílias com condições sociais de maior vulnerabilidade e desigualdade socioeconómica, precisamente as que não terão alternativa a não ser a creche, pois as restantes irão optar por mantê-las em segurança, na sua casa.

A APEI, nesse comunicado, não apontava soluções para o problema, mas dizia estar a promover uma reflexão para preparar um documento sobre a matéria. (Por isso, eu disse, mais acima, que a posição da APEI sobre a reabertura das creches é ambígua).

Esse documento acabou por ser publicado pouco depois, sob o título Contributo para assegurar a a qualidade Pedagógica em Creche (0-3 anos) em tempo de Covid-19 (Maio 2010). Desse documento, de 13 páginas, extraí os seguintes excertos que me parecem indicar uma aceitação (embora a contragosto) das medidas de segurança preconizadas na orientação nº 025/2020 da DGS de 12 de Maio.

• Observar o aconselhamento técnico transmitido pela Direção-Geral da Saúde, em que o uso de máscara é recomendado. No entanto, as equipas educativas devem criar dinâmicas pedagógicas prévias em relação ao uso de máscaras, visto que estas ocultam as expressões e a leitura de emoções (por exemplo, em videoconferências que aconteçam, começar a mostrar as máscaras colocadas com sorriso simpático desenhado ou pedir a colaboração das famílias para o uso e desmistificação das mesmas; “cu-cu”/“esconde-esconde” ou brincadeiras de faz-de-conta com o uso da máscara para que possam, de alguma forma, minimizar o ambiente hostil e de receio provocado pela cara coberta,...).

• Desenvolver estratégias para que as crianças reconheçam que, por detrás da máscara, está alguém que conhecem e em quem confiam, aliviando o uso deste equipamento (sempre com a garantia do devido distanciamento de segurança e das normas de manuseamento), em determinados momentos do dia (por exemplo quando se conta uma história, nos momentos de exterior ou mostrando o rosto alternadamente entre os diferentes elementos da equipa, no interior e com o devido distanciamento,…).

1.3. Duas educadoras de infância sem papas na língua

Estas recomendações escamoteiam o problema principal. Apesar de as crianças mais novas não serem consideradas um grupo de risco para a COVID-19, e de serem também a faixa etária que apresenta menos complicações perante a esta doença, o grande perigo que estas crianças representam é a possível ausência de sintomas da doença, que as pode tornar em veículos silenciosos de propagação do vírus.

“Se eu tiver uma criança assintomática numa sala, ela vai contaminar as outras, que vão contaminar os pais, e por aí fora. Também vai contaminar os profissionais que trabalham nas creches, e o ciclo de contágio vai intensificar-se”, refere Vanessa Biléu. A educadora alerta que este contágio pode ganhar proporções ainda mais graves, dado que muitas pessoas que trabalham nestas instituições, desde as educadoras até ao pessoal auxiliar e da cantina, são mais velhas e “podem pertencer a grupos de risco”.

Para Marta Parracho, as cantinas são também um foco de contágio muito perigoso. A educadora explica que muitas creches em Portugal são instituições particulares de sociedade social (IPSS), que têm na sua constituição outras valências sociais como apoio domiciliário, por exemplo. “O refeitório onde estão dezenas de crianças a comer é o mesmo refeitório onde são feitas as refeições para o apoio domiciliário, onde os funcionários vão levantar as refeições para entregar às pessoas que necessitam do apoio, que são muitas vezes idosos e fazem parte do grupo de risco. Logo aqui existe uma sobreposição dos universos que o primeiro-ministro não quer que aconteça, quando justifica a decisão de abrir as creches para depois retomar as aulas presenciais dos alunos do ensino secundário, os tais universos opostos. Mas na própria creche, já está a acontecer uma sobreposição. Acho que se está a esquecer disso.” (Educadores contra reabertura das creches. “São lugares de afetos. É impossível existir distanciamento social”, MAAG, 24 de Abril de 2020).

1.4. ACPEEP

Em 10 de Maio, na sequência da sessão informativa realizada no dia 8 de Maio de 2020 para apresentação das Medidas para Reabertura das Creches preconizadas pela Direção Geral de Saúde e pela Secretaria de Estado da Acção Social, a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino (ACPEEP) reiterou a sua posição de que «algumas das medidas propostas não são exequíveis nem adequadas para a resposta social de CRECHE, solicitando a respetiva revisão e adaptação. Referimo-nos, em concreto às seguintes medidas:

1) As crianças não podem partilhar o seu brinquedo/os materiais didáticos com os colegas, os materiais devem ser unipessoais (funcionalmente impossível e pedagogicamente inaceitável);

2) As mesas devem estar viradas para o mesmo sentido, as crianças não devem estar em U (desapropriado, as crianças estão sentadas no chão/no tapete ou em pequeno grupo a imitar/repetir o que a educadora e os colegas fazem, é assim que aprendem, têm que se ver umas às outras, não se mantêm no mesmo lugar e na mesma posição por muito tempo, muito menos sentadas);

3) As crianças devem manter um distanciamento social entre elas, de cerca de 2m (não conseguimos, nem queremos restringir os movimentos das crianças e a sua aproximação dos colegas, não podemos impedir ou orientar as suas deslocações, as interações entre crianças são necessárias ao seu desenvolvimento);

4) Os catres e os berços devem estar a uma distância de 2m entre eles (as salas não têm dimensões suficientes para tal);

5) É preciso haver espaços, que não estejam a ser utilizados, para dividir ou reduzir turmas (na maioria das creches não existem espaços que não estejam a ser utilizados. Além disso, ao dividir os grupos, as crianças deixam de estar com os adultos de referência);

6) Cada bebé deve ter a sua própria espreguiçadeira (não há espaço na sala parque para colocar tantas espreguiçadeiras, mas mesmo se assim fosse, as crianças iriam gatinhar por cima das espreguiçadeiras, porque ficariam sem espaço para exploração);

7) A definição de circuitos de circulação com entradas e saídas distintas, para não haver cruzamento de pessoas, poderá obrigar as pessoas a percorrer mais espaços dentro da instituição. O ideal é não passarem das entradas.

Assumimos que estas medidas não são exequíveis, pelo que os diretores das creches não se podem responsabilizar pela sua implementação. Consideramos que, apesar de tudo, podem existir condições e procedimentos adequados para minimizar o risco de contágio do Covid19 nas creches, sendo que há riscos que nunca poderão ser eliminados, pelo que temos que aprender a conviver com eles.

Duas meninas e um menino a brincar numa creche

Convém salientar que a DGS só publicou a sua orientação para as creches no dia 13 de Maio. Dela constam algumas das medidas da DGS consideradas como sendo «inexequíveis» pela ACPEEP. É o caso, nomeadamente, das medidas 4, 5, 6 e 7.

Não tenho conhecimento de nenhuma creche associada à ACPEEP que não tenha aberto em 18 de Maio por decisão dos seus proprietários. Podemos, pois, presumir que essas medidas não estão em vigor nessas creches.

1.5. IPSS’s

A União das Misericórdias Portuguesas (UMP) tem sob a sua tutela 218 creches e jardins-de-infância espalhadas pelo país, com o estatuto de IPSS (instituição pública de solidariedade social).

Graças a este estatuto jurídico, estes infantários recebem do erário público, através do Orçamento de Estado, um apoio financeiro mensal de 274 euros por criança, actualizado para 283 euros em 6 de Abril de 2020 (portaria nº 88-C/2020). Por outro lado, a portaria nº 85-A/2020 de 3 de Abril, permitiu-lhes recorrer ao lay-off simplificado, com a concomitante redução de 1/3 do salário dos seus trabalhadores (educadores de infância, auxiliares de educação, etc.), e à extensão do período de extensão de  isenção do IVA durante o período  de emergência (alínea a do nº10 do artigo 15º do código do IVA).

A UMP já tinha defendido em Abril, pela voz do seu presidente, Manuel Lemos, que as creches deveriam poder abrir em meados de Maio para poderem acompanhar o regresso dos pais ao trabalho nos diversos sectores que, ao longo do mês de Maio, vão retomar a actividade — desde as várias unidades fabris mas também vários tipos de estabelecimento comercial (Público, 29 de Abril).

Em vez de uma data fixa para a abertura de todas as creches, Manuel Lemos, preferia uma solução “à dinamarquesa”: que as creches e jardins-de-infância pudessem abrir progressivamente, logo a partir de meados de Maio, consoante as necessidades e a vontade manifestadas pelos pais das crianças.

Numa zona fabril, cujas unidades começam a reabrir no início de Maio, como em Vizela, por exemplo, há muitos pais que estão a falar com as Misericórdias para se poderem reabrir as creches, porque não têm onde deixar os filhos. E, com cautela e testes, acho que estas creches têm o dever de reabrir, para ajudar a economia.

Apontando o exemplo dinamarquês — «que são os ‘latinos’ da Europa do Norte» — o presidente da UMP admitia, já nessa altura, que estes equipamentos possam aumentar a distância entre crianças de dois para seis metros quadrados, para diminuir o risco de contágio, dizendo acreditar que tal possa acontecer sem necessidade de regulamentação específica. «Vai haver mais gente desempregada, que deixa de precisar de recorrer aos equipamentos e muitos pais que não o quererão e arranjarão outras soluções», admitiu, para considerar que «abrir tudo no dia 1 de Junho, ‘à bruta’, pode não ajudar naquilo que se quer seja a responsabilização dos pais no combate ao contágio» pelo novo coronavírus (Público, ibidem).

O governo parece tê-lo ouvido, visto que decidiu abrir as creches em duas fases: a partir do dia 18 de Maio (alegadamente para os pais mais afoitos ou mais necessitados) e a partir do dia 1 de Junho (alegadamente para os pais mais receosos ou menos necessitados).

1.6. Pais

Os pais com crianças em idade de creche parecem estar divididos em dois grupos — chamemos-lhes o grupo X e o grupo Y — relativamente à reabertura das creches em 18 de Maio. Não tenho os meios de avaliar com rigor o tamanho relativo deste dois grupos, mas o grupo X parece ser largamente maioritário, a fazer fé no número de peticionários.

— Grupo Y: a favor da reabertura das creches em 18 de Maio

De um lado, estão aqueles pais que precisam imperiosamente das creches para poderem regressar ao trabalho e que, por isso, estão dispostos a arriscar deixar os filhos ao cuidado das creches que frequentavam antes da pandemia da Covid-19.

Esses pais fizeram 5 petições que recolheram 814 assinaturas. Reproduzo abaixo as duas petições que recolheram mais assinaturas, Designá-las-ei por petição D (382 assinaturas) e petição E (359 assinaturas).

Petição D: ABERTURA DO PRÉ-ESCOLAR E BÁSICO DIA 18 DE MAIO 2020

Para: Assembleia da República, Governo e Presidente da República
Pela abertura do ensino Pré-escolar e Básico no dia 18 de Maio de 2020

Sabemos agora, com certeza científica, que este vírus não apresenta qualquer risco significativo para as crianças. Especialmente nos mais novos, não existe risco acrescido quando comparado com outras doenças que, nestas idades, matam bem mais do que a COVID-19 como: a meningite, a gastroenterite, as gripes A e B, a pneumonia, as bronquites ou a bronquiolite. E não se fecham as escolas por isso. Não há registo de casos graves de crianças abaixo de 9 anos em todo o mundo, abaixo dos 18 são raríssimos.

O Canadá mudou de estratégia e vai abrir as escolas, dos mais novos para os mais velhos. A Dinamarca, a França e a Holanda também. A Suécia nunca as fechou. A Suíça também vai abrir.

Os mais jovens são peças fundamentais à imunidade de grupo, têm infecção ligeira logo pouco risco de contagiar outros. Tornam-se barreiras à propagação do vírus, fundamentais para os pais voltarem a trabalhar. Também não há qualquer recomendação da OMS para fechar as escolas! O governo deverá abrir as escolas, recomendando o afastamento das crianças dos grupos de risco por mais 2 semanas.

O teletrabalho é uma opção para quem está em casa sozinho ou com crianças mais velhas, não com crianças com menos de 10 anos que requerem atenção permanente.

Tememos pelo desenvolvimento dessas crianças. Pais a trabalhar ao mesmo tempo em teletrabalho dificilmente as podem acompanhar nas suas actividades e até darem a atenção sócio-afetiva de que elas tanto necessitam.

O próprio Jorge Torgal, médico e especialista em saúde pública, e porta-voz do Conselho de Saúde Pública afirma: “Não há inconveniente de maior em abrir creches e infantários.” Defendendo que as escolas deveriam reabrir mais cedo.

Apelamos portanto à abertura o quanto antes do Pré-escolar e do Básico, dado não haver razão nenhuma científica e epidemiológica que prove o contrário.

Cada um deve ter a escolha e a liberdade para poder decidir o que é melhor para si e para os seus filhos. Quem não os quiser levar para a escola deve ser respeitado.

Petição E: REABERTURA DE ESCOLAS, CRECHES E ATL’S

Para: Exmo. Sr. Presidente da República, Exmo. Sr. Primeiro Ministro, Exmo. Sr. Ministro da Educação, Exmo. Sr. Ministro de Estado e Finanças

Excelências,

Nós, Encarregados de Educação, Pais, e Trabalhadores (de todas as áreas), vimos, pelo presente, rogar a reabertura das DE ESCOLAS, CRECHES E ATL'S a partir do dia 01 de Maio de 2020.

Não se compreende que o Governo apele sucessivamente a que “não se deixe de trabalhar”, bem como assim que se perspective a reabertura da economia, MAS que não pondere, igualmente, a reabertura das escolas, creches e ATLs.

É impossível esquecer que não somos só Pais. Somos a força trabalhadora de Portugal. E, o sustento das nossas casas. Como irá ser possível assegurar que os nossos filhos tenham qualidade de vida, se o Estado obriga que alunos/crianças (dos 03 anos aos 12 anos), permaneçam em casa horas a fio, a estudar, onde já encontram enclausurados desde o dia 13/03/2020?

Nós, os Pais, temos consciência que, permanecendo assim; em casa, o nível de concentração e atenção dos N/ Filhos é completamente diferente.

As escolas existem porque as crianças precisam de um espaço para a aprendizagem. E, também para o convívio social; e a necessária interacção humana.

É impossível um crescimento saudável sem a interacção humana. Sem aprender com os outros, e sem estar com os outros.

Não é aceitável exigir que as N/ casas se tornem escolas, e os Pais docentes a tempo inteiro; ou, que os N/Filhos sejam obrigados a permanecer, em casa, sentados, cinco dias por semana, das 9h às 16h, a estudar e a realizar trabalhos. Cuja carga, aliás, fazemos saber, é de todo irrazoável.

A pressão psicológica é já difícil de suportar. Dentro em pouco será insustentável. E, os danos emocionais irreversíveis. E, não falamos apenas dos N/ Filhos. Também nós, os Pais, estamos a ser fortemente afectados.

“Ficar em casa” não é um mundo cor-de-rosa. Não é um Paraíso; onde se pratica a arte de fazer pão e panquecas! Não é um tempo de férias! É um tempo de angústia e preocupações!

O ensino à distância, resumido ao encarceramento em casa, não é a solução.

Para justificar tal decisão, argumenta-se que as crianças são consideradas o grupo principal portador do vírus. Não discordamos. Mas, e os pais, também não o são? Nós, os Pais estamos, também, a sofrer todas as pressões psicológicas imagináveis; com toda a insegurança que trás o Futuro, em relação a postos de trabalho e negócios encerrados.

E ainda, temos uma questão não menos relevante: e as crianças que não têm possibilidade de ter um computador, ou acesso a computador, ou à Internet? O recurso aos CTT é apontado como a solução. Mas, como é público, muitas localidades nem sequer dispõem de posto CTT; sendo obrigadas a deslocar-se a localidades vizinhas. Esta solução parece-Vos uma opção razoável?! Pensamos que NÃO.

Tudo o que foi decidido não faz sentido, sendo certo e inquestionável que as crianças têm que ter o espaço escolar, bem como assim o espaço casa. Ambos são necessários ao seu desenvolvimento pessoal. Não se criam Seres Humanos quando se aniquila o convívio pessoal; a interacção, o “olhar no olhar”.

As crianças NÃO são criminosos (mas, estão a ser tratadas como tal), obrigadas a uma pena de encarceramento (ainda que em casa), e a uma pena de estudo (dada a carga de TPC a que estão sujeitas), sem contacto com colegas (que não virtual; nos casos em tal é possível), sem contacto com amigos (que não virtual; nos casos em que tal é possível), impedidos de sair, de correr ao ar livre, … E, até quando???

Obrigam-se os Pais a serem Docentes. Obrigam-se os Pais a serem Psicólogos. Mas, também se lhes exige que “não parem de trabalhar”!

E, quanto aos Pais que são também professores? E, que têm filhos? Não têm seguramente o dom da duplicação!

Como é possível que se lhes exija que prestem assistência aos Filhos; das 9h às 16h (como Docentes dos seus Filhos), e, em simultâneo, que dêem aulas (como trabalhadores que “não podem deixar de trabalhar”), e que preparem aulas para o dia seguinte. E, que também cuidem da casa, cumpram todas as tarefas domésticas, que preparem refeições; e que vão às compras, …

Ainda: para que os Filhos permaneçam em casa, os Pais também têm que lá estar. O que oferece o estado em contrapartida? Um valor correspondente a um salário mínimo no valor de 635€! Perguntamos: como irá possível sobreviver? Como irão as nossas Famílias sobreviver apenas com 635€?

Há contas a pagar; que não param de chegar (ou que, no limite são “empurradas para a frente” onerando o sobrecarregando o futuro): rendas de casa, contas de água, de electricidade, de gás, alimentação e telecomunicações. Contas que duplicam e engordam a cada dia de confinamento, e apenas em proveito dos rendimentos de empresas privadas com elevados recursos; e sem que sem que o Estado sequer se atreva a impor restrições ou limites.

Ainda: muitos Pais trabalham a recibos verdes, e, neste caso, os apoios não são suficientes, ou são de todo inexistentes. E, aqueles que são pequenos empresários, com negócios? Esses nada recebem.

Tudo isto irá conduzir, e muito em breve, a uma situação generalizada de pobreza extrema. O número de desempregados é já um indicador daquilo que irá ocorrer no futuro. É isto o que se deseja para Portugal?

Como será possível pensar na recuperação da Economia, se não houver trabalhadores; porque estes têm que estar em casa a ser pais e professores e cuidadores?

Por sua vez, o como poderão as empresas laborar, se lhes faltar recursos humanos?
Estamos todos ligados!

Exmos. Srs., queiram perceber que nós, os Portugueses, temos cumprido com todas as medidas, temos aceite as mesmas. Mas, há igualmente que perceber que o País não pode parar, e que as crianças também têm que viver o seu dia a dia, e que não podemos continuar a manter crianças fechadas em casa, findo o estado de emergência. E, que os Pais não podem continuar em casa; que somos necessários à recuperação da Economia.

Noutros países, as escolas começam a reabrir. Porque é que o nosso País não adopta idênticas medidas?

Finalizando, esta petição prende-se com o PEDIDO DE REABERTURA DE ESCOLAS, CRECHES E ATL´S.

— Grupo X: contra a reabertura das creches em 18 de Maio

Do outro lado, estão aqueles pais (incluindo pais que precisam imperiosamente das creches para poderem regressar ao trabalho) que não arriscam deixar os seus filhos ao cuidado das creches que frequentavam antes da pandemia da Covid-19, por entenderem que se trata de um risco demasiadamente elevado.

Esses pais fizeram 30 petições que recolheram um total de 74.072 assinaturas. Reproduzo abaixo as três petições que recolheram mais assinaturas. Vou designá-las por petição A (21.919 assinaturas), petição B  (20.970 assinaturas) e petição C (12.241 assinaturas), respectivamente.

Petição A: ENCERRAMENTO DE CRECHES E PRÉ-ESCOLAR ATÉ SETEMBRO 2020

Para: Assembleia da República Ministério Saúde Ministério Educação País Filhos Encarregados de educação

Abrindo as creches e pré escolar, crianças dos 0-6 anos não têm condições, dado o seu desenvolvimento psico social, para manter as medidas sanitárias impostas pelo sistema nacional de saúde e adequadas a este momento de pandemia.

Petição B: NÃO ABERTURA DE CRECHES, PRÉ-ESCOLAR E ATL’S, PELO MENOS ATÉ SETEMBRO

Para: Exmo. Senhor Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e Sr. Primeiro-ministro António Costa.

Como Mães e Pais preocupados com o bem-estar dos nossos filhos, apelamos desta forma, à não reabertura de creches e jardins de infância/pré-escolar em Maio. Mantenha as instituições, pelo menos, fechadas até ao final do ano lectivo.

As crianças não podem, NEM SABEM manter a distância de segurança, não percebem o porquê de não se poderem abraçar, beijar ou pedir colo. Aliás, estão constantemente em contacto direto com os colegas, educadores e auxiliares. Mesmo lavando as mãos regularmente, nunca estão limpas pois, mexem no chão, nos brinquedos e incluindo, a sola dos sapatos que vêm da rua e poderão assim, conter o vírus Covid-19 ou até, outros vírus que os levem a ficar mais vulneráveis.

Todos nós sabemos que as crianças levam as mãos à boca, ao rosto, ao nariz, etc. Todos sabemos, ou deveríamos, que as crianças são transmissoras dos agentes patogénicos que causam virose e afins, mesmo que com poucos sintomas ou nenhuns. Basta vermos que quando uma criança está doente, maioritariamente todas as que sejam da mesma sala ficam, seja à vez ou não. Infetando também as educadoras e auxiliares que, por sua vez, também vão infetar familiares. Não será preciso explicar que a partir daqui serão várias as cadeias de transmissão. 

É normal quererem retomar a economia, mas não comecem pelo fim ou acabarão com confinamento e com medidas mais severas, e a economia terá novo pico decrescente! Como se costuma dizer, será pior a emenda que o soneto! Apelamos ao vosso bom senso. Quando as crianças ficam doentes, os pais recorrem a baixa paga a 100%, é mais que 66%! Não assassinem de vez a economia (devido a novo surto por levantamento prematuro de certas medidas) e não mandem para a guerra as crianças, que por si só, já têm sido uns HERÓIS. Por Favor, não ponham quem ainda não se sabe defender, na linha da frente!

Creche Portugal dos Pequeninos II. Associação de Socorros Mútuos S. Francisco de Assis de Anta, Espinho

Petição C: ABRIR JÁ CRECHES E POSTERIORMENTE O PRÉ-ESCOLAR, É O MAIOR ERRO QUE PODEM COMETER...

Para: Assembleia da República, profissionais de educação e famílias

Excelentíssimos Sr. Presidente da Républica, Sr. Primeiro Ministro, caras e caros colegas e Famílias:

Venho por este meio, e com argumentos válidos, apelar à não reabertura das creches, Jardins de Infância e ATL’s já em Maio, por considerar precoce a tomada dessa decisão que poderá colocar em causa todo o esforço realizado até ao momento.

Temos todos que nos unir e chamar o nosso governo à razão, por todos os meios possíveis...
Se vão abrir a valência de creche...abram toda a escolaridade, porque começar pelas crianças de mais tenra idade é uma bomba relógio...

Estão a iniciar o processo pela ordem inversa... Lá porque outros países decidiram tomar, irresponsavelmente, essa decisão, isso não significa que seja a correcta.

A Letalidade nas crianças mais pequenas, pode ser menor, mas isso não significa que não sejam infectadas e como todos sabem são um importante vector de propagação do virus, mesmo que assintomáticos em alguns casos. No entanto, é do conhecimento geral que existem diversos casos de crianças infetadas e hospitalizadas, o que deita por terra a teoria de que as crianças são imunes. Não, não são e sim...podem ficar em estado grave o que já aconteceu levando um recém-nascido a desenvolver uma septicemia que felizmente está a evoluir de forma positiva.

O problema aqui não é reabrir as escolas... é sim a ordem pela qual estão a iniciar este processo. Todos nós sabemos que o país terá gradualmente que voltar a uma "suposta normalidade" e não poderemos ficar confinados eternamente. Abrir inicialmente o comercio, onde os clientes são (como tem sido feito até aqui) atendidos um a um, mantendo o distanciamento obrigatório, De seguida e aqui sim relacionado com a educação, abrir faculdades…seguidamente o ensino secundário (jovens adultos e adolescentes que entendem a necessidade de existir esse distanciamento e que são autónomos, conseguem usar uma máscara e entendem o porquê de ter que o fazer). Seguidamente abrir o 3º Ciclo e ir avaliando o progresso desse retorno, também estes entendem a necessidade de usar uma máscara e de manter a distância de segurança. E progressivamente abrir em sentido descendente, até se chegar finalmente ao ensino pré-escolar e às creches.

O que pretendem fazer é descabido...em vez de começarem pelos que têm mais maturidade (os mais crescidos), não... começam pelos mais vulneráveis... aqueles que fazem tudo ao contrário do que lhes dizemos... aqueles cuja primeira palavra que aprendem e a que mais usam é o "não"... os que passam grande parte do tempo ao colo....os que precisam de ajuda para tudo... os menos autónomos... aqueles que põem tudo na boca...os que devido ao facto de terem os dentinhos a romper, estão constantemente a babar-se...e passam o dia a pôr as mãos na boca e a manusear os objectos.... e que devido ao facto de terem uma imunidade mais baixa (sim uma imunidade mais baixa, e a prova disso é que quando as crianças entram para a creche passam a maior parte do tempo doentes, e quando uma criança fica doente... toda a sala fica...incluindo adultos que por tão grande necessidade de proximidade também não se conseguem proteger, apesar de todos os cuidados). 

Os profissionais das salas passam o dia a limpar narizes sem fim... querem mais gotículas??? E a trocar fraldas... e a dar comer à boca... crianças de 1 e 2 anos, comem muitas vezes com as mãos e apesar de toda a atenção possível, dois adultos por vezes não conseguem impedir que 14 crianças vão ao prato umas das outras...

Nas creches as crianças não estão paradas senhor primeiro ministro... nas creches as crianças não ficam onde as colocamos... a creche não é só o berçário... a partir do momento em que iniciam a marcha, as crianças desta faixa etária não param quietas... saltam... trepam... abraçam... beijam... mordem... exploram o mundo com as mãos e com a boca...o facto de colocarem tudo na boca... facilita a propagação do vírus... ou teremos que tirar todos os brinquedos das salas, já por si pequenas... sim...porque a realidade das salas de creche em Portugal, não é igual à da Suécia, senhor primeiro ministro.

E terão as nossas entidades empregadoras capacidade para nos fornecer equipamento de protecção adequado para podermos desenvolver o nosso trabalho em segurança? É que às vezes quase não há para o básico... omeletes sem ovos já nós fazemos todos os dias... agora ao menos que tenhamos segurança... e duvido que neste momento nos consigam dar essa segurança.

E já agora...se um pai trouxer uma criança ao colo... vamos pedir-lhe que a ponha no chão... como se ela ali ficasse quietinha...e que se afaste 2 metros... para que possamos sacar dos nossos braços de Dr. Gadget... “vai, vai braço gadget...” e colocar a criança dentro da sala..... uma em cada canto porque têm que manter a distância de segurança...(como se isso fosse possível com crianças até aos 3 anos, aliás até mesmo aos 6 ou mais)... tirar todos os brinquedos da sala parece-me pouco viável. As crianças põem tudo na boca... e não temos um... temos 14... ou 18... depende da sala em creche...e de 20 a 25 no pré-escolar. Somos dois adultos por sala solicitados constantemente para TUDO, e aqui não dá para dizer “por favor espere pela sua vez sem se aproximar mais que 2 metros”. No que toca ao uso de máscaras expliquem-me por favor como se coloca uma máscara numa criança de 1 e 2 anos e até mais e que a mesma a mantenha na cara... acreditem... não fica lá nem 3 segundos... logo... não se aplica em creche...

Já agora aproveito para esclarecer que nestas idades ainda não existe essa coisa bonita apelidada de etiqueta respiratória... por mais que lhes digamos...as crianças tão pequenas, espirraram e tossem para cima de quem estiver à sua frente... (O que é normal... ainda não há maturidade, capacidade de compreensão... as crianças desta idade não têm noção do perigo)...

Entenderam agora que nesta, mais do que em qualquer outra faixa etária, não só é dificil, como é aliás impossível manter o distanciamento social???

Não existe creche sem colo... nem aqui nem na China... A vertente afectiva é a mais relevante nesta faixa etária. Esta é a etapa do desenvolvimento em que a criança mais depende do adulto e em que o contacto físico é determinante na relação. As crianças e ainda mais as mais pequenas, necessitam de afecto e da proximidade do adulto. As crianças são emotivas e não dispensam um abraço e um carinho... a creche é um lugar de afectos.

Acordem... os países que tomaram essa decisão... infelizmente irão arrepender-se... e ter como base opinião de senhores doutores de gabinete, que não fazem a mínima ideia do que é o trabalho no terreno… que não conhecem a realidade das creches…

Querem agora pôr em risco as boas decisões que tomaram até ao momento, abrindo prematuramente as creches? Algumas localizadas no mesmo espaço físico que lares da 3ª idade?

É pena que não haja a menor noção do que é trabalho em creche... nem respeito pelas crianças, famílias e profissionais que com elas trabalham. A abertura das creches irá criar cadeias de transmissão sem fim… crianças, famílias, profissionais...etc.

Assinem esta petição e façamos chegar a mesma a quem tem poder para reconsiderar sobre este assunto.

Desde já o meu muito obrigada.


2. Caracterização da reabertura das creches em 18 de Maio

2.1. Uma medida descabida e imprevidente 

A decisão de reabertura das creches em 18 de Maio (e o mesmo vale dizer para a data de 1 de Junho) é uma medida descabida e imprevidente, como os autores da petição B e da petição C o mostram muito bem:

As crianças não podem, NEM SABEM manter a distância de segurança, não percebem o porquê de não se poderem abraçar, beijar ou pedir colo. Aliás, estão constantemente em contacto direto com os colegas, educadores e auxiliares. Mesmo lavando as mãos regularmente, nunca estão limpas pois, mexem no chão, nos brinquedos e incluindo, a sola dos sapatos que vêm da rua e poderão assim, conter o vírus Covid-19 ou até, outros vírus que os levem a ficar mais vulneráveis.

Todos nós sabemos que as crianças levam as mãos à boca, ao rosto, ao nariz, etc. Todos sabemos, ou deveríamos, que as crianças são transmissoras dos agentes patogénicos que causam virose e afins, mesmo que com poucos sintomas ou nenhuns. Basta vermos que quando uma criança está doente, maioritariamente todas as que sejam da mesma sala ficam, seja à vez ou não. Infetando também as educadoras e auxiliares que, por sua vez, também vão infetar familiares. Não será preciso explicar que a partir daqui serão várias as cadeias de transmissão.[petição B]

O problema aqui não é reabrir as escolas... é sim a ordem pela qual estão a iniciar este processo (…) Em vez de começarem pelos que têm mais maturidade (os mais crescidos), não... começam pelos mais vulneráveis... aqueles que fazem tudo ao contrário do que lhes dizemos... aqueles cuja primeira palavra que aprendem e a que mais usam é o “não”... os que passam grande parte do tempo ao colo....os que precisam de ajuda para tudo... os menos autónomos... aqueles que põem tudo na boca...os que devido ao facto de terem os dentinhos a romper, estão constantemente a babar-se...e passam o dia a pôr as mãos na boca e a manusear os objectos.... e que devido ao facto de terem uma imunidade mais baixa (sim uma imunidade mais baixa, e a prova disso é que quando as crianças entram para a creche passam a maior parte do tempo doentes, e quando uma criança fica doente... toda a sala fica...incluindo adultos que, por tão grande necessidade de proximidade, também não se conseguem proteger, apesar de todos os cuidados)…[petição C]

2.2. Uma medida descabida e imprevidente, mas não irreflectida

A decisão da reabertura das creches em 18 de Maio é uma medidas descabida e imprevidente, mas NÃO é uma medida irreflectida, como os autores da petição D e da petição E fizeram questão de o vincar:

Para justificar tal decisão [de encerramento dos infantários e das escolas], argumenta-se que as crianças são consideradas o grupo principal portador do vírus. Não discordamos. Mas, e os pais, também não o são? [petição E]

Sabemos agora, com certeza científica, que este vírus não apresenta qualquer risco significativo para as crianças. Especialmente nos mais novos, não existe risco acrescido quando comparado com outras doenças que, nestas idades, matam bem mais do que a COVID-19 como: a meningite, a gastroenterite, as gripes A e B, a pneumonia, as bronquites ou a bronquiolite. E não se fecham as escolas por isso. Não há registo de casos graves de crianças abaixo de 9 anos em todo o mundo, abaixo dos 18 são raríssimos. [petição D]

Mas se, como vimos nas secções anteriores, as crianças das creches não são capazes de respeitar as regras sanitárias básicas (lavagem frequente das mãos, distância  proxémica de 2 metros, etiqueta respiratória, uso de máscara de protecção individual) e podem, por conseguinte, ser facilmente infectadas pelo novo coronavírus; se as crianças infectadas, mas assintomáticas, podem ser veículos silenciosos de contágio de outras crianças, dos profissionais de educação de infância que delas cuidam e dos pais; e se as cantinas das creches IPSS podem facilmente transformar-se num foco de contágio comunitário, porquê, então, reabrir as creches ? 

Há duas respostas possíveis e que não se excluem mutuamente. Uma delas é a que os autores da petição E apontaram sem rebuço:

Como será possível pensar na recuperação da Economia, se não houver trabalhadores; porque estes têm que estar em casa a ser pais e professores e cuidadores? Por sua vez, o como poderão as empresas laborar, se lhes faltar recursos humanos?

Ou seja, «é a economia, estúpido» — como diria Bill Clinton, ex-presidente dos EUA — que justifica a reabertura das creches, não o bem-estar das crianças.

A outra resposta, complementar da primeira, é a que os autores da petição D indicaram com uma mistura inextricável de ignorância atrevida e maquiavelismo patego.

Os mais jovens são peças fundamentais à imunidade de grupo, têm infecção ligeira logo pouco risco de contagiar outros. Tornam-se barreiras à propagação do vírus, fundamentais para os pais voltarem a trabalhar [petição D]

Como se vê, a inversão de valores é total. Às crianças é atribuída a missão de proteger os pais do novo coronavírus SARS-CoV-2, através da chamada imunidade de grupo, em vez de serem os pais a proteger as suas crianças.

A argumentação dos signatários da petição D é semelhante à de Anders Tegnell, o epidemiologista-chefe responsável pela resposta à pandemia da Covid-19 desenvolvida pela Agência de Saúde Pública da Suécia, a qual, neste país (e por imperativo constitucional) decide e actua sem interferência do governo em tudo o que diz respeito à saúde pública, contrariamente ao que sucede com a DGS portuguesa, que tem uma autonomia limitada. 

Anders Tegnell, epidemiologista-chefe da Agência de Saúde Pública da Suécia

2.3. Imunidade de grupo vs imunidade de rebanho

A política do senhor Anders Tegnell na Suécia visa obter um efeito apelidado por muitos comentadores, e por ele próprio, de “imunidade de grupo”. Mas trata-se de uma designação equivocada.

A imunidade de grupo é uma forma de protecção indirecta contra doenças infecciosas que ocorre quando uma grande percentagem da população se torna imune a uma dada doença infecciosa, quer (i) através da vacinação massiva quer, (ii) residualmente, através de indivíduos que foram infectados por não estarem  vacinados, mas nos quais a infecção não teve um resultado fatal.  

A via (ii) é residual, visto que só uma parte desses indivíduos adquire anti-corpos suficientes para lhes conferir uma imunidade mais ou menos duradoura. A imunidade de grupo confere, assim, uma protecção indirecta a indivíduos que não foram vacinados e que não estão imunes, mas que não querem ser vacinados (ou que não tiveram ainda a ocasião de serem vacinados, por esta ou aquela razão). Esta imunidade de grupo é sempre um efeito colateral de uma política eficaz (porquanto cientificamente concebida e eficientemente executada) de prevenção e protecção individual contra o contágio por um agente patogénico altamente infeccioso.

A política de resposta à pandemia que Anders Tegnell preconizou para a Suécia, não tem estas características, visto que, na ausência de uma vacina eficaz contra a Covid-19 (que só poderá estar disponível, na melhor das hipóteses, daqui a 1 ano), faz uma aposta deliberada em conseguir obter pela via (ii) o que só pode ser obtido pela via (i). Por essa razão, a sua política merece uma outra designação. Imunidade de rebanho (Ingl. Herd immunity) parece-me ser um nome adequado, uma vez que trata as pessoas como se fossem ovelhas ou cabras.

Insisto na diferença abissal entre a imunidade de grupo e a imunidade de rebanho. A primeira é um efeito colateral de uma política de saúde que tem como objectivo central obter a melhor prevenção e a melhor protecção imunitária (nomeadamente através de uma adequada cobertura vacinal da população) contra o contágio generalizado por um agente patogénico altamente infeccioso. A segunda é o efeito desejado de uma política de saúde que tem como objectivo central mitigar a expansão generalizada de um agente patogénico altamente infeccioso.

Lembremos em que consistiu, até à data, a política sueca de resposta à pandemia da Covid-19. As mercearias, os minimercados e os supermercados permaneceram sempre abertos na Suécia, tal como em Portugal. Porém, contrariamente ao que sucedeu em Portugal, os infantários e as escolas básicas (mas não as escolas secundárias, dos 15 anos em diante, e as universidades) permaneceram também abertos, tal como os restaurantes, os bares, os cafés, as lojas, os cabeleireiros, os cinemas, os ginásios, as piscinas públicas, as bibliotecas e os clubes nocturnos. Proíbidos foram, apenas, os ajuntamentos de mais de 50 pessoas e as visitas a lares de idosos. As pessoas com mais de 70 anos, as pessoas pertencentes a grupos de risco e as pessoas que adoeçam foram aconselhadas a não sair de casa. A distância proxémica (de 1m e 82cm entre as mesas de um restaurante/café/bar, não especificada entre as pessoas) é recomendada, mas não o uso de máscara em espaços públicos fechados ou muito frequentados.


Estocolmo. Pessoas disfrutando do sol na esplanada de um restaurante sem aparente preocupação de respeitar a distância proxémica, apesar da contínua expansão da doença conhecida como Covid-19. Foto Reuters.

Anders Tegnell, o responsável por esta política, é um homem muito parco e cuidadoso com as palavras. Nunca o ouvimos dissertar sobre a imunidade de rebanho e não é de esperar que alguma vez o faça. A explicação mais longa e explícita que fez sobre esse aspecto central da sua política de saúde foi a seguinte:

A imunidade de rebanho não é uma política pública, é um estado de coisas que se pode conseguir. Nós queremos que as pessoas sejam infectadas no menor número possível, a uma cadência lenta, para que o serviço de saúde consiga aguentar (Jenny Anderson. The Road not really taken. Sweden’s very different approach to Covid-19. Quartz, April 27, 2020).  

Mesmo assim,Tegnell diz esperar que em Estocolmo, onde existe a mais alta densidade populacional da Suécia, possa haver algum tipo de imunidade de rebanho brevemente, conjecturando que esta possa durar até seis meses. Que provas existem que corroborem esta conjectura? Nenhumas. Qual é a percentagem da população que tem de ser infectada para que possa haver imunidade de rebanho ? Tegnell não nos diz e julgo que nunca o dirá (ver-se-á porquê mais adiante) . 

Mas o seu colega, Sir Patrick Vallence, conselheiro científico principal do governo britânico de Boris Johnson, foi bem mais directo e explícito quando declarou à estação de televisão Sky News, no dia 13 de Março de 2020, que seria necessário que o coronavírus SARS-Cov-2 infectasse 60% da população do Reino Unido para se conseguir a almejada imunidade de rebanho nesse país (https://www.youtube.com/ watch?reload=9&v= 2XRc389TvG8a parte relativa a esta declaração começa aos 4 minutos e 45 segundos).

Para termos uma ideia do que isto significa concretamente, nada melhor do que raciocinar sobre um exemplo. Nova Iorque foi a cidade dos EUA mais atacada pelo novo coronavírus. Cerca de 12,3 % da população já tinha anti-corpos contra este vírus no princípio de Maio (e, portanto, já tinha sido infectada por ele numa data anterior), segundo um inquérito feito pelo gabinete do governador do Estado de Nova Iorque (https://www.governor.ny.gov/news/amid-ongoing-covid-19-pandemic-governor-cuomo-announces-results-completed-antibody-testing). Se admitirmos, como afirmou Sir Patrick Vallence, que a imunidade de rebanho se consegue quando 60% da população cria anti-corpos capazes de a protegerem do vírus sem necessitar para isso de uma vacina, isso significa que Nova Iorque ainda só percorreu pouco mais de um sexto do caminho para chegar a essa meta. Ora, como até agora morreram de Covid-19, na cidade de Nova Iorque, cerca de 250 pessoas por 100 mil habitantes, e como há ainda milhões de habitantes dessa cidade susceptíveis de apanhar e de transmitir o vírus, isso significa que muitas dezenas de milhares terão de morrer até se conseguir alcançar a mirífica imunidade de rebanho... 

2.4. Os resultados da Suécia

Bem entendido, a declaração de Sir  Patrick Vallence foi feita antes do Reino Unido (e com ele a Holanda) ter arrepiado caminho perante os resultados da sua estratégia de imunidade de rebanho, deixando a Suécia sózinha.

Foi um tempo difícil para a Suécia, porque antes tínhamos o Reino Unido do nosso lado, ou do mesmo lado. Para mim, era mais fácil dizer: “Estamos a fazer o mesmo que a Inglaterra.” Mas, de repente, quando apareceu o famoso artigo científico do Imperial College, fizeram uma inversão de 180 graus. Isso foi mau para nós (Público, 3 de Maio de 2020)

Este foi o desabafo do médico e epidemiologista sueco Johan Giesecke, professor emérito do Instituto Karolinska, em Estocolmo, consultor da Agência de Saúde Pública da Suécia, que ajudou a definir a estratégia de Anders Tegnell. Tanto Giesecke como Tegnell afirmam que o número de mortos por Covid-19 não deve ser contado agora, mas só daqui a dois anos, e que, nessa altura, o número de mortes será quase o mesmo em quase todos os países da Europa. Veremos se assim é.

O que vale a pena salientar é a razão de ser da preocupação destes dois homens em adiar um veredicto sobre a sua política para daqui a dois anos. É que os resultados actuais dessa política são desastrosos.  Em 30 de Maio, a Suécia tinha 435 mortes (por Covid-19) por 1 milhão de habitantes. Pior, na Europa,  só a Bélgica (816 mortes por 1 milhão de habitantes), a Espanha (580 mortes por 1 milhão de habitante), o Reino Unido (566 mortes por 1 milhão de habitantes) e a Itália (551 mortes por 1 milhão de habitantes). Na mesma data, a Suécia tinha um total de casos confirmados de infecção pela Covid-19 de 3.377 casos por 1 milhão de habitantes. Pior, na Europa, só a Espanha (6.024 casos por 1 milhão de habitantes), a Bélgica (5.022 casos por 1 milhão de habitantes), o Reino Unido (4.021 casos por 1 milhão de habitantes) e a Itália (4.448 casos por 1 milhão de habitantes).

A comparação com Portugal — que só esteve numa situação idêntica à da Suécia antes de 16 de Março e que só estará de novo numa situação de desconfinamento semelhante à da Suécia a partir de 1 de Junho  (se fizermos abstracção do uso obrigatório de máscara em recintos públicos fechados) — é instrutiva, porque Portugal e Suécia têm aproximadamente a mesma população (10.293.800  habitantes e 10.175.214 habitantes, respectivamente, segundo a Pordata), embora a densidade populacional da Suécia (20,6 habitantes por Km2), seja muito menor do que a de Portugal (111,5 habitantes por Km2). Acresce que mais de metade dos lares suecos são constituídos por um único adulto, sem crianças. Este facto e a baixa densidade populacional deveriam favorecer muito a Suécia, relativamente a Portugal, no combate a uma pandemia provocada por um vírus que se propaga principalmente por meio de gotículas inaláveis.  Mas não é isso o que constatamos.

30 de Maio 2020. 
Fonte Worldometer
Nº de casos confirmados da Covid-19
Nº de mortes Covid-19
Nº de doentes Covid-19 internados em cuidados intensivos
Nº de recuperados
Nº de mortes por 1 milhão de habitantes
Nº de testes por 1 milhão de hab.
Suécia
37.113
4.395
190
  4.971
435
23.658
Portugal
32.203
1.396
  66
19.186
137
78.030
.
Nem todos os peritos de saúde suecos concordam com a abordagem de Tegnell. Numa carta aberta, dois mil cientistas pediram à Agência de Saúde Pública da Suécia que reconsidere e imponha medidas mais estritas. «Quantas mais vidas estão dispostos a sacrificar só para não termos isolamento e arriscar efeitos na economia?», perguntou Joacim Rocklöv, professor de epidemiologia da Universidade Umea (Maria João Guimarães. A experiência arriscada da Suécia com a Covid-19. Público, 31 de Março de 2020).

Um parque no centro da capital sueca, Estocolmo, durante a pandemia da Covid-19. © EPA, Henrik Montgomery

2.5. Veredicto

Temos agora elementos suficientes para apreciar a justeza do veredicto de uma das educadoras de infância com quem já nos cruzámos na secção 1.3, sobre o modo de encarar a reabertura das creches em 18 de Maio (ou em 1 de Junho).

«Acho que devíamos esperar mais, é precipitado abrir já», diz a educadora Marta Parracho, tendo em conta que «todos os critérios que nos garantem a não propagação do vírus não são exequíveis de ser realizados» na creche.

É um facto.

No entanto, a educadora de infância acredita que a abertura já em maio pode ter outro motivo. «Eu sei que nós não estamos todos em casa para prevenir o contágio, mas sim para atenuar a curva e para que isto aconteça de forma gradual. Por isso não sejamos hipócritas, se calhar o que se quer com isto é mesmo contagiar e começar pelos mais pequenos, que não têm uma taxa de complicações tão grande» (Educadores contra reabertura das creches. “São lugares de afetos. É impossível existir distanciamento social”, MAAG, 24 de Abril de 2020).

Esta conjectura de Marta Parracho — segundo a qual há quem considere a reabertura das creches em 18 de Maio (ou agora, em 1 Junho) como um excelente meio para promover a imunidade de rebanho — pode parecer, à primeira vista, fantasiosa. Porém, essa impressão desvanece-se se levarmos em linha de conta as afirmações dos signatários da petição D, que citei no fim da secção 2.2, sobre “os mais jovens como peças fundamentais à imunidade de rebanho”, e a experiência sueca que tais afirmações parecem glorificar.

3. Sobre as Medidas de Prevenção e Controlo da DGS  

As medidas de prevenção e controlo em creches, creches familiares e amas que a Direcção-Geral de Saúde (DGS) emitiu em 13 de Maio para permitir a sua reabertura a partir de 18 de Maio suscitaram, como vimos, várias críticas.

Mas há críticas e críticas. Salvo melhor informação, tenho para mim que a melhor crítica (a mais completa e pertinente) que foi feita a essas medidas da DGS tem por autora a professora Ana Bela Baptista da Silva, uma amiga e ex-colega que é uma especialista nesta matéria, coisa que eu não sou. Os leitores interessados poderão consultar o seu último livro, “Bebés Exploradores e Cientistas Curiosos”: O Nosso Bebé, Lisboa, Chiado Editora, 2014.  

Pedi-lhe autorização para reproduzir aqui dois textos seus (Carta Aberta e Regressar à creche), que me foi prontamente concedida. Aqui ficam esses textos, com a devida vénia.
……………………………………………………………………………..

Carta Aberta

Caros Colegas e amigos Educadores de Infância

Desejo sinceramente que se encontrem bem e cheios de força para a elaboração deste vosso trabalho.

Começo apenas por referir, de modo muito sincero, o que penso sobre alguns aspetos que me têm preocupado, nestes tempos difíceis para todos nós e que precisamos de encarar com coragem e muita responsabilidade enquanto educadores de infância.

Exprimo a minha admiração e respeito por saber que estão hoje a elaborar um trabalho muito sério e fundamentado em defesa dos mais pequenos. Contudo, não posso deixar de referir a minha preocupação por não nos termos antecipado, dando assim oportunidade à divulgação de medidas a tomar e ao estabelecimento de datas para abertura de creches e jardins de infância no nosso país.

Como não sou técnica de saúde e respeito aqueles que sabem mais do que cada um(a) de nós sobre esta nova doença que afeta hoje o nosso mundo, resta-me  acreditar que as medidas inicialmente preconizadas pela DGS, ouvidos os serviços da Segurança Social e de outras entidades, Associações, Direções de estabelecimentos, etc., preconizam  aquilo que consideraram essencial para preservar a saúde física  das nossas crianças —  crianças com idades consideradas, até ao momento, pela generalidade dos técnicos,  pouco vulneráveis à perigosidade deste vírus. Contudo, casos recentes começam a pôr em dúvida esta aparente evidência, uma vez que o vírus  pode atingir gravemente crianças muito jovens como é o caso da doença Kawasaki  (caso em internamento no Hospital de Dona Estefânia)  e que, segundo Cuomo 2020, é uma «síndrome que  representa um risco emergente para as crianças … antes  consideradas… imunes a casos graves da Covid-19, doença respiratória causada por  (este)  vírus».

Sei bem que me poderão dizer: em Portugal é só um”, mas eu sinto que deverei responder: “em Portugal é já um”!

Mas voltando ao que dizia antes; desde há alguns dias tenho publicado na minha página do Facebook várias questões que me levam a discordar em absoluto da abertura das creches neste momento. As razões alegadas têm sido por mim mencionadas e não as irei referir de novo.

Embora compreenda a necessidade das famílias que vão trabalhar e mesmo aceitando que este possa não ser o momento de pensar na creche como sendo prioritariamente um Direito da criança, julgo que, se tivesse havido uma posição atempada pela parte dos Educadores de Infância, talvez as medidas económicas de apoio às famílias de crianças de creche pudessem ter sido prolongadas mais uns tempos, evitando-se tornar pública esta aparente concessão da nossa parte.

Apercebi-me, agora, que a DGS já recuou em algumas normas como, por exemplo, o uso das máscaras em crianças com menos de 10 anos (norma que ficou no tinteiro) e o distanciamento de 2 m entre as crianças, que passou para 1,5 m. Mas pergunto: o que adianta esta última alteração, digam lá? Enfim, o bom senso deve prevalecer, mas o que é objetivamente o bom senso para cada um de nós? Redução dos grupos? Para quantas crianças por grupo? Divisão dos grupos? Noutras salas? Com que pessoas? Redução do número de horas de permanência? Entrada dos pais com precaução? Entrada do objeto de apego? E a chucha de casa? Tudo isso podemos pensar …Mas mais do que isso, mesmo que apenas tenhamos 3 crianças na sala (uma vez que o bom senso dos pais parece estar a emergir), como evitar que se toquem, que explorem o espaço em conjunto, que respirem umas para as outras, que espirrem, tussam, chorem?

Bom senso, a meu ver, será pensar que, depois de dois meses de confinamento com os pais em casa, uma integração na presença das famílias se impunha; mas a entrada das famílias não será um risco para a saúde de todos?  Se sim, como podemos assumir que os pais devem permanecer na sala? E se surgir a doença? Quem tem a responsabilidade se tal acontecer porque propusemos esta alteração? 

Amigas, quanto à creche e às necessidades das crianças até aos 3 anos, tenho escrito na minha página de Facebook alguns textos que aqui já não vou colocar, porque sei do conhecimento e sabedoria de todas vós sobre esta matéria. Assim, resta-me terminar pedindo desculpa por não enviar sugestões para a abertura da creche, uma vez que discordo em absoluto com tal medida, neste momento.

No que respeita o jardim de infância, considero ser uma questão bastante diferente, embora reconheça as enormes dificuldades que se colocam a todos os colegas a trabalhar nesta valência. Assim penso que a maioria das recomendações da DGS devem ser escrupulosamente cumpridas, com exceção do distanciamento físico das crianças, por ser impossível, mas com a atenuante de que, neste caso, as crianças não têm de usar máscara. Daí a minha primeira sugestão:

Antes da vinda das crianças:

Começar já a contactar com as famílias de modo a que os pais, de uma forma lúdica, possam começar a incentivar as crianças, em casa e nos passeios, a usar sempre a máscara, a tirá-la preferencialmente apenas para comer e dormir. Este poderá ser um hábito saudável a ir construindo com as crianças, com o apoio das famílias.

Em toda a instituição, começar antecipadamente a preparar com todos os requisitos de saúde indicados pela DGS, assim como ir formando todo o pessoal para os procedimentos necessários.

Na sala

Estando as educadoras e as auxiliares de máscara, esta barreira protectora poderá ser o pretexto que permita, eventualmente, começar a preparar alguns jogos em que a máscara é protagonista.

Começar a preparar novas áreas e materiais que incentivem as crianças a brincar simbolicamente em pequenos grupos — p. ex. área dos bombeiros, dos enfermeiros com fatos de plástico, aventais, pequenas máscaras para as bonecas, etc.

Outras áreas como a das expressões, com outros materiais que incentivem à construção e à expressão, que possam ajudar as crianças a expressar muitos sentimentos.

A seleção dos livros …

Novos materiais para as dramatizações são também muito importantes …

Mas todas vós sabeis tanto ou mais do que eu e se coloco aqui algo é apenas para, mais uma vez, marcar a diferença entre as duas valências. Em relação às crianças da creche, sabemos que a sua aprendizagem está na exploração boca, mãos, corpo todo, no toque e na interação, ao passo que no jardim de infância (embora elas precisem de tudo isso) a riqueza do jogo simbólico poderá ajudar a colmatar algumas destas dificuldades que a defesa da saúde das crianças nos impõe.

Então, no caso dos jardins de infância, arrisco acrescentar mais algumas condições que acharia importantes a uma eventual abertura a partir do dia 1 de Junho:

Horários horário estabelecido para a rede pública extensível às instituições particulares com ou sem fins lucrativos.

Número de crianças – Redução do número de crianças desdobramento dos grupos ou por salas ou por turnos.

Penso que é tudo.

Desejo a todos um bom trabalho e muita coragem, porque tudo isto é ainda desconhecido, não se trata de uma gripe, mas de um vírus novo sobre o qual os cientistas, com humildade, referem ainda pouco saber.

Resta ainda dizer o seguinte:  o cuidado com as crianças hoje, o fazer o que conscientemente considerarmos ser o mais adequado, é o que nos é pedido e eu sei que vocês, educadores a trabalhar no terreno, estão sempre dispostos a assumir tudo com ética, conhecimento e amor pelas CRIANÇAS.

A todos, BEM HAJA.

Ana Bela Baptista da Silva

Lisboa, 12 de Maio de 2020. Esta carta foi revista e actualizada em 29 de Maio de 2020.

Creche do infantário O Paião, 2016.

REGRESSO À CRECHE

Chamo-me Manel e tenho quase 17 meses. Amanhã vou regressar à minha creche. Estou cheio de alegria, vou brincar com os meus amigos e com a nossa querida Maria. A mochila já está pronta com tudo o que eu preciso: almofada para me sentar, onde a mãe colou um coração e o meu nome, a bola macia com que gosto de dormir, a minha chucha, a minha garrafa de água e a caixa das bolachinhas. . .

Hoje acordei muito cedo, estou com pressa de chegar e, depois do pequeno almoço, de dizer adeus à mamã e ao mano, lá vou eu para o carro, com a mochila às costas. Na cadeirinha de trás do carro, eu só quero conversar, mas o papá nada diz, parece preocupado. Eu vou portar-me muito bem, digo eu para o animar, mas ele às vezes ainda não percebe muito bem as minhas palavras.

Chegada

Num instante chegamos à porta da creche. Tenho pressa de sair do carro para entrar e mostrar a minha linda sala ao papá e mostrar o papá à Maria e aos amigos.

Mas, quando chegamos à porta da creche fiquei com o coração um pouco apertado.  Não estava a conhecer a minha creche, o que teria acontecido? No chão, umas fitas vermelhas que o pai não podia pisar, e por mais que eu o puxasse ele não quis entrar. A Isabel estava à porta com a cara toda tapada. Eu nem a conheci logo e só me lembrei que era ela quando me disse, «olá, querido Manel! Que bom te ver por cá». Eu quis logo abraçá-la, mas ela fugiu de mim, tirou-me os sapatos, e a mochila, que foi dada de novo ao papá. A mochila não podia entrar. Eu comecei a chorar e o papá fugiu de mim, que mal teria eu feito? Até o papá estava triste. Ainda lhe quis pedir desculpa, mas ele já tinha partido.

Cheguei à minha linda sala

Finalmente, ia ver os meus amigos e a minha querida Maria. O meu coração já estava contente de novo, só de pensar poder a todos abraçar.

A sala estava diferente. Tinha um cheiro esquisito de que não gostei muito. Tinha sido tudo mudado. Parecia mais triste a minha querida sala, sem brinquedos pelo chão. Para onde teriam ido os meus brinquedos preferidos?  E as massas de muitas cores para eu poder brincar, devia estar tudo noutros sítios. Mais importante eram os amigos e a Maria. Eram poucos os amigos, só estavam lá o João, a Sónia e a Cláudia. Não pareciam muito felizes com o jogo que a Maria estava a jogar, todos sentados numa roda esquisita em que não se podiam tocar. A Maria não me veio abraçar. Vi nos seus lindos olhos tristes que gostava de me ver. Também tinha a cara tapada. Mas que jogo tão esquisito!!

O João chorava muito, a Claúdia não queria tirar a mão da boca, sem parar de querer chuchar, a Sónia fazia birra pois não se queria sentar. Eu lá fui para o pé deles, gostava de ir para o lado do João, mas fui rapidamente afastado para não lhe poder tocar. Depois desse jogo estranho, que não gostei de jogar, a Maria falou connosco com a sua linda voz que serviu para me acalmar. O que disse não percebi bem, apenas que não devemos brincar muito juntos, e os jogos que mais gostamos de jogar, ou seja, rebolar no chão, abraçar, beijar, apanhar …não podíamos jogar!!

Depois começou a cantar e foi bom mesmo bom, mas durou pouco tempo — a Cláudia sempre a chuchar, a Sónia a fugir, a correr e a rebolar e o João a chorar. Depois pudemos ouvir a música a tocar e eu dancei muito. Queria dar as mãos à Maria para podermos dançar, mas ela não lhe apeteceu e eu lá pulei e dancei sozinho por toda a sala; não foi mau. Assim foi correndo a manhã, veio a maçã para comer, a fralda fomos mudar e o momento mais divertido ia agora chegar. Lavar as mãos com outro menino ao nosso lado era o que costumávamos fazer, mas tivemos de ir à vez porque, ao que percebi, a casa de banho é pequena e ficaríamos muito perto dos amigos. Mas lavar as mãos, de que tanto gosto … e já sei fazer bem, não foi assim tão divertido. A Isabel esteve a ensinar a ensaboar bem as mãos com cuidado para não molhar as pantufas da sala. Cara lavada, fralda mudada, peixinho e sopa comida…teria sido mesmo bom se a Cláudia não continuasse a chorar. «Mamã! Mamã!» gritava ela. A Isabel perdia a paciência e a Maria tentava acalmá-la: «A mamã vem logo, agora vais comer um bocadinho, depois dormir e depois vem a mamã». Mas ela é mesmo bebé e continuava a chuchar nos dedos … até que começou a vomitar. A Isabel pegou nela e ela a espernear puxou a máscara à Isabel, vomitou para cima dela … ela ficou muito aflita. Enfim, uma cena muito feia de se ver!

A Maria levou-nos para a cama…, mas, afinal, a minha cama com a minha bola de dormir não estava lá. Fiquei assustado. Talvez fosse um novo jogo. Tentei acalmar-me. As camas eram colchões. No colchão mais perto do meu ficou o João, mas eu só lhe via os pés … onde estaria a cabeça do João? [1] Resolvi ir procurar. Sentei-me, o João sentou-se ao mesmo tempo e começou a gatinhar e foi mesmo giro quando chocámos os dois. Começámos a rir. A Maria não gostou do nosso jogo. Ficou muito zangada e mandou-nos deitar. Não percebo porque é que a Maria está tão triste; ela não costumava ser assim. Fiquei preocupado e prometi não ser mau mais nenhuma vez. O sono não vinha, mas eu não me mexia. A Sónia começou a fugir … a Cláudia não parava de chuchar e o João de chorar e eu não me quis mexer. Fingi adormecer para não aborrecer a minha querida Maria. Depois da sesta tudo se repetiu. O iogurte e a bolachinha bem boa que gostei de comer, a fralda mudada e as mãos a lavar, sempre com a Isabel a ensinar. Eu já sabia, mas nada disse. Depois foi de novo cantar. Eu queria fazer um desenho para o meu irmão e a Maria deixou. Gostei tanto daquele bocadinho que até parece que o dia passou mais depressa. Eu queria regressar para oferecer o meu desenho ao meu mano

Não quero voltar àquela creche

O papá chegou logo e de imediato, lá fui eu a correr para o abraçar. Mas na linha vermelha tive de parar. Depois, foi descalçar os sapatos e calçar as botas, pegar na mochila que estava guardada para lá da linha vermelha com o meu papá. Com o desenho na mão já estava quase a sair, quando a Isabel me disse que o desenho não podia ir. Foi aí que a birra chegou esperneei sem parar. Quando cheguei a casa ainda estava tão zangado pedindo, suplicando para amanhã não voltar àquela creche que não conhecia e de que já não gostava.

Ana Bela Baptista da Silva

Lisboa, 14 de Maio de 2020. Este texto foi revisto em 29 de Maio de 2020.

Nota

[1] Esta passagem alude à seguinte medida da DGS: «8.c. Os catres (colchões) devem ser separados, de forma a assegurar o máximo de distanciamento físico possível, mantendo as posições dos pés e das cabeças das crianças alternadas» (orientação nº 025/2020).

Perguntei à professora Ana Bela Baptista da Silva, através do correio electrónico, qual era a sua opinião sobre esta medida, que a Directora-Geral da Saúde, dra. Maria da Graça Gregório de Freitas, apresentou como sendo uma solução muito óbvia e prática para manter a distância física das crianças durante a sesta, numa das habituais conferências de imprensa diárias da DGS sobre a Covid-19. A resposta que ela me deu foi a seguinte: 

«Na minha opinião, e até por alguma experiência, as crianças, quando estão nos colchões, tendem a levantar-se, principalmente nestas circunstância em que estão de novo a integrar-se na creche. Se se puserem os colchões a uma distância conveniente, elas podem olhar-se e comunicar cara a cara umas com as outras, sentindo-se mais calmas. Claro que também podem começar a querer falar um bocadinho — o que a meu ver não fará muito mal — falarem um pouco, rir ... até vir o sono (e como estão a uma distância de segurança, não correm risco de as partículas respiratórias se misturarem) se a educadora se  mantiver a calma, e os acalmar. Com a inversão de posições, as crianças apenas vêem os pés da criança mais próxima e pode haver a tentação de se sentarem, ou mesmo de se levantarem para ir ter com os amigos cara a cara. Claro que isto pode ser discutível, mas é assim que penso e acredito. Um abraço».