“Hackers”, “crackers”
e “whistleblowers”
José
Manuel Catarino Soares
Clara Ferreira Alves
(CFA, para abreviar) define-se como «uma sujeita
que vende opiniões.»
«Como
toda a gente sabe, eu vendo opiniões. Há quem as dê, quem as registe, quem as
tome como quem toma um remédio ou um elixir. Eu vendo» (CFA, Estado de Guerra, 2012).
A opinião sobre J. Assange de uma sujeita e de um sujeito que vendem opiniões
Em 12 de Abril
de 2019, CFA vendeu à SIC-Notícias a sua opinião sobre Julian Assange e sobre a
sua prisão:
Assange
começou por ser um hacker
cotadíssimo, cometendo vários crimes enquanto hacker. Depois passou a ser guru de um movimento internacional,
voltando a cometer mais crimes, até passar a ser o chefe dos trolls do sr. Putin e com uma manobra
obviamente encomendada e paga por Moscovo, a divulgação dos mails da sra. Clinton, destruiu qualquer
hipótese de ela ser eleita e elegeu o sr. Trump, que lhe deve estar grato, porque esse factor, entre outros factores,
foi fundamental para eleger Donald Trump. O sr. Assange, em minha opinião, hoje
é um lunático que está convencido que é [???? palavras ininteligíveis]. Foi apanhado. Só tenho dúvidas que ele deva ser
extraditado. Mas, enfim, as leis são para se cumprir.
Mas
não é um dia negro para a liberdade? pergunta o moderador do
programa Eixo do Mal.
É um dia
negro,
responde CFA, porque ele próprio [Assange] está a ver sair o fumo por debaixo da porta. Os Estados
Unidos, seja quem for que esteja na Casa Branca, nunca desistem de ir atrás dos
seus inimigos. Basta ver a história da Alcaida e do sr. Bin Laden. O sr.
Assange vai dormir mal a partir de agora. Não vai ter a sorte de Chelsea
Manning.
Ouçamos agora Paulo
Portas (PP, para abreviar), um sujeito que também vende opiniões, como diria
CFA, mas numa estação de televisão concorrente. Em 14 de Abril de 2019, PP
disse o seguinte sobre Julian Assange na TVI:
Falemos com
franqueza: este senhor é mais herói ou mais vilão? Eu nunca achei que ele fosse
herói (…) Há uma coisa que me escapa: por que é que roubar uma loja é um crime
e roubar documentos não é um crime e passa às vezes por ser uma proeza? (…) Depois, como ele [Assange] é muito narcisista, transformou-se, como é normal nas
pessoas muito narcisistas, num manipulador. Ele foi muito acolhido pela
esquerda ocidental quando fez a divulgação de documentos do departamento de
Estado e de segredos de Estado sobre a questão do Afeganistão e do Iraque, mas
depois o feitiço virou-se contra o feiticeiro, porque ele é um dos principais
responsáveis pelo desastre da campanha de Hillary Clinton. Ele fez sair 30.000 emails roubados ao Partido Democrata e
eu diria o mesmo verbo, roubar,
porque é isso que é, vamos lá ser claros, se acontecesse com o Partido
Republicano. A acusação americana [que agora lhe é feita] é de conspiração para ser um hacker
ou ajudar um hacker, e o que é mais
curioso é que ele, que pretende ser um herói da liberdade de expressão no mundo
inteiro, é hoje em dia, tal como Snowden, muito protegido. Por quem? Por Putin.
Que cada um tire as lições que quiser…
Com certeza, vamos então
a isso. Mas, primeiro que tudo, convém restabelecer os factos que CFA e PP
omitem ou truncam.
Um rapto e um sequestro
inéditos
Em 11 de Abril último, o
australiano Julian Assange, fundador e director da WikiLeaks, foi arrebatado da
Embaixada do Equador em Londres por agentes à paisana de uma polícia secreta
britânica, sequestrado numa carrinha e levado para parte incerta sob o olhar
complacente de alguns bobbies
fardados. Assange vivia há 7 anos nessa embaixada, onde tinha sido acolhido
como refugiado político em 19 de Junho de 2012, temendo ser deportado para a
Suécia e, a partir desse país, ser entregue ao Departamento de Justiça e ao FBI
americanos, que investigavam a WikiLeaks.
Inicialmente, as
autoridades governamentais do Reino Unido afirmaram que o motivo deste rapto e
sequestro seria o facto de Assange ter desobedecido, há 7 anos, às condições da
sua fiança, quando, em vez de aguardar em prisão domiciliária a decisão de um
tribunal britânico sobre um pedido de extradição feito pelas autoridades
judiciais suecas, optou por entrar na embaixada equatoriana para receber asilo
político. Porém, em Maio de 2017, as autoridades judiciais suecas arquivaram
definitivamente o seu processo contra Assange e revogaram o pedido de
extradição por terem reconhecido a inconsistência das queixas de teor sexual
que lhes tinham dado origem. A justificação oficial britânica para o rapto e
sequestro era, pois, patentemente falsa. Menos de uma hora depois, a Polícia
Metropolitana de Londres emitiu um comunicado reconhecendo que Assange foi
preso a pedido do governo americano, que fez um pedido de extradição para os
Estados Unidos, onde ele é acusado de «conspirar
para violar um computador ao ter concordado em quebrar a senha de um computador
do governo americano.»
A acusação refere-se à
revelação pela WikiLeaks,
transmitida a 6 grandes jornais ‒ de Espanha (El País), França (Le Monde),
Alemanha (Der Spiegel), Reino Unido (The Guardian), EUA (The New York Times) e México (La
Jornada) ‒ de 250 mil telegramas do Departamento de Estado dos EUA,
ocorrida em 2010. Chelsea Manning (na altura Bradley Manning), uma analista de
informação do Exército dos EUA, foi acusada de ser a fonte da entrega dos
documentos à WikiLeaks, assim como de documentos referentes às guerras
do Iraque e do Afeganistão que atestam torturas e muitos crimes de guerra cometidos
contra civis pelas tropas americanas, como o vídeo “Collateral
Murder.” Por esta conduta, Manning foi condenada, num julgamento
secreto, a 35 anos de prisão por um tribunal militar. Cumpriu 7 anos de prisão
antes da sua pena lhe ter sido comutada pelo ex-presidente Obama. Saiu em
liberdade em 17 de Janeiro de 2017, mas foi de novo presa em 8 de Março último
e confinada a uma cela solitária por negar-se a testemunhar contra Assange no
mesmo caso.
Os inimigos da
liberdade de expressão e de informação só têm a força das armas do seu lado
As revelações que deram
fama mundial à WikiLeaks,
a Julian Assange e a Chelsea Manning, granjearam-lhes também, como se vê,
poderosos inimigos, entre os quais, os governos dos EUA (desde 2007), os
governos do Reino Unido (desde 2010) e o actual governo do Equador.
Assange sempre afirmou
que temia ser extraditado para os EUA se fosse extraditado para a Suécia, razão
pela qual pediu asilo político na embaixada do Equador. Foi acusado, por isso,
de ser paranóico e de se dar ares de mártir da liberdade de expressão. A
acusação e o pedido de extradição do governo Trump mostram, porém, que fez uma
avaliação certeira dos perigos que o ameaçam. Se for extraditado para os EUA,
arrisca-se a ser falsamente acusado de mais “crimes”, além daquele que lhe é
imputado actualmente, à luz do Espionage
Act de 1917, os quais lhe poderiam valer a prisão perpétua e, no pior dos
casos, a pena de morte. Isso não impediu um juíz britânico, um tal Michael
Snow, de declarar numa audiência preliminar com Assange que teve lugar uns dias
depois do seu rapto e sequestro: «o comportamento
do sr. Assange é o de um narcisista que não consegue ir além dos seus próprios
interesses egoístas.»
O juíz Michael Snow
talvez não saiba, por nunca ter lido o parecer nº 54/2015 do GTDA, mas
comportamentos como o seu são um motivo de vergonha e embaraço para o escol da
sua profissão, por ilustrarem bem a prepotência pseudolegal com que o governo,
as polícias e os tribunais britânicos têm tratado Julian Assange nos últimos 9
anos.
O Grupo de Trabalho da ONU Contra Detenções Arbitrárias (GTDA, para
abreviar) é constituído por eminentes especialistas em Direito Internacional de
várias nacionalidades que são independentes de qualquer governo e que trabalham
pro bono no âmbito do Conselho dos
Direitos Humanos da ONU, sem receber qualquer salário.
Em Dezembro de 2015, o
GTDA, divulgou o seu parecer nº 54/2015. Nele se reprova o comportamento dos
governos da Suécia e do Reino Unido por violarem reiteradamente os artigos 7,
13, 14, 18, 19, 20 e 21 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; os artigos
12, 18, 19, 21, 22, 25, 26 e 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos; o artigo 6 da Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e
Liberdades fundamentais; e a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto
dos Refugiados, ao condenarem Julian Assange a uma (i) detenção arbitrária,
primeiro, em Dezembro de 2010, quando o mantiveram preso e isolado durante 10
dias, entre 7 e 10 de Dezembro de 2010; (ii) em seguida, quando o condenaram a
prisão domiciliária durante 550 dias; (iii) e, finalmente, ao manterem uma
vigilância apertada, durante anos a fio, em torno da embaixada londrina do
Equador, com a ameaça constante de prender e extraditar Assange se este se
atrevesse a pôr um pé fora dela. Esta actuação configura uma violação reiterada
dos direitos de asilado político de Assange e uma privação arbitrária da sua
liberdade, concluiu o GTDA. O parecer do GTDA foi enviado aos governos da
Suécia e do Reino Unido em 22 de Janeiro de 2016.
O rapto de Assange dentro
da embaixada ‒ dentro do território ‒ do Equador em Londres e o seu sequestro subsequente
na prisão Belmarsh de alta segurança só foi possível com a colaboração
empenhada do actual presidente do Equador, Lenin Moreno Garcés, actualmente a
ser investigado pela Assembleia Nacional e pela procuradora geral do Equador
pelo seu alegado envolvimento num escândalo de corrupção de grandes dimensões
(Christian Zurita Ron e Fernando Villavicencio, “El
laberinto offshore del circulo presidencial.” La Fuente, 19-02-2019). Moreno começou por revogar o asilo político
de Assange que estava em vigor desde 2012. Pouco depois, o governo equatoriano
também revogou a cidadania que havia sido concedida a Assange em 2017. A
revogação ocorreu 5 dias antes de uma visita de Moreno a Washington por 6 dias
e 15 dias antes de uma visita oficial que estava agendada do Relator da ONU
sobre Tortura à embaixada do Equador em Londres para verificar as condições de
saúde de Assange, que era mantido em isolamento dentro da embaixada pelo
governo equatoriano há um ano, sem assistência médica, sem internet, sem
comunicação e com visitas reduzidas.
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Bangladesh, Abril de 2019. Um manifestante exibe um cartaz com uma modificação do primeiro verso do poema de Martin Niemöller. © Reuters, Mohammad Ponir Hossain. |
O anterior presidente do
Equador, Rafael Correa, cujo governo concedeu asilo político a Julian Assange,
observou que Lenin Moreno, o seu ex-vice-presidente e o seu sucessor (a partir
de 2017),
tentou, de
todas as maneiras, que Assange saísse da embaixada, torturando-o física e psicologicamente,
tentando quebrá-lo como ser humano. E agora permitiu que a polícia britânica
entrasse na embaixada, o que é uma violação grosseira da soberania de um país.
É algo absolutamente inédito na história mundial.
É legal que um país retire um asilo político já concedido?
Não, não,
não, de maneira nenhuma. O princípio do asilo garante que o Estado que dá asilo
não pode jamais entregar o asilado a quem o persegue. E além disso, para
retirar uma cidadania, é preciso que haja uma investigação que prove que houve
fraude. Assange cumpriu com todos os requisitos, reside há mais de 5 anos em
território equatoriano – que é a embaixada. E vai contra decisões do Grupo [de Trabalho] das Nações Unidas contra Detenções Arbitrárias, e também
contra toda a ética e contra a nossa Constituição. (Pública, Agência de Jornalismo Investigativo,
11-04-2019)
Em 21 de Dezembro de
2018, o GDTA já tinha emitido uma declaração onde afirmava:
É tempo do
sr. Assange, que já pagou um alto preço por exercer pacificamente os seus
direitos à liberdade de opinião, de expressão e de informação e por promover o
direito à verdade no interesse do público, recupere a sua liberdade.
Bem dito. Examinemos
então os epítetos com que CFA e PP mimosearam Assange.
Metáforas gastas
Algumas
metáforas hoje correntes foram de tal modo deformadas que já nada têm que ver
com o seu significado original, mas sem que as pessoas que as empregam tenham
consciência desse facto.
George Orwell, o autor
desta frase, achava que o emprego dessas metáforas era um dos muitos ultrajes à
língua inglesa que tornavam a moderna prosa inglesa feia, imprecisa e
desleixada. Creio que ele aprovaria as palavras que escolhi como exemplos de
metáforas gastas: hacker, cracker e whistleblower,
que não existiam no seu tempo.
Whistleblowers
são pessoas que, no seu posto de trabalho, se deparam com qualquer coisa que
elas acreditam estar errada ou ser prejudicial e que, perante a indiferença ou
a hostilidade reiterada dos seus superiores hierárquicos, contraposta à importância
que dão ao caso, decidem levá-lo ao conhecimento do público, dentro ou fora (ou
dentro e fora) da organização onde trabalham, correndo os riscos inerentes a
esse gesto.
Pessoas dessa índole
existem há muito tempo, mas só recentemente lhes foi dado esse nome em Inglês.
A expressão whistle
blowers foi usada com o
significado banal que essas duas palavras veiculam (“apitos” ou “assobios” e
“sopradores”) antes de se juntarem numa só e adquirirem o sentido figurado que
agora têm. Esse salto semântico deve-se à ubiquidade de “assobiar” ou “apitar”
no mundo anglófono. Diz-se dos falcoeiros que eles whistle down the wind quando
deixam os seus falcões amestrados voar livremente à procura de uma presa.
Diz-se dos marinheiros à cata de um vento que tire o seu veleiro da imobilidade
forçada que eles bem gostariam de chamar com um simples assobio, whistle for it.
E há muitas outras expressões com “assobios” e “apitos”: as clean as a whistle, dog-whistle politics, whistle in a
graveyard, etc. Os antepassados próximos dos whistleblowers contemporâneos
foram os agentes da polícia inglesa que sopravam (e sopram) com toda força nos
seus apitos para dar o alerta sobre qualquer coisa que acreditem constituir um
sério motivo de preocupação
Hackers são
pessoas que têm uma habilidade especial para construir coisas novas a partir de
coisas velhas, desmontando-as e tornando-as a montar de uma forma inovadora, ou
para descobrir defeitos e virtudes ocultas em máquinas e maquinetas de toda a
espécie. Incluem-se neste conceito, a partir dos anos 1960, as pessoas que
concebem, elaboram e modificam programas
informáticos, computadores e redes de computadores, quer desenvolvendo
funcionalidades novas, quer adaptando as antigas a novos usos.
Os hackers foram responsáveis por
muitas inovações na informática, incluindo a linguagem de programação C
(Dennis Ritchie), o sistema operacional Unix (Dennis Ritchie, Ken Thompson), o editor
de texto emacs
e a licença de uso livre de software GNU (Richard
Stallman), o sistema GNU/Linux (Linus Torvalds), o motor de busca/indexador Google
(Larry Page e Sergey Brin), os sistemas de criptografia de chave pública (como
o RSA de Ron Rivest, Adi Shamir e
Leonard Hadleman). Os hackers também
revelaram muitas fragilidades em sistemas de criptografia e segurança em
eleições por voto digital (Rop Gonggrijp), em cartões de cidadão com
microprocessador incorporado, nos discos Blue-Ray,
no bloqueio de telemóveis, etc.
Não há espaço para
documentar aqui o caminho tortuoso que levou do verbo hack (cortar com um cutelo, um
facão ou um machado) ao nome substantivo hacker1 (talhador,
cortador) e ao nome substantivo hacker2 (no sentido figurado descrito mais acima). O que é
importante sublinhar é que os hackers não
são malfeitores. Para isso, existe outro termo, cracker, proposto pelos próprios hackers.
Como devemos então
traduzir estas metáforas que perderam quase todo o (escasso) poder evocativo e
que são usadas, na língua original, por pessoas como Paulo Portas e Clara
Ferreira Alves apenas porque lhes permitem exibir um conhecimento fictício do
Inglês, amalgamarem conceitos distintos, caluniarem pessoas que detestam e
confundirem o público nas suas charlas televisivas? Sugiro alertador,
como em Espanhol, ou lançador de alertas em Francês (lanceur d’alertes) ou divulgador de revelações de
interesse público para whistleblower; engenhocas informático para hacker, e
arrombador informático,
vândalo informático e gatuno informático (conforme o caso)
para cracker.
É fácil rebater os
caluniadores
Julian Assange não é um
herói nem um vilão. É um engenhocas informático que se tornou um jornalista
divulgador de revelações de interesse público quando criou a WikiLeaks
em 2006. A WikiLeaks não é um movimento internacional de arrombadores,
vândalos e gatunos informáticos. É uma gigantesca biblioteca virtual dos
documentos (mais de 10 milhões) mais perseguidos do mundo. «Damos asilo a esses documentos, analisamo-los,
publicitamo-los e arranjamos mais» (J.Assange, entrevista, Spiegel On Line, 20-07-2015). Pela sua
meritória actividade, J. Assange e a WikiLeaks já ganharam os seguintes prémios de
jornalismo:
• Economist New Media Award (2008)
• Amnesty New Media Award (2009)
• TIME Magazine Person of the Year, People’s Choice (highest global vote) (2010)
• Sam Adams Award for Integrity (2010)
• National Union of Journalists Journalist of
the Year (2011)
• Sydney Peace Foundation Gold Medal (2011)
• Martha Gellhorn Prize for Journalism
(2011)
• Blanquerna Award for Best Communicator
(2011)
• Walkley Award for Most Outstanding
Contribution to Journalism (2011)
• Voltaire Award for Free Speech (2011)
• International Piero Passetti Journalism
Prize of the National Union of Italian
Journalists (2011)
• Jose Couso Press Freedom Award (2011)
• Privacy International Hero of Privacy
(2012)
• Global Exchange Human Rights People’s Choice
Award (2013)
• Yoko Ono Lennon Courage Award for the Arts
(2013)
• Brazillian Press Association Human Rights
Award (2013)
• Kazakstan
Union of Journalists Top Prize (2014)
• GUE/NGL Award
for Journalists, Whistleblowers and Defenders of the Right to Information (2019)
assim como uma nomeação
para o United Nations Mandela Prize
(2015) e nomeações em cinco anos consecutivos (2011-2016) para o Prémio Nobel da Paz.
Este não é o currículo de
um “lunático”, de um “narcisista”, de um “guru”
ou de um “ladrão de documentos”, como
afirmam caluniosamente CFA e PP. Assange não ganhou estes prémios por “roubar documentos” (como afirma PP), ou por “cometer crimes” como hacker (como afirma CFA). Ganhou-os por divulgar publicamente
revelações, nunca desmentidas, sobre toda a espécie de crimes e abusos de poder
cometidos por gente tão poderosa quanto pérfida.
As revelações que a WikiLeaks
fez sobre a actuação de Hillary Clinton em 2016 e 2018 são um bom exemplo.
Ficámos a saber que esta senhora (i) trabalhou para influenciar as primárias do partido republicano de modo a
favorecer a nomeação de Donald Trump (que ela considerava ser o candidato
republicano mais fácil de derrotar); (ii) torpedeou a campanha de Bernie Sanders, seu
rival no partido democrata; (iii) fez discursos em privado aos banqueiros de
Wall Street, prometendo-lhe zelar pelos seus interesses se fosse eleita; (iv)
aceitou milhões de dólares como donativo das monarquias do Catar e da Arábia
Saudita à sua fundação, sabendo que são dos maiores financiadoras do jihadismo
e, em particular, do chamado Estado Islâmico; (v) autorizou a maior venda de
armas de sempre ao regime totalitário da Arábia Saudita (80.000 milhões de
dólares), armas que estão a ser usadas na guerra contra o Iémen (que já fez
mais de 60.000 mortos e provocou uma crise humanitária); (vi) conseguiu
convencer os seus colegas de governo e, sobretudo, o seu chefe (Barak Obama) a
bombardear a Líbia e a destruir o regime de Kadafhi (o que deixou a Líbia num
caos e fez cerca de 40.000 mortos) por estar convencida que isso ajudaria a
estabelecer a sua reputação como futura candidata à presidência dos EUA.
Que CFA e PP lamentem que
estas revelações tenham vindo a público fala por si. E não surpreende, por
isso, que ambos escondam que a WikiLeaks já publicou mais de 660.000
ficheiros secretos sobre a Rússia, incluindo o Kremlin e Putin, revelando mais
sobre as maquinações do poder de Estado nesse país do que toda a imprensa anglo-americana.
É toda a diferença que
separa o jornalismo parceiro da verdade e do escrutínio, do jornalismo parceiro
da mentira e da censura, aquele género de jornalismo que o australiano John
Pilger, uma lenda viva do jornalismo, apodou de jornalismo Vichy — uma alcunha alusiva ao regime do marechal
Pétain que governou uma parte da França, durante a 2ª guerra mundial, com a protecção dos
exércitos de ocupação da Alemanha nazi.
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N.B. Este texto foi originalmente publicado (com algumas modificações alheias à vontade do autor) em A Página da Educação, série II nº 213, 2019.