(Temas 2, 3 e 4)
“Esquerda” e “Direita”
trocadas por miúdos
do ponto de vista da
democracia (1ª parte) —
Os critérios e os conceitos principais
José Catarino Soares
1. Introdução
Escrevi recentemente um artigo intitulado A pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2 e o núpero obscurantismo e totalitarismo que vieram à sua boleia. Apercebi-me, no entanto, mesmo antes de o ter terminado, que não conseguiria fazer-me entender pela generalidade dos seus potenciais leitores sem esclarecer previamente do que falamos quando falamos de direita e esquerda, centro-direita e centro-esquerda, extrema-direita e extrema-esquerda, esquerda moderada e esquerda radical, direita moderada e direita radical. Ora, este não é assunto que se consiga tratar cabalmente em duas penadas ou numa nota de rodapé.
2. “Convenção das direitas”?
Nas
últimas semanas (estou a escrever na segunda quinzena de Junho de 2021), falou-se
muito, nos meios de comunicação social, da 3ª Convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL) que teve lugar em Lisboa, nos dias
25 e 26 de Maio de 2021. Esta convenção reuniu oradores como Rui Rio, Francisco
Rodrigues dos Santos, João Cotrim Figueiredo, André Ventura, Alexandre Poço e
Francisco Camacho – que são, respectivamente, o presidente do PSD, do CDS, da
Iniciativa Liberal, do Chega, da JSD [a organização de juventude do PSD], e da
JP [a organização de juventude do CDS] – além de figuras destacadas do PSD e do
CDS como, por exemplo, Paulo Portas, Miguel Poiares Maduro, Miguel Morgado, Miguel
Pinto Luz, Cecília Meireles.
Os convites apenas aos
líderes dos partidos da direita e do centro-direita do espetro político são
justificados pelo presidente do MEL por serem os que constituem uma
“alternativa à atual governação” (Expresso,
25 de Maio 2021).
Por
essa razão, a convenção do MEL foi qualificada por alguns comentadores de “congresso das direitas” (Ana Sá Lopes, Público, 27 de
Maio 2021).
No
entanto, esta qualificação não reúne a unanimidade. Rui Rio declarou, durante a
sua intervenção na Convenção do MEL, que o PSD «não é um partido de direita, mas um partido de centro».
Repare-se num outro facto digno de nota: a convenção do MEL contou também, entre os oradores, com o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do PS Luís Amado, o deputado do PS Sérgio Sousa Pinto, o ex-dirigente do PS Álvaro Beleza, e o ex-candidato a presidente da República do PS, Henrique Neto. Ora, o PS português é habitualmente qualificado como sendo um partido de esquerda, ou então de centro-esquerda ou de esquerda moderada, quando se pretende distingui-lo de outros partidos de esquerda, como o PCP e o Bloco de Esquerda (BE). Estes, por sua vez, quando se pretende distingui-los do PS, são habitualmente qualificados de partidos de extrema-esquerda (um epíteto que ambos rejeitam) ou partidos de esquerda radical (um epíteto que ambos aceitam, mas com crescente relutância, e que nunca ou raramente utilizam para se autodefinirem). Veremos, na 8ª parte deste ensaio, qual é o conteúdo destas distinções e por que razão elas têm pouco ou nada a ver com a distinção basilar entre esquerda e direita.
Repare-se, por último, que o presidente do MEL inclui tacitamente o Chega, como vimos, entre os partidos da direita ou do centro-direita. O Chega, porém, é inequivocamente um partido de direita radical (vulgo, de extrema-direita).
Por
estas razões, e outras que serão expostas mais abaixo julgo ser de facto
acertado afirmar que a convenção do MEL foi uma “convenção das direitas”. A prova disso é que incluiu quase todas
as facções, tendências ou alas da direita portuguesa (só ficou de fora o PNR), que se fizeram representar
oficialmente, em força e ao mais alto nível, pelos chefes dos seus partidos — «coisa que nunca aconteceu à esquerda», fez notar o politólogo António Costa
Pinto (Diário de Notícias, 31 de Maio 2021). Ao acolher o Chega no seu
seio, a convenção do MEL deixou também claro que «não há cercas sanitárias à direita» e que «há disponibilidade para um caminho em conjunto». Nesse sentido, «a Direita resolveu num ano um problema de 40 anos à
esquerda» (António
Costa Pinto, refere-se aqui à hostilidade mútua entre o PS e o PCP de 1975 a
2015).
Tudo
isto é verdade, mas é necessário fazer esta ressalva: a convenção das direitas
incluiu também um pequeno número de figuras destacadas do PS, o maior partido
de do chamado “centro-esquerda”. São elementos que não estão actualmente em posição de
ditar o rumo do seu partido e a sua política de alianças, mas que,
presumivelmente, fazem questão de manter em bom estado todas as pontes de
diálogo com a direita.
Não tenho, porém, qualquer intenção de perder mais tempo com esta “convenção das direitas”. Na economia discursiva deste ensaio, ela foi apenas um facto escolhido para ilustrar concretamente o interesse pela indagação que motivou este ensaio: afinal, de que falamos ao certo quando falamos de “direita” e de “esquerda” em termos políticos?
3. Uma objecção com barbas
Claro que podemos sempre evadir o problema, afirmando que essa vetusta distinção política [1] já não faz sentido nos tempos que correm. Curiosamente, e como já muitos fizeram notar, essa é, tipicamente, uma objecção vinda da direita política – incluindo aquela sua parte que levanta a bandeira do sincretismo, bem representada em Portugal pelo PAN (justificarei esta caracterização na 8ª parte deste ensaio) – o que mostra que a distinção política entre “direita” e “esquerda” não é inteiramente desprovida de pertinência distintiva nem, por conseguinte, de conteúdo informativo.
Assim sendo, em vez de atirá-la às urtigas (o que nos dificultaria a inteligibilidade de grande parte da literatura política do passado e nos obrigaria, de qualquer modo, a substituí-la por outra que prestasse, pelo menos, os serviços que ela prestava), mais vale tentar clarificá-la, expurgando-a das suas aporias. Foi esse o caminho seguido por Norberto Bobbio, em 1994, num livro elucidativo [2]. É também o caminho que seguirei aqui, na sua esteira.
4. Os critérios principais
Adopto
as duas teses principais de Norberto Bobbio sobre a distinção política entre “esquerda” e
“direita”. Faço-o, porém, acrescentando duas
qualificações às teses principais de Bobbio, por as julgar insuficientes, e introduzindo
um vocabulário (em grande medida de etimologia grega), por vezes muito
diferente do dele (quase totalmente de etimologia latina), que julgo ser conceptualmente
mais exacto.
Adopto
a tese de Bobbio segundo qual o critério para distinguir politicamente entre “esquerda”
e “direita” é o diverso juízo – positivo ou negativo –
que cada um delas faz sobre as ideias complementares de igualdade e desigualdade. Acrescento-lhe,
porém, a seguinte qualificação entre cerquilhas (símbolo: #): igualdade
e desigualdade # relativamente ao poder explícito,
quer (i) na sua vertente política (poder político), quer (ii) na
sua vertente económica (poder económico)
#.
Para
me referir à igualdade e desigualdade em relação ao poder
político empregarei os termos isonomia e anisonomia. Para me referir à igualdade e desigualdade
em relação ao poder económico, empregarei os termos mutualização e privatização.
Adopto
a tese, também de Bobbio, segundo a qual o critério para distinguir as
diferentes facções, tendências ou alas políticas, tanto no âmbito da “esquerda”
como no âmbito da “direita”, é a diversa atitude – amistosa ou hostil – que
cada uma delas tem sobre a ideia de liberdade.
Substituo, porém, esta tese por uma outra, mais precisa, a saber: um segundo critério para distinguir entre direita e esquerda e também entre diferentes facções, tendências ou alas políticas, tanto no âmbito da “direita” como no âmbito da “esquerda”, é a diversa atitude – amistosa ou hostil – que cada uma delas tem sobre as ideias complementares de autonomia e heteronomia.
5. Os conceitos em jogo
Antes
de prosseguir, convém determo-nos algum tempo sobre os conceitos introduzidos.
O conceito de igualdade não é tão simples quanto parece, como
veremos, e um dos seus desdobramentos, o par isonomia/anisonomia, é
relativamente inusitado no discurso político.
O
conceito de liberdade e o conceito de igualdade
não são simétricos. Posso dizer: «tenho liberdade para
escolher»,
«sou mais livre do que tu», «estou mais livre aos fins-de-semana» e fazer-me entender. Mas não posso
dizer: «tenho igualdade *para escolher», «sou mais *igual do que tu»,
«estou mais *igual aos fins-de-semana» e desejar ser compreendido, porque
isso não sucederá [o asterisco assinala a má formação do
que se lhe segue]
O conceito de liberdade – de liberdade efectiva, liberdade sob condição de igual participação na auto-instituição da lei que a limita, porque a liberdade é necessariamente limitada para evitar que se torne autofágica (não tenho a liberdade de fazer o que me der na gana, matar quem detesto, por exemplo) – é o que denomino autonomia (autonomia colectiva e autonomia individual).
Por estas razões, estes conceitos poderiam, presumo, suscitar dificuldades de compreensão ao leitor desprevenido se não fôssem acompanhados pelas explicações que se seguem.
6. Igualdade não é identidade, salvo na matemática
Na
matemática, igualdade é considerada como sendo o mesmo que identidade.
Esta última é uma relação reflexiva, simétrica e transitiva, de modo que
objectos idênticos ou – o que vem a ser o mesmo – iguais são intercambiáveis,
como em “2+3= 5”. Porém, como nos advertiu Mario Bunge,
fora da matemática essa identificação entre igualdade e identidade é
desencaminhante e enganadora [3]. Isso ocorre porque a igualdade, tal como
a identidade, também é reflexiva. Mas, ao contrário da identidade, a igualdade
não é necessariamente simétrica ou transitiva.
Suponhamos
que escrevo, por exemplo, “o número de patas de um
cavalo = 4”.
Se o enunciado em questão fôsse um enunciado de identidade, então os dois lados
poderiam ser trocados para dar “4 = o número de patas de
um cavalo”.
Mas isto não é uma definição adequada do número 4. Em segundo lugar, o lado
esquerdo (LE) da igualdade acima contém predicados ausentes no lado direito
(LD); por conseguinte os dois lados não podem significar a mesma coisa. Além
disso, os dois lados não têm sequer a mesma forma lógica, uma vez que o LE do
enunciado original é uma descrição definida, ao passo que o LD é um particular.
6.1. Igualdade como identidade contingente
Se quisermos falar de igualdade fora do universo conceptual da matemática – no cosmo, no planeta Terra, na biosfera terrestre (de momento não há notícia que haja outra), na sociedade humana – teremos, pois, de abdicar da equivalência entre igualdade e identidade, ou de nos contentarmos com uma relação menos estrita entre igualdade e identidade.
No
caso (pelo menos) da biosfera e da sociedade humana, tem cabimento tratarmos a igualdade
como uma identidade contingente. O senso comum confunde facilmente o
conceito de contingência com o de “acaso” ou com o de algo
“inesperado” ou “imprevisto”. Essa interpretação é a que subjaz ao emprego da
expressão “contingências” para denominar, no quotidiano, os acontecimentos que
nos apanham desprevenidos e nos obrigam a sair da nossa zona de conforto, e da
expressão “planos de contingência” para denominar os planos destinados a
superar ou mitigar os efeitos desastrosos de eventualidades para as quais
importa estarmos prevenidos. Mas emprego aqui contingência num sentido
mais fundamental e que está, afinal, na origem dos empregos descritos: para
denominar uma entidade (uma coisa, uma propriedade, um processo ou um evento)
que não sendo necessária, nem (por vezes) frequente, também não é impossível.
Assim
sendo, compreender-se-á que, a fim de distinguirmos “direita” e “esquerda” em
política, qualifiquemos a igualdade em relação a duas entidades contingentes: (i)
o poder político e (ii)
o poder económico — as duas vertentes principais do poder explícito [4].
7. Autonomia e heteronomia
Detenhamo-nos, agora, uns momentos sobre os conceitos de autonomia e heteronomia
que entram no segundo critério de distinção política entre “direita” e
“esquerda”.
Autonomia e autónomo são
palavras importadas, como tantas outras, do idioma grego antigo.
Autónomo: αὐτόνομος, autonomos, composta
de αὐτο-, auto-, “de si próprio” +
νόμος, nomos, “lei”, “regra”, “convenção” — ou seja, “aquele/aquilo que
estabelece as suas próprias leis”, “aquele/aquilo que é soberano de si
próprio”; o mesmo que “autogovernado”, “autorregulado”. Autonomia: αὐτονομία, autonomia, composta de αὐτο-, auto
+ νομία, nomia, “relativo à lei” — ou seja, “aquilo que encerra em si
próprio a lei do seu comportamento”, “liberdade sob lei interna”; o mesmo que
“autogoverno”, “autorregulação”.
Cornelius
Castoriadis – que era grego, mas que dominava perfeitamente o Francês, o Alemão
e o Inglês – traduziu autónomo e autonomia por auto-instituinte e auto-instituição, respectivamente. Segui-lo-ei nessa
opção terminológica, que considero justa e inteiramente apropriada no caso em
apreço: o da relação entre os seres humanos e o poder explícito.
O dual de autónomo é heterónomo e o dual de autonomia é heteronomia, onde hetero é um radical de origem grega (ἕτερος, héteros), equivalente ao latim alter. É um elemento de composição que encerra a ideia de outro, de outrem, de alheio, de diferente ou de anómalo. Heterónomo é aquilo/aquele que é governado, regulado, instituído por uma lei que não é a sua, que lhe é alheia — ou seja, “alter-governado”, “alter-regulado”, “alter-instituído”. Heteronomia significa, pela mesma ordem de ideias, “governação” “regulação”, “instituição” por outrem, por algo que lhes é alheio.
Um exemplo trivial de autonomia individual |
7.1. A auto-instituição do poder explícito
A
democracia, como forma de exercício do poder explícito, é o regime que procura
realizar simultaneamente, tanto quanto é possível, a autonomia individual, a
autonomia colectiva e o bem comum, tal como este é concebido pela colectividade
de cidadãos em causa.
Um exemplo trivial de heteronomia individual |
Por
outras palavras, a democracia é o poder do povo instituído pelo próprio povo em
seu próprio benefício; é a soberania do colectivo dos cidadãos soberanos; é o
regime da auto-instituição do poder explícito pelos próprios cidadãos
auto-instituintes em prol do bem comum.
Por
que é que é tão importante realçar essa ligação entre a autonomia colectiva e a
autonomia individual, entre a colectividade de cidadãos que se auto-institui e
os cidadãos auto-instituintes que a compõem, sem a qual, alegadamente, a democracia
não seria possível? A única resposta válida a esta pergunta é que uma
colectividade de cidadãos auto-institui-se democraticamente se, e só se, houver
participação igual de todos os cidadãos relativamente ao poder instituinte.
Assim, a autonomia colectiva, condição necessária da democracia, requer a autonomia individual dos cidadãos, a qual, por sua vez, para ser efectiva, exige a isonomia dos cidadãos — a qual se declina, como veremos na 3ª parte deste ensaio, em vários aspectos: a isegoria, a isopsefia, a isocracia, a isogonia e a eunomia. Mas o inverso é também verdadeiro: a autonomia dos indivíduos é inconcebível e impossível sem a autonomia da colectividade. A autonomia exige, por isso, para não ficar confinada no âmbito individual stricto sensu – onde, se assim for, encolherá inevitavelmente como A Pele do Chagrém [Fr. La Peau du Chagrin] no romance homónimo de Honoré de Balzac – a mutualização dos meios industriais de produção/ distribuição de bens e serviços.
Tratarei
estes assuntos, pormenorizadamente, na 2ª, 3ª, 4ª e 5ª partes deste ensaio.
7.2. O problema da
auto-limitação da democracia
Numa
sociedade heterónoma, a questão da autolimitação do poder explícito não é
pertinente. À pergunta: «o que devemos fazer nesta
ou naquela circunstância?» a resposta é muito simples: devemos fazer o
mesmo que os nossos antepassados fizeram/fariam; o que Deus espera ou os Deuses
esperam de nós; o que os profetas nos anunciaram; o que os sacerdotes nos dizem
com base nos livros sagrados; o que a Natureza nos dita; o que as “leis” do
mercado nos impõem; o que o partido ou os partidos no poder nos ordenam e
sugerem; o que nos der na gana. Seja qual for a forma da heteronomia, a questão
da autolimitação nunca surge, nem pode surgir.
Uma
sociedade democrática é uma sociedade autónoma, mas autónoma quer dizer também
e sobretudo autolimitada. A autolimitação não é só perante os eventuais
excessos políticos (uma maioria que não respeita os direitos políticos da
minoria ou das minorias, por exemplo), é também nas obras, nos trabalhos e nos
actos da colectividade, que, todos eles, têm, por vezes, riscos que não devemos
correr e limites que não devem ser ultrapassados, sob pena de provocarmos
catástrofes e sofrermos graves dissabores que seriam evitáveis.
Esses
limites, essas fronteiras, existem, mas, em muitos casos, ninguém sabe como
traçá-las de antemão com segurança. Só sabemos que os pisámos quando os
transgredimos.
Vemo-lo
bem, por exemplo, na pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2. Que fizemos para,
inadvertidamente, favorecer essa zoonose que se tornou pandémica? Como é que
este vírus penetrou na população humana [5]? Que devemos fazer para evitar e
prevenir outras zoonoses de potencial pandémico? A resposta a estas perguntas e
a outras conexas é tudo menos fácil. Mas houve avisos, como este, há 15 anos:
A presença de um grande
reservatório de vírus do tipo SARS-CoV em morcegos de ferradura, juntamente com
o hábito de comer mamíferos exóticos que existe no sul da China, é uma
bomba-relógio
(Cheng et al., 2007) [6]
A questão da autolimitação é intrínseca à democracia e nunca deixará de nos assediar, se formos democratas. Sabemos, no entanto, o que nos acontece se recusarmos a necessidade de autolimitação: ficamos à mercê de uma forma exacerbada de enfatuação ou de arrogância a roçar a loucura que nos tolda o discernimento. Os atenienses antigos apelidavam-na de hubris. Abordarei este assunto com algum pormenor na 2ª parte deste ensaio.
Morcego de ferradura. Foto Shutterstock |
………………………………………………………………………
N.B. Este ensaio está dividido em 8 partes,
sendo esta a primeira:
(1ª parte. Os critérios e os conceitos principais)
2ª
parte. Um excurso sobre o poder explícito
3ª
parte. A igualdade em relação ao poder político
4ª parte. A desigualdade em relação ao poder
explícito
5ª
parte. A igualdade em relação ao poder económico
6ª
parte. O poder explícito numa oligarquia electiva e liberal
7ª
parte. O poder explícito numa democracia
8ª parte. A esquerda inexistente
que podem ser encontradas, por esta ordem, no Arquivo do Blogue, 2021, Agosto,
no fim da coluna da direita do blogue.
…………………………………………………………
[1] Os termos “esquerda” e “direita”
apareceram, no âmbito político, durante a Revolução Francesa de 1789, quando os
deputados da Assembleia Nacional (a autoproclamada assembleia constituinte
sucessora dos États Généraux das três ordens ou estados (clero, nobreza e
terceiro-estado [burguesia, camponeses parcelares, artesãos, jornaleiros] que
tinham sido convocados pelo rei) se dividiram em partidários do rei, que se
sentaram à direita do presidente da Assembleia Nacional, e simpatizantes da
revolução, que se sentaram à sua esquerda. Um deputado da nobreza, Louis Henri
Charles – Barão de Gauville, deixou um testemunho claríssimo a este respeito: «No dia 29 [de Agosto] nós
começávamos a reconhecermo-nos uns aos outros: aqueles que eram leais à sua
religião e ao rei ficaram cantonados à direita do presidente [da
Assembleia], de modo a evitar os gritos, as
declarações e as indecências que ocorriam no lado oposto. Havia cerca de 150
membros do clero, outros tantos da nobreza, e 80 membros do terceiro-estado. Eu
tinha tentado várias vezes sentar-me em várias partes da sala, fazendo questão
de não aceitar lugar marcado, a fim de ficar mais senhor das minhas próprias
opiniões, mas fui obrigado a abandonar completamente a parte esquerda [da
sala], caso contrário ficava condenado a votar sempre sozinho e por conseguinte condenado
aos apupos das tribunas» (Journal de Baron de Gauville, Député de
l’ordre de la noblesse au États Généraux depuis le 4 Mars, 1789 jusqu’au 1
Juillet, 1790, p.20 [minha tradução]). Tudo indica que Allan Cameron, o
tradutor para Inglês do livro de Norberto Bobbio, desconhece o diário do barão
de Gauville, ou pelo menos desconhecia quando prefaciou a tradução inglesa do
livro de Bobbio. Seja como for, o testemunho do barão de Gauville corrobora (e
complementa e corrige) o perspicaz comentário que Cameron fez sobre o modo como
nasceu a distinção política entre “direita” e “esquerda” e o seu significado.
A metáfora [política] esquerda/direita teve a sua origem na Assembleia Nacional
Francesa de 1789 e provou ser extremamente apropriada. Esquerda e direita representam uma díade espacial com a qual
todos estamos familiarizados (um objecto tem de estar ou à nossa esquerda ou a
nossa direita, e não pode estar em ambos os lados; mais ainda, há uma área
directamente à nossa frente onde não é muito claro se o objecto em questão está
à esquerda ou à direita, e esta área pode ser equacionada com o centro); mas
não há razões para acreditar que a história não podia ter trazido com ela uma
metáfora alternativa e, na verdade, as posições relativas dos deputados
franceses em relação ao presidente [da Assembleia Nacional] foram um puro acaso (embora as posições dos nobres mais
conservadores à direita fôsse talvez um reflexo dos seus privilégios
minguantes). Claramente, o êxito dos termos de esquerda e direita deve-se não a
aptidão da metáfora, seja qual for a sua contundência, mas à natureza da
distinção política que ela veio expressar (A. Cameron, Introduction,
Norberto Bobbio, Left and Right. The significance of a political distinction [The University of
Chicago Press, 1996, p.X]. Minha tradução).
[2] Norberto Bobbio, Direita e Esquerda. Razões e significados de uma
distinção política (São Paulo. Editora UNESP/Fundação.1995).
[3] Mario Bunge, Dicionário de Filosofia (São Paulo; Perspectivas,
2002, p.184-85).
[4] Noberto Bobbio afirma: «O conceito de igualdade é relativo, não absoluto. É relativo ao menos a três variáveis que precisam de ser consideradas toda a vez que se introduz o discurso sobre o maior ou menor desejabilidade, e/ou sobre a maior ou menor a realizabilidade, da ideia de igualdade: a) os sujeitos entre os quais se trata de repartir os bens e os ónus; b) os bens e os ónus a serem repartidos; c) o critério com base no qual os repartir» (op.cit., p.86). Mas nunca nos chega a dizer quais são concretamente “os bens e os ónus” que entram na variável b) e que nos permitiriam distinguir entre “direita” e “esquerda”. Em consequência dessa omissão, os critérios a) e c) nunca chegam também a adquirir (nem poderiam fazê-lo) expressão concreta. Além disso, Bobbio não estabelece a destrinça, fundamental neste assunto, entre “repartir” (ou partilhar) e compartilhar. Abordo esta questão na 5ª parte deste ensaio.
[5]
Charles H Calisher, Dennis Carroll, Rita Colwell, Ronald B Corley, Peter
Daszak, Christian Drosten et al., “Science, not speculation, is
essential to determine how SARS-CoV-2 reached humans” The Lancet, July
05, 2021DOI: https://doi.org/10. 1016/S0140-6736(21)01419-7.
[6] Vincent
C. C. Cheng, Susanna K. P. Lau, Patrick C. Y. Woo, & Kwok Yung Yuen, “Severe
Acute Respiratory Syndrome Coronavirus as an Agent of Emerging and Reemerging
Infection”, Clin Microbiol Rev. 2007 Oct; 20(4): 660–694., doi:
10.1128/CMR.00023-07.