Neste blogue discutiremos 5 temas: 1. A segurança social. 2. A linguagem enganosa. 3. As estruturas e os processos de desumanização criados pelas oligocracias contra a democracia. 4. A economia política (e.g. Petty, Smith, Ricardo, Sismondi), remodelada e crismada (no fim do século XIX) de "economia matemática", a qual teria o direito de se proclamar "ciência económica" (Ingl. economics) — um direito que não lhe será reconhecido aqui. 5. A literatura imaginativa (prosa e poesia).

07 agosto, 2021

 (Temas 2, 3 e 4)


“Esquerda” e “Direita” trocadas por miúdos

do ponto de vista da democracia (8ª parte)

— A esquerda inexistente 

José Catarino Soares


17. Do que falamos quando falamos de direita e esquerda

Estamos agora em condições de responder à pergunta: do que falamos quando falamos de direita e esquerda em termos políticos? E estamos também em condições, pelas mesmas razões, de responder às perguntas conexas: de que falamos quando falamos de centro-direita e centro-esquerda, extrema-direita e extrema-esquerda, esquerda moderada e esquerda radical, direita moderada e direita radical?

Basta-nos, para tanto, aplicar os critérios enunciados, explicados e ilustrados nas sete partes anteriores deste ensaio.

17.1. Lembrete

Recordo o que afirmei na 1ª parte deste ensaio: há dois critérios principais para distinguir politicamente esquerda e direita.

O primeiro critério é o diverso juízo – positivo ou negativo – que cada um delas faz sobre as ideias complementares de igualdade e desigualdade relativamente ao poder explícito, quer (i) na sua vertente política (poder político) – ou seja, relativamente à isonomia versus anisonomia –, quer (ii) na sua vertente económica (poder económico) — ou seja, relativamente à mutualização versus privatização.

O segundo critério é o diverso juízo – positivo ou negativo – que cada uma delas faz sobre as ideias complementares de autonomia e heteronomia relativamente ao poder explícito, quer (i) na sua vertente individual – ou seja, autonomia individual versus heteronomia individual – quer (ii) na sua vertente colectiva — autonomia colectiva versus heteronomia colectiva.

Assim sendo, e combinando os dois critérios, podemos construir uma matriz com 8 casas.   

Poder político

Poder económico

isonomia

anisonomia

mutualização

privatização

 

 

 

 

Autonomia

Heteronomia

individual

colectiva

individual

colectiva

 

 

 

 

 

17.2. Definições

São de esquerda as pessoas, grupos, movimentos e partidos que lutam pela defesa e/ou pela promoção da isonomia, da mutualização (= compartilhamento dos meios sociais de produção/distribuição de bens e serviços), da autonomia individual e da autonomia colectiva.

                                                       Esquerda

Poder político

Poder económico

isonomia

anisonomia

mutualização

privatização

        +

+

Autonomia

Heteronomia

individual

colectiva

individual

colectiva

+

        +

São de direita as pessoas, grupos, movimentos e partidos que lutam pela defesa e/ou pela promoção da anisonomia, da privatização (= apropriação privada dos meios sociais de produção/distribuição de bens e serviços), da heteronomia individual e da heteronomia colectiva. 

                                                                              Direita

Poder político

Poder económico

isonomia

anisonomia

mutualização

privatização

+

–/? 

+

Autonomia

Heteronomia

individual

colectiva

individual

colectiva

–/?

+/?

+

Neste contexto, o símbolo [+] significa “apoia, defende”; o símbolo [significa “repudia, combate”. Podemos, se quisermos, acrescentar o símbolo [?] para significar “tem uma posição ambígua, contraditória, incoerente” e substituir os símbolos [+] e [] nesta ou naquela casa. Os partidos políticos são amiúde incoerentes, contraditórios ou ambíguos em relação a questões centrais, pelo que pode ser útil usar o símbolo [?] para os situar na matriz de oito casas. A barra oblíqua [/] significa “ou”.

Cabe ao leitor ensaiar, se o desejar fazer, a classificação da sua própria posição política e da posição política dos partidos portugueses ou estrangeiros utilizando esta matriz e estas definições.

O que se segue é o meu ensaio de classificação dos partidos políticos portugueses com assento parlamentar utilizando essa matriz e essas definições.

17.3. Ensaio de classificação

Nenhum partido político português com assento parlamentar defende a isonomia (a igualdade) dos cidadãos em relação ao poder político. Para isso, teriam, no mínimo, de lutar pela tiragem à sorte a partir do conjunto dos cidadãos como único método democrático de selecção dos magistrados do poder legislativo, jurisdicional e governativo. Teriam, por conseguinte, de defender o sorteio como método a aplicar, sem excepções, na selecção de todos os magistrados do poder legislativo e do poder jurisdicional e como método principal na selecção dos magistrados do poder governativo. As únicas derrogações aceitáveis a este princípio metodológico são o uso dos métodos aristocráticos (ou, o que vem a ser o mesmo, meritocráticos) do concurso público e da eleição na selecção de certos magistrados do poder governativo — como, por exemplo, comandantes militares e embaixadores.

(As razões para reter este princípio metodológico na escolha dos magistrados  e para as suas poucas derrogações aceitáveis foram aduzidas na 3ª Parte deste ensaio, secção 10.1).

Nenhum partido político português com assento parlamentar defende estas posições [100].

Também não há nenhum partido político português com assento parlamentar que defenda a igualdade dos cidadãos em relação ao poder económico [101]. Para isso, teriam de defender a mutualização (o compartilhamento pelos trabalhadores) dos meios sociais de produção/distribuição de bens e serviços, único método de o conseguir. A mutualização é incompatível com a privatização (a apropriação privada pelos não trabalhadores) desses meios, mas todos os partidos políticos com assento parlamentar fazem vista grossa sobre essa incompatibilidade inscrita no artigo 61º da Constituição da República Portuguesa, onde o ponto 1 colide com o ponto 2 [102]. Há partidos com assento parlamentar (PCP, Bloco de Esquerda) que defendem a nacionalização e estatização (a que chamam “controlo público”) de algumas firmas privadas — ou seja, a sua integração no sector empresarial do Estado. Mas não é, de modo nenhum, a mesma coisa.

A nacionalização e a estatização não eliminam a exploração económica dos trabalhadores. Limitam-se a modificar a titularidade (a propriedade) e a gestão (o controlo) das empresas que passam das mãos de capitalistas individuais e dos gestores privados por eles cooptados para as mãos do Estado e dos gestores públicos nomeados pelo governo (enquanto “órgão executivo” do Estado). O sector empresarial do Estado é uma instituição intrinsecamente oligárquica, tal como o sector empresarial privado. As oligarquias em causa (gestores privados e gestores públicos) são algo diferentes, mas são-no à maneira de espécies de um mesmo género, como sucede, por exemplo, com os onagros asiáticos e os asnos africanos (o antepassado do nosso burro doméstico). A prova disso é a proverbial transumância dos gestores entre os dois sectores em todos os países capitalistas mais desenvolvidos, incluindo os EUA.

A mutualização das firmas privadas faz duas coisas em simultâneo: elimina a exploração económica dos trabalhadores assalariados das respectivas empresas e passa a gestão das mesmas para as suas mãos. É uma instituição intrinsecamente democrática.

Todos os partidos com assento parlamentar (incluindo o Chega) afirmam defender os direitos, as liberdades e as garantias pessoais que estão inscritos no Título II da Constituição da República Portuguesa. Temos, naturalmente, de considerar se as suas propostas e acções políticas entram ou não em conflito reiterado com essa afirmação. Se, regra geral, tal não acontecer, isso qualifica-os – dir-se-á – como defensores, pelo menos, de um módico de autonomia individual. É verdade. Creio ser esse o caso de todos os partidos portugueses com assento parlamentar [103], excepto o Chega [104]. Mas precisamos de ir mais fundo nesta questão.

A isonomia e a mutualização são ambas condições necessárias da autonomia colectiva. Sucede, porém, que a isonomia não faz parte do conjunto de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos em Portugal e que a mutualização só é reconhecida desde que fique confinada a um pequeno nicho da actividade económica (o chamado “sector cooperativo”) e aos serviços públicos universais: Serviço Nacional de de Saúde (SNS), escola pública básica e secundária, Segurança Social, e alguns nós da rede de emergência e protecção civil  o que, sendo pouco, não é todavia despiciendo.

Daqui resulta que nenhum partido com assento parlamentar apoia a autonomia colectiva dos cidadãos. Ora, a autonomia individual fica seriamente coarctada sem a existência da autonomia colectiva. 

A conclusão impõe-se: com base nos três critérios propostos isonomia vs anisonomia; mutualização vs privatização; autonomia (individual e colectiva) vs heteronomia (individual e colectiva) – não existem em Portugal, entre os partidos com assento parlamentar, partidos de esquerda dignos desse nomeCreio que a asserção vale também para os partidos sem assento parlamentar. 

À luz dos três critérios propostos, o PCP, BE, PS, Livre e PEV situam-se no quadro intitulado Direita, tal como os partidos conhecidos como tal (PSD, CDS, IL). Diferem deles por defenderem um módico de mutualização e de autonomia individual, indicado no quadro pelo símbolo [?]. A sua classificação seria, portanto (lendo da esquerda para a direita e de cima para baixo) a seguinte: [-], [+],[?], [+]; [?], [-], [?], [+]. A dos outros partidos seria a seguinte: [-], [+],[-], [+]; [-], [-], [+], [+]. 

Presumo que esta conclusão seja chocante e difícil de engolir para muitos ou para a grande maioria dos leitores, sobretudo para aqueles que votam ou militam em partidos que se autodefinem como sendo de “esquerda”.  Mas não há volta a dar-lhe: com base nos três critérios propostos (ou dois, se, por mor da concisão, passarmos por cima da bifurcação da igualdade,  tal como passámos por cima da bifurcação da autonomia), não há partidos genuinamente de esquerda em Portugal. Como, porém, existem partidos que se dizem de esquerda e que diferem dos partidos de direita por defenderem um módico de mutualização e de autonomia individual, precisamos de uma expressão para os designar. Proponho chamá-los esquerda putativa.

Claro, há, teoricamente, uma escapatória à conclusão de que os partidos portugueses são todos ou partidos de direita ou partidos de esquerda putativa: mudar os critérios. Mudando os critérios, arranjar-se-á seguramente uma maneira de conseguir povoar a cena política portuguesa com um ou mais partidos de esquerda. Mas que critérios seriam esses? (Não se qualificam como tais as crenças auto-ilusórias que examinarei na próxima secção). Até que alguém apareça a propô-los, a conclusão é inescapável: há pessoas de esquerda em Portugal. Não serão muitas, mas existem. Mas não há partidos de esquerda em Portugal, nem dentro nem fora do parlamento.

Isto suscita uma pergunta, que não é nova, pois foi feita há sete anos por João Bernardo, a saber: «Por que motivo, aliás, continua a chamar-se esquerda àquela que hoje existe com esse nome?» [105]

18. Por que motivo continua a chamar-se esquerda àquela que hoje existe com esse nome?

Há, em minha opinião, três razões de carácter ideacional para que isso aconteça (ponho aqui de parte razões de caracter prático, pragmático, sobre as quais não pretendo pronunciar-me neste momento). Todas elas assentam em equívocos com um longo historial no seio do movimento político dos trabalhadores assalariados. Funcionam como crenças auto-ilusórias que permitem aos militantes, simpatizantes e votantes dos partidos que as nutrem – os partidos de esquerda putativa – e que delas se nutrem olharem-se e serem olhados pelos seus adversários (a direita propriamente dita) como sendo de “esquerda”.

18.1. Crenças básicas da esquerda putativa 

A primeira razão são as crenças básicas que esses os partidos têm sobre a natureza da democracia. A segunda razão são as crenças básicas que esses partidos têm sobre a natureza da emancipação da classe trabalhadora. A terceira razão são as crenças básicas que esses partidos têm sobre a natureza da economia pós-capitalista.

Para abordar a genealogia estes três grupos de crenças básicas com a profundidade necessária seria necessário escrever um ensaio pelo menos tão longo como este (que já vai em 118 páginas, somando todas as suas partes).  Limitar-me-ei, por isso, a enunciar essas crenças básicas que perduraram até aos nossos dias nos partidos que continuam a chamar-se de esquerda sem motivo bastante.

1ª crença: a democracia é (i) a eleição de magistrados por sufrágio universal para um parlamento e/ou para qualquer outra instituição electiva que disponha de um orçamento próprio e de algum poder político explícito — presidência da república, senado, câmaras municipais, juntas de freguesia, sovietes, etc., (ii) no respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais inscritas no título II da Constituição da República portuguesa (É a confusão entre democracia e oligarquia electiva e liberal ).

2ª crença: a melhoria das condições de vida dos trabalhadores assalariados será obra dos seus dirigentes mais capazes, que governarão em nome dos trabalhadores de modo a satisfazer eficientemente os seus interesses e as suas aspirações. (É a confusão entre a auto-emancipação dos trabalhadores assalariados mediante a abolição simultânea do salariado e do capital como relações sociais de produção matriciais do modo capitalista de produção, e a autopromoção social dos putativos representantes dos trabalhadores, que aspiram a ser gestores vitalícios da vida social e política dos membros da classe que dizem representar). 

3ª crença: o socialismo é a ampliação do poder de decisão económica do Estado. (É a confusão entre um comensalismo de gestores e o cooperativismo dos trabalhadores associados).

18.2. Extrema-esquerda/esquerda radical versus centro-esquerda/ esquerda moderada

A 1ª crença é compartilhada por todos os partidos com assento parlamentar.

A 2ª crença é compartilhada por todos os partidos da esquerda putativa com assento parlamentar (ou “esquerda governamental” como lhe chama João Bernardo) e serve-lhes de linha divisória para se demarcarem dos partidos de direita. 

A 3ª crença serve de ténue linha de demarcação entre aquela parte da esquerda putativa que costuma ser apelidada de “extrema-esquerda” ou “esquerda radical” e aquela outra parte da esquerda putativa que costuma ser apelidada de “centro-esquerda” ou “esquerda moderada”. Estes apelidos, que justapõem conceitos metafóricos e díspares (extremidade, radicalidade, moderação), são, no entanto, comummente empregados pelos jornalistas mais ou menos especializados no comentário político nos meios de comunicação social (jornais, rádio, televisão, redes sociais) e pelos politólogos das universidades e “think tanks”, lugares onde esses apelidos receberam a sua chancela.

A “extrema-esquerda” ou “esquerda radical” seria aquela parte da esquerda putativa que tem uma convicção inabalável no enunciado da 3ª crença. O “centro-esquerda” ou “esquerda moderada” seria aquela parte da esquerda putativa que tem reservas acerca da validade universal desse enunciado, que deixou de acreditar nesse enunciado ou que nunca chegou a acreditar nele. No contexto português essa seria a linha de demarcação principal entre o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE), de um lado, e o Partido Livre (PL) [106], o Partido Socialista (PS) e o Partido Ecologista-Os Verdes (PEV) [107], do outro lado.

18.3. O PAN, partido sincrético

O partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN) não compartilha a segunda e a terceira crenças supramencionadas, razão pela qual afirma não se rever na putativa distinção entre “direita” e “esquerda” que elas procuram estabelecer.

Quando a direita diz que o PAN é um partido de esquerda e quando a esquerda refere que o PAN é um partido de direita alguma coisa estamos a fazer bem. Estamos no caminho certo e essas críticas significam a valorização do trabalho que temos feito (Diário de Notícias, 25 de Setembro de 2019) 

— disse André Silva, deputado do PAN, no arranque da campanha eleitoral para a legislativas de 2019 do partido, no porto de Sines. E afirmou, na mesma ocasião, que o combate às alterações climáticas e as questões associadas à protecção dos animais «não são causas nem de esquerda nem de direita», pelo que o PAN quer «estabelecer pontes» dos dois lados «para fazer avançar algumas causas e medidas» (ibid.). Já em 2015 tinha afirmado:

O PAN não se revê na política de Esquerda nem de Direita e pretende aprovar medidas que são transversais a toda a sociedade (Notícias ao Minuto, 20 de Novembro de 2015).

Estas posições são coerentes com toda a história do PAN, que já tem 12 anos. O PAN nem sempre foi PAN. Quando nasceu, em 2009, a sua sigla era PPA, que correspondia a “Partido Pelos Animais”. Não é estranhíssimo criar um partido exclusivamente focado na defesa dos animais? Para um budista – como era o caso do seu fundador e primeiro presidente: Paulo Borges – não é. Aquando da fundação do PAN, quando o PAN ainda era PPA, Paulo Borges acumulava também a presidência da União Budista Portuguesa — cargo que ocupou praticamente durante uma década. Só um ano depois, em 2010, é que o PPA se transformou em PAN (1ª versão), um acrónimo que correspondia a “Partido pelos Animais e pela Natureza”, acrescentando assim a causa ecologista à original que apontava para um partido de nicho apenas focado nos direitos dos animais. Foi com esse nome que foi registado no Tribunal Constitucional em 2011.

No seu III Congresso, realizado a 12 e 13 de Abril de 2014, em Lisboa, o PAN decidiu manter o seu acrónimo, mas alterar o nome para Pessoas-Animais-Natureza, alteração que o Tribunal Constitucional aceitou em 18 de Setembro de 2014. Nascia o PAN (2ª versão), com André Silva como seu principal dirigente, em substituição de Paulo Borges, que abandonou recentemente o partido que fundou.

É interessante conhecer o modo como um jornalista do Observador descreveu o êxito eleitoral do PAN de André Silva (a selecção dos excertos é minha e a sua ordem e ortografia nem sempre correspondem à do artigo original).

# O ambiente estava por explorar politicamente em Portugal e o “clima” internacional ajudou. Lá de fora chegavam-nos ecos da “greve global climática”, da “emergência climática” e das inúmeras cimeiras que a ONU e outros organismos internacionais têm dedicado ao tema. O PAN soube com mestria colocar a sua bandeira em cima deste território político, que depois de ocupado dificilmente fugirá para outro lado — mesmo perante as inúmeras tentativas (muitas vezes notoriamente forçadas) dos outros partidos quer de esquerda quer de direita.

# O PAN foi inteligente ao transformar a sua maior fraqueza (falta de consistência ideológica) numa vantagem: comunicar apenas aquilo que sabiam que os seus eleitores queriam ouvir. Para quê perder tempo a explicar cenários macroeconómicos, quando podemos prometer salvar todos os gatinhos e cãezinhos abandonados?

# Paralelamente, o eleitorado original do partido é constituído por jovens millennials [milénicos, também denominados geração Y: as pessoas nascidas entre 1981 e 1995] e da geração Z [as pessoas nascidas entre a segunda metade dos anos 1990 e o início do ano 2010]. Eleitores que consomem informação em posts [bilhetes irradiados] de redes sociais curtos e em notificações push [mensagens de alerta que surgem no ecrã dos telemóveis e computadores] das apps [aplicativos] que trazem consigo nos smartphones [telemóveis ≥ 2G]. Esta malta quer soundbites [frases que fiquem no ouvido] e ideias simples, não quer profundidade ideológica e palavras caras. O PAN sabe disso.

# Os jovens votam pouco, crescem e só votam quando lhes apetece. Foi preciso saber chegar aos velhotes. Não é impossível, mas é lento e arriscado pensar que se pode crescer eleitoralmente só com o voto jovem. É uma verdade óbvia, é certo. Como fazer do ideário animalista algo sexy [atraente] para o eleitorado mais velho? Através de um soundbite [frase que fica no ouvido] genial: um Serviço Nacional de Saúde para animais de companhia. Pensemos na velhinha com três gatos, que já tem que pagar os seus medicamentos e cuidados de saúde, que ama os seus animais mais que tudo na vida e que faz sacrifícios enormes sempre que tem que os levar ao veterinário. Simples, não é?

# André Silva é gozado por quase todos os comentadores, mas é provavelmente o mais inteligente líder partidário em Portugal. Durante muito tempo, até ao aparecimento desta personagem, o partido era visto como um aglomerado de radicais com teorias exóticas. André Silva soube polir muito bem o seu discurso público e moderar a mensagem. O tom mudou e a maneira de fazer política também: às vezes o que importa não é o que dizemos, mas a forma como o dizemos. O PAN já não é mais contra as touradas, é antes contra a utilização de animais em touradas (que é o mesmo). O PAN já não quer mais obrigar as pessoas a terem uma dieta vegetariana, quer antes limitar o consumo de carne e peixe até sermos todos vegetarianos (que é o mesmo também). O PAN já não quer que os animais tenham tantos direitos como as pessoas, quer antes que as pessoas que tratam bem os animais tenham mais direitos e que as que tratem mal os animais sejam mais punidas (que, convenhamos, é também o mesmo).

# Façam um exercício simples: vão ao Facebook e vejam os seguidores de cada um dos partidos nas redes sociais. O PS tem 84 mil seguidores, o PSD tem 149 mil, o CDS 34 mil, o Bloco de Esquerda 97 mil, o PCP apenas 16 mil, a novíssima Aliança 17 mil, o Chega 22 mil e a surpreendente Iniciativa Liberal 62 mil. Então e o PAN? Recoste-se na cadeira: nada mais nada menos do que: 160 000 seguidores. Ou seja, é o partido com mais seguidores nesta rede social e tem quase o dobro dos seguidores do partido que está no governo. No Instagram são mais de 23 mil (o PSD só tem 13 mil e poucos e o PS não chega aos 10 mil). Só no Twitter é que o PAN desilude, tendo pouco mais de 4500 “followers” [seguidores] mas como sabemos não é nesse campeonato que ganham votos.

# Surpreendidos? É simples: enquanto os outros partidos ainda viviam na era dos blogues, já o PAN focava a sua acção no campo de batalha que se veio a verificar preponderante: as redes sociais (João Gomes de Almeida, Observador, 4 de Outubro de 2019).

Cartaz eleitoral do PAN em Lisboa, na Praça Marquês de Pombal, em 2019, com o enunciado de algumas das suas conquistas anteriores. O PAN viria a eleger 4 deputados.

Em suma, o PAN é um partido sincrético, que mistura bandeiras e amalgama temas formatados pela matriz do “politicamente correcto”. Inês Sousa Real, a nova dirigente e porta-voz do PAN, em substituição de André Silva (que desistiu, entretanto, de ser deputado), explicou muito bem o sincretismo que caracteriza o seu partido:

Inês Sousa Real disse haver quem se “inquiete” por o PAN não ser “nem de Esquerda nem de Direita”. Para a dirigente, o segredo do partido tem sido não compactuar com essa “ultrapassada e redutora dicotomia”. E explicou: apesar de “apregoar” preocupações ambientais, a Esquerda viabiliza projectos como o aeroporto do Montijo e “diaboliza a propriedade privada”; já a Direita defende uma “economia voraz” que destrói o mundo rural e natural: “A tradicional dança entre a Esquerda e a Direita não serve” para o futuro, reafirmou.

Logo depois, especificou: o objectivo do partido é ganhar força até às legislativas de 2023, “às quais nos apresentamos, evidentemente, para ser Governo”. Os cerca de 150 militantes que enchiam a sala – e que empunhavam bandeiras de várias cores, incluindo algumas da causa LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero] –, irromperam em aplausos (Jornal de Notícias, 6 de Junho de 2021).

19. Partir quase do zero, mas sem estar a zero (bem pelo contrário)

Esta senhora e o seu antecessor têm toda a razão num ponto essencial. Nem o ecologismo, nem o vegetarianismo, nem o animalismo, nem o identitarismo se pretendem de esquerda. É antes uma parte da esquerda putativa quem hoje (enfim, um hoje com mais de 20 e por vezes mais de 40 anos) se pretende ecologista, vegetarianista, animalista e identitarista. «Julga que mascarando-se de outra coisa consegue ser alguma coisa», disse lapidarmente João Bernardo.

Por todo o mundo, a esquerda com assento parlamentar, a esquerda governamental, perdeu as características distintivas da esquerda. Nada de significativo a diferencia da direita, salvo a pusilânime defesa que faz dos serviços públicos universais (rede pública de cuidados de saúde [em Portugal: Serviço Nacional de Saúde, Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, Instituto Nacional de Emergência Médica, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Instituto Português do Sangue e da Transplantação], rede pública de escolas de ensino básico e secundário, Segurança Social pública, e alguns nós da rede pública de Emergência e Protecção Civil), que apelida erradamente de Estado Social mas que nada tem a ver com o Estado, como vimos (cf. 2ª parte deste ensaio, secção 8.2, e 3ª parte, nota 26), e que a direita abomina com razão, por ser, nos países onde existe, um enclave de mutualização em sociedades onde a privatização reina suprema. Convenhamos que é pouco para merecer o nome de esquerda.

O apreço que uma parte da esquerda governamental tem pelas nacionalizações e pelo sector empresarial do Estado é, presumivelmente, o seu traço distintivo mais arcaico e mais genuíno, mas não constitui mais do que um irritante para a direita [108]. O modo capitalista de produção convive razoavelmente bem com um sector empresarial do Estado que, em certas conjunturas, pode até constituir o seu melhor seguro de vida. A descrição e a conclusão de João Bernardo continuam actuais, sete anos depois de terem sido publicadas. 

#1 Abandonando quaisquer transformações económicas substanciais e restringindo-se nesse campo aos paliativos, a esquerda governamental concentrou-se nas questões de costumes, mas mesmo aí deixa a desejar. Numa época recente ela ainda se singularizava por adoptar uma certa latitude moral, enquanto a direita era moralmente restritiva.

Agora já nem isto sucede. Até a defesa do direito ao aborto esqueceu a sua justificação originária, decorrente da má situação económica das mães que pretendiam recorrer a essa prática, e, pior ainda, em vez de assinalar uma progressão das fronteiras da imoralidade, invoca os argumentos da nova moral do exclusivismo feminino. Especialmente perversa, tanto nos pressupostos como nos resultados, é a institucionalização do casamento entre homossexuais, já que aplica o padrão tradicional dos casais heterossexuais e reprodutores àqueles de quem se poderia esperar que rompessem com esse formato moral.

A mesma perda de identidade atingiu a esquerda exterior às instituições estatais, que passou a repetir e desenvolver temas gerados na transição do século XVIII para o século XIX pela extrema-direita, anticapitalista, conservadora ou radical.

Isto tem sido muito notório na pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2, durante a qual temos visto uma convergência inédita entre movimentos antiglobalistas de extrema-direita e de “extrema-esquerda”, unidos num mesmo fervor contra as máscaras de protecção respiratória, contra o distanciamento físico de segurança, contra as medidas sanitárias de confinamento (isolamento profiláctico [= quarentena], isolamento, etc.),  cantonamento (restrições territoriais de trânsito), condicionamento da lotação e ocupação de espaços públicos confinados e encerramento temporários de certos tipos de estabelecimentos públicos, contra os Testes Moleculares de Amplificação de Ácidos Nucleicos (TAAN), contra as vacinas, contra os certificados de vacinação, contra a ciência.

Agosto de 2020. Três participantes na primeira manifestação em Lisboa contra as medidas sanitárias antipandémicas, convocada com a palavra de ordem Desmascarar pela Liberdade”. Os dizeres nas T-shirts são os seguintes (da esquerda para a direita). “Parem de proibir tanta coisa...Não consigo desobedecer a tudo!”; “O maior vírus é o medo”; “Então o objectivo não era apenas achatar a curva!”.  Foto do Arquivo Ephemera.


Bruxelas, 29 de Maio de 2021. Manifestação contra as vacinas e contra a vacinação destinadas a proteger preventivamente a população contra os efeitos potenciais mais graves da doença Covid-19 causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2. Na faixa lê-se: «Alto às vacinas!». Foto de Nicolas Landemart. Le Pictorium.

Mas há mais e ainda mais extraordinário; vimo-los também nutrirem-se de um mesmo fluxo ininterrupto de falsas notícias e fabulações conspirativas feitas para todo o tipo de crentes na magia, sobre os alegados planos malignos arquitectados secretamente pelo Fórum Mundial de Davos, a “Big Pharma”, a Organização Mundial de Saúde (OMS), a China, Bill Gates, George Soros, Justin Trudeau, o Papa Francisco, o Dalai Lama, etc. Segundo eles, esses planos foram feitos para, com o pretexto e a justificação de combaterem um alegado novo coronavírus denominado SARS-CoV-2:

Lisboa, 17 de Julho de 2021. Manifestação contra as vacinas e contra os certificados de vacinação, convocada com a palavra de ordem “Acorda Portugal!”. É possível que a oposição de muitos destes manifestantes aos certificados digitais de vacinação tenha a sua origem numa patranha do “médico” ginecologista italiano Roberto Petrella, militante anti-vacinas. É bem sabido que a OMS anunciou em 11 de Fevereiro de 2020 ter inventado um nome inglês e um acrónimo para designar a doença causada pelo novo coronavírus SARS-COV-2. O nome: Corona Virus Disease [Doença do Vírus Corona]. O acrónimo: COVID-19 [CO de “corona” + VI de “vírus” + D de “disease” (doença), sendo o número 19 uma abreviação de 2019, o ano em que a China detectou os primeiros casos de infecção na cidade de Wuhan]. Porém, para Petrella, «Covid-19 não é o nome do vírus», mas o acrónimo de «certificado de identificação da vacinação com inteligência artificial», sendo o número 19 «o ano em que [o certificado] foi criado». Segundo afirmou num vídeo divulgado nas redes sociais em 1 de Setembro de 2020, trata-se de um «plano internacional de controlo e redução de população» que foi «desenvolvido nas últimas décadas e lançado em 2020». Petrella afirma que o objetivo desse plano é exterminar 80% da população mundial. Foto de José Sena Goulão. Agência Lusa.

(i) fazerem de nós, seres humanos, cobaias de uma misteriosa experiência  laboratorial conduzida à escala planetária; (ii) mudarem o nosso ADN; (iii) implantarem-nos micro-dispositivos de controlo remoto; (iv) deitarem abaixo a economia dos EUA para favorecer a ascensão da China ao pódio de primeira potência mundial; (v) permitir ao grande capital financeiro e especulativo tomar o controlo da economia global; (vi) reduzir a população mundial matando os velhinhos; (vii) ajudar a vender vacinas enriquecendo ainda mais as grandes firmas farmacêuticas; (viii) precipitarem o mundo inteiro numa espiral de desemprego maciço, falências, pobreza extrema e desespero; (ix) impedir a imigração para a Europa e impor um sistema de vigilância em massa; (x) levarem as micro, pequenas e médias empresas da restauração e os negócios da noite (discotecas, clubes de striptease, casinos, bars, pubs, clubes de jazz, prostíbulos de luxo, etc.) à insolvência; xi), roubarem-nos a liberdade de circular e viajar, e assim por diante, num carrossel vertiginoso de fantasias abracadabrantes mutuamente contraditórias.

18 de Março de 2020.  São Paulo, Brasil. São 21h30. A foto foi tirada no interior do Bahamas, prostíbulo de luxo. A pista de dança e de striptease, com um pufe que imita um sapato de salto alto, está vazia. Duas bolas de espelhos giram solitárias, sem a presença de ninguém por perto. Há apenas quatro clientes em toda a casa, que tem uma área de 1.740 metros quadrados. Na entrada, uma recepcionista ao ser perguntada pelo repórter da revista VEJA sobre o número de prostitutas presentes naquele momento na casa, responde, com um ar resignado, «dezasseis». Na época pré-coronavírus, esse número, nunca era inferior a sessenta. Nalguns dias, chegava a 100.  No subsolo do Bahamas, onde há um enorme bar, além de vestiário e balneários, não há viva alma. O bar, aliás, está desactivado, mantendo o atendimento de comidas e bebidas apenas no andar térreo [109]Foto de João Baptista Jr./ VEJA. 

 

4 de Setembro de 2020. Um dos maiores prostíbulos da Europa, o “Pascha” [Paxá, em Português] na cidade alemã de Colónia, declarou  insolvência. «Chegámos ao fim», disse o director do Pascha, Armin Lobscheid, ao jornal Express. Segundo Lobscheid, o prostíbulo gastou todas as suas reservas financeiras durante a proibição da prostituição decretada pelas autoridades do Estado da Renânia do Norte-Vestfália por causa da actual pandemia de SARS-CoV-2. O prostíbulo Paxá funciona num edifício de dez andares e acolhe cerca de 120 prostitutas freelancers [por conta própria], além de cerca de 60 funcionários, incluindo massagistas, cabeleireiros, seguranças e cozinheiros. Foto: DR/Facebook Pascha.

#2 Nesta deslocação de sentidos e de referências, a esquerda exterior às instituições estatais, que em várias épocas constituiu uma efectiva ameaça [ao modo capitalista de produção], não passa agora de uma irrelevância. Exceptuando em alguns – poucos – países da Europa ocidental e da América Latina, esta esquerda tem sido ignorada nas principais lutas sociais dos últimos anos.

Isso verificou-se também durante a pandemia do SARS-CoV-2, onde essa esquerda – aquela que não se juntou ao coro da extrema-direita para vilipendiar e atacar as medidas individuais e colectivas de protecção da saúde pública, as vacinas e a ciência – tem brilhado pela ausência (voltarei a este assunto num texto que referi na 1ª parte deste ensaio e que ainda não terminei).

#3 A maior parte do que agora se denomina esquerda alheou-se do combate ao capitalismo como modo de produção, ou seja, como sistema de relações sociais de trabalho. No entanto, seria este o único sentido do anticapitalismo. A esquerda que não pretenda transformar radicalmente as relações sociais de trabalho limita-se a ser uma das correntes políticas do capitalismo.

A maioria da esquerda actual só se preocupa com o trabalho quando ele não existe. Quero dizer que essa esquerda se inquieta justificadamente com o desemprego e o part-time; mas, injustificadamente, parece esquecer que o assalariamento é o motor da acumulação de capital. É a esquerda do conformismo e não da ruptura. O emprego não é a solução para o desemprego. Só a liquidação do capitalismo poderá solucionar tanto o desemprego como este emprego.

Para a maior parte do que agora se denomina esquerda o combate ao capitalismo foi substituído por uma crítica parcial, que põe apenas em causa o sistema financeiro, considerado improdutivo, no sentido de economicamente inútil e, portanto, gerador de lucros injustificados e necessariamente especulativos. Aliás, a noção de que haveria um «capital produtivo», com raízes nacionais, oposto a um «capital especulativo», de carácter internacional, surgiu originariamente nos meios da extrema-direita europeia nos primeiros anos do século XX e tornou-se um dos elementos constitutivos da ideologia fascista precisamente em virtude do carácter nacionalista que lhe está subjacente. A redução do anticapitalismo ao ataque ao sistema financeiro situa perigosamente a maioria da esquerda actual numa linhagem que atravessa o fascismo.

#4 Para reconstruir uma esquerda anticapitalista ou, mais exactamente, para reconstruir o anticapitalismo no espaço que hoje se denomina esquerda, temos de partir quase do zero. [110]

É possível que esta conclusão seja encarada como uma manifestação de desespero. Não a entendo assim. Temos de partir quase do zero neste particular, é verdade. Mas não estamos a zero, muito longe disso. Aprendemos muito com mais de dois séculos de história do modo capitalista de produção, carregados de lutas, acções, obras, teorias e propostas, emancipadoras umas e apresadoras outras, e podemos aprender ainda mais. Não temos de reinventar tudo, longe disso. Há muitos ensinamentos válidos na enorme experiência acumulada de que podemos e devemos reapropriar-nos. E há muita coisa fajuta de que temos de nos desembaraçar. Não estamos condenados a repetir os erros e a alimentar as ilusões que tantas vezes fizeram da briosa divisa da Associação Internacional dos Trabalhadores A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores – um descabido motivo de lástima, escárnio e rancor.

Vale a pena lembrar a este propósito que o romancista Albert Camus explorou todos os meandros do pessimismo (em A Queda) e da absurdidade (em O Mito de Sísifo), porventura as duas fontes principais do desespero. No entanto, foi ele quem disse:

O verdadeiro desespero não nasce perante uma adversidade persistente, nem no esgotamento de uma luta desigual. Nasce quando deixamos de perceber as razões pelas quais lutamos, e se precisamos mesmo de lutar. [111]

O meu intuito é apresentar factos e argumentos para distinguir económica e politicamente entre a “direita” e a “esquerda”; para dissipar a confusão entre oligarquia electiva e liberal, por um lado, e democracia, por outro – uma confusão cultivada com esmero tanto pela direita como pela esquerda putativa – ;  para sacudir o conformismo que leva a aceitar o sistema vigente de relações sociais de trabalho como o menor dos males; para ficarmos a saber as razões pelas quais lutamos quando lutamos pela democracia; para lutar lucidamente por ela, se concluirmos que precisamos mesmo de lutar, como julgo que realmente precisamos. Daí ter escrito este ensaio.

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P.S. Recebi hoje, dia 28 de Janeiro de 2022, uma mensagem de um amigo assinalando-me um artigo intitulado O Que Dizem os Deputados?, publicado na revista electrónica Interruptor. Os autores (anónimos) analisaram seis anos de debates na Assembleia da República, mais precisamente os 619 debates parlamentares das XIII e XIV legislaturas (2015-2021). 

Já li o artigo cujos gráficos e conclusões são bem interessantes. Respiguei um desses gráficos, que reproduzo abaixo, que corrobora a tese que desenvolvi ao longo deste ensaio, em particular a caracterização que fiz dos partidos portugueses com assento parlamentar e que se dizem de esquerda (PCP, PS, PEV, BE, Livre) nas secções 17.3, 18.1 e 18.2 desta sua oitava e última parte. 

Afirmei aí que «não existem em Portugal, entre os partidos com assento parlamentar, partidos de esquerda dignos desse nome. Creio que a asserção vale também para os partidos sem assento parlamentar». O que implica afirmar, nomeadamente, que os partidos que se autodenominam “socialistas” e “comunistas” não têm posições programáticas consentâneas com a instituição do socialismo ou comunismo como sinónimos da auto-emancipação económica e política da classe produtora mais numerosa  das sociedades capitalistas industrialmente mais desenvolvidas: a classe dos trabalhadores assalariados. Identifiquei essas posições como sendo a defesa da isonomia, da autonomia (individual e colectiva) e da mutualização, tal como estes conceitos foram definidos no ensaio. Afirmei também a este propósito: «Como, porém, existem partidos que se dizem de esquerda e que diferem dos partidos de direita por defenderem um módico de mutualização e de autonomia individual, precisamos de uma expressão para os designar. Proponho chamá-los esquerda putativa».

Quais as ideologias mais referidas por cada partido nos seus discursos na Assembleia da República? Frequência absoluta de cada termo em intervenções parlamentares nas XIII e XIV legislaturas portuguesas (2015-2021); não inclui intervenções de membros do Governo. Gráfico: Interruptor (CC BY-SA)  Fonte: Assembleia da República

Ora, o que eu não sabia na altura e que fiquei a saber agora pelo artigo supramencionado, é que os deputados dos partidos da esquerda putativa deixaram inclusivamente de falar em socialismo e comunismo. Presumo que, para um observador desprevenido, o resultado mais espantoso do gráfico da Interruptor reproduzido acima, seja o facto dos deputados do Partido Comunista Português (PCP) nunca terem pronunciado a palavra comunismo, nem a palavra socialismo, em 6 anos ! Conduta idêntica foi a do seu satélite, o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV). O Bloco de Esquerda (BE) também nunca empregou a palavra comunismo e empregou a palavra socialismo apenas 3 vezes.

Como mostra o gráfico (cuja iteratividade não consegui, lamentavelmente, reproduzir aqui), as palavras socialismo e comunismo são ainda usadas no Parlamento português. Mas com esta ressalva muito importante: durante os últimos seis anos (durante os quais prevaleceu uma aliança entre PS, BE, PCP e PEV – que se estendeu tacitamente também ao  PAN – que ficou conhecida como “a geringonça”) essas duas palavras foram quase sempre usadas não pelos partidos da esquerda putativa como bandeiras de combate político, mas pelos partidos parlamentares da direita política como vitupérios e espantalhos assustadores [112]

Espantalho feito para assustar pássaros, crianças atrevidas e nómadas. 

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N.B. Este ensaio está dividido em 8 partes, sendo esta a última:

1ª parte. Os critérios e os conceitos principais

2ª parte. Um excurso sobre o poder explícito

3ª parte. A igualdade em relação ao poder político

4ª parte. A desigualdade em relação ao poder explícito

5ª parte. A igualdade em relação ao poder económico

6ª parte. O poder explícito numa oligarquia electiva e liberal

7ª parte. O poder explícito numa democracia

(8ª parte. A esquerda inexistente)

que podem ser encontradas, por esta ordem, no Arquivo do Blogue, 2021, Agosto,

no fim da coluna da direita do blogue.

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Notas

[100] Salvo melhor informação, não há também, em Portugal, nenhum partido sem assento parlamentar que defenda esta posição.

[101] Salvo melhor informação, não há também, em Portugal, nenhum partido sem assento parlamentar que defenda esta posição. 

[102] O artigo 61.º (Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária) da Constituição da República Portuguesa diz o seguinte:

1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.

2. A todos é reconhecido o direito à livre constituição de cooperativas, desde que observados os princípios cooperativos.

3. As cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades no quadro da lei e podem agrupar-se em uniões, federações e confederações e em outras formas de organização legalmente previstas.

4. A lei estabelece as especificidades organizativas das cooperativas com participação pública.

5. É reconhecido o direito de autogestão, nos termos da lei.

A “iniciativa económica privada” mencionada no ponto 1 é um eufemismo para apropriação privada dos meios sociais de produção/distribuição, a qual, para abreviar, foi sempre designada como “privatização” ao longo deste ensaio.

[103] Recentemente (Maio, Junho e Julho de 2021) os partidos portugueses com assento parlamentar votaram favoravelmente (ou deixaram passar, abstendo-se) disposições legais que atentam contra direitos, liberdades e garantias pessoais inscritos na Constituição da República Portuguesa (CRP) — designadamente a liberdade de expressão e de imprensa (artigos 37.º e 38.º da CRP) e a inviolabilidade do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada (artigo 34.º da CRP). É o caso do artigo 6º. da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (lei nº 27/21) que confere à ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) o poder de definir o que é verdade e o que é mentira, o que é informação e o que é desinformação. Esta Carta foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, BE, CDS-PP, PAN e das deputadas não inscritas Cristina Rodrigues (ex-PAN) e Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e com as abstenções do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal, sem votos contra. É também o caso da recente alteração ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime (decreto n.º 167/XIV da Assembleia da República) aprovada pelo PS, PSD, BE e PAN, e a abstenção dos restantes partidos. Esta alteração visa facilitar o acesso do Ministério Público a mensagens de correio electrónico e a sua apreensão sem a autorização de um juiz de instrução, ao contrário do que acontece com a correspondência em papel. A mudança introduz, «restrições adicionais e não fundamentadas aos direitos, liberdades e garantias à inviolabilidade das comunicações e, reflexamente, à protecção de dados pessoais», viola «o artigo 179º do Código do Processo Penal», e representa «uma manifesta degradação do nível de protecção dos cidadão num domínio crítico da sua esfera privada como é o das comunicações», no entender da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que deu parecer negativo (Parecer 2021/74). A Comissão de Protecção de Dados refere ainda na sua argumentação que as alterações contrariam «quer a Constituição, quer os compromissos internacionais do Estado português, sendo insondável a razão da sua inclusão na Lei do Cibercrime». Em particular, «a “indistinção” entre dados pessoais e dados não pessoais viola a Constituição, na medida em que esta contempla “não só uma esfera de protecção para a reserva da intimidade da vida privada, como melhor a concretiza no direito à inviolabilidade da correspondência», acrescenta a CNPD. Estes dois exemplos recentes mostram bem que não se pode atribuir aos partidos portugueses com assento parlamentar a qualidade de intransigentes defensores dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Isso justifica a afirmação que fiz no corpo do artigo, a saber: nenhum destes partidos apoia a autonomia individual dos cidadãos na sua plenitude, mas apenas um módico, cujos limites, como se constata, estão sujeitos a grandes variações ao longo do tempo.

[104] Em 18 de Setembro de 2020, o Chega apresentou um projecto de revisão da Constituição da República Portuguesa (CRP), que propõe «a pena acessória de castração química ou, nalguns casos, de castração físico-cirúrgica, para as condutas que configurem os crimes de violação ou abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes e actos sexuais com adolescentes».  Em 3 de Julho de 2021, o Conselho Nacional do Chega aprovou a proposta de um «cadastro étnico-racial» — uma expressão usada pelo próprio dirigente e deputado do Chega no primeiro dia de Conselho Nacional. «O objectivo é que seja criado um registo do Estado para a identificação das comunidades subsídio-dependentes, onde estão localizadas, qual é a prevalência da subsidiodependência, qual é o nível de subsidiodependência», em que se procure compreender os «problemas de subsidiodependência», com informações de «natureza criminal ou comportamental» (Observador, 3 de Julho de 2021).

A primeira proposta do Chega viola o Artigo 25.º da CRP (Direito à integridade pessoal) que diz o seguinte:

1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.

2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.

e viola também o artigo 144.º do Código Penal (Ofensa à integridade física grave) que diz o seguinte:

Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:

a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;

b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;

c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou

d) Provocar-lhe perigo para a vida;

é punido com pena de prisão de dois a dez anos.

A segunda proposta do Chega viola o Artigo 13.º (Princípio da igualdade) da CRP que diz o seguinte:

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Estas propostas mostram que o Chega é inimigo dos direitos, liberdade e garantias pessoais que estão inscritos na CRP, apesar das ocasionais declarações em contrário do seu deputado e dirigente máximo. Isso qualifica-o como um partido de extrema-direita.

[105] João Bernardo, “Sobre a esquerda e as esquerdas (1ª parte)”. Passa Palavra, 27 de Abril de 2014,  https://passapalavra.info/2014/04/93811/

[106] Incluo o Partido Livre (PL) nos partidos com assento parlamentar porque elegeu uma deputada nas últimas eleições legislativas. O que aconteceu foi que essa deputada rompeu com o partido depois de ter sido eleita. A atitude ambivalente do PL em relação ao enunciado da 3ª crença está bem patente nesta passagem do seu programa eleitoral para as últimas eleições legislativas (2019): «Embora a acção governativa ou estatal seja crucial na criação de uma economia mista, com três sectores (privado, público e associativo/cooperativo), o nosso socialismo não é um estatismo. No entanto, há sectores que devem ser públicos e geridos pelo Estado».

[107] A acreditar no testemunho de Zita Seabra, ex-dirigente do PCP, no seu livro de memórias Foi Assim (Aletheia, 2007), o PEV foi uma criação do PCP sugerida por Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP durante 31 anos. Convém lembrar que o PEV sempre concorreu às eleições coligado com o PCP, na chamada CDU, pelo que não se conhece o tamanho e a composição da sua base eleitoral de apoio. Por isso, é interessante notar que o programa eleitoral do PEV para as eleições legislativas de 2019 é completamente omisso sobre qualquer referência à 3ª crença que mencionei no corpo principal deste texto, apesar de ela ser o traço distintivo mais forte do PCP, o seu parceiro de coligação eleitoral. Eu, pelo menos, não encontrei nada nesse sentido. Isso parece provar que o PEV foi construído para atrair um eleitorado bem distinto do PCP. Nesse sentido, a tese de Paulo Portas, «o PEV é um bocadinho como a melancia: verde por fora e encarnado por dentro», não tem pernas para andar e subestima grandemente a astúcia de Álvaro Cunhal.

[108] Esse “irritante” da direita – que é permanente e que se pode transformar em rancor em certas conjunturas – é fácil de explicar, sociologicamente. Desde o advento das sociedades anónimas (S.A) no século XIX, especialmente sob a forma de sociedades por acções cotadas em Bolsa (mercado accionista), que a titularidade da propriedade privada e da gestão quotidiana dos meios sociais de produção-transporte-distribuição de bens e serviços (fábricas, estaleiros, minas, portos e aeroportos, caminhos-de-ferro, companhias de navegação marítima, companhias de transporte aéreo, hipermercados, etc.) se cindiram nitidamente. Essa cisão tomou a forma de uma diferenciação, cada vez mais marcada à medida que o tempo foi passando, de dois grupos distintos no seio da classe economicamente dominante: os investidores-capitalistas (detentores nominais do capital) das S.A, por um lado, e os gestores de topo das empresas propriedade dessas mesmas S.A, por outro. Com esta agravante: enquanto o grupo dos investidores-capitalistas propendeu a fragmentar-se e a polarizar-se numa miríade de pequenos accionistas, de um lado, e de grandes accionistas do outro (como resultado dos movimentos complementares de dispersão por muitas mãos e da centralização em poucas mãos das acções cotadas em Bolsa, incluindo aqui entidades suprapessoais como os chamados investidores institucionais [fundos de pensões, bancos, companhias de seguros, etc.]), o grupo dos gestores de topo foi-se concentrando, especializando e homogeneizando cada vez mais. Por conseguinte, a classe capitalista (à qual Karl Marx deu, um tanto anacronicamente, o nome de “burguesia” em homenagem aos seus antepassados da era do mercantilismo) compõe-se, de facto, de dois grupos de indivíduos (ou duas camadas ou duas fracções ou duas secções, ou duas classes, como se preferir) bem distintos: os proprietários do capital (que colectam os rendimentos [dividendos, lucros, juros, rendas] “gerados” pelos seus investimentos sem terem de se maçar com o modo de os fazerem frutificar e que, portanto, se convertem em capitalistas-rentistas) e os gestores de topo das empresas S.A (incluindo bancos, fundos de pensões, etc.) onde está investido esse capital e que trabalham efectivamente para o fazerem frutificar. Isso não exclui, evidentemente, a sobreposição dos dois estatutos (investidor capitalista e gestor de topo) num certo número de indivíduos — como, por exemplo, nos casos de Jeff Bezos, na firma Amazon, e de Ellon Musk, nas firmas SpaceX e Tesla Inc, nos EUA. Mas o ponto principal a reter neste particular é a dissociação entre investidor-capitalista e gestor de topo como sendo a situação mais frequente das empresas S.A, sobretudo as mais poderosas. Mesmo Bezos e Musk, por exemplo, são apenas capitalistas (fundadores, mas não gestores) de firmas como a Blue Origin LLC (no caso de Bezos) e a The Boring Company (no caso de Musk). Existe, por isso, uma tensão permanente entre estes dois grupos da classe capitalista, que têm mundivivências algo diferentes e cujos interesses materiais e morais nem sempre coincidem, sobretudo no curto prazo. Essa tensão atinge o auge no caso do sector empresarial do Estado, que descarta totalmente um dos grupos (o dos capitalistas-investidores), substituído pelo erário público, e entroniza como indispensável o segundo grupo (o dos gestores de topo). O carácter supérfluo dos investidores-capitalistas para o funcionamento das empresas torna-se, nesse caso, ainda mais evidente aos olhos do grande público. É, portanto, perfeitamente natural que os partidos de direita – que representam politicamente os interesses da classe economicamente dominante, e, em particular, a fracção dos detentores privados do capital – vejam com desconfiança e irritação qualquer medida tendente a proteger ou (pior ainda, a seus olhos) a aumentar o peso do sector empresarial do Estado. Pense-se, por exemplo, a este propósito, na hostilidade que todos eles manifestaram relativamente à recente renacionalização da companhia aérea TAP (Transportes Aéreos Portugueses). Os partidos de direita encaram a multiplicação de medidas desse tipo como um dobre a finados da classe que representam, como uma espécie de eutanásia involuntária da sua camada mais antiga (a dos investidores-capitalistas), em favor da sua camada mais moderna (a dos gestores de topo) — “os capitalistas do saber, como lhes chamava Jan Waclaw Makhaïski. Há factos históricos que alimentam essa ideia, porque foi isso precisamente o que sucedeu na ex-União Soviética a partir do consulado estalinista (1928-1952) até à sua dissolução em 1991. Como o regime económico sui generis da ex-União Soviética foi fraudulentamente baptizado de “socialismo” pelos seus próceres a fim de se legitimarem aos olhos das classes trabalhadoras, tornou-se proverbial que a direita política ataque o enlevo que uma parte da esquerda governamental tem pelo sector empresarial do Estado e pelas “nacionalizações” que permitem constituí-lo ou aumentá-lo, acusando-a de querer instaurar o “socialismo”. Espero ter dito o suficiente para se compreender que o rótulo “socialismo” só seria aceitável, neste caso, se se acrescentasse: “socialismo dos gestores”. Há, porém, uma “ética da terminologia” como nos ensinou Charles Sanders Peirce (1902). E é essa ética que nos compele a não misturar alhos com bugalhos. Pela minha parte, sugiro “comensalismo de gestores” como uma expressão adequada (entre outras possíveis) para denominar o regime económico da ex-União Soviética.  

[109] João Batista Jr., “Sem clientes e boates vazias: o coronavírus abala a prostituição de luxo. Endereços famosos em São Paulo sofrem com movimento quase nulo diante da ameaça da nova doença”. Veja. Publicado em 19 de Março de 2020. Actualizado em 10 de Dezembro de 2020. https://veja.abril.com.br/blog/veja-gente/sem-clientes-e-boates-vazias-o-coronavirus-abala-a-prostituicao-de-luxo/

[110] Os excertos #1 e #2 foram extraídos da 1ª parte do artigo de João Bernardo, “Sobre a esquerda e as esquerdas” e os excertos #3 e #4 da 4ª parte do mesmo artigo, publicadas, respectivamente, em 27/04/2014 e 18/05/2014, na revista electrónica Passa Palavra.   

[111] Minha tradução de : «Le vrai désespoir ne naît pas devant une adversité obstinée, ni dans l’épuisement d’une lutte inégale. Il vient de ce qu’on ne connaît plus ses raisons de lutter et si, justement, il faut lutter. (Albert Camus. Actuelles : écrits politiques. Paris : Gallimard, 1997, p.14).

[112] Como salienta o artigo O que dizem os deputados ? « Os partidos são mais propícios a nomear ideologias opostas. Usam-nas como insultos, acusando os adversários de assumirem essa posição». A direita sabe perfeitamente que só há uma maneira de usar as palavras socialismo e comunismo como vitupérios e espantalhos assustadores e conseguir, mesmo assim, ser levada a sério por muita gente intelectualmente honesta, mas politica e historicamente muito ignorante. Consiste em associá-las, fraudulentamente, aos regimes de oligarquia despótica e economia estatizada que vigoraram no século XX na ex-União Soviética e nos países europeus membros do ex-Pacto de Varsóvia.

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